“Sinceramente, eu mesmo não consigo explicar como tudo dá certo comigo quando jogo contra o Botafogo”. Um dos maiores artilheiros da história da Portuguesa de Desportos e do Vasco, o centroavante faria anos hoje.
por André Felipe de Lima
Se houve um centroavante vascaíno que gostava muito do Botafogo, este foi o Pinga (José Lázaro Robles), cidadão paulistano que nasceu em uma casa modesta da rua Visconde de Parnaíba, no Braz, no dia 11 de fevereiro de 1924. Mas foi na Mooca — bairro em que também residiu este dublê de repórter — onde Pinga cresceu ao lado dos cinco irmãos. Todos verdadeiramente apaixonados por uma boa, porém “arriscada” pelada. Vamos explicar o porquê de tão inofensiva peleja na rua representava risco para Pinga e seus irmãos.
O rude pai dele, o espanhol José Robles, era operário de uma fábrica de fundição no Ipiranga. Criava os filhos com carinho, mas impondo-lhes disciplina e mostrando que mentira não leva a lugar algum. Qualquer ato de desobediência significava que uma coça estava a caminho. Dona Philomena Moreno, igualmente espanhola e mãe dos meninos, é quem fazia o papel de advogada dos filhos.
Muitas vezes Philomena evitou que o velho Robles empunhasse o cinto para “educar” os filhos amantes das peladas. Mas o velho pai tinha ojeriza. Abominava futebol. Philomena é quem acobertava os garotos, que saíam de fininho para rolar uma peleja no quintal do vizinho ou mesmo na rua. Coitados. Se o pai descobrisse, o chinelo ou cinto “cantaria” sonoramente na casa. Mas Pinga driblou o pai e foi ser feliz na vida com a sua pelota embaixo dos braços e rolando macia pelos pés. Era o que desejava. E foi o que fez. O pai conformou-se.
O grande craque herdou o apelido “Pinga” do irmão mais velho Arnaldo, que também jogou profissionalmente. O impiedoso centroavante figura na lista dos maiores goleadores da história do Vasco, mas brilhou antes na Portuguesa de Desportos, onde jogou ao lado de cobras como Julinho Botelho, Djalma Santos e Simão. Igualmente ao que fez no cruz-maltino — ou seja, gols — executava com maestria na Lusa. Foram centenas deles assinalados por um artilheiro implacável e um dos poucos craques de sua época a não beber ou fumar. Fato bastante incomum.
Pinga tinha uma vítima predileta de seus intermináveis gols: o Botafogo: “Nunca vi um atacante para dar tanta sorte contra os arqueiros botafoguenses como eu. Sinceramente, eu mesmo não consigo explicar como tudo dá certo comigo quando jogo contra o Botafogo. Até mesmo as jogadas mais complicadas e os tiros menos precisos resultam em gols. E o mais curioso é que minha sorte não se afirma contra um arqueiro isoladamente. Não. Todos os goleiros alvinegros passam maus pedaços comigo. Quem inaugurou a série foi o Osvaldo Baliza. Ele não dava sorte comigo, coitado. Certa vez, numa só partida, em São Januário, em disputa do Torneio Rio-São Paulo, ele engoliu três bolas minhas. Também Ernani, Adalberto, Amauri e Manga já deixaram passar, num só jogo, dois ou três chutes meus.”
O Botafogo realmente não tinha vida fácil com ele. Na reta final do épico Supersupercampeonato carioca de 1958, Pinga fez os dois gols da vitória de 2 a 1 sobre os alvinegros. O caminho para o título vascaíno estava mais que consolidado.
Pinga marcou mais de 250 gols pelo Vasco. Seu filho, o excelente ponta-esquerda Ziza, vi jogar (mas que ironia…) no Botafogo. Era arisco e com bom drible, mas jamais teve o faro de gol do pai.
Pinga foi único e herói de um passado de ídolos da bola e dos centroavantes de ofício, que dificilmente se repetirá no futebol brasileiro. Fica a pensata.