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Jornalista

TRISTES RELATOS DE UM JORNALISTA ESPORTIVO

por André Luiz Pereira Nunes


O dia sete de abril é dedicado ao jornalista. Em que pese a importância da nossa profissão, não há muito com que comemorar. Quem acompanha o noticiário, tem total ciência das rotineiras e seguidas ondas de demissão que têm assolado os companheiros de classe, visto que jornais, portais, rádios e emissoras de TV passam por um delicado momento de severa contenção de despesas, sobretudo porque vivenciamos uma drástica crise em nosso país, já histórica e tradicionalmente assolado por inúmeras mazelas sociais e, que pra piorar, ainda se tornou um celeiro de novas cepas da Covid 19.

Escolhi por vocação, jamais por mau gosto, duas profissões maravilhosas que sempre me trouxeram prazer e bons amigos: jornalismo e o magistério. Sim, eu disse prazer e bons amigos, pois dinheiro e valorização profissional, infelizmente passam bem ao largo disso. Em relação ao jornalismo esportivo, que é obviamente o foco dessa matéria, vou-lhes contar a partir de algumas experiências pessoais como é desfavorecido o nosso trabalho.

Em diversas situações, ao longo de minha trajetória profissional, conquistei tremendos furos. O furo de reportagem acontece quando o profissional consegue dar a notícia à frente dos concorrentes, mediante esforço, talento, fontes confiáveis e credibilidade.

Vou-lhes contar um caso engraçado e, ao mesmo tempo triste, envolvendo essa questão. Certa vez, estava presente a uma reunião de um conselho arbitral na Federação de Futebol do Rio de Janeiro, no saudoso tempo em que as reuniões eram franqueadas a nós, o que posteriormente foi arbitrariamente proibido pelo presidente. Estava eu, portanto, acomodado em meu confortável assento quando um representante de clube me viu, se achegou e me relatou uma grande novidade. Tratava-se de uma notícia inédita que ele havia lido um ou dois dias antes. O interessante era que se tratava justamente de um furo que eu havia conseguido e noticiado. Eu, então, lhe disse:

– Amigo, o que você acaba de me relatar que leu na imprensa esportiva se trata da matéria que eu apurei e escrevi no veículo tal.

Aí ele me disse, muito constrangido:

– É verdade, André, agora me lembrei. Me desculpe. Eu não reparei que tinha sido você a escrever.

Esse fato ilustra o quanto o jornalista esportivo vale menos do que a própria notícia. É hábito lermos os jornais e não prestarmos atenção acerca de quem é o autor.

Outro acontecimento envolvendo a minha função ilustra bem a desvalorização da nossa profissão. Há cerca de mais de uma década fui convidado para ser assessor de imprensa de um grande clube do Rio de Janeiro. O presidente da agremiação me chamou em sua sala e então se deu o seguinte diálogo:

– André, você gostaria de ser nosso assessor de imprensa?

– Claro que sim, presidente. Seria uma honra.

– Só que tem o seguinte. Não podemos te pagar. Se as coisas melhorarem, pode ser que consigamos um dia. De repente, a gente consegue fazer um bem bolado. Sabe como é, né? É preciso roer o osso pra depois comer a carne. Pelo menos você fica na vitrine.

– Mas, espera aí, presidente. O senhor não vai pagar os jogadores?

– Sim, é claro.

– Não vai pagar o treinador, preparador físico e o restante da comissão técnica?

– Sim, é lógico.

– Não vai pagar o médico, visto que ele é obrigatório nas partidas?

– Vou, claro.

– Não tem patrocínio das empresas tal e tal para as despesas?

– André, estou entendendo, e sei bem onde você quer chegar, mas aqui o assessor de imprensa é sempre o último da fila. Todos esses que você elencou são essenciais para o espetáculo. Mas pensa comigo. Se não tivermos um assessor de imprensa, o clube jogará da mesma forma. Sem jogadores, comissão técnica e médico o time nem entra em campo.

– Sinto muito, presidente. Eu entendo a sua situação, mas não posso trabalhar de graça. Aliás, nem seria de graça. Eu teria que literalmente pagar para trabalhar, pois existem despesas, tais como deslocamento, que ficariam sob meu encargo, fora a manutenção do meu equipamento. Não há condições.

Convites como esses foram costumeiros e, ainda são recorrentes, na minha carreira.

Enquanto trabalhava em reportagens de campo, me deparei com situações verdadeiramente bizarras. Certa feita, fui cobrir um jogo decisivo, válido por uma das divisões de acesso, numa cidade do interior fluminense. O time mandante atuava num estádio cuja estrutura era totalmente precária. As arquibancadas eram feitas de tábuas, que por estarem totalmente soltas, se encontravam interditadas. Portanto, o jogo teoricamente não poderia ter público. Porém, havia um morro atrás do campo e foi para lá que se dirigiram os torcedores para assistir ao cotejo. Por volta da metade do segundo tempo, revoltados com o placar desfavorável, a claque começou a soltar morteiros que quase acertaram a mim e a um dos bandeirinhas. Pra piorar a situação, a arbitragem ao final da partida, teve que passar pela turba enfurecida para chegar ao vestiário. Houve tumulto que por sorte não resultou em agressões, pois também não havia policiamento. Naquele tempo eu ainda não tinha a manha e a malícia do experiente profissional e noticiei tudo nos mínimos detalhes. Pra meu azar, o delegado da partida nada mencionou sobre o ocorrido, o que me deixou em palpos de aranha. No dia seguinte, portanto, recebi uma carinhosa mensagem de que se voltasse um dia àquela cidade algo de muito ruim aconteceria comigo. O presidente do clube era uma figura influente e, por acaso, estava ligado à máfia das máquinas caça-níqueis e outras coisinhas mais. Pra minha sorte, não demorou nem um mês, foi metralhado em uma emboscada provocada por um grupo rival, fato que provocou risadas nos meus colegas, que jocosamente me disseram, logicamente brincando, que fora eu que o tinha matado. Voltei outras duas vezes à mesma cidade, em diferentes ocasiões, e não tive qualquer problema.


Outra situação interessante aconteceu quando fiz uma reportagem de jogo na Baixada Fluminense. O local só era acessível mediante moto-táxi. Percebi que o desolado caminho que levava ao campo servia de cemitério de carros usados para desmanche. Ao chegar finalmente ao estádio, fui apresentado ao presidente, demais membros da agremiação e alguns torcedores. Ficamos eu, a arbitragem e algumas pessoas conversando quando ouvimos, de repente, dois caras a uma curta distância conversando e, então, um disse para o outro:

– Cara, quase matei mais um hoje!

Posso lhes informar com total conhecimento de causa, e sem medo de errar, que a maioria dos assessores de imprensa de times do Rio de Janeiro ou trabalha de graça ou fica sem receber seus módicos vencimentos devido a costumeiros atrasos de pagamento.

Meus caros leitores, vocês não imaginam como é árdua a vida do jornalista. De como trabalhamos com afinco, energia e muita vontade para trazermos a notícia para vocês.

Me causa asco, por exemplo, presenciar colegas de profissão serem agredidos nas ruas por vândalos que são verdadeiros fascistas, apenas por fazerem o seu trabalho. O fato de alguém não gostar de uma determinada emissora não fornece permissão, a quem quer que seja, para molestar repórteres, cinegrafistas ou contra-regras, trabalhadores, como qualquer um de nós, que estão nas ruas expostos e que precisam trazer diariamente o pão de cada dia para suas casas.

Esta é uma singela e triste homenagem a todos os jornalistas esportivos do nosso país. Somos verdadeiros heróis!

OBRIGADO, OLDEMÁRIO

por Luiz Augusto Nunes


Oldemário se dizia um operário da notícia. Era muito mais do que isso. Tinha com a informação uma intimidade própria àquela que só os grandes craques têm com a bola. Que começou desde o primeiro dia em que pisou na redação do Jornal do Brasil, ainda na Avenida Rio Branco, e foi se estreitando com o passar dos anos, companheira inseparável durante tantas jornadas e coberturas. Sem formação acadêmica alguma, tinha a noção exata do que chamava “hierarquia das notícias” – ele não errava nunca o que era ou não manchete. Sonho de todo jornalista, Oldemário o realizou várias vezes: parou as máquinas para mudar uma edição. Maior repórter esportivo que conheci, Oldemário tinha autorização dos donos do jornal para tal. Eles confiavam no seu talentoso “operário de notícias”.

Oldemário Touguinhó, que nesta quinta-feira faria 85 anos, tinha quatro grandes amores na vida: a família, a Seleção Brasileira, o Botafogo e o Jornal do Brasil. Nesta ordem.


OBRIGADO, CONY

vídeo: Guillermo Planel

Considerado um dos maiores escritores brasileiros vivos, o jornalista Carlos Heitor Cony morreu na noite de ontem aos 91 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. Como éramos muito fãs dessa lenda, não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem, relembrando o dia em que ele revelou toda a sua idolatria pelo craque Didi:


Sergio Pugliese, Cony e Guillermo Planel

– Didi foi o maior que eu vi jogar. Ele tinha uma noção de futebol que nenhum outro teve. Ele sabia quando o time devia subir e quando devia se defender.

Cony era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000 e iniciou a carreira de jornalista em 1950. Entre os premiados contos, crônicas e romances publicados ao longo da carreira, destaca-se o “Quase Memória”, que vendeu mais de 400 mil exemplares e marcou o seu retorno à atividade de romancista.