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Marcelo Mendez

MADEIRA DE LEI E DE VIDA, UM DOMINGO NA VÁRZEA EM MAUÁ

por Marcelo Mendez


(Foto: Reprodução)

São as singelezas que definem o futebol de várzea.

Acordar cedo num domingo, ver o dia começando, os carrinhos de feira rumo às frutas e verduras na periferia, os desejos de bom dia sendo trocados, o cheiro de frango assado vindo das máquinas que ficam nas calçadas, os instrumentos de samba sendo preparados para logo mais tarde, o jogo no campo do bairro, nas primeiras, ou segundas horas da manhã.

O que há de mais poético no rolar da bola marrom se encontra pelas ruas estreitas que nos levam para os campos dos arrabaldes do Brasil.

Dessa forma, rumamos eu e Marcelo Ferreira para o campo do América de Mauá. Um terrão situado na fronteira do Jardim Kennedy com o outro dos Jardins da periferia, o Jardim Mauá. No campo, mais do que apenas um espaço pra as atividades ludopédicas, se encontrava a resistência do mundo bucólico das províncias ante esse urbanismo louco, individualista e solitário dos dias de então.

A cancha fica no alto de um vale, adornado por comunidades um raro matagal e suas trilhas, onde o tempo é muito diferente da vida nos outros jardins de pedras que vivemos. Ali, garotos que não têm (E não precisam ter…) super smartphones, andam a cavalo, passeiam assim em seus domingos matinais.

Perto de mim, carrinho de vendedor de churrasquinho, bar do campo, isopor de cerveja, rosto colado na grade e muita alegria. Teríamos um jogo e nele, para muito mais que só o jogo, um personagem roubou a cena…

MADEIRA, A RESERVA POÉTICA NECESSÁRIA…


Madeira em ação no comando do Scorprions Mauá (Foto: Victor Limeira/Diário da Várzea

Madeira não é um sujeito que se rende fácil aos padrões vigentes do que se tem como recomendável, segundo as conveniências.

Brasileiro, nordestino, trabalhador, morador da cidade de Mauá, mais do que o técnico do Scorpions, Madeira é o que há de mais autêntico dentro da luta que é para o povo simples, sobreviver nesse mundo louco que vivemos.

Madeira é diretor, presidente, massagista, torcedor, apaixonado e tudo mais do seu time. O seu Scorpions enfrentaria o Dragões Nova Mauá, pela terceira rodada do campeonato de várzea da cidade. Aos que leem mais desavisados, isso pode não valer lá muita coisa e, então, para isso serve a crônica aqui escrita.

Aos 30 segundos de jogo, Madeira já vocifera contra a arbitragem! Na beira do campo, ele pula, vibra, xinga, torce, dirige a equipe. Não perde lá seu tempo com táticas mirabolantes, é sábio e entende que isso de nada serve para vida. Ali, ele fica de olho em tudo:

No arbitro auxiliar que não manda os adversários ficarem sentados no banco, na mesária que fica de olho no “zap-zap”, nas bolas que são chutadas para longe, nos erros da arbitragem, na cera do adversário, nas caneladas de seu atacante que perde gol feito, nos erros do bandeira que está a 50 metros dele… Madeira é o olho da vida!

Corre pra la e pra cá, invade o campo de jogo, dá dura em seus jogadores, reclama quando leva o primeiro gol, reclama do tempo, dos acréscimos… Luta! Madeira é sabedor do quanto é necessário na vida, se posicionar. Lutar pelo que se crê, não desistir jamais do que se sente, nunca… Nunca abandonar sua paixão!

O amor que Madeira tem pelo seu time de várzea é o que salva o mundo dessa mesmice, desse não-amor que os tempos bicudos nos impõe.

Como tal não podia ser diferente, Madeira arrumou mais um quiprocó por lá e foi expulso do campo. Do lado de fora enquanto reclamava sua sorte, viu seu time empatar o jogo.

Vibrou como se fosse um Rei, se alegrou como se a vida fosse bela e decerto, a de Madeira é bela sim.

É bela a vida de Madeira porque ele a encara com força, com vitalidade, com poesia, com paixão. Nada falta a ele porque em suas atitudes de coração ele é pleno. É uma honra para esse cronista ficar perto de um homem assim por alguns minutos. Madeira é um homem que faz bem a vida e faz o mesmo bem ao futebol de várzea. Por isso tudo falo dele hoje aqui nessa crônica…

Madeira é a única chance que a alegria tem para ser eterna.

A VÁRZEA EM DIA DE CHUVA

por Marcelo Mendez


(Foto: Marcelo Ferreira)

Futebol de várzea em dia de chuva me remete a épocas passadas em que o verso era farto e a bola marrom era intrinsecamente poética.

Aqueles eram tempos onde o futebol de várzea era acompanhado de boleias de caminhões, carretos e outras festas. Quem quisesse ver era só subir e partir para o barato. Foi um tempo em que o jogo acontecia com sol a pino, ou debaixo de chuva a cair aos cântaros. E quão belo era aquilo!

