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João Saldanha

DEPOIMENTO/JOÃO SALDANHA

por Mário Moreira


Encontrei-me com João Saldanha exatos 25 anos atrás, numa manhã de sexta-feira, no final de maio de 1989. Eu havia agendado com ele uma entrevista para minha monografia de fim de curso na PUC do Rio, cujo título era “A paixão clubística no comentário esportivo”.

Evidentemente, tratando-se do João Sem Medo – um dos maiores, se não o maior, nome da história da crônica esportiva brasileira -, não faria sentido restringir as perguntas a esse tema específico. Até porque a monografia envolvia outros tópicos, como a importância do comentarista, a linguagem utilizada nas análises, a diferença entre comentar futebol neste ou naquele meio de comunicação, enfim, questões pertinentes a um trabalho acadêmico daquela natureza. E o papo acabou descambando para o futebol propriamente dito, incluindo a polêmica passagem do jornalista pela seleção brasileira, e outros assuntos.

É essa entrevista, ainda inédita nos meios de comunicação, que o Jornal da ABI publica agora, aproveitando a realização da Copa do Mundo no Brasil. A conversa ocorreu no apartamento de Saldanha, no Leblon. Pouco mais de um ano depois, em 12 de julho de 1990, o grande jornalista morreria em Roma, onde participara, já muito doente, da cobertura do Mundial da Itália, encerrado quatro dias antes. Por sinal, o estado de saúde de João, então prestes a completar 72 anos, já dava mostras evidentes de deterioração naquela manhã de maio: ao longo da entrevista, ele sofreu vários acessos de uma tosse avassaladora, sintoma da grave insuficiência pulmonar que acabaria por levá-lo à morte.

Uma entrevista feita há 28 anos contém trechos inevitavelmente datados, como o que aborda a crise política na China que resultaria, dali a alguns dias, no Massacre da Praça da Paz Celestial. Por questões óbvias, não há menção à internet, que só chegaria ao Brasil seis anos depois. E Saldanha se mostra um tanto confuso em alguns momentos, como quando mistura datas ao recordar a doença e a morte do ex-presidente Costa e Silva, na época em que treinava a seleção para o Mundial de 1970. Mas o cerne do pensamento de João Saldanha sobre diversos assuntos – futebol, jornalismo, política, o Brasil – e sua verve inigualável estão lá.

Tive a sorte de encontrar a fita cassete com a entrevista ainda em muito boas condições. Lamentavelmente, 14 minutos estão incompreensíveis – já na parte final da conversa, João trouxe do banheiro um barbeador elétrico e começou a se barbear enquanto falava. Isso interferiu na gravação, e um chiado forte se sobrepôs ao diálogo. Uma pena, porque foi o trecho em que ele falava das táticas do futebol. A maior parte da conversa, porém, incluindo o final, está preservada

Como você começou no jornalismo esportivo?

João Saldanha – Eu já trabalhava em jornal há muito tempo. Como era ligado a esporte – fui treinador do Botafogo, e tal -, o Samuel Wainer pediu pra fazer esporte também.

Isso em que época foi?

João Saldanha – No começo de 60.

Você só começou no esporte em 1960?

João Saldanha – No jornalismo esportivo, foi a partir de 60. Eu trabalhava na Rádio Guanabara, e o Samuel Wainer, pra quem eu já havia trabalhado como jornalista comum, pediu pra fazer esporte e eu fiz. E estou até hoje.

Quando você foi trabalhar em jornalismo esportivo, já foi como comentarista?

João Saldanha – Já, já. Eu fazia coluna na Última Hora. E era comentarista de uma rádio. 

Em que rádio você trabalhava?

João Saldanha – Era a Rádio Guanabara. Era uma rádio que tinha… a melhor equipe. Todos os cobras de locutores: (Jorge) Cúri, (Oduvaldo) Cozzi, Doalcey Camargo, tudo era de lá.

O fato de você ter sido jogador e depois técnico foi um bom embasamento?

João Saldanha – Claro! Não é orgulho nem nada, mas o que escrevem de besteira alguns coleguinhas por nunca terem… É uma barbaridade! Eles podiam estar numa seção de polícia…. Até escrevem bem…

Você acha que é fácil entender de futebol?

João Saldanha – É, relativamente é, porque o futebol não tem grandes mistérios nem grandes modificações. 

Mas mesmo assim há comentaristas que não entendem?

João Saldanha – Nada. Como eu não conheço as particularidades do basquete, do vôlei – eu não conheço as leis! Eles não conhecem o jogo, as leis do desenvolvimento do jogo, então eles não podem conhecer! Claro que tem alguns que conhecem. Mas a maioria é uma calamidade! Eles chamam de quarto-zagueiro. (Saldanha estica quatro dedos da mão para mostrar que a denominação não faz sentido.) Qual é o quarto-zagueiro: um, dois, três, quatro. (Aponta os dedos.) Seria esse? Ou seria esse? Só porque, historicamente, foi o último a descer, então ficou sendo o quarto, porque já tinha três…. O cara que joga na frente dos zagueiros eles chamam de cabeça-de-área. Outro dia o Torres, zagueiro do Fluminense: “Não, porque eu jogo melhor de quarto-zagueiro que de zagueiro central”. (Mostra de novo os dedos.) Onde é o zagueiro central? Porra, geometricamente não tem senso: ou é este ou é este. Se o jogo vem por aqui, este é que faz cobertura. Se vier por aqui, é este. Mas eles não entendem isso. O futebol brasileiro está atrasado uns 30 ou 40 anos.

Os comentaristas esportivos têm a função de auxiliar na evolução do jogo?

João Saldanha – E na involução também.

Na involução também?

João Saldanha – Claro. Pelo total desconhecimento. Teve jogo ontem, nenhum deles analisa o que é que houve: houve pura e simplesmente um roubo! E o time do Vasco, o que é está acontecendo com o time do Vasco? É a seleção, porra! O Geovani tá vendendo (o meia vascaíno estava indo para o Bologna). Então, porra, o Geovani tem um milhão e tanto de dólares pra receber, ele vai meter a perna contra o Cabofriense? Que é que há? Não vai nem discutir. Então fica discutindo: “Porque não sei o quê, eu fui dominar, ela fugiu”. Fugiu o caralho! Ele não foi (na bola)! Ele não devia era ter jogado, tá certo! Aí vem uma mulher hoje que escreve uma besteira!… “Não há lei para esse negócio! Porque o jogador, porque o Banco Central….” Ora, porra, a lei da escravatura acabou, com a Lei Áurea, há cem anos! Então é claro que não há lei de venda de jogador! Não existe. A Lei do Passe é uma lei de relacionamento esportivo entre clubes. Uma compensação.

Essa questão do cabeça-de-área, que você combate muito….

João Saldanha – Isso não existe, pô! Não existe, não. Isso existiu na década de 30. Os italianos é que usavam o Andreolo na frente dos quatro zagueiros: Serantoni, Foni, Rava e Locatelli. E o Andreolo dava o primeiro combate. Mas isso prende e obriga…. Eles jogavam com dois meias recuados. Então eles faziam um meio-campo de três. Atualmente, como o meio-campo é mais adiantado, essa função é burra! O adversário tem dois homens aqui e você prende cinco atrás? Isso é um troço de uma burrice! E de um primarismo muito grande do treinador brasileiro. Nós estamos atrasados… Por isso é que está todo mundo encostando na gente. 

Por isso é que o Brasil faz jogo duro com qualquer um….

João Saldanha – Com qualquer um. Com a Venezuela ou com a Inglaterra. E era fácil, a Venezuela a gente passava por cima. Chile, essas porras…

Então a crônica esportiva tem realmente essa função…

João Saldanha – Evidente, pô! É como o jornalismo brasileiro. “Tropas ampliam a situação na China…” Porra, não tem… Eu trabalhei na China quase dois anos.  A China nunca teve um governo central lá, tem vários governos. Tomava conta a dinastia Ming, lá do sul, a outra lá do norte, a dinastia Manchu…. Outro dia apareceu um filme, “O Último Imperador de Pequim” (na verdade, o filme se chama apenas “O Último Imperador”). O cara não foi imperador da China porra nenhuma, foi imperador manchu! Foi metido lá numa dessas tentativas de negócio, pega o rei, bota lá, tira… E passa um filme daqueles… Puta que pariu!… Filme mentiroso, do começo ao fim, do (Bernardo) Bertolucci… Tá aqui a manchete… (Mostra o jornal do dia) O jornalismo brasileiro é esse, o que é que você quer? “Tropas ampliam a situação na China.” Notícias feitas aí, em Nova York, aqui… Ou então aquelas notícias assim: “Viajantes que viram não sei de onde…”. Tomar no cu!

E, para o público, qual a importância do comentarista esportivo? Ele é fundamental para o público entender o jogo?

João Saldanha – Eu não sei… Olha, acho que a gente fala demais. Jornalismo esportivo só existe aqui, na Argentina, parecido. Em outras partes do mundo é um trocinho pequeno…

Na Itália tem bastante.

João Saldanha – É parecido. Tuttosport, Gazzetta dello Sport… Na Itália é na base dos paparazzi, na base do escândalo. Aqui a seção de Esporte de um jornal é mais na base de escândalo da vida esportiva do jogador, do treinador, de quem está no meio, do que propriamente do jogo.

Comentários mesmo bem feitos sobre uma partida…

João Saldanha – Eles (comentaristas) não sabem o que está acontecendo, porra! Eles sabem analisar resultado, mas a partida… não têm condição! Então eles ficam impondo místicas, impondo uma porrada de besteiras… Aliás, isso faz parte do nosso jornalismo.

Mística, você está falando de que tipo de coisa?

João Saldanha – “O Botafogo dá azar”, “O Vasco dá sorte”…

Como você vê essas frases? Por exemplo, “Há coisas que só acontecem ao Botafogo”?

João Saldanha – Isso é palhaçada. Que coisas que só acontecem? Há 20 anos o Botafogo vendeu até as balizas, quer o quê? Entendeu? Fica que nem um time de rua, um time de esquina. Pega um quadro: amanhã todo mundo no campo tal… Pronto, não tem nem sede! Porra, “Há coisas que só acontecem ao Botafogo”! Um negócio filho da puta de sujo!

Aqui fizeram o Maracanã, os clubes não estão crescendo: o Flamengo não tem campo, o Botafogo não tem campo, o Fluminense não tem campo. Lá no Rio Grande do Sul os clubes fizeram os campos deles, em São Paulo também. Em Curitiba também, então os clubes tiveram que crescer pelo próprio mérito deles. Aqui, não, os clubes involuíram. O Flamengo tem um barraco aí, uma merda de campo. O Fluminense é um campo cortado pela metade, porque abriu uma rua (a Pinheiro Machado) e cortou o campo. E o Botafogo vendeu, o que é que você quer? Que o futebol carioca evolua? Como? Se a base, que são os clubes, mesmo, eles não…. Então tem esses clubes de bicheiro por aí. Parece que o Carlinhos Maracanã vai mudar pra não sei que clube….O cara torce por um clube, porque resolveu torcer – influência do pai, da mãe, de um tio, sei lá. Mas esses caras mudam de clube. Era Bangu, daqui a pouco é Vasco, daqui a pouco….

O Carlinhos Maracanã já esteve em dois ou três clubes.

João Saldanha – E esse outro, o Luizinho Drummond. O negócio deles é que o clube de futebol é uma espécie de habeas corpus pra eles, pro jogo, pra outros negócios deles, sei lá.

E outras frases como “Quem tem um não tem nada”, “Quem não faz leva”? Isso existe mesmo?

João Saldanha – Não. São frases típicas que tem em qualquer setor de atividade e no futebol tem também. “Quem não faz leva” foi o Gentil Cardoso que disse. Tem até no Ceará uma sociedade que coleciona isso. 

Porque essas frases não são necessariamente verdadeiras, não é? Às vezes quem não faz também não leva…

João Saldanha – Não. Por exemplo: “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia pra ninguém” é minha. Porque nós fomos jogar lá e tinha um ex-jogador, aliás muito bom, que tomou um porre e matou um cara. Bestamente. Fugiu, mas depois pegaram ele. Um tal de Paulista. Jogava pra cacete. Joguei com ele na praia e tal. E nós fomos jogar lá. O seu Carlito (Carlito Rocha, lendário e folclórico dirigente do Botafogo na fase áurea do clube) levou o time lá. Eu já estava até parando, fui meio de sacanagem. Encontrei o Paulista e ele disse: “Pois é, estou concentrado aqui há cinco anos pra esse jogo. Não vou dar mole não”. Daí eu saquei (a idéia da frase). A do Campeonato Baiano também: “Se macumba valesse, o Campeonato Baiano empatava”. Porque a Bahia é a terra da macumba, né? Lá todo mundo faz macumba, então terminava empatado. E tenho milhões de frases. “Zona do agrião”…

É sua também?

João Saldanha – Também. Foi de um português, seu Manuel: (fazendo sotaque de português) “Onde vai o agrião, o anão pula por cima e está certo”. Então surgem, não fui eu que inventei, é histórico. O agrião, sendo da mesma espécia agrícola, qualquer coisa que você jogar ali, milho, por exemplo, o agrião, tumpt! No milho você pode jogar outras coisas e nasce; mas o agrião come tudo que estiver ali. Não só agrião, tem outras espécies que fazem isso.

O fato de você ter a sua vida muito ligada ao Botafogo, como jogador e treinador, na hora comentar um jogo do clube…

João Saldanha – Não, eu já estou vacinado, nem tô ligando. Geralmente eu estou torcendo para o time que está jogando melhor. 

Ah, então você torce?

João Saldanha – Instintivamente, você vê um jogador fazer uma jogada bonita, você quer ver esse, não aquele. De repente é o outro lado. Isso eu estou acostumado. O fato de eu nunca ter sido de outro clube – o Botafogo foi mais ou menos contingência, eu já estava lá dentro, jogava, até tive uma lesão violenta, machuquei uma perna. Eu trabalhava e não tinha nenhum interesse em futebol. Futebol era só brincadeira e tal, a turma toda. 

Mas você não é botafoguense de coração?

João Saldanha – Claro que sou! Por isso é que sempre participei só do Botafogo. Eu nunca quis ser nem jogador nem treinador em outro lugar porque já ia esculhambar minha vida, entende? Minha vida particular. Foi em 63, se não me engano, tive uma proposta muito boa para treinar o Juventus, na Itália. Foi o commendatore Girolla que veio aqui fazer. Outra vez foi o Corinthians. Eu estava no Maracanã, num jogo da Rádio Globo, acho, e vieram dois caras do Corinthians, oferecendo o diabo! Dez vezes mais do que eu ganhava. Eu, não… Depois que você entra nessa roda vida não sai mais. E esses treinadores que ficam num negócio que eu não sei fazer: “Eles perderam, nós empatamos, eu ganhei.” É o verbo que eles conjugam. Mas isso por uma necessidade de garantir emprego. Ontem o Vasco perdeu. O Sérgio Cosme (então técnico do time) já está… Porra, ele é o mesmo de anteontem, que serviu pro Vasco há três meses atrás!

Mas depois você voltou a ser treinador…

João Saldanha – Na seleção! Mas na seleção o Havelange veio… Foi lá em casa, num dia de Natal, em 68. Ou véspera, não sei…

Você não estava treinando clube nenhum?

João Saldanha – Não, eu era comentarista da Rádio Globo, TV Globo. Escrevia no Globo…. Não me lembro. Não! Eu era da Rádio Nacional, escrevia na Última Hora. Trabalhava na TV Globo. Era comentarista da TV Globo. Ele convidou. E na época, e tendo, como a gente tinha, um ano pra preparar o time, e já tendo o time formado, pô!… Naquele tempo, tinha um campeonato em que jogavam 12 clubes: dois do Rio Grande, quatro do Rio, quatro de São Paulo e dois de Minas. Tava ali tudo que era jogador do Brasil. E não tinha nenhum fora! Eu chamei e no dia seguinte estavam todos lá, na sede da CBD (antiga Confederação Brasileira de Desportos). Não tinha problema. Fomos pro México dois meses antes, o que era uma covardia. Eles me puseram pra fora da seleção um mês antes. Não, um mês não… Assim da Copa (faz um gesto com os dedos querendo dizer pouco tempo)… quatro dias antes de embarcar. Embarcava dia 22 e eles….

Foi por causa daquela história do Médici (o então general-presidente)?

João Saldanha – Foi.

Ou aquilo foi só pretexto?

João Saldanha – Não, não. Do governo! Do governo, pô! Eu sempre fui contra o governo, chamava eles de bandidos.

Aquela história do ministério…

João Saldanha – Não, aquilo já foi de sacanagem, eu já sabia que… Uns três meses antes o pessoal mais ligado à área do governo…. Porque mudou, entendeu? O Costa e Silva estava fazendo umas aberturas. Lembra?, teve a Passeata dos Cem Mil. Porra, eu fui diretor da UNE! Eu fugi do Brasil em 49 num tiroteio que houve na UNE. Eu fui condenado. E o Getúlio (Vargas) é que anistiou a gente. Fiquei seis anos fora, cinco anos fora. Se eu venho aqui… Quer dizer, eu vim, vim ver a Copa do Mundo (de 50), e tal, mas vim com documentos, e tudo, fajutos. Não dava. Então o Costa e Silva, quando chamou, ele queria fazer uma abertura. Queria abrir pro, vamos chamar, pro populismo, pra esquerda, a quem eu era intimamente ligado. Depois deram um golpe nele, lembra? Porra, empacotaram ele, meteram ele numa geladeira, fizeram o AI-5, ele assinou com a mão fria. Já nem… Dizem até que ele não tava mais vivo, sei lá. Eu creio que não, porque o (general) Eloy Menezes (então presidente do CND, Conselho Nacional de Desportos) foi no Maracanã no dia do jogo do Paraguai (31 de agosto de 1969, pelas eliminatórias da Copa) e disse “Morreu o presidente, eu vim agora do hospital” – que era ali ao lado do Maracanã, o Hospital Central do Exército. Faz um minuto de silêncio, não faz? Sei lá, pô! Mas isso não é comigo, é com o juiz. Tava eu, Antônio do Passo (diretor da CBD), o Russo (Adolpho Milman, supervisor da seleção), Mário Américo (massagista), todo mundo. Eu disse: “Ó, vai lá falar com o juiz”. Ele aí foi lá. Aí não teve um minuto de silêncio. (Oficialmente, Costa e Silva morreu em 17 de dezembro de 69; o AI-5 fora assinado pelo próprio presidente um ano antes, em 13 de dezembro de 68, muito antes de ele adoecer.)

A multidão também não devia saber, né?

João Saldanha – Não, soube. Todo o Brasil, o Rio de Janeiro inteiro soube que o Costa e Silva tinha morrido. Esse troço extravasa. E ele (Eloy Menezes) não fez mistério nenhum. Aí eles se encolheram. Foi no dia do jogo do Paraguai, a segunda partida.

Aquele 1 a 0, do gol do Pelé?

