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MAURICE CAPOVILLA E OS SUBTERRÂNEOS DO FUTEBOL

por Paulo-Roberto Andel


Falecido no último mês, Maurice Capovilla foi um dos cineastas que emergiram nas artes brasileiras durante a ditadura militar, especialmente numa ponte que liga o Cinema Novo à estética marginal em fins dos anos 1960.

Em 1965, Capovilla dirigiu “Subterrâneos do Futebol” (homônimo do livro definitivo escrito por João Saldanha), que não somente é um marco do chamado cinema verdade, mas também é um dos grandes registros cinematográficos brasileiros – para muitos especialistas no assunto, pode ser o maior de todos. Trata-se de um curta com cenas belíssimas e impactantes, mas também uma crítica social densa.


Enquanto convida para uma reflexão profunda sobre o esporte e seus desdobramentos, “Subterrâneos” traz cenas maravilhosas que povoam o imaginário dos que amam o futebol brasileiro: o impactante desembarque da massa popular do trem a caminho do Maracanã, a entrada em campo do time do Santos com sua escalação monumental, cenas lindas da decisão do Campeonato Carioca de 1964 entre Fluminense e Bangu. Para variar, mais uma vez se vê um gol de placa de Pelé: em sua fala, já como bicampeão mundial, o Atleta do Século XX dá um show de humildade e agradece a todos no Santos, dizendo que só chegou onde chegou por causa do apoio do clube e de seus companheiros.

Um outro grande momento do filme é a raríssima fala de Zózimo, craque bicampeão mundial pela Seleção em 1958/62. Articulado, poliglota, Zózimo era uma espécie de ponto fora da curva no futebol e talvez tenha pago o preço por isso. Falecido precocemente num acidente de carro, ele acabou de transformando num dos mais misteriosos campeões mundiais do nosso futebol.

Maurice Capovilla era apaixonado por futebol e aos 17 anos de idade, no começo dos anos 1950, veio para o Fluminense descoberto por olheiros do clube que buscavam jovens jogadores em todo o país. Com ele veio seu primo e amigo permanente de peladas, Écio. A temporada de treinos nas Laranjeiras durou dois meses, mas Maurice acabou não se firmando e voltou para São Paulo. Já seu primo Écio acabou se transferindo para o Vasco, onde se tornou ídolo, jogando em boa parte das décadas de 1950 e 60.

Não foi o primeiro caso de um namoro entre o Fluminense e o cinema brasileiro. Anos antes de Maurice, um dos grandes craques dos juvenis do Fluminense era Paulo Cezar, que só não disputou as Olimpíadas de Helsinque em 1952 porque se contundiu à última hora, sendo substituído por um certo Vavá – o final da história, todos sabem. Paulo Cezar transferiu seu talento para as câmeras e, com uma ideia na cabeça, juntou-se a Glauber Rocha e tantos outros nomes para fundar o Cinema Novo e marcar época na cultura brasileira. Ah, sim, Paulo Cezar Saraceni.

“Subterrâneos do futebol” é um curta-metragem, mas tem a força duradoura de um grande longa, tamanha a sua intensidade. Em sua realização, Maurice Capovilla se juntou a feras como Thomaz Farkas, autor de algumas das mais belas fotos da história do futebol brasileiro, e Vladimir Herzog. É um filme que merece ser visto e apreciado. Quase 60 anos depois de sua realização, ele ainda explica muito do que o futebol brasileiro tem de melhor e pior.

@pauloandel

A SELEÇÃO QUE NÃO NOS REPRESENTA MAIS

por Zé Roberto Padilha


Era tão bom quando a seleção era brasileira.

Jogavam em nossos clubes, viviam os nossos problemas, sofriam com os engarramentos, o aumento da gasolina e do gás de cozinha.

Quando eram convocados, iam para uma estância hidro mineral e treinavam ao lado de sua gente. A energia era repassada na beira do alambrado, na busca pelos autógrafos, no assédio dos torcedores.

De uns tempos para cá, foram trancafiados em condomínios de luxo do outro lado do atlântico. Falam outra língua, recebem outra moeda e quando são convocados desembarcam na área vip protegidos.

Dos seguranças, do assedio dos fãs.

Dos clamores, se protegem com headphones.

São incapazes de se posicionar sobre qualquer causa que afete sua gente. Nao são a favor ou contra a cloroquina. Ídolos são porta-vozes de quem os idolatra. Eles, tão distantes, não estão nem aí.

Não sou saudosista, que vive do passado. Sou saudoso das coisas boas que vivemos.

Jairzinho deixando o Botafogo e se apresentando na sede da CBD. E a sua gloriosa torcida presente, no centro da cidade, toda orgulhosa porque se sentia convocada também.

A sintonia se foi, a empatia desapareceu, a cumplicidade se perdeu. Até quando acertam o nome que está na boca do povo convocam o Fred errado.

Sério? Prefiro assistir Botafogo x Coritiba. Pelo menos vamos cruzar com seus jogadores em algum lugar do presente.

Porque o passado é uma camisa Athleta, verde amarela, sem patrocínios, feita a mão, disputada a tapa de uma seleção brasileira, que, hoje, tão fria, previsível e distante, não nos representa mais.

UM CAFÉ CONVIDATIVO

por Valdir Appel


No Recife, fiz amizade com o jornalista do Diário de Pernambuco, Amauri Veloso, hoje assessor de imprensa do Sport. O dia a dia do setorista do clube nos aproximou. Ético, limitava-se a divulgar as notícias do clube. Problemas extra-campo envolvendo jogadores ou problemas internos que pudessem manchar o nome do Leão eram abafados.

Amauri e eu tivemos a oportunidade de presenciar algo curioso. Um repórter novato do Diário de Pernambuco foi até o vestiário do leão, na Ilha do Retiro, e tomou um cafezinho que sempre ficava disponível, ao lado da água mineral, nos dias de jogos. Este foca e o nosso atacante Zezinho beberam o café quentinho. Eu e meus companheiros estranhamos o comportamento do Zezinho, após a degustação: não parava quieto no vestiário, agitava os braços, fazia agachamentos já durante a preleção do técnico, não via a hora de entrar em campo e jogar.

No primeiro tempo, o repórter do DP postou-se atrás do gol do Sport, acompanhando o ataque do Náutico. O rapaz, irrequieto, chamava a atenção de todos. Deslocava-se lateralmente na linha de fundo, enroscando-se com o fio do seu microfone e acompanhando todas as jogadas em cima. Em campo, Zezinho era o que demonstrava melhor preparo físico, só faltava bater escanteio e ir para a área cabecear. O público se divertiu o jogo inteiro com o atrapalhado repórter e vibrou muito com a disposição do atacante. Exagero à parte, sabe-se com certeza que os dois só dormiram 24 horas depois!

Pó mágico

Felizmente os demais jogadores não foram afetados pelo café. Eu nunca flagrei um doping espontâneo entre os companheiros. Mas, atividades de umbanda eram comuns e era bom respeitá-las. Colocar em dúvida as previsões dos macumbeiros de plantão podia quebrar uma corrente positiva. A maioria acreditava piamente. Eu só ficava impressionado com a quantidade de um pó vermelho que espalhavam pelo meu uniforme negro (calção, meias e camisa). O massagista Zé Ramos me aconselhava a usá-lo assim. Eu, que não sou bobo nem nada, ficava de bico calado, nem ousava sacudir o excesso de pó mágico. Porque eu não acredito em bruxas! Mas, que elas existem, existem!

(Recife 1969)

CRISE NA CBF ABALA FUTEBOL BRASILEIRO, MAS TITE FICA FORTALECIDO

por André Luiz Pereira Nunes


Pela primeira vez, desde a ditadura militar, um presidente da república interferiu nas decisões da Seleção Brasileira a ponto do mandatário afastado da entidade que rege o futebol nacional ter lhe prometido demitir o vitorioso técnico Tite. A mencionada interferência fere o Estatuto da FIFA e poderia resultar na exclusão do país para a Copa do Mundo de 2022, no Qatar.

É sabido que o selecionado de Tite, de fato, não empolga. Porém, os números não mentem. Com 100% de aproveitamento, seria suicídio mandá-lo embora, algo que poderia acarretar na desclassificação da equipe para o Mundial. Sem contar que os jogadores apoiam incondicionalmente o seu trabalho. A safra infelizmente não é boa. A culpa não é do treinador.

O clima de descontentamento por parte dos atletas em disputar a Copa América é bastante grande. E o motivo principal não é a pandemia. A maioria está de férias e gostaria de utilizar esse período para descansar. O torneio, em comparação com as Eliminatórias, tem importância bem menor. O evento ter parado repentinamente no Brasil sem que houvesse qualquer conversa ou explicação também pesou para o elenco. A irritação foi tão grande que um grande boicote passou a ser uma hipótese plausível, embora não acredite que ocorra.

São notórios os casos de jogadores que ao longo dos anos pediram para ser dispensados de uma disputa de Copa América, mesmo se arriscando a desagradar o treinador e não serem mais lembrados. Romário é um dos exemplos mais lembrados. Em 2001, chegou a ser convocado por Luiz Felipe Scolari, mas irritou o treinador ao pedir dispensa da edição devido a uma cirurgia ocular e depois atuar em amistosos pelo Vasco. O preço foi bastante alto. O atacante ficou fora da lista para a Copa do Mundo do ano seguinte que foi vencida justamente pelo Brasil.