Para além dessa bobagem de “qualidade técnica do jogo”, aquelas partidas disputadas debaixo de chuva eram plasticamente épicas. Homens de camisas de algodão com números costurados nas costas, meias arriadas, encharcados de barro pelo corpo todo…

Eram verdadeiras esculturas humanas a perambular pelos sonhos, pelo meu imaginário. No final, o resultado pouco importava.

Último domingo viveu-se um tanto disso.

No meu Parque Novo Oratório, no campo do São Paulinho havia um jogo, aparentemente sem maiores pretensões onde dois times se digladiavam na cancha encharcada de barro e sonho. Meio que por profissão de fé, fiquei pra ver a peleja.

Em um dia de chuva, o futebol de várzea jogado sob céu cinza remete a algo melancólico, uma obra de Tchaikovsky, um jazz a lá Chet Baker.

No campo, uma partida que foi disputada por homens de uma dignidade comovente terminou em um 2×1 para o time de camisa mais escura, não procurei saber o nome, quero deixar assim; O time de camisa escura contra o time que outrora foi amarelo, cujo barro fez laranja…

Final do jogo.

Em meio a uma fria chuva que iniciava a tarde de domingo, os dois times saíam de campo.

Não ganharam nada material, não tinha repórteres a entrevistá-los, holofotes a clarear seus rostos adornados de lama, mas, aqueles times eram muito maiores do que as aparências tortuosas insistem em desdizer.

Os times de camisa escura e o de amarelo que o barro fez laranja foram no domingo último a resistência, a luta, a vontade de manter viva uma tradição.

De que domingo é dia de várzea.

Por tudo isso, a crônica de hoje vai usar esses dois times para homenagear os tantos outros que acreditam que o sonho pode ser mantido, seja sob sol, seja sob chuva.

Por tudo isso, agradeço a ambos.

Obrigado, caros… 

ANIVERSÁRIO DO CAMISA 9 PALMEIRENSE

por Marcelo Mendez


Eram cabelos compridos, de um semblante revolto, que usava camisa 9, que usava chutes precisos como versos e com uma fúria que contradizia a academia que era o time do Palmeiras…

Nos saudosos anos 70, ataque alviverde tinha um puma, rápido, mordaz, incisivo, infalível, para finalizar suas jogadas. O futebol o levou à seleção, lhe conduziu até a Copa do Mundo de 1974. O jeito livre e a personalidade forte de ser lhe renderam a alcunha que lhe perdurou por toda vida:

César Maluco

Acontece que César Lemos foi muito mais que tão somente um maluco…

Chegou no Palmeiras em 1967 e por aqui, em 325 jogos, marcou 182 gols, os tantos necessários para fazer dele o segundo maior artilheiro da história do Verde de Parque Antártica e isso é muita coisa.

Ganhou tudo, jogou tudo, amou muito, detestou outros tantos. Intenso como a poesia, verdadeiro como um Blues, César sempre foi muito César pelo tempo que ficou conosco no Palmeiras. Fez de tudo…

Meteu gol de tudo que foi jeito, correu atrás de cartola do São Paulo na final de um Campeonato Paulista, peitou zagueiro, diretor ruim, tudo!

No dia do seu aniversário, tive que aparecer aqui para lhe dar um feliz aniversário e, muito mais do que parabenizar, lhe agradecer:

Obrigado, César!

VIDA QUE SEGUE, BOLA QUE ROLA E A VÁRZEA NO MUSEU DA PELADA

por Marcelo Mendez


Marcelo Mendez (Foto: Fabiano Ibidi)

Era um vento frio e cortante, de uma manhã sem sol, com um céu cinza que era em mim tão somente triste…

O domingo de manhã que passou era muito diferente de todos os outros domingos de sol, dos tantos quantos domingos que acordei para a várzea com um sorriso no rosto, por pura contemplação de estar mesmo ali, a retratar as coisas do futebol de terrão.

Não que em momento algum me faltasse a alegria de falar de futebol de várzea. A ausência era a outra que a reserva de alegria que tenho não podia resolver…

Era a primeira pauta na várzea sem o Jornal ABCD Maior.

O corajoso Jornal do ABC, o bravo jornal, que abrigou em suas colunas, sete anos de cobertura do futebol de várzea da região, encerrou suas atividades. Assim, do nada… Acabou.

Não haverá mais meus parceiros motoristas, não terá mais o Josias dos Amores, Ceir, o Psicodélico, nem o sereno Jefferson a me levar pelos arrabaldes ludopédicos do ABC. Os amigos companheiros fotógrafos, Rodrigo Pinto, Andris Bovo, Amanda Perobelli, Fabiano Ibidi, Andreia Iseki… Tampouco.

Agora tal e qual o bluesman, seguirei sozinho pelas pautas, na certeza de que mais hora, menos hora, eu e meus amigos nos encontraremos nas encruzilhadas das vidas nossas. Mas tenho que seguir…

Fui então até o Campo do Nacional no meu Parque Novo Oratório para começar a história da várzea aqui com o Museu da Pelada.

O placar em 0x0 no jogo Colorado x Vila Sá é o primeiro da série das coisas todas que agora seguirão.


(Foto: Custodio Coimbra)

Aos amigos que chegam para me ler aqui, informo que agora, o Museu da Pelada será a casa da várzea do ABCD. Uma delas. Vamos aqui semana a semana contar a história desses obstinados que assim como esse que vos escreve, encontrou uma forma de seguir o sonho.

Todas as terças, a crônica aqui ficará. Seguem, portanto, os jogos, o sonho e a vida.

Bem vindo a todos e vamos seguir.

A bola marrom não pode parar. E não vai parar…

UM ABRAÇO NA NOITE AZUL OU, O DIA DO SÃO CAETANO LAVAR A ALMA

por Marcelo Mendez


(Foto: Reprodução)

Na entrada para as arquibancadas do Estádio Anacleto Campanella, onde o São Caetano faria a final do Campeonato Paulista da série A2, eu encontrei Guinho no caminho:

– Ei, você é aquele cara que escreve sobre várzea, né?

– Sim, sou eu. Tudo bem?

– Tudo, cara. Eu leio la suas crônicas, vi que você foi la no Inamar. Eu li, gostei demais!

– Como é seu nome?

– Guinho…

– Guinho, muito obrigado!

– Por nada, mas ó; Escreve sobre a gente também. Sou torcedor do São Caetano desde 1990, hoje a gente vai sair daqui campeão!

– Boa sorte, Guinho.

– Valeu!

Meio que nos despedimos ou algo parecido porque depois de nossa breve conversa não vi mais o Guinho. Como tal as estrelas da noite de São Caetano, ele sumiu, ou foi para algum lugar de onde não mais o vi.

No céu fechado, nublado da cidade, eu fui acompanhar a torcida do São Caetano no jogo que poderia trazer o Azulão de volta para o seu lugar, para o lugar dos grandes, dos que são felizes. O São Caetano tinha a chance de voltar a ser campeão depois de muito tempo. Um tempo ótimo…


Copa Libertadores de 2002

Campeão paulista em 2004, finalista do Campeonato Brasileiro em anos seguidos, finalista da Libertadores da América em 2002, o São Caetano era um dos times de ponta do futebol brasileiro. Mas veio então a derrocada.

Erros na sua administração, times mal planejados e outros tantos problemas e la foi o Azulão ladeira abaixo em todas as séries que disputava. E nessa hora o que fica?

A paixão.

Fica o que tem de mais puro no coração do Guinho, do Frisco, do Barata, meus amigos torcedores do Azulão. Fica por conta da resignação de uma gente que me recebeu de braços abertos entre eles, desde quando cheguei para compartilharmos à chuva, até o minuto final da partida, em um 2×1 em cima do Bragantino que lhes devolveu o melhor dos sorrisos em seus rostos.

Em meio a uma chuva fria, cortante, castigando nossas costas, esses garotos e garotas cantaram como se fosse a ultima das noites que lhes seria concedido o direito de cantar.

De rostos molhados pela garoa forte, castigado pelo vento que muda a temperatura na cidade, de mãos juntas, colados às suas crenças pagãs e ao que se tem como fé, os garotos da Torcida Comando Azul, torciam fervorosamente.

Enquanto o placar seguia em 1×1, os rapazes de São Caetano assistiam a tudo de olhos vidrados. Sonhavam amiúde, de maneira curta, clamavam por um átimo de encanto. Por uma entidade que tomasse conta de suas almas e os levassem para muito além da razão, da quimera rasa dos sentidos. Era o clamor pela catarse que o gol gera. E ela veio…


(Foto: Reprodução)

Eram jogados 20 minutos do segundo tempo, quando Regis empurrou a bola pra o fundo das redes do Bragantino. Os meninos de São Caetano, choraram, riram, gritaram, oraram… Por conta de uma bola que balança a rede, por uma fração de alguns segundos, todas as experiências contidas no exercício de viver são ali compartilhadas por eles. Era a hora da festa!

Não haveria mais sustos, não teria mais nada que atrapalhasse o riso. O São Caetano voltava a ser campeão em campo, empurrado pelo grito de amor e fé do seu torcedor. E por falar nele, o torcedor, na saída do estádio, reencontrei Guinho.

Ele não falou nada, não me perguntou nada. Apenas me abraçou como a quem abraça um velho amigo e sem a menor necessidade, me agradeceu:

– Cara, muito obrigado por você ter vindo. Deu sorte!

Imagina. Eu que sou eternamente grato ao Guinho e a todos os torcedores do São Caetano.

Vocês me emocionam profundamente…