João Saldanha – Foi… que ele disse que o Costa e Silva tinha morrido. Mas o Costa e Silva só foi enterrado em 14 de novembro. Eles puseram ele numa geladeira e ficaram discutindo, entendeu? Aí elegeram… Elegeram, não, resolveram num triunvirato (os ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica), lembra? Mas o Costa e Silva tava lá assumido, porra! Aí em novembro enterraram o Costa e Silva e o tal triunvirato tava no poder. Aí veio o Médici. Quando veio o Médici, lá o pessoal da Globo, todo mundo: “Pô, você não emplaca dez dias. Isso é extrema direita.” Eu dizia “Foda-se, porra, quero que morra!”. Aí eles começaram com onda… O Médici disse: “Ah, eu gostaria de ver o Dario nesse time”, eu digo “Nem você nunca viu o Dario” – eu disse pra ele em Porto Alegre isso. Na televisão. “Você nunca viu o Dario jogar. E é fácil de provar. Eu provo onde você tava e onde tava o Dario. Então isso é onda. Agora, organiza o teu ministério” – porque ele era novinho – “que eu vou arrumar o meu time”. Porra, deu uma merda filha da puta. Bom… eles não queriam porque eu era de esquerda, preso como de esquerda, membro do Partido Comunista, tudo isso, porra. Tudo eu sabia e tava cagando pra isso. Aí o Antônio do Passo: “Quem é que eu pego?”. Eu digo: “Pega o Dino Sani ou o Zagallo, um dos dois. O Zagallo conhece esse time quase todo, trabalhou no Botafogo…”

O Zagallo estava no Botafogo na época, né?

João Saldanha – Não sei se tava no Botafogo… Não me lembro. 

Ele estava em começo de carreira como técnico. 

João Saldanha – Não, ele já tinha sido técnico do Botafogo em 68, 60 e tantos…

Pois é, mas relativamente….

João Saldanha – Não, já tinha uns cinco anos. Ou mais, não sei. E o Dino Sani, que era o olheiro de São Paulo. Nós tínhamos 12 ou 13 de São Paulo e o Dino nos informava. Aí vieram e o Dino disse: “O Dario não entra no meu time”, mandaram embora.

Ah, o Dino também falou isso?

João Saldanha – Foi, tem fotografia, o Dino chegou no avião e coisa, foi lá na CDB, “Vai ser Dino, Dino é o técnico, e tal”, o Dino disse “Não. O Dario não entra no meu time”. Então mandaram ele embora. Ai chamaram o Zagallo e condicionaram: “O Dario tem que entrar porque tem que agradar ao homem, precisamos de dinheiro, o caralho”. E puseram, e o Dario foi e, coitado, nem no banco…

Foi só pra cumprir essa condição…

João Saldanha – E ele, inclusive, não merecia isso. Dario era um bom jogador.

Era um goleador, né?

João Saldanha – Mais ou menos… Fazia os seus gols, mas não era assim nenhum absurdo. Era um bom jogador. Mas, porra, isso tinha às dúzias aqui no Brasil naquela época. Por exemplo, tinha o Edu…

O Eduzinho (irmão de Zico)?

João Saldanha – É. A mãe do Edu até hoje não me perdoa de eu não ter chamado, Eu digo: “Vou chamar no lugar de quem? Do Pelé, do Tostão, do Gérson ou do Rivelino?” Quem é que eu ia tirar?

Outro de que falam muito é o Dirceu Lopes, que ele era craque…

João Saldanha – Não, mas o Dirceu Lopes eu chamei. Foi um troço curioso: o Dirceu Lopes vestia a camisa amarela, ficava amarelo.

Amarelava…

João Saldanha – Porra, mas ele ficava… (Faz gesto de quem está sufocando.) Não conseguia nem travar a bola, impressionante! Nunca vi um troço assim… E ele era um cracaço, era o cobra do Cruzeiro. Era mais que o Tostão talvez…

Ah, é?

João Saldanha – Não sei, tinha mais cartaz. Do mesmo nível. Mas o Tostão era mais jogador… Porra, provou. Uma personalidade, um puta jogador…

Quer dizer então que você…

João Saldanha – Então eu fui, topei, cabou, foda-se! E nunca mais quis saber de clube nenhum.

Aí você voltou à sua vida de jornalista.

João Saldanha – É, prefiro a vida modesta, de jornalista, você ganha… Dá pra viver e tal, mas…

Está fazendo o que gosta…

João Saldanha – É, e nem me chateio, vão tomar no cu… Você vê: o Sérgio Cosme. Há três meses atrás tava glorificado, endeusado. E agora ele não é mais o mesmo? Essa matéria que está aqui, ó, eu já escrevi há quatro dias. “Geovani saiu.” Foi do outro jogo, mas serve pra esse de ontem.

Qual a grande diferença entre comentar um jogo para a televisão, o rádio e escrever no jornal?

João Saldanha – A diferença é que, no rádio, se a bola saiu, você tem que dizer: “A bola saiu pela linha de fundo”. Na televisão tem uns caras que dizem (rindo) “Bola pela linha de fundo”. Não é possível… O cara tá vendo.

Sim, mas para comentar.

João Saldanha – Eu acho que o comentário na televisão tem que ser muito pequeno, curtinho. Porque o resto o cara tá vendo. E no rádio não. No rádio você tem que explicar, procurar transmitir a imagem.

E explicação de tática na televisão, você acha que o espectador entende bem?

João Saldanha – Alguns, alguns… Não muitos. Mas sempre convém, porque o erro começa a se repetir e o cara aí percebe. Entendeu?

Mas mesmo assim tem que dar um toque?

João Saldanha – Tem. Você orienta ele: “O Fulano, o lateral não tá marcando”. Pronto. Esse Eduardo, (lateral-esquerdo) do Fluminense. É uma rua por ali. Qualquer time ganha do Fluminense em cima dele. 

E em jornal?

João Saldanha – Não, em jornal… Eu não sei, eu faço diferente, eu escrevo mil coisas. Saio fora do troço, porque… Às vezes o cara lasca “Pô, e tal, amanhã tem Fla-Flu…”. Eu digo foda-se, pô, tem Fla-Flu há 30 anos! Ou 50 anos. Eu escrevo outro troço. A história do Geovani tá escrita há cinco dias, quatro ou cinco dias que eu entreguei lá. Entreguei domingo, rigorosamente no domingo. Domingo eu escrevi a matéria e entreguei. Minha folga, pra não ir lá segunda nem terça. E calhou que eles puseram o Geovani outra vez, que a burrice vai a tal ponto… que isso é uma burrice coletiva. Claro, o jogador tá contratado, vai receber não sei quantos mil dólares… Mil, milhão, não sei.

Muito dinheiro, de qualquer forma…

João Saldanha – Claro. Ele tá com o pensamento e a preocupação toda voltada… O Bebeto também, porra. (O atacante estava trocando o Flamengo pelo Vasco.)

Até inconscientemente também, não é? Mesmo que o cara esteja concentrado…

João Saldanha – Evidente, porra. Eles são uns meninos, de um modo geral, pobres. De repente, isso é como tirar uma loteria. Não vai receber? Qualquer transação dessas na Europa, em qualquer parte, o cara vai embora no dia seguinte. Aqui, não. “Não, porque tem que jogar, porque está na seleção.” Ficam fazendo essa frescura de seleção… Que isso! É uma merda de time. E daí?, isso é um time de camisa amarela e mais nada, com meia dúzia de malandros em cima pra ganhar dinheiro. Vende pra televisão, pros anúncios, pro cigarro, vende pra todo mundo. Não precisa nem ir gente no campo. Tá vendido o jogo. Esse jogo com Portugal não vai ser transmitido pro Rio, mas vai pra fora, pra todo o Brasil. (O amistoso, em 8 de junho de 1989, foi vencido pelo Brasil por 4 a 0.)

Parece que a CBF tem que ter dinheiro pra poder pagar os salários do jogadores que atuam na Europa. 

João Saldanha – Tudo bem, mas a CBF quer os jogadores o ano inteiro! Então ela tem que pagar aos jogadores. 

Mas pra pagar tem que ter o dinheiro.

João Saldanha – É evidente. Então deixa eles lá, não convoca, ué! Pra que convocar? Se tem que pagar. Vira uma fortuna. Quando eu convoquei os jogadores, não tinha nenhum fora, então, moleza. Nem dinheiro tinha, a gente se concentrava no campo do Flamengo. Concentrava, não, dormia na véspera. Vinte e tantos caras num três quartos vagabundo. Cinco, seis em cada quarto, tudo empilhado.

Por que naquela época os jogadores não saíam tanto do país?

João Saldanha – Como assim? Saíam, sim.

Mas bem menos.

João Saldanha – Não, houve fases. No começo de 30, com o profissionalismo, que aqui não tinha, teve (jogador brasileiro) na Argentina, Uruguai, Itália, Espanha e Portugal, saiu todo mundo. Aí voltaram. Foi quando o câmbio equilibrou. Por exemplo, o Didi: ia pro Valencia, em 56. Fui eu que, lá no Botafogo, propus: nossa folha era toda – os 30 jogadores que tinha lá, 20 e tantos – dava 425 mil (cruzeiros). O Didi ganhava 28 ou 30. Vinte e oito. O Valencia ofereceu a ele 80 mil por mês. Então nós oferecemos 70. Pra nós, virava mais 50 contos. Nem isso, 40. Não era dinheiro muito… Não pesava. A gente podia. Então nós pagamos ao Didi 70 e ele ficou aqui! Pra que ir pra Europa, porra? Ambiente estranho, terra estranha, tudo estranho. Ficou aqui. Gratificações eram iguais. Nossas relações de câmbio eram estáveis. Eu me lembro que eu ganhava na Última Hora, quando eu trabalhava lá, o mesmo ordenado durante anos. Tinha um aumentinho às vezes…

Os preços também se mantinham mais ou menos.

João Saldanha – Totalmente. O aluguel… “Quanto você paga de aluguel?” “Mil.” Pronto. Hoje, ninguém sabe. Não tem nenhum valor, nada. Então, porra. A situação lá fora é estável. Eu tenho uma filha que mora na Europa. Porra, os preços lá são os mesmos de três anos atrás. Não alteraram.

E aí o grande êxodo dos nossos jogadores começou justamente na década de 80…

João Saldanha – Inflação. Inflação. Então aí…

Levam até os que não são nem tão bons.

João Saldanha – Exato. Quer ver? Por exemplo, jogadores como Pelé, Tostão, Garrincha, eles não ganharam dinheiro. Eles ganhavam aqui um ordenado, e tal, agora, essas fortunas… O Pelé não ganhou nenhum níquel do futebol. Ele ganhava um ordenado mixo. Quer dizer, um bom, mas… Agora é que surgiu esse troço de participação no passe. Os europeus não têm isso que os sul-americanos têm.

Os 15% sobre o valor do passe?

João Saldanha – Não é bem 15. O cara diz “Não vou, só vou se me der 30”, aí o clube dá, porra, o clube quer o dinheiro. Quem quer o dinheiro são os clubes, eles querem os dólares pros negócios deles. E o que tem de pilantra no meio do negócio… Num país pobre como onde nós estamos… 

Como comentarista, como você procura se manter atualizado com as coisas do futebol, com o que está acontecendo lá fora… Costuma ler revistas estrangeiras?

João Saldanha – Não, não. Eu viajo muito. Por exemplo, agora, daqui a uma semana, eu vou lá pra Dinamarca (onde o Brasil jogaria um amistoso e levaria de 4 a 0 da seleção da casa). Este ano eu já estive na Europa, já estive no Peru… Sei lá onde mais… E no Brasil inteiro. E a imprensa esportiva brasileira se caracteriza por dar tudo. Pô, você está la França, pra saber o resultado de um Fla-Flu você vai saber 15 dias depois, uma semana depois, quando o Jornal do Brasil chegar lá na Varig. Ou então bate um telefone pra cá. Agora, nós damos tudo. Por exemplo, o chefe lá do Jornal do Brasil no domingo – eu até ia escrever essa matéria – tava atrás do resultado de um time de Ponta Porã, que não tinha. E os apuradores, a minhoca-press, como a gente chama, porra, eles sabem tudo. A gente pergunta “Onde é que pega a rádio não sei que do Chile?” Eles : “Aqui! Rádio Valparaíso!”. Eles se ligam com radioamador, os caras da Sport Press daí a pouco telefonam. São gozadíssimos esses caras, são tarados! Eles sabem tudo de onda curta, onda média, o caralho! “Você vai achar a rádio, mas só pega ela até meio-dia…” Tudo eles sabem. Impressionante! Porra, então é sopa, você pergunta prum cara desses. Você quer ver que loucura que é? Outro dia teve um jogo… do Napoli. O Careca fez um gol, o Alemão… “Vitória brasileira na Itália”. Ah, porra, o napolitano tá cagando pra onde é que o cara nasceu! Tá torcendo lá pro time dele! “Vitória brasileira na Itália!” Quer dizer, um troço ufanista, um troço de Hino Nacional, positivista, “Ordem e Progresso”, essas merdas que infelizmente o Brasil cultiva e se crê grande! O Basil é talvez o segundo país mais atrasado do mundo.

Qual seria o primeiro?

João Saldanha – A Índia, porque tem mais gente, o que é uma merda também. A Índia fede, e o Brasil começa a feder. Copacabana fede! E o Brasil também. (empostando a voz) “Brasil! Brasil!” Cultivaram o ufanismo, principalmente agora na fase da ditadura, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Porra, ontem eu tava vendo na televisão, o cara… Pagando a passagem, não fica um aqui! Porra, você vai nessas embaixadas, tem milhares…

Você, quando está comentando uma partida de futebol, fala para pessoas das mais diversas classes sociais e níveis intelectuais. Como se comunicar bem com todas? 

João Saldanha – A grande maioria é classe média empobrecida. O resto não está nem aí. Acho eu.

Você acha que uma pessoa rica não escuta?

João Saldanha – Não, ouve. Mas um ou outro.

Mas aí, na hora de comentar, você tem a preocupação de adequar a linguagem a todos?

João Saldanha – Não, nenhuma.  Eu vou falando e… A linguagem que a gente tem é a que a gente adquire através do dia a dia.

Não precisa ficar pensando “Se eu disser essa palavra…”

João Saldanha – Não, não, eu nem penso.

Você falou que acompanha os resultados do exterior, na medida do possível…

João Saldanha – Alguns. Por exemplo, se você perguntar quem foi o campeão inglês, sabe que eu não sei te dizer? Foi o…. Sabe que eu não sei? Eu antes sabia, porque tinha Campeonato Inglês sempre (no noticiário), agora não tem tido. Acho que o campeão inglês foi um time de Liverpool… O Liverpool mesmo… É, acho que foi… Mas não vi. (Na temporada recém-concluída, o campeão tinha sido o Arsenal; o Liverpool foi vice.)

Aí você fica sabendo o resultado, mas em termos de novas táticas talvez…

João Saldanha – Não, mas as táticas não mudam muito. Rigorosamente,  (…)

(Toca a campainha. Saldanha grita “Entra!” e se levanta para receber o filho Joãozinho. Depois vai até o banheiro, pega um barbeador elétrico, volta e começa a se barbear enquanto dá a entrevista. Passam-se 14 minutos, até que ele desliga o aparelho.)

Pra terminar: o Brasil na Copa no ano que vem, tem boas chances?

João Saldanha – Se a gente for à Copa… Tem que disputar com o Chile (as eliminatórias).

Você acha que vai ser…

João Saldanha – É duro. 

Mas passa, né?

João Saldanha – Palavra de honra que eu não sei. Tem que ganhar do Chile e da Venezuela. As últimas três partidas com o Chile nós perdemos: 4 a 0, 2 a 0… Não, uma empatou: 0 a 0. Venezuela… Esse é mais fraco. Sempre nós ganhamos da Venezuela de seis, oito… Porra, agora é jogo duro, 2 a 1, 1 a 1, o que é que há? 

Classificando, o Brasil na Copa?

João Saldanha – O Brasil tem a mesma chance de mais uns cinco ou seis. Quatro ou cinco. Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha. Tá todo mundo sempre lá. (O Brasil acabou eliminado nas oitavas-de-final pela Argentina. Os quatro primeiros colocados foram, pela ordem: Alemanha Ocidental, Argentina, Itália e Inglaterra.)

Aí é briga de foice.

João Saldanha – Aí depende muito… De tabela… Por exemplo, time que joga duas prorrogações, uma prorrogação, ainda não ganhou nenhuma Copa. Nenhuma. Por quê? Isso, porra, desde 1930.

A Bélgica, na última Copa, jogou duas ou três prorrogações.

João Saldanha – É, a Bélgica foi garfando, né? Eles foram muito protegidos. Mas acabou… O time deles não era bom… Chegaram em terceiro, quarto, sei lá. (Na partida de oitavas-de-final contra a União Soviética, os belgas venceram na prorogação por 4 a 3, após empate em 2 a 2 no tempo normal; naqueles tempos pré-tira-teima, dois gols da Bélgica pareceram ter sido feitos em claro impedimento, mas é impossível afirmar com certeza.)  

A França jogou com o Brasil aquele jogo duríssimo, chegou na Alemanha… (Os franceses venceram os brasileiros nos pênaltis, após empate em 1 a 1; no jogo seguinte, pelas semifinais, perderam de 2 a 0 para os alemães.)

João Saldanha – Aí acabou. Não tinha pernas. A Alemanha contra a Argentina: chegou, subiu o morro (rumo à Cidade do México) caindo aos pedaços. Não dá (a Argentina venceu a final por 3 a 2). Jogou a prorrogação, dança. Em nenhuma Copa do Mundo eu vi… A não ser a Itália, em 34, jogou prorrogação.

Mas a prorrogação não foi na final contra a Tcheco-Eslováquia?

João Saldanha – Não, teve antes com a Espanha (na verdade, foi disputado um jogo extra no dia seguinte). Porra, jogaram o time da Espanha pra dentro do gol. A Espanha estava 1 a 0, o Mussolini tava no balcão, gritando, e a massa urrava. O estádio ainda existe lá, mas acho que não tem nem mais futebol… Porra, jogaram a bola no alto…

Foi todo mundo pra cima…

João Saldanha – Todo mundo, foi um escândalo. Oito minutos depois de acabar o jogo. O jogo já tinha acabado, aí empatou. Foi pra prorrogação, a Itália ganhou de 1 a 0. O time da Espanha se cagou de medo. E acabou a Copa, o time deu no pé. 

 

Entrevista publicada originalmente no Jornal da ABI (edição 401, de maio de 2014)

SE HÁ PELADAS NO ATERRO, AGRADEÇAM AO JOÃO ‘SEM MEDO’

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução) 

 O ano? 1969. O mês? Novembro. O jornal dos Sports decidira, naquele momento, institucionalizar a pelada. Desde 1966, o jornal organizava o popular Torneio de Peladas no Aterro do Flamengo, cujo patrocínio inicial foi da Esso. Era premente, contudo, algo mais grandioso, eloquente ao extremo. Nascia, portanto, o I Campeonato Carioca de Pelada, com o patrocínio do Super Tênis Bamba 704, da Alpargatas, e colaboração da antiga Sursan (Superintendência de Urbanização e Saneamento).

Cerca de 2 mil times de peladeiros (dentre os quais ídolos como Nilton Santos, Telê, Ademir de Menezes e Jair Rosa Pinto) foram inscritos. Os jogos foram realizados no Aterro do Flamengo, na Praia de Ramos e na Quinta da Boa Vista. Mas, por muito pouco, o Aterro ficaria fora dessa lista. Inaugurado em 1965, o Aterro não previa, em sua planta original, a criação de campos de futebol. Jamais passou pela mente dos arquitetos e paisagistas que o novo espaço pudesse acolher o futebol.

No local em que há hoje os lúdicos campos de pelada, haveria apenas um jardim. Uma bola e vários pés a seduzi-la incansavelmente não era o cenário vislumbrado. Se os paisagistas pensavam assim, havia um ardoroso amante do futebol que iria contrariá-los: João Alves Jobim Saldanha. Sim, partiu de João Saldanha – e isso ele mesmo afirmou – o argumento decisivo que teria convencido o governo do antigo estado da Guanabara a reservar espaços no Aterro para as peladas.


(Foto: Reprodução)

João Saldanha sempre foi um obstinado pelo aproveitamento dos campos de pelada da cidade e chegou, inclusive, a ter encontros com representantes do poder público para aproveitamento de terrenos vazios para a prática da pelada. A ideia inicial dos construtores do Parque do Flamengo – confirmara Saldanha, quatro anos após a inauguração do Aterro – era o aproveitamento da área hoje reservada ao futebol para jardins.

“Fui um dos que lutaram muito para que não fizesse só jardins no Parque do Flamengo a construção dos campos de futebol que lá estão e, agora, quando vai-se realizar um verdadeiro campeonato carioca de futebol, só tenho a exaltar o JS pela inciativa de reviver a pelada”, confirmou Saldanha, referindo-se ao campeonato de peladas promovido pelo Jornal dos Sports.

“Não fazia sentido o não aproveitamento daqueles campos. Deixá-los pura e simplesmente por conta de pequenos grupos seria absurdo terrível. A volta da pelada vai dar à cidade mais uma promoção festiva e, agora, com maior amplitude, porque os jogos também serão disputados nos campos da Quinta da Boa Vista e Praia de Ramos, o que quer dizer que toda a cidade irá sentir e viver o seu Campeonato de Pelada.”


(Foto: Reprodução)

Na ocasião, Saldanha lembrou ao repórter do JS que existiam na Colômbia vários campos públicos de futebol, nos quais até mesmo times profissionais treinavam.

“Na Colômbia, foram aproveitados os terrenos não edificados e neles construídos campos de futebol. Bem que aqui no Rio poderia fazer o mesmo. Mas não estamos de todo por fora do assunto, com os campos do Parque do Flamengo e, principalmente, porque o Jornal dos Sports teve a feliz ideia de também aproveitar os últimos campos da Quinta da Boa Vista e Praia de Ramos, permitindo assim que a rapaziada da Zona Norte viva a pelada.”

Saldanha foi um obstinado defensor da massificação do futebol. Se hoje muita gente corre atrás de uma pelota nos campos do Aterro, agradeçam ao bom e velho João “Sem Medo”, que peitou paisagistas para os quais o futebol não passava de ócio dispensável.

MANÉ E JOÃO, TANTAS HISTÓRIAS PARA CONTAR

por Victor Kingma


Charge: Eklisleno Ximenes.

Entre tantas e justas homenagens pelo centenário do mestre João Saldanha, essa história lembra o seu lado irreverente e a malandragem futebolística, uma de suas marcas registradas.  É uma de tantas passagens que tiveram como personagens Saldanha e um dos maiores gênios da bola.

No final dos anos 50, Garrincha estava no auge da carreira e era presença obrigatória em todos os jogos do Botafogo. Sem ele a cota reduziria pela metade.

Pois certa vez, num desses amistosos no interior, Saldanha, então técnico do time, era só preocupação. O motivo dos temores do bravo João era a fama de violento do lateral que marcaria Mané. Atendia pelo sugestivo apelido de Pezão e, diziam, era daqueles que davam pontapé até na própria sombra.

Ciente de que precisava fazer algo para preservar as valiosas canelas de seu craque, Saldanha mandou, então, um mensageiro procurar o truculento zagueiro com um recado:

– O homem está a fim de te levar para uns testes no Botafogo. O problema é que você é muito violento e seu João prefere jogador clássico, que só joga na bola, como Nilton Santos. Não vá desperdiçar a sua grande chance.

A estratégia deu resultado. Final do jogo: Botafogo 5 x 0, com três gols de Mané Garrincha,  um deles passando a bola por entre as pernasdo “refinado” Pezão, que vivia repetindo nos botequins por onde passava:

– Qualquer dia desses, seu João vai me chamar…  Seu João vai me chamar…

Jesus chamou primeiro.

ACERTANDO OS PONTEIROS

por João Saldanha


A preocupação maior do futebol brasileiro no momento é a de atacar pelas pontas. Como se estes elementos essenciais, imprescindíveis do futebol nunca tivessem sido necessários.

Sim, incrivelmente houve quem julgasse assim. Mas se isso fosse uma verdade, o campo não teria as medidas mínimas de largura que são de 45 metros, mas que nas competições de primeira categoria são as da Copa do Mundo: um campo de 105 metros e fração por 68 de largura. Para que essa preocupação? Ora, um campo congestionado, estreito faz um jogo feio, desagradável, e ninguém vai ver.

Pois, incrível que pareça, andamos jogando sem pontas, sem utilizar todo o campo. Então, bastaria uma rua. Os campos de jogo poderiam ser como as piscinas, que só precisariam ser mais compridas. Claro, para que mais largo? Para que gastar tanto terreno que está aliás caríssimo, se não é utilizado? Pois este jogo era o que estávamos fazendo em termos de seleção e, como cópia, em quase todos os clubes. Lembram da seleção de 1974? Os pontas eram o Valdomiro e o Dirceu, bem recuados. Mesmo em 58, a ideia inicial era a de fazer o ataque com Joel e Zagalo, em detrimento de Garrincha e Pepe ou Canhoteiro. O acaso fez com que descobríssemos o caminho da mina. Garrincha entrou e, todo torto, endireitou o jogo.

Mas quem descobriu isto? Como entramos neste jogo que contrariava tudo? A resposta é simples, muito simples: puro espírito de imitação. Os técnicos da Escola de Educação Física viram os ingleses fazendo o 4-4-2 e instalaram a tática no Brasil. Não eram mais necessários os pontas. Então, abaixo os pontas? Bolas, os ingleses faziam isso, mas com seu alto estilo de futebol-escola e com um profundo sentido de deslocamentos. Mas a verdade é que o futebol de Stanley Mathews e de Finney, dois fabulosos ponteiros bem abertos, perdeu o lugar para o de Ball e Peters. Claro que, com os deslocamentos dos dois ponta-de-lança (Hunt e Hurst) e a entrada rápida de Bob Charlton, vindo de trás. Faziam isso para burlar a severa marcação por homem e líbero, do resto da Europa. Mas sempre foram surpreendidos por nós, mesmo quando não andávamos bem. Nosso jogo não estava no livro da League, então não podia ser! E pegamos eles de calça curta em Viñadel Mar, apesar de jogarem com calções compridos.


Nossos teóricos alegaram que vencíamos porque Zagalo atraía um inglês para nosso campo e ficava um buracão na defesa. Bem, (1) Zagalo não era positivamente a Lollobrigida (na época era a maior) para o inglês ir atrás; (2) Vavá fazia de ponta e (3) Garrincha esburacava e estraçalhava tudo pela extrema-direita.

