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UMA MÁQUINA NA MÃO, UMA FRUSTRAÇÃO NA CABEÇA

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Cheguei ao Flamengo levando junto do Fluminense, em 1976, o maior lateral-direito em atividade do país, Toninho Baiano. Leovegildo da Gama Júnior, então titular da camisa 2, recebeu do nosso treinador, Carlos Froner, uma dica: ou vai se adaptar na lateral esquerda e disputar a posição com Wanderley Luxemburgo (o titular, Rodrigues Neto, tinha ido para o Fluminense no troca-troca) ou sentar no banco de reservas. Júnior aceitou o desafio e se adaptou tão bem à nova posição que chegou à seleção brasileira.

Na concentração, reparei a quantidade de saladas que seu prato continha, chamava a atenção diante de outros, como o meu, não tão politicamente saudáveis. Como todos ali que jogavam por amor à camisa, que nem tinha patrocínios, Júnior abriu mão das noitadas. Treinava de dia na Gávea e à tarde corria nas areias fofas de Copacabana. Sua renúncia e cuidados foram longe, se tornou o jogador que mais vestiu a camisa rubro-negra em jogos oficiais: 865. Só quem se cuida muito conseguiria alcançar patamares que Adriano, Ronaldinho Gaúcho e os integrantes do Bonde da Stelinha nem sonharam chegar.

E é sobre este exemplo de desportista, ilustre cidadão carioca e meu amigo que dedico esta crônica. Pois na semana passada postaram no Facebook cenas de sua intimidade. Num restaurante cercado de amigos e admiradores, bebeu um pouco mais. Tinha direito, era dia de folga na Rede Globo onde nos brinda com o melhor e mais imparcial dos comentários. Todos já bebemos acima do normal e nossas mulheres nos levaram em segurança para casa. Mas entre o ídolo, sua privacidade e os seus admiradores, havia a postos no local um jogador frustrado de plantão. Com uma máquina na mão, uma inveja na cabeça, um sonho inalcançável de ter sido jogador de futebol, registrou tudo. E jogou na rede.


Até a invenção da Internet, recalcados e frustrados sofriam, afinal, em que lugar poderiam expor suas fraquezas sem serem percebidos? Daí veio a rede social a lhe estender a tela, palco e o anonimato onde poderiam postá-las, compartilhá-las com outros recalcados que passariam frustrações à frente. Não conhecemos quem gravou a cena, mas quem o fez tem o perfil daqueles que sempre se incomodaram com a luz que Júnior irradia, carregando atrás de si cidadãos carentes de ídolos e a procura de um autógrafo, uma foto, um registro seu para a história.

O recalcado da vez não deve ter passado de um jogador qualquer no Aterro do Flamengo. Não sabe onde fica Pescara, e do Estádio Sarriá, em Barcelona, nem passou por perto. Nem que fosse para sofrer junto com a gente. Sua vingança por não ser famoso e tão bom de bola acabou no exato instante em que o Flamengo, 48 horas depois, entrou em campo contra o Bahia e o nome e rosto do Júnior na bandeira, imortalizada ao lado da do Zico, foi erguida com orgulho outra vez pela torcida na Ilha do Urubu. E vai ser sempre assim. Quando uma nação tomba um monumento seu como patrimônio histórico e esportivo, melhor os frustrados de plantão recolherem suas câmeras. E retornar às selfies com que vão revelando, a cada dia, o tamanho da sua mediocridade.

OS DOIS LADOS DA BOLA

por Marcos Vinicius Cabral


Quis o destino que os “Deuses do Futebol” tornassem o ano de 1974 marcante para Wemerson Lins Brum e Leovegildo Lins Gama Júnior.

No mundo ludopédico, tradicionalmente conhecidos como Lins e Júnior.

Foi em janeiro de 1974 que o recém-nascido Lins dava, no Hospital São Paulo, no Ingá, em Niterói, seu primeiro choro em vida.

