Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Marcelo Mendez

EX-AMORES DE UM ESTÁDIO QUE NÃO EXISTE MAIS, O FIM DAS EMOÇÕES DE VERDADE

por Marcelo Mendez


O Palestra Itália antes de passar por reforma

E vivíamos o ano da graça de 1976…

Era sábado à noite e com meus tenros seis anos de idade sentia que alguma coisa estava acontecendo na minha casa.

Minha mãe, Dona Claudete, preocupadíssima questionava a decisão de meu pai e de meu tio Bida, que estavam presentes naquela reunião, regada à vinho e berinjela de forno. Dizia minha mãe:

– Mas é uma loucura! Vai levar o menino desse tamanho pra ver jogo no estádio? Vocês dois tomam uns goles e mal cuidam de vocês mesmos!.

Meu pai, homem safo, calmo, sereno e já lindamente bêbado, ria suavemente e respondia com aquela paciência que só os que são do conceito podem ter:

– Fica tranquila, mulher. Eu e seu irmão vamos levar o menino para viver a maior experiência da vida dele. Depois que ele ver o Verdão, no Parque Antártica lotado, o garoto vai ser pra sempre, muito mais feliz. E a gente nem vai ter que cuidar tanto dele. A vida fará isso por ele. Vai por mim que vai dar tudo certo…


Não posso dizer que a filosofia cachacística de meu velho convenceu minha mãe. Nas minhas memórias também sei lá se isso a tranquilizou, mas o fato foi que no domingo eu, meu pai e meu tio Bida embarcamos no Fusca azul de meu tio rumo ao Pacaembu para assistir Palmeiras x Botafogo-SP, em um daqueles dias lindos.

De mão dada com o velho que me segurava com força, vestido de camisa 10 verde, caminhando com aquele montão de gente, eu já conseguia sentir que faria parte de algo muito grande. Paramos perto da entrada e enquanto tio Bida comprava os ingressos, meu pai me levou até um carrinho de cachorro-quente. Me comprou um e, pasmem, pagou um refrigerante, um guaraná Antárctica garrafa caçulinha! Uauuu!!! Tudo de gala!

Me recordo que na empolgação de comer o lanche, lambuzei toda minha camisa de molho, de catchup e tudo. Olhei pro velho com aquele olhar triste, meio que implorando pra não tomar bronca e aí já senti que esse lance de ir no estádio seria muito bom. Meu velho me olhou, deu risada e falou:

– Pode tirar a camisa filho, tá calor.

E quando meu tio Bida chegou com os ingressos entrei resoluto, todo sujo e feliz da vida.

Do jogo, me lembro de um 4×0 para meu Palmeiras com Ademir da Guia jogando tudo que um sujeito poderia jogar. Mas o que me marcou antes dos gols do eterno 10 do Palestra Itália foi um momento lá que o árbitro não deu uma falta clara para o Palmeiras. Nesse momento, a massa convicta do julgamento que estava fazendo ali do ocorrido se uniu e, em coro, mandou ver a resolução de sua indignação com um bem sincronizado coro endereçado ao bufão de preto: “Filho da puta! Filho da puta! Filho da puta…”.


Nessa hora, olhei assustadíssimo para meu pai. Quanta gente falando palavrão! Nossa senhora se minha mãe visse isso!! Aí, meu pai, nesse momento, comungando do mesmo sentimento que o povo todo em fúria santa vivia naquele instante, me olhou e disse:

– Filho, esse desgraçado desse juiz ladrão tá roubando a gente, você viu? É um filho da puta, meu filho!!.

E então, diante do inexorável argumento de meu pai, me fiz ser mais um daqueles e respondi a meu velho:

– É pai, é um filho da puta!.

– Isso mesmo meu filho! Xinga ele!!

E naquele momento, passei a gritar com todas minhas forças, de punho cerrado e tudo, os impropérios contra a progenitora do pobre cidadão de preto. E amigo leitor, lhe digo: Que poético era, xingar o “juiz ladrão” no estádio!

Mas não havia nada que pudesse ser mais onírico, mais dionisíaco, mais libertário para um menino de seis anos, do que um coro de vozes falando aberta e lindamente uns bons palavrões. Que delícia! Vivi aliaquele domingo meu primeiro assopro de liberdade, de alegria, de tudo que poderia ter de mais lindo. Sem camisa, sujo de catchup, esfregando um cachorro-quente na cara, vendo meu time jogar e falando um monte de palavrão! Pensei na hora: “Esse tal de estádio é o melhor lugar do mundo!” E foi.

Nas duras arquibancadas de concreto da vida, vivi de tudo: chorei, ri, xinguei, amei, vibrei, fiquei triste, fiquei feliz… Vivi como torcedor a plenitude e a vida só pode ser bela se for plena. E assim foi até uns tempos atrás, mas, o ano de 1976 passou…

SÃO PAULO, MAIO DE 2016

Foi um dia que resolvi ir ao velho Palestra de meu sonho de menino como torcedor, sem a necessidade da pauta. Não sabia muito bem o porquê daquela decisão, mas no trem que me levaria até a Estação Barra Funda, as coisas começaram a chegar perto de uma clareza. Ou algo parecido…

Tal e qual Marcel Proust, eu caminhava em Busca de Um Tempo Perdido. Uma época que de alguma forma eu sonhei. Tempo que fui menino, coisa muito maior, muito mais divina e bela do que o homem, o jornalista que sou hoje: cronista apaixonado, virado e transvirado a procura de amores, encantos, poesias e afins. Dessa forma, peguei minha mochila, meu ipod, meu coração e rumei ao Palestra. 

Da janela do trem, vi o mundo ao som de Neil Young cantando Out On The Weekend. Em um dos versos ele cantava “Veja o rapaz solitário/Saindo pro fim de semana/Tentando fazer valer a pena/Não se identifica com a alegria/Ele tenta falar/E não consegue começar a dizer”. Emoções…

Agora, com 46 anos de idade, homem feito, barba na cara, boca lindamente beijada. Olhar atento às coisas que cerca o que se diz por aí ser “o mundo moderno”. Na verdade, isso nada mais é que um grande nada, um vale vazio de emoções e sensações. Espaços preenchidos com a nulidade de PRÉDIOS, condomínios e seguranças. Muita tecnologia ao longo da minha caminhada e nenhum bom dia! Entre todas as novidades do mundo não consta a gentileza ou nada que seja humano. Cheguei perto do estádio.


Após reforma, o estádio mudou em diversos quesitos

Havia lá uns rostos diferentes, pessoas apressadas, com seus super celulares e quetais. Não achei por bem atrapalhar. Entrei no estádio:

Não chama mais Palestra Itália, agora o nome é uma tal de “Arena”.

Uma porcaria de plástico, sem vida, sem emoção, um rinoceronte, templo máximo da empáfia neoliberal a dilacerar todos os romances possíveis, uma ceifadora de tudo que é verdadeiro na vida. As pessoas pouco se importam com o jogo, sacam seus celulares e teclam freneticamente a vida via zap, não se falam, não se frequentam e a estes, pouco importa se o Palmeiras vai jogar contra o Santa Cruz, ou o Bambala…

São indiferentes ao mundo, dentro de sua tristeza tecnológica

Nada…

Dentro dessa tal Arena, não vi nada do que mais pulsava dos meus tempos de menino de arquibancada no velho Parque Antártica. Aliás, nem arquibancada tem mais por lá. Agora são “cadeiras”.

A alegria agora é “comedida”. O público mudou, não há mais muitos moleques do ABCD para comprar ingressos, os tais tempos modernos agora criaram uma coisa que chama “Programa de Fidelidade de Sócio-Torcedor”. Trata-se de uma espécie de cabresto “moderno” e “repaginado”. Os ingressos todos vão para estes, que pagam por uma mensalidade ou algo parecido, para ter algumas vantagens na aquisição de produtos referentes à marca que hoje é o clube.

Outra marca agora são os tais “Stewarts”. Uns sujeitos lá, de jaleco laranja, que ao invés de assistirem os jogos, bestamente ficam olhando pras nossas caras e enchendo o saco pra que se cumpram as normas imbecis das tais Arenas. Dado momento, onde estava, vi um desses em ação:


Placa na Arena Pernambuco (Foto: Diogo Amaral)

Um menino ali de seus 10 anos corria e cantava pelas cadeiras quando o idiota de colete veio perto e falou com a mãe:

– Senhora, nesse setor as crianças devem permanecer sentadas

Tristemente, o menino então sentou em sua cadeira. Fechei os olhos…

Na minha mente veio aquela tarde em 1976, veio meu Velho, meu Tio Bida. Ambos não estão mais aqui, não tiveram tempo de ver tudo virar essa coisa chata e modorrenta, não deixariam decerto o sujeito me dizer pra não correr, ou não falar palavrão, ou não fazer o que tivesse vontade.

Pensei que as coisas são doídas e todo desespero agora é moda, a gente vive se desesperando, assim como viemos perdendo tudo, tiram tudo da gente; Nossa grana, nosso emprego, nosso futebol, nosso direito de torcer como brasileiros torcem.

Abri os olhos e olhei bem pra cara do sujeito de jaleco e então ele veio à minha direção:

– Posso ajudá-lo senhor?

– Pode, me faz um favor; Vai pra o inferno seu arregado, bundão!

Me levantei, saí e não vi o jogo. Parei num buteco da Barra funda e enchi a cara.

Pela TV vi que o Palmeiras ganhou a coisa, mas não comemorei…

ODE À PANTERA, MEU POEMA PRA EUSÉBIO…

por Marcelo Mendez


Na volta para Portugal, os jogadores fizeram uma homenagem ao ídolo português

Tu foste grande, hábil, forte e mágico.

Pelo tempo que esteve pelas canchas, dividiste tua sanha de semideus com nós, pobres e reles mortais. No chão de grama que pisaste, fizeste odes e épicos.

Com a destreza de um milhão de malandros imortais de uma Lapa, que é eterna no sonho, bailaste com a bola, como bailava as cabrochas ao som de gafieiras imortais. No teu olhar de grande, tu querias o gol, tanto quanto o adolescente virgem quer o primeiro beijo na boca.

Agora, veja você, teu país ganha finalmente seu primeiro caneco.

Dirão os pragmatas idiotas que tu não estás mais aqui, que esse time não é teu e que foste embora sem vencer nada dos títulos que os mortais organizam

Pobres tolos.

Tu tens mais que título, tens a imortalidade.

Ganhas ao invés de troféus, milhões de corações pelo mundo, como este que te escreve essa ode agora. Por tudo isso, esse título, o primeiro da tua gente, também é seu e talvez só teu. Teu Portugal – tanto quanto tua Moçambique por osmose santa… – é o maior da Europa e tu, mestre, és o maior de todos, o primeiro em vários outros amores que a bola desperta. Por conta disso, mestre, finalmente posso te dizer:

Parabéns, Eusébio, tu és o maior de todos os campeões europeus!!

Da várzea ao sonho. Para Tavito, com amor!

::: por Marcelo Mendez :::


Em um domingo de sol, para Truffaut renascer e filmar, acordei para mais um dia de futebol de várzea, no ABCD, com aquele bom sorriso de menino saudoso no rosto e um som do Tavito nos fones, a caminho do campo do Nacional, onde Guaraciaba e Marajoara se enfrentariam pela decisão do Campeonato de Santo André. Pelo caminho, vi rostos, vi instrumentos de samba, vi sonhos, vi alegrias…

Senti firmemente a possibilidade intrínseca do surgimento de um milhão de odes poéticas que o futebol de várzea é capaz de me dar. Entrei no campo do Nacional e, naquele momento, “Rua Ramalhete” era a música que tocava e o verso citado é a premissa inevitável que rege os momentos que antecedem uma final da várzea. Em mim é assim, não tem como ser diferente…

“Sem querer fui me lembrar…” – Lembrei de tudo. Do menino que fui, do garoto que jogou bola, que amou, que se entorpeceu de paixões e fugas, do homem que em meio a tempestades, decepado, segurou muito mais do que apenas a primavera dos dentes. Eu quis a vida. Hoje quero a várzea…

Pelas ruas do Parque Novo Oratório, em meio aos ramalhetes que me são possíveis, sigo fortemente pelo caminho que pode me levar a algum lugar que não seja apenas calmo. Quero mais, quero tudo. Busco nos rostos e nos corações dos homens pela centelha de alegria que os moveu um dia e que por alguma estranha razão se apagou. A renitência do poeta em fazer dessa mínima centelha uma labareda de paixões e versos é o que mantém viva a beleza. Escolhi o futebol de várzea porque na várzea eu encontro tudo isso.

Asseguro aos senhores que em uma final de várzea reside toda a carga poética de um milhão de Shakespeares em fúria. Nada, absolutamente nada do que se ouse imaginar como épico, chegará aos pés de uma final de futebol de várzea. Obra prima alguma passará da condição de reles chanchada mal feita, ante uma partida de futebol dessas.

Uma final de várzea começa dez segundos antes do encanto e termina vinte séculos após o beijo na boca. Vejam esse domingo último, no campo do Nacional. Havia por lá dois times de futebol. Guaraciaba, lendário, tradicional, com toda a pompa de décadas de grandeza, de conquistas e títulos que o elevaram a condição de grande no futebol de várzea da cidade; Marajoara, novo, recém fundado em 1992, encontra-se na fina flor da lira dos seus 20 anos. Ambos querem obviamente o título, mas, de maneiras distintas.

Guaraciaba quer afirmação, calmaria, regozijo, mais uma glória entre tantas em sua história; Marajoara quer a festa! Na fúria e ira santa de seus 20 e poucos anos, o time recém chegado às grandezas curte a busca pelo título da mesma forma que um adolescente virgem vive sua primeira paixão. Uma coisa forte, sanguínea, intensa. Assim foram ao jogo.

Duro, pegado. O 1 × 1 levou aos pênaltis, não por nada de tática ou coisa parecida, de forma alguma. A decisão da marca da cal serviu para que sons de silêncio fossem ouvidos. Para que o mundo parasse para ver o campeão da várzea de Santo André. Quando Jorge finalizou a quinta cobrança dando o título ao Guaraciaba a magia estava feita. Abraços foram dados, bocas se beijaram e os corações voltaram do tempo em que foram paralisados até a bola definir seu destino: as redes. Título para o Guaraciaba e ode feita ao mundo.

Quem esteve no campo do Nacional viu: a várzea novamente abençoou o domingo.

A GRANDIOSIDADE ÉPICA DE PARRÃO E O BLUES DO PERNA DE PAU…

por Marcelo Mendez


E eis que tal e qual as câmeras de Michelangelo Antonioni saíam em busca da boca de Monica Vitti, eu, meu bloquinho e minha caneta Bic saímos atrás da sagração das chances possíveis da várzea nossa. Fui parar no campo do XV do Capuava em Santo André. Uma boa escolha… Afinal em tempos de “Padrão Fifa”, de elitizações esdrúxulas, de grama e de emoções sintéticas, se faz completamente necessária a busca da essência que mantém o futebol vivo. Algo que seja de fato verdadeiro e nesse ínterim, nada é mais pleno que um campo de terra batida. E foi isso o que encontrei.


Em um calor pleno de duas horas da tarde, debaixo de um sol pra lá de escaldante, de fazer derreter qualquer Lawrence da Arábia, vi uma bela e onírica pelada.

Em um calor pleno de duas horas da tarde, debaixo de um sol pra lá de escaldante, de fazer derreter qualquer Lawrence da Arábia, vi uma bela e onírica pelada. Sim meus caros, era um jogo de bola que não valia nada além do prazer, da sociabilidade em torno de uma partida de futebol. Sentei em uma mesa da tendinha que serve de bar no campo. Por lá pedi por uma cerveja e um simpático amigo me atendeu:

– Tem Itapaiva. Cinco conto.

Me serviu uma. Paguei e descobri com ele que o jogo era um clássico entre Marandubas x Nóis Guenta Mé. Eram times de amigos que se juntavam para bater uma bola e comer uma carne de sábado. Fiquei a observar, dei um bom gole na Itaipava e de primeira já vi a história se fazendo ali na minha frente.

No time do Nóis Guenta Mé, um jogador de corpo franzino e muita vontade, vestia a camisa 7. E então lhe foi feito um passe, certinho, bola correndo bonita, pelo campo de terra, facinha. O amigo, com uma concentração de fazer inveja a monge tibetano olhava para pelota marrom, vindo em sua direção e então… Furou! Sim, amigos, o nosso ponta direita deu aquela furada épica de fazer corar! O jogo continuou e em outra ocasião ao tentar matar a bola, deu de canela e assim seguiu: correndo muito, suando e dando galhofadas. Eis então que surge a coisa mais bela e mais fundamental para o futebol de várzea: O Perna de Pau!

Amigo leitor que me acompanha aqui nessas linhas vos digo de uma máxima perene: a vida seria muito mais poética se os homens de bem que habitam o mundo tivessem a dignidade de um perna de pau. O canela dura é um onírico, um lúdico. Há nele uma honradez, uma decência quase que comovente. Com a consciência de mau jogador de bola, o perna de pau atinge os píncaros de uma retidão de caráter épica. “Sai Parrão! Puta merda, ma como é ruim!!”

E esse é o nome de nosso personagem; Parrão! Parrão corre, Parrão chuta. Parrão faz lançamentos, Parrão bate escanteios. Parrão erra tudo! Mas ainda assim afirmo: Parrão é um Poeta!


Porque o papel do cronista não é buscar o berro impresso fácil das manchetes que o futebol das grandes corporações empurra goela abaixo, o esporte não é para isso.

Porque o papel do cronista não é buscar o berro impresso fácil das manchetes que o futebol das grandes corporações empurra goela abaixo, o esporte não é para isso. Se apenas existisse essa forma elitizada de ver e praticar o futebol, como estaria o nosso amigo Parrão? Jogaria ele no Corinthians, no Palmeiras ou num Mirassol da vida? Dariam ao nosso personagem uma camisa 7 para ele dar suas espetacadas? Pois é… Na várzea, Parrão joga. E sem Parrão a várzea não existiria. Para esse universo aqui retratado Parrão tem a importância que Paul Desmond tinha no Dave Brubeck Quartet, em sessões de Jazz alucinantes. Porque só com tudo que há de mais épico na perna de pau de Parrão, pode haver aqui uma crônica para os senhores lerem. Sem isso, estaríamos aqui tratando de obviedades objetivistas tolas e sem encanto, mas não…

O Perna de Pau é um Santo!

Por tudo isso, eu estufo meu peito, acerto minha postura e digo do fundo de meu coração feliz da vida: Parrão, eu te amo!


Foto: Maristela Raineri

Foto: Maristela Raineri

FELLINI VAI A VÁRZEA E O FOLK DO PARQUE NOVO ORATÓRIO

por Marcelo Mendez

O Museu da Pelada nasceu carioca. Por acaso. Sua origem é múltipla, pais baianos, mineiros, paulistas, tem de tudo nessa paternidade, até argentinos, italianos, franceses. Pelada pode até mudar de nome dependendo da região, a bola também, mas a essência não deixa dúvida: jogam todos do mesmo time, o Resenha Futebol Clube! Por isso, comemoramos a chegada de Marcelo Mendez, autor do livro “Contos da Várzea e outros blues” e que nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista. Nosso objetivo é ter correspondentes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Um chutinho de cada vez, chegaremos lá! Fala aí, Marcelo!!!   

 


Marcelo Mendez nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista

Marcelo Mendez nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista

“Não sei se Federico Fellini chegou a ver um jogo de futebol na sua vida. Decerto que ele não devia fazer a mais vaga ideia do que seja futebol de várzea. Mas ao filmar, em 1973, o seu espetacular “Amarcord”, o grande cineasta italiano se aproximou demais desse universo do qual venho retratar aqui.

No filme, Fellini volta a sua cidade natal, Rimini, na região da Emília-Romanha, e lá viaja por seus sonhos, suas lembranças, suas reminiscências de infância, tudo para contar como aquilo o influenciou para o cinema, para a vida. Está aí a semelhança de nossas intenções:

Várzea para mim é memória

Quando decidi “mergulhar” na várzea, de imediato me veio à mente todas as minhas lembranças, tudo que de mais tenro há na minha relação com o futebol, de como isso chegou à minha vida e definiu tudo, absolutamente tudo, que formou o homem que sou hoje.

Lembro com carinho de uma das histórias que, agora, contarei aqui, no Museu da Pelada. Às 9h30 tomei rumo da pauta. Nesse caso, com todo respeito, que me desculpe meu mestre da Sétima Arte, mas de longe o meu destino era bem mais bonito do que o dele. Afinal de contas, que Rimini do mundo pode ser tão bela quanto a ida ao “Estádio Distrital da Cidade dos Meninos”?

“Cidade dos Meninos”…


Campo do Juá, Mauá, SP | Foto: Fabiano Ibidi.

Campo do Juá, Mauá, SP | Foto: Fabiano Ibidi.

Pois é. A várzea no Parque Novo Oratório acontece por lá. No espaço voltado para o futebol amador dentro de meu bairro, temos hoje dois campos; O do São Paulinho e o do Nacional do Parque Novo Oratório, clube que tem importância fundamental para a vida desse cronista que vos redige estas linhas.

Ali, no campo do Nacional, comecei minha vida no futebol como jogador da categoria “fraldinha”, aos seis anos de idade, em 1976. Saí de lá em 1991. Ao longo dos anos, várias lembranças. Das idas com Tio Edinho, que me levava para jogar, da primeira vez em que fui sozinho com minha chuteira Olímpica de seis travas debaixo do braço, caminhando pela Avenida das Nações, ainda de barro, da final contra o E.C Santo André pela Copa da Liga de Futebol Infantil, em 1983, e da minha camisa 10.

Camisa que usei pelo tempo que por lá estive, pelo tempo que sonhei ser Zico, que bailei como Platini, que fui imortal. Lembranças…

Ao longo daquele caminho, pensando em quem partiu, em quem não vejo mais, o olho encheu d`água. Caro leitor, vos afirmo: futebol serve para isso. Para emocionar, para interagir para se apropriar do meio social. A várzea tem essa função. E isto me fez querer ir andando, tal e qual em 1976 pelo mesmo caminho que o menino fazia para saber como andam as coisas nesse rico universo ludopédico. Bom…

Livro “Contos da várzea e outros blues”, de Marcelo Mendez. 

http://www.editoracorrego.com.br/produto/contos-da-varzea-e-outros-blues-2/

Ao chegar, descobri que jogavam Santa Cristina x Renovação. Os times são de Santo André, um deles do bairro Santa Cristina e o outro, o Renovação, do Jardim do Estádio. Não conhecia nenhum. Conversando aqui e ali fiquei sabendo que o jogo era pela Terceira Divisão da Várzea, um campeonato de 21 clubes disputado a pleno sol do verão do ABCD. Partida tranqüila 5×0 para o Santa Cristina. Mas aí vem o meu senão aqui relatado:

Importa mesmo saber quem vence, quem perde, quem ganha o título da terceira divisão da várzea andreense? Seguinte…

Ao longo destes textos que chamarei “Contos da Várzea”, esta coluna tratará de coisa muito mais importante do que as falácias e bobagens do resultado frio, calculista e chato. Os arredores e seus personagens terão aqui o espaço de protagonistas porque do contrário nada disso fará sentido. A várzea será retratada na sua essência.

Afinal de contas, aqui o Fellini sou eu…