Em 70, tínhamos Jair bem avançado e a correspondência de Tostão fazendo o ponta para Rivelino poder entrar pelo meio, onde estava Pelé.

Em 1974 foi ridículo e 78 é fresca memória: não levamos ponteis. A Argentina tinha dois: Bertoni e Ortiz ou Houseman. Pôde fazer muitos gols quando foi necessário atacar com todo o vigor, como nos jogos com Polônia e Peru.

A razão histórica desse jogo defensivo está nos regulamentos. Na Inglaterra trata-se de não perder fora de casa e ganhar no próprio campo. “Safetyfirst” (primeiro ficar são e salvo), depois, se pintar uma boa, tudo bem – um ataquezinho.

Entramos pelo cano. Nós e eles. Não apareceram nas duas ultimas Copas, e nós entramos mas não para perder, “safetyfirst”.

Em inglês diria William Shakespeare: “The cowisalreadygoingtosmud”. Em português é menos esnobe e a tradução literária nos diz: a vaca já está indo para o brejo.


Mas acordo feliz e esperançoso. Escutei no rádio e li no jornal que o treinador da seleção nacional está no firme propósito de atacar pelas pontas. O que significa atacar. Muito bem, muito bem, palmas. Deixamos de lado os ensinamentos de um livro obsoleto e a imitação cheia de mofo de nossa Escola, que necessita urgentemente rever seu currículo.

Também inventaram o cabeça-de-área como salvação e para permitir o avanço dos laterais que fariam os pontas. Estavam, e alguns ainda estão, a caminho do sanatório. O macaco deixou de namorar a girafa por causa de distâncias a percorrer. Estes coitados também são obrigados a abandonar sua intenção tática. E o cabeça-de-área é menos perigoso porque surgiu em 1930 com os uruguaios. Mas a origem era inglesa e, também em 1934, com os italianos. Os italianos caíram fora da velhice da tática. Os uruguaios ainda jogam com o cabeça-de-área. Já se sabe o resultado. Mas este é um problema fácil de resolver. A tática é muito velha. Basta um empurrãozinho que a velhinha se desmancha. O reconhecimento de que o caminho estava errado é o primeiro passo para descobrir o caminho certo. Nossa música é diferente da alemã, holandesa ou inglesa. Temos que tocá-la. Talvez os Beatles tenham nos influenciado em demasia.

       Texto publicado originalmente na Revista Placar em março de 1979.

CENTENÁRIO DE JOÃO SALDANHA GANHA LIVRO COM SUAS 100 MELHORES CRÔNICAS COMENTADAS


Nesta segunda-feira, às 19h, a Editora LivrosdeFutebol, em parceria com a Vértice Marketing, lança o livro As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha, no restaurante Nanquim, do Jardim Botânico. O evento, aberto ao público, será antecedido por um debate sobre a personalidade e o pensamento de João Saldanha com participação dos jornalistas esportivos Marcio Guedes e Lucio de Castro. O jornalista Eraldo Leite, da Rádio Globo e presidente da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro será o mestre-de-cerimonias e âncora do debate.

As crônicas foram selecionadas pelo historiador do futebol brasileiro Alexandre Mesquita após a leitura de todo o acervo disponível sobre João Saldanha entre 1960 e 1990, do jornal Última Hora, passando pelo O Globo, Placar, até o Jornal do Brasil. De fora apenas o período de 1966 até 1970, reunidas por Raul Milliet Filho no livro Vida que segue (Nova Fronteira), um dos mais brilhantes resgates do trabalho do João. Elas foram organizadas pelo editor Cesar Oliveira e comentadas (para situá-las na linha do tempo) por Alexandre Mesquita e Cesar Oliveira, que convidaram Marcelo Guimarães (ex-diretor de Marketing do Botafogo) para dividir com eles a responsabilidade dos comentários.

As 248 páginas de “As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha” estão divididas em quatro capítulos com temas centrais: Futebol, Seleção Brasileira, Botafogo e a Zona do Agrião – termo criado pelo jornalista em referência à grande área dos gramados –, que trata de assuntos gerais.  Dois prefácios enriquecem a obra: de Juca Kfouri e do craque Tostão. Um posfácio, do professor e ensaísta Ivan Cavalcanti Proença, analisa a maneira especial com que João escrevia.

O lançamento é o primeiro ato do projeto “João Saldanha: cem anos, sem medo”. Na terça-feira, dia 4 de julho, na Associação Brasileira de Imprensa, será realizado um dia de debates e palestras sobre João, numa parceria do prof. Victor Andrade de Melo e da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos.


Já no sábado, 8 de julho, acontece uma roda de samba em homenagem ao portelense João Saldanha, a partir das 12 horas, na Livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37), comandada pelo sambista Rodrigo Carvalho e grupo Manga Rosa. Presença de ex-jogadores do Botafogo, jornalistas esportivos, e das pessoas envolvidas na produção do livro. Haverá vendas de livros e autógrafos.

Em agosto, Saldanha será lembrado num evento comemorativo no auditório do Museu do Futebol, em São Paulo, durante a reunião mensal do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol, também com debates e lançamento do livro.

Apoiadores

Trem do Corcovado, BKR – Lopes Machado Auditores, Associação Brasileira de Imprensa, ACERJ — Associação de Cronistas Esportivos do RJ, Approach Comunicação, Museu da Pelada, WTT – Transportes e Turismo.

 

SERVIÇO

LANÇAMENTO DO LIVRO

Data: 03/07 (segunda)

Horários: 19h

Local: R. Jardim Botânico, 644 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro

Credenciamento: credenciamento@approach.com.br

Informações: www.facebook.com/joaosaldanha100

 

DEBATE SOBRE A CRÔNICA ESPORTIVA E JOÃO SALDANHA

Data: 04/07 (terça)

Horários: das 9 às 18 horas, com intervalo de almoço

Local: ABI – Associação Brasileira de Imprensa, Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro, Rio de Janeiro

Convidados: Eraldo Leite (âncora), Prof. Ivan Cavalcanti Proença, e os jornalistas José Rezende, Marcio Guedes, Lucio de Castro e Ricardo Gonzalez.

Serviço – As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha

“As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha”. Pesquisa e seleção de crônicas: Alexandre Mesquita; Organização: Cesar Oliveira; Comentários: Alexandre Mesquita, Cesar Oliveira e Marcelo Guimarães. Formato 15,5x23cm, 248pág., R$50. Distribuição: Mauad -X.  Versão e-book: Digitaliza Brasil.