Havia em Dona Elza, sua mãe, alegria em acordar nas madrugadas para amamentar e trocar suas fraldas, pois o pequeno Lins era a realização de um sonho dela com seu esposo Moacyr.

Em dezembro do mesmo ano, um certo Júnior marcava um golaço do meio-campo, na vitória do Flamengo por 2 a 1 sobre o  América.

O gol em si – precedeu o título carioca em um empate sem gols contra o arquirrival Vasco da Gama – foi marcado no Maracanã e percorreu alguns bairros como Tijuca, Cidade Nova, Praça Mauá, Glória, Flamengo, Botafogo, até chegar em Copacabana, onde Dona Vilma pulava de alegria com o primeiro de muitos triunfos do filho, camisa 4 e lateral-direito do Flamengo.

Se havia um brilho ímpar nos olhos das progenitoras dos predestinados filhos, as emoções em trocar uma simples fralda ou amamentar na madrugada, assim como o gol antológico ou o título logo no primeiro ano como profissional em uma noite iluminada no Estádio Mário Filho, representariam para elas um orgulho imensurável.

A vida seguia seu fluxo normal e ao ganhar pela primeira vez um presente especial das mãos de seu pai, seu Moacyr, o pequeno Lins entenderia aquele gesto paterno como um mandamento: amar a bola sobre todas as coisas.

Foi a primeira vez que, com os olhos marejados, seu Moacyr ficou emocionado com o sorriso sincero e inocente de seu filho.

Já Júnior, então com 22 anos, jogaria sua primeira e única Olimpíada, a de Montreal, no Canadá, na lateral-esquerda.


Contudo, dois anos depois, acabou tendo uma grande decepção ao ser preterido pelo técnico Cláudio Coutinho, que optou em improvisar o tricolor Edinho na lateral-esquerda, na Copa do Mundo da Argentina, em 1978 e não levá-lo ao Mundial na Argentina.

Mas apesar do ato imperdoável de um dos maiores treinadores do Clube de Regatas do Flamengo, os rubro-negros sabem que “herrar é umano”.

Já no fim daqueles anos, o pequeno Lins passou a ser chamado carinhosamente na infância de “Merson”, por ter sido uma criança dócil e benquisto pelos moradores da Rua Benjamin Constant, no Barreto em Niterói.

E Júnior, ganhava dos companheiros de clube e da imprensa carioca, o apelido de “Capacete”, por ostentar um cabelo estilo “Black Power” (movimento representado pelo orgulho racial que teve início nos anos 20 mas ganhou notoriedade durante o período dos direitos civis no final dos anos 60).

Na abertura da década seguinte e na mais prolífera do vermelho e preto, o ano de 1980 traria importância às vidas de Lins e Júnior.

Se os jogos do Flamengo,  transmitidos pela Rádio Globo, na voz marcante de Waldir Amaral, criador do “Galinho de Quintino” – que acompanha Zico até os dias de hoje – eram a única forma de acalmar o espevitado Lins, que dava trabalho aos seus pais com suas peraltices inimagináveis, Júnior sagrava-se campeão brasileiro pela primeira vez, em um Maracanã apinhado de 154.355 rubro-negros.

Ao assoprar o apito com veemência, decretando o fim da partida, o árbitro José de Assis Aragão tornaria aquele épico Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro, a primeira alegria a nível nacional de Lins como torcedor e de Júnior como jogador.

Talvez tenha sido e permanecido até hoje, a maior rivalidade de dois gigantes do futebol brasileiro, oriundos de estados diferentes.

Alguns anos passaram e em 1984, com 10 anos, Lins foi parar no Praia Clube, em Niterói, para ser lapidado pelo “professor”Jair Marinho (lateral-direito reserva de Djalma Santos, na Copa do Mundo do Chile, em 1962), que viu qualidades no menino franzino.

E Júnior, já consagrado com três Brasileiros, alguns Cariocas, uma Libertadores, um Mundial e a Copa do Mundo de 1982, como cereja do bolo de uma belíssima carreira, desembarcava na Itália.

O camisa 5 do Flamengo aceitou uma oferta do Torino-ITA de dois milhões de dólares para jogar no duro “Calcio Italiano”, com 30 anos e pensando no futuro,  pediu ao técnico Luigi Radice para ser deslocado ao meio de campo, a fim de se preservar mais fisicamente e pôr em prática sua visão de jogo privilegiada. 

Com um futebol envolvente, a idolatria ao craque ficou ainda maior perante os torcedores, principalmente após os casos de racismo e preconceito de “pseudotorcedores” rivais.

Na partida contra o Milan, no San Siro, Júnior foi alvo de xingamentos e cusparada e, contra o Juventus, foi vítima de faixas racistas.

À procura de um lugar ao sol em solo brasileiro por onde pisam pés apaixonados e sofridos pela bola, o zagueiro Lins enfrentou os obstáculos como qualquer garoto de sua idade.

Acabou, com muita determinação, percorrendo um árduo caminho nas andanças pelos clubes.

Vestiu camisas como a do Palmeiras de Niterói e do Caramujo, ambos pela categoria infantil e adquiriu experiência para alçar voos maiores.

E na terra do Coliseu, com uma cabelo mais moderado e um futebol cada vez mais encantador, Júnior desfilava seu talento nos gramados italianos.

Pelo Torino, clube fundado em 1906, enfrentava jogadores do quilate do francês Platini, do polonês Boniek e do italiano Paolo Rossi na Juventus; dos brasileiros Edinho e Zico na Udinese; dos brasileiros Alemão, Careca e do argentino Maradona no Napoli; do italiano Baresi e do trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten no Milan; do brasileiro Falcão e do italiano Conti no Roma; do brasileiro Cerezo e do italiano Vialli no Sampdoria; do trio alemão Matthäus, Klinsmann e Rummenigge no Internazionale e mesmo assim, se tornou em 1985 o melhor jogador do Campeonato Italiano.


O ex-camisa 5 do Flamengo já era considerado um “Maestro” pelos italianos.

E o Lins, no Campeonato Niteroiense, era eleito por três vezes como o melhor jogador, nos anos de 1986, 1987 e 1988, coincidentemente nos anos em que sagrava-se campeão.

Como se vibrassem com um título, os torcedores do Pescara – apesar de nunca terem visto seu clube dar uma volta olímpica – receberiam de braços abertos a nova contratação naquele 1987: Júnior.

Os desafios eram maiores e no segundo ano de clube, apesar de não ter conseguido ajudar a equipe a manter-se na primeira divisão, ele foi eleito o segundo melhor estrangeiro da Série A, ficando à frente de grandes jogadores.

Nada mal para um jogador prestes a completar 35 anos e jogando em uma equipe modesta.

No entanto, em 1989, Júnior resolveu atender a um pedido de seu filho Rodrigo, então com 4 anos à época, de voltar ao Brasil.

O menino, que sonhava vê-lo jogando no Maracanã com o manto rubro-negro, havia cansado de ver no vídeo-cassete, as fitas VHS com os gols do Zico pelo Flamengo, que o “Galinho” mandava para o garoto ver.

Mesmo assim, reconhecendo sua importância para o clube da cidade de Pescara em Abruzzo, em sua despedida do futebol italiano, recebeu uma bela homenagem: uma partida entre as seleções de Brasil e Itália, revivendo a “Tragédia do Sarriá”, em gramado italiano dessa vez.

No mesmo ano, Lins ia escrevendo sua história com destaque nas categorias mirim e infantil do Flamengo, levado por seu Moacyr nas peneiras (testes nas escolinhas de futebol dos clubes) no Fundão e Cocotá na Ilha do Governador, em Jacarepaguá e por fim na Gávea.

Ficou apenas um ano no Flamengo, seu clube de coração e divagou como uma estrela solitária em busca de se firmar no cenário futebolístico, indo parar no Botafogo, onde ficou apenas três meses.

Muitos reconheciam seu futebol e foi parar no Olaria a convite de um amigo.

Percorreu o Brasil, jogando no Estrela do Norte Futebol Clube (ES), Paraná Clube (PR) e chegou a jogar na cidade espanhola de Las Palmas de Gran Canaria, no time do Unión Deportiva Las Palmas, após uma excursão bem sucedida do clube suburbano.

Mesmo sendo um nômade da bola, esperou um dia realizar dois sonhos: enfrentar o Flamengo e Júnior.

Os anos 90 surgiam no horizonte e tanto Lins quanto Júnior trilharam caminhos opostos nas carreiras.

Se Lins buscava sua profissionalização, sendo destaque no Olaria Atlético Clube, o “Maestro”Júnior (apelido recebido pelo fino trato à bola nos anos em que jogou no competitivo futebol italiano) conquistava títulos importantes como o da Copa do Brasil em 1990, o Campeonato Carioca em 1991, vencendo o Fluminense com uma exibição inesquecível e o Campeonato Brasileiro de 1992, disputado no primeiro semestre do ano.

Aliás, foi o único remanescente da década de 80 a conquistar o quinto brasileiro de sua história.

Portanto, ganhar o Campeonato Carioca de 1992, seria para o “Vovô” Júnior encerrar a carreira com chave de ouro, conforme ditado popular.

Já o Campeonato Carioca daquele ano, seria para Lins – jovem zagueiro olariense – a oportunidade em ser relacionado para o banco em algum jogo, pelo professor Toninho Andrade.

E seu maior receio era não jogar contra o experiente jogador da camisa 5 rubro-negra, que estava com 38 anos e com a aposentadoria batendo à porta.

Com isso, naquela quinta-feira, 19 de novembro de 1992, o Flamengo enfrentaria o Olaria, no Estádio da Gávea.

Para Lins, além de querer ser promovido aos profissionais – até a véspera daquele jogo era juniores – o que ele mais queria era estar perto do seu ídolo e viver aquela atmosfera.

Lembrou das suas lutas e do quanto batalhou para estar ali, pisando no gramado onde seu ídolo deu seus primeiros chutes.

Foi escalado sim, não na sua posição de origem mas de cabeça de área. 

Por instantes, segurou o choro ao lembrar das coisas que teve que abdicar para seguir na carreira.

Ao entrar em campo, sentiu um frio na barriga ao ver os jogadores do Flamengo, um a um, pisando no palco verde da Gávea.

Ainda meio disperso, viu com exatidão, o momento em que um enxame de repórteres entrevistava o recordista de partidas oficiais pelo Flamengo, com 876 jogos.

Enquanto seus companheiros do celeste suburbano batiam bola e aqueciam para o jogo, Lins não tirava os olhos da direção dos jornalistas.

Não havia tática e tampouco meios de parar o talentoso craque da camisa 5.

Mas Lins queria era jogar bem e registrar tal momento para um dia poder dizer: “Eu joguei contra o Júnior”.

Porém, antes do árbitro Paulo Roberto Chaves chamar os capitães para o tradicional par ou ímpar, Lins se aproxima do idolo e pergunta sem jeito: “Seu Júnior, dá pro senhor tirar uma foto comigo?”

Com alguns fios prateados no tradicional bigode e nas laterais da cabeça, a lenda rubro-negra se aproximou e fez o registro.

Ele (Lins), não lembra quem bateu a foto e nem da partida em si, pois foi há 25 anos.

– Na verdade, naquele Flamengo x Olaria, eu me entreguei de corpo e alma àquela partida. Com 18 anos, recém-promovido aos profissionais, joguei em uma posição que não era a minha, pois era zagueiro e fui deslocado para cabeça de área e enfrentar um ídolo como o Júnior, não pode ser considerado normal. Mas joguei e tentei aprender um pouco mais, porque aquele ali, realmente foi um maestro. Não tenho como explicar em palavras o que senti jogando contra ele. Sinto até hoje que foi um presente de Deus, algo que jamais vou esquecer”, diz emocionado.

