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O VERDADEIRO EPISÓDIO DA LUTA DO VASCO CONTRA O RACISMO

por André Luiz Pereira Nunes


Não é totalmente falsa, tampouco totalmente verdadeira a premissa de que o Vasco, em 1923, encampou uma cruzada contra o racismo no futebol carioca. Em realidade, a luta dos cruzmaltinos foi a favor dos pequenos clubes contra as regras vigentes da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) que impediam que os jogadores exercessem outra atividade que não fosse o futebol. É necessário frisar que o esporte nesse tempo era exercido pela aristocracia. Portanto, a profissionalização ainda não era aceita pelos dirigentes. Consequentemente, essa restrição atingia os mais pobres, notadamente os negros, que precisavam trabalhar em outras atividades para garantir a sobrevivência diária.

Na famosa Assembléia Geral, que culminou com a cisão do futebol carioca, o discurso de Barbosa Júnior, representante do Sport Club Mackenzie, provando o racismo dos clubes grandes, desmoralizou os dissidentes. Como então salvar a situação perante os revoltados desportistas? Durante o encontro, Mário Pólo, do Fluminense, confabulou com Ari Franco, esse mesmo que hoje dá nome ao presídio, e que era representante do Bangu. Ambos se retiraram para uma sala ao lado. Quando retornaram, Mário Pólo pediu a palavra e disse:

“São falsas as insinuações do representante do SC Mackenzie, Barbosa Júnior, declarando que os grandes clubes têm o propósito de afastar os homens de cor da Liga. Agora mesmo o representante do Bangu acaba de aderir ao nosso movimento e se trata de um clube proletário que contém homens de cor.”


Ninguém acreditou nas palavras do representante tricolor, pois antes dos entendimentos com Ari Franco os chamados jogadores de cor do Bangu também estavam na lista negra da Liga. Portanto, em 7 de abril de 1924, o presidente do Vasco, José Augusto Prestes, dirigiu um ofício a Arnaldo Guinle, do Fluminense, declarando com grande elevação e respeito que seu clube não tinha interesse em pertencer à Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), pois acima de tudo colocava a dignidade de seus jogadores, jovens brasileiros, no começo de sua carreira esportiva, campeões da cidade, que com sacrifício e brilho, honraram o pavilhão vascaíno.

Em 1924, a cidade então contou com duas ligas. Pela entidade oficial, a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), o Vasco sagrou-se campeão, cabendo a última posição ao Palmeiras. Na entidade dissidente o campeão foi o Fluminense e o último colocado foi o SC Brasil. Essa cisão durou apenas um ano. Em 1925, através da intervenção de Oscar da Costa, diretor do Jornal do Comércio, formou-se a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), constituída por dez clubes: Flamengo (campeão), Fluminense (vice-campeão), Vasco, Botafogo, America, São Cristóvão, Bangu, Sírio e Libanês, Helênico e Brasil.

A atitude do Vasco, assumida pelo presidente José Augusto Prestes, acabou com esse tipo de racismo e outros preconceitos. Em 1924, o Gigante da Colina detinha uma modesta praça de esportes localizada na Rua Morais e Silva, próxima ao Colégio Militar, na Tijuca. No mesmo ano os cruzmaltinos iniciaram a campanha financeira para a construção do estádio de São Januário e, em 1926, foi iniciada a grande praça de esportes, inaugurada no ano seguinte.

DOIS MENINOS

por Claudio Lovato Filho


(Foto: Americo Vermelho)

(Foto: Americo Vermelho)

Um está no gol

O outro chuta

O que está no gol fala alguma coisa

O outro ri alto

As traves e o travessão formam sombras alongadas na areia

Demarcando o território do qual os dois são donos absolutos

É domingo, e os carros deslizam no asfalto da avenida, se amontoam, se provocam

No calçadão, as pessoas vêm e vão, desviam umas da outras

Um casal pede dois cocos no quiosque

Os meninos invertem as posições

O que estava no gol vai chutar

O que estava chutando vai pro gol (de má vontade)

Em volta deles

A cidade é claridade, palavrório e buzina

E o mundo segue em sua cacofonia de beleza e loucura

Esperança e tragédia

Vida e morte

Um chute

E outro

E outro

O menino que está no gol diz alguma coisa

O outro cai na gargalhada, e responde

Então os dois riem

E riem

E riem

E parece que não vão mais parar de rir

Nunca mais

Parece que vão rir para sempre

Até que decidem que é hora de ir embora

Um deles pega a bicicleta

O outro põe a bola debaixo do braço

Vão para casa

Para seus pratos feitos com arroz, feijão, bife e ovo

Cobertos com um pano sobre o fogão

Os dois se vão de bicicleta pela ciclovia

Gritando

Rindo

Rindo alto

Rindo sem parar

Dois meninos

Dois irmãos.

POR QUE DESMERECER A COPA AMÉRICA?

por Fabio Lacerda


Como tudo na vida, sempre há razões para melhorar. A sociedade, o futebol, precisam dar exemplos. Desde os campeonatos regionais até os continentais de seleção. Simultaneamente, assiste-se a Eurocopa e a Copa América. No Velho Continente, o brilho de um campeonato recheado de craques, uma organização infalível e, principalmente, um modelo de competição que acirra a disputa no campo verde de batalhas memoráveis.

Na América do Sul, parece que a ‘Síndrome de Vira Lata’ volta à tona. A velha prática de menosprezar competições que estrangulam calendários faz o torcedor ser cético quanto à credibilidade e lisura das competições na América do Sul – Copa América. Não entraremos no campo da política televisiva e da Pandemia, já que a pelota está rolando desde o início do ano.

A América do Sul, analisada na obra de Bernardo Kliksberg, em ‘Desigualdade na América Latina – o debate adiado, Cortez Editora, com selo da Unesco, mostra uma série de mazelas sociais que estão diretamente ligadas a não prosperidade das populações. No prefácio, Klikberg cita que estudos realizados em países desenvolvidos na Europa identificam a América Latina como o continente ‘antiexemplo’ em relação à equidade social que infringem em impactos econômicos.

O futebol é uma ferramenta que você usa como um modelo de análise comportamental, já afirmada que é o espelho da sociedade. Precisa-se dar uma embalagem mais refinada ao futebol latino, em especial, no Brasil, maior país do continente com campos que possuem gramados de várzea. E uma arbitragem que dá cada vez mais vergonha nos campeonatos nacionais vendo ambas as competições continentais de seleções diante da tranquilidade dos árbitros em tomarem as decisões corretas.

Assim como na Europa, aqui, na América do Sul, estão os melhores jogadores latinos americanos do Hemisfério Sul. O grande problema é a organização da competição. Perde-se a credibilidade quando há dois grupos com cinco seleções sendo que quatro se classificam. Por que não classificar dois de cada grupo? Se quiser estender a competição, que faça um quadrangular. Caso contrário, semifinal e final.

Por outro lado, a Copa América vira um termômetro que pode estourar o mercúrio e deixar Tite passar a ser mais questionado em função de um futebol burocrático que depende de lampejos e boa vontade de alguns jogadores intocáveis do comandante que, apesar de poucas derrotas, enfrentou muito mamão com açúcar nos mais de 50 jogos à frente da seleção canarinho.

Enquanto muitos brasileiros, torcedores e jornalistas acreditam piamente e ‘exigem’ o décimo título da seleção – vale lembrar, vale ressaltar que o Brasil ficou 40 anos sem Copa América na época de ouro do nosso futebol – Uruguai e Argentina brigam pela hegemonia fazendo pensar quem vos escreve que ambos os países possam estar com mais gana.

A Celeste Olímpica, com 15 títulos, joga pela hegemonia na Copa América. Já a Argentina tem a chance de igualar o número de título dos uruguaios e, enfim, Messi ser campeão de uma competição internacional.

Gustavo Hoffmann, da ESPN Brasil, programa Futebol no Mundo, afirma com todas as letras que o Brasil é o melhor e o favorito no dia 28 de junho. Só que o Brasil enfrenta o Chile, última seleção bicampeã da Copa América, e uma seleção que vem sendo uma pedra no sapato do Brasil até em Copