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Washington Fazolato

OS ETERNOS CONTRAS

 

por Washington Fazolato


Não há, em todo o universo boleiro, quem possa se arvorar a afirmar que jogou pelada sem nunca ter participado de algum “contra”.

Para o não-iniciados, vamos a etimologia da palavra: “Contra” vem do futebolês arcaico e rotula partidas entre times de ruas, bairros, vilarejos e cidades diferentes. 

Esclarecidas as dúvidas, vamos dar aos “contras” o valor que eles merecem no hall da fama das peladas.

No passado – e ainda em alguns lugares afastados dos grandes centros – os contras tinham caráter quase sacrossanto.

Geralmente, os convites surgiam quando um time começava a se destacar no contexto local e sua fama ultrapassava os limites geográficos de sua rua. 

No dia e hora marcado, partiam resolutos rumo ao campo de disputa, que podia ser uma rua asfaltada, uma quadra, um campo de terra, um terreno baldio ou quem sabe – sonho máximo – um campo gramado.

O local não importava. 

O importante era a aura de desafio, de batalha épica, de final de Copa do Mundo.

Os melhores eram escalados, com critérios rígidos: o atacante que não treme, o goleiro firme, a zaga imbatível, o meio-campo refinado etc.

Não havia espaço para experimentos, nem para pipoqueiros.

A pé, de ônibus, de kombi, de trem, partíamos para os contras.

Acompanhados dos pais, tios, amigos, seguia alegre a caravana.


Geralmente os contras, dentro de sua mitologia própria, acabavam invariavelmente em partidas duras, disputadas palmo a palmo, com lances que beiravam a violência.

No entanto, findo o jogo, todos deviam se abraçar, se cumprimentar e parabenizar o oponente.

Passei um desses contras às voltas com um atacante magrelo, alto, habilidoso e escorregadio.

Depois viria a saber que ele atuava no juvenil do América-RJ.

Cotoveladas, empurrões e trancos marcaram minha disputa com ele.

Após o apito final, apertou minha mão, sorrindo e me disse:

– Valeu, meu zagueiro!

Viramos amigos.

Infelizmente, nos tempos modernos, das quadras de society com grama sintética, é pouco provável que alguém saiba o que é um “contra”.

Talvez imaginem que seja um duelo bélico, que deverá resultar em mortos, feridos e depredações.

O respeito, a cordialidade e o espírito de confraternização estão meio fora de moda.

A essência dos “contras” se perdeu.

 

VITÓRIA DO TERRORISMO

por Washington Fazolato


Apavorado, encolhido na plataforma da estação do metrô, o pequeno José de Hollanda, de 7 anos, clama aos céus por sua vida.

Reproduzido na imprensa, esse é um dos milhares de relatos das barbáries ocorridas na quarta‎, antes, durante e após o segundo jogo da final entre Flamengo x Independiente (ARG).

O absurdo da situação dispensa análises grandiloquentes sobre a violência urbana, que quase que naturalmente é replicada nos estádios de futebol.

Gostaria de ponderar sobre os efeitos que experiências como a do pequeno José de Hollanda produzem ‎na futura geração de torcedores.

Para uma criança, uma ida ao Maracanã tem o aspecto de algo grandioso, quase mágico.

Ao menos era assim na minha época.

Não sou ingênuo a ponto de ignorar que ocorriam situações de tensão.

Na decisão do estadual de 1974, lembro-me da multidão se acotovelando na entrada das antigas bilheterias.


Aterrorizado, lembro que percorri uns dez metros sem pôr os pés no chão.

Dentro do estádio, sentados nas arquibancadas, rimos lembrando o ‎episódio.

‎Ontem não houve, por parte de ninguém – exceto os argentinos – motivo para risadas.

Violência num nível de assustar alguns amigos “ratos de estádio”, gente acostumada a cenários tensos.

Considero um autêntico milagre que ninguém tenha perdido a vida.

Mas com certeza, muitas crianças perderam totalmente o encanto com a ida ‎a um estádio.

O terrorismo venceu mais uma vez.