Naquele 1992, o Olaria fez um bom campeonato, terminando em sexto lugar com 14 pontos, à frente do América e Bangu, clubes tradicionais da cidade.

O Vasco foi campeão invicto do torneio – conseguindo ganhar com facilidade as Taças Guanabara e Rio, deixando o vice-campeonato para o Flamengo, em um empate por 1 a 1, em São Januário. 


A equipe cruzmaltina, conquistaria o 18° título de sua história, contra o Bangu, com duas rodadas de antecedência.

Se Júnior não conquistou o título carioca, coube ao jovem Lins, conquistar seu título particular: enfrentar o veterano jogador.

Depois disso, as carreiras tiveram choques de realidade: Júnior parou um ano depois e Lins parou em 1996.

O vitorioso jogador rubro-negro, virou observador técnico da seleção brasileira em 1994, técnico de futebol, diretor de futebol e comentarista esportivo da Rede Globo.

Já o promissor e talentoso zagueiro do Olaria, virou bancário, trabalhou em uma seguradora e há seis anos, virou taxista. E a unidade 14 da Táxi-Forte, por onde conduz clientes contando suas histórias do mundo ingrato da bola.

De tudo, sua única saudade é de seu Moacyr, que faleceu em 2015:

– Meu pai foi meu amigo, companheiro de todas as horas, que me acompanhava nas partidas, treinos e onde eu estivesse, ele estava junto”, diz emocionado.

VIDA LONGA AO MAESTRO

por Marcos Vinicius Cabral


Sentado em um banco de concreto na Av. Atlântica, em Copacabana, desde às 19h, estava eu esperando pelo ídolo rubro-negro Júnior.

Ali sentado comigo e de pernas cruzadas, Carlos Drummond de Andrade em bronze, ouvia minhas lamúrias num frio de bater queixo.

Portanto, se naquela noite de sexta-feira, 27 de junho de 2008, eu já me considerava driblado pelo lateral-esquerdo do Flamengo, em um instante pensei em desistir do encontro no qual ia presentear o “Capacete”, que estava prestes a completar 54 anos.

O relógio marcava 21h e o jogo começou a mudar em poucos minutos, quando meu celular tocou.

– Boa noite, tudo bem? – perguntou do outro lado da linha.

– Boa noite, tudo bem… – respondi temendo que o craque da lendária camisa 5 dissesse que estava desmarcando nosso encontro.

– Beleza, você está sentado com o Drummond? – perguntou querendo se certificar que eu estava ali mesmo, no lugar marcado.

– Estou sim! – respondi e o telefone foi em seguida desligado, sem dar tempo de dizer a roupa que estava.

Assim que coloquei meu celular no bolso, percebi uma Cherokee Sport verde musgo se aproximando lentamente. 

Me levantei do banco e fiquei observando aquele carro que parou em frente ao local onde estava, ligando em seguida o pisca alerta:

– Fala Vinicius! “Vambora”, parceiro. Entra aí – disse já abrindo a porta do possante.

Entrei no carro meio embasbacado, não acreditando se tratar de Leovegildo Lins Gama Júnior, o jogador que mais vezes vestiu o manto rubro-negro em sua rica história.

– Tudo bem?

– Tudo e com você, maestro?

– Tranquilo… quer dizer que você é caricaturista?

– Sou! – respondi timidamente.

– Eu adoro caricaturas!


Diante dessa afirmação, foi então que pensei na responsabilidade que teria com a caricatura feita, que seria dada de presente ao maior lateral do Clube de Regatas do Flamengo, nestes 122 anos de existência.

– Caramba, e se ele não gostar do presente? – sussurrei baixinho e fiquei com esse ideia fixa martelando na cabeça.

Um silêncio permaneceu entre nós nos quase 10 minutos que levamos do local até onde ele estava me levando.

– Você bebe, Vina? – perguntou já se tornando íntimo e me apelidando.

– Não, Léo, não bebo! – retribui a intimidade, já que vi por diversas vezes o Galvão Bueno chamá-lo assim no programa Bem, amigos!

– Uma pena, mas você toma um suco enquanto eu vou de chopp, ok?

– Uhum – respondi balançando a cabeça positivamente.

Como o aniversário dele seria no domingo, dia 29 de junho, acreditava que seria um presente simples, afinal de contas, quantas caricaturas ele deve ter ganhado de caricaturistas mais renomados?

Na Itália, por onde jogou de 1984 a 1989 em alto nível, no Torino e Pescara respectivamente, ele deve ter recebido um monte delas, já que Annibale Carracci foi um dos grandes expoentes da caricatura, além é claro, dos artistas da Escola de Bologna como Pier Leone Ghezzi (1674-1755), que foi um dos primeiros a dedicar-se quase que integralmente à realização de caricaturas.

Porém, com tamanha responsabilidade de agradar ao nosso eterno maestro, não demorou muito e chegamos no tradicional Bar Cevada, que fica na rua Siqueira Campos, esquina com Praça Serzedelo Corrêa, no mesmo bairro.

Em alguns instantes estacionamos, pois o horário nos ajudou a encontrar uma vaguinha.

Mas se houve facilidade por um lado, perdemos muito tempo para chegar ao renomado bar, já que a cada dois ou três passos do maestro, os pedidos de autógrafos e fotos eram tantos, que acabou demandando um tempo considerável.

Na verdade, minha ansiedade fez com que eu achasse aquele momento muito demorado, pois o que queria mesmo era que ele visse logo sua caricatura.

Depois de se livrar da marcação de seus fãs, entramos no Cevada.

– E aí, maestro, o mesmo de sempre? – perguntou um dos garçons, já se adiantando no chopp sem colarinho.

Um sinal com o polegar e um sorriso típico, foram entendidos na mesma hora pelo garçom.

Enquanto pedia meu suco, observei sua reação ao abrir o presente.

Atentamente, olhei e vi quando o ele deu um sorriso enorme, como se aprovasse a caricatura.


Conversamos por aproximadamente uma hora e a partir de então, comecei a fazer as caricaturas de seus aniversários – que na maioria das vezes é comemorado em seu projeto social Samba dá Sopa – e nas datas de fim de ano.

Hoje, data que completa seu 63° aniversário e mesmo estando a 14.452 km (8975 milhas), ou seja, 18 horas de vôo entre Brasil e Russia, cobrindo a Copa das Confederações, nós, torcedores da Nação Rubro-Negra, queremos dedicar ao grande Júnior, um feliz aniversário e muitos anos de vida!⁠⁠⁠⁠

SONHOS DE UM COADJUVANTE

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Dizem que o novo assusta. Imaginem um novo com doses de genialidade, como o elástico de Roberto Rivellino, os dribles de Mané Garrincha, a bicicleta de Leônidas da Silva. Quantos, então, não se assustaram com o corta luz de Pelé sobre o goleiro uruguaio Mazurkiewicz na Copa do Mundo de 1970, no México? Se o estádio se calou e televisões assombraram torcedores pelo mundo, calculem a emoção dos que vestiam a mesma camisa amarela, como, Tostão e Jairzinho, e presenciaram toda a obra de arte ao seu lado?

Nós, ex-jogadores de futebol, privilegiados coadjuvantes das raras genialidades que por nossos gramados reinaram em décadas passadas, cuja ultima espécime a lhes dar vida foi o Neymar, às vezes acordamos no meio da noite de um sonho vivido. Teria acontecido mesmo aquele lance de verdade? Após conferir a jogada na lembrança, em meio a breve e escura vigília, e voltar a dormir, prometemos contar no dia seguinte para todo mundo. Não seria justo guardar as pérolas que assistimos de camarote, na Sala VIP do futebol, a centímetros da ponta das nossas chuteiras. Esta passagem me fez despertar no domingo, e buscar uma folha de papel, uma caneta, antes que a memória desperte cada vez mais preguiçosa.

Era meu primeiro treino no Flamengo, em Miguel Pereira, onde o clube fazia sua pré-temporada. Quando descia pela esquerda no coletivo sob o comando de Carlos Froner, via todo meu time me olhando, esperando lhes conceder o objeto de desejo, que estava ali rolando aos meus pés. Menos o Zico. Mesmo livre, às vezes, não me olhava. E eu tinha a bola. Estaria olhando pra quem? Não queria me dar moral por ter sido trocado pelo Doval? Daí eu a atrasava para o Júnior, procurava o Geraldo para a tabela ou cruzava na área para o Luisinho. Ao final do primeiro tempo Júnior se aproximou de mim. E perguntou:


Zé Roberto Padilha vestiu a camisa 11 no Flamengo

– Está com raiva das gratificações? Tá rico, não precisa do bicho? Notei que você não meteu uma só bola para o Galo!

Retruquei:

– Mas ele sempre olhava para o outro lado, como lhe passaria a bola?


Aí o capacete, que há mais tempo convivia com nosso camisa 10, explicou que ao pressentir que receberia um passe, Zico abria seu olhar giroscópio em busca de um repertório maior, para dar seqüência imediata às jogadas. Quando tinha certeza de que, livre, seria acionado, segundos antes já abria o GPS a notar se o Toninho passava apoiando a sua direita, o Tadeu estaria ao seu lado para cadenciar a jogada, Rondinelli, o Deus da Raça, livre mais atrás para reorganizar a saída de bola. Isto quando não partia em direção ao gol ao perceber a zaga adversária desarrumada. Como anteveria tantas opções olhando para quem, como eu, queria lhe passar a bola?

Depois da lição, lembrei da frase sábia de Neném Prancha: “O bom jogador vê, o craque antevê”. No segundo tempo do treino, mesmo diante do novo, do inusitado, tratei de acioná-lo imediatamente. Aliás, jogando no Flamengo consegui comprar o único apartamento de toda a minha carreira. Se não fosse o conselho do Júnior, e o destino glorioso que o Zico concedeu às jogadas que iniciamos, estaria vivendo de aluguel até hoje!

CRAQUES DO CAMPO E DA PRAIA

De óculos escuros e braços cruzados, o “rei da praia” observa do calçadão toda aquela resenha da rapaziada do Areia Leme. Embora tenha sido ídolo do Juventus, grande rival, Júnior não poderia deixar de comparecer na festa de 50 anos de um dos times mais tradicionais do futebol de praia.

– Venho com o maior prazer e satisfação, principalmente porque reencontro amigos que dificilmente vou ver no dia a dia! – disse Júnior.

Outra figurinha carimbada, que não perde uma pelada, seja na praia, na grama ou nas quadras, Jairzinho também marcou presença na festa do Areia. Morador de Copacabana, o “Furacão” estava em casa e não escondia a felicidade pelo encontro.

Além de Júnior e Jairzinho, Gilmar Popoca, ex-camisa 10 de Flamengo, Santos, Botafogo e Ponte Preta, bateu um papo divertidíssimo com a equipe do Museu da Pelada. Ao lado do amigo Brasília, o craque escalou o Flamengo da sua época, lembrou da concorrência com grandes ídolos do clube e falou sobre um jogo histórico nas divisões de base, no Maracanã.

– Eu fiz três gols de falta e ele empatou o jogo aos 45, com um gol de cabeça.

E Brasília reforçou a importância da partida:

– O João Saldanha dedicou sua coluna toda ao ‘jogo da tarde”, a preliminar do jogo de juniores.