O interessante é que em meio a toda essa polêmica, surge na imprensa um providencial escândalo envolvendo o presidente Rogério Caboclo, acusado por uma funcionária de assédio sexual. O fato foi extremamente corroborado pela existência de gravações que já foram até exibidas em rede nacional pela Globo. Em se tratando de CBF nada disso é novidade. A instituição já soma quatro presidentes afastados do cargo: três por corrupção, além do atual. Seu sucessor, Antônio Carlos Nunes, conhecido como Coronel Nunes, era um dos vice-presidentes e acabou escolhido por ser o mais velho. Ele é acusado de ter colaborado com a ditadura militar.

A demissão de Tite agradaria a Bolsonaro e a seu preposto Rogério Caboclo. Mas quem manda mesmo na parada são os patrocinadores. O pool de empresas formado por Itaú, Ambev, Gol e Mastercard já havia demonstrado preocupação com as denúncias e desagrado quanto à demissão do técnico. A razão é muito óbvia. A crise é da CBF, não da Seleção. Para quem não sabe, mesmo sem apresentar um bom futebol, é a única do planeta a ter 100% de aproveitamento nos jogos realizados depois da paralisação por força da pandemia.

O treinador, portanto, tem respaldo total de patrocinadores e jogadores, os quais lhe dão apoio incondicional. Há quem considere ruim o trabalho de Tite porque o futebol não empolga, mas demiti-lo a essa altura seria irresponsabilidade demais. Também não vejo substitutos no momento à altura. Renato Gaúcho, o mais lembrado, não vive boa fase na carreira. Ao que parece, nesse jogo levaram a pior, seguramente, o presidente da república Jair Bolsonaro e o da CBF Rogério Caboclo, justamente os que não jogam mesmo nada!

ONDE ESTÁ O FUTEBOL DA SELEÇÃO?

por Paulo-Roberto Andel


Perdoem-me se sou um velho. O que sei é que a Seleção do meu tempo de garoto era diferente. Bem diferente. Não era um tempo fácil; afinal, o Brasil vinha “só” de um quarto e um terceiro lugar nas duas últimas Copas de então, 1974 e 1978 respectivamente. E muito antes disso meu pai já me abastecia com figurinhas de Félix, Carlos Alberto Torres e Pelé.

Brigava-se nos debates de bar por Falcão e Paulo Cezar Lima. Ou um jeito de colocar juntos Uri Geller e Zé Sérgio; Cerezo, Sócrates e Zico; Oscar, Amaral e Edinho. Em 1979 o Brasil já abria mão de Rivellino e Marco Antônio dentre outros, isso sem dizer de craques que nem tiveram chance na Seleção ou por ela passaram rapidamente. De cara, três nomes: Aílton Lira, Enéas e Dicá.

Parei para ver o jogo da Seleção nesta sexta-feira à noite.

Muitas vezes tentei estabelecer uma conexão entre a Seleção atual e aquela que aprendi a admirar. Não consegui.

Ao contrário de muita gente, gosto pessoalmente de Tite e achava que seu trabalho vitorioso em clubes poderia fazer a Seleção avançar. Até aqui não deu. Mas é bom que se diga: os rumores que hoje cercam o treinador nada têm a ver com o campo, mas sim por sua oposição à Terra plana.

O Brasil venceu. Para consolidar sua vitória no fim do jogo, precisou de um pênalti batido duas vezes: o goleiro tirou os pés da linha na primeira cobrança, feita de forma ridícula por Neymar, chegando a ser constrangedora. Na repetição, a batida saiu correta e aí Neymar “calou os críticos”…

O Brasil venceu. É líder nas eliminatórias, com cinco vitórias em cinco jogos. No pragmatismo, números impecáveis. Nas apresentações, um futebol opaco e burocrático. Certamente manterá a condição de única seleção do mundo a figurar em todas as Copas do Mundo, mas talvez aí esteja o verbo que nos atordoa há quase vinte anos: figurar.

É impossível alguém achar que o quarto lugar no Mundial de 2014 tenha sido exitoso, dados os fatos evidentes.

Pode ser que os mais jovens ainda encontrem encantamento no futebol de jogadores como Gabigol (um sucesso nacional), Paquetá e outros, mas toda vez que os vejo tenho sempre a impressão de um toque a mais, uma firula a mais que não produz, uma espécie de futebol pernóstico que em nada honra o nosso passado. Neymar, a referência maior, o grande artilheiro, alterna boas jogadas com momentos escabrosos, vide ontem. Salve-se a luta incessante de Richarlison, premiada com um gol.

Será que velhos como eu nunca mais vão ver uma Seleção Brasileira capaz de orgulhar o povo por conta de seu futebol coletivo e individualidades? Não precisa ser Rivellino, Pelé e Gerson, nem Sócrates e Falcão: pode ser Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho mesmo. Já seria demais.

Por enquanto, orgulho mesmo só nas palavras de Casemiro depois do jogo diante do Equador. Tomara que, na tomada de posição, a Seleção Brasileira se reencontre com seu povo. Dentro de campo, tudo ainda parece muito distante.

Sobre Rogério Caboclo, vale a máxima do Barão de Itararé: “De onde menos se espera é que não vem nada mesmo”.

@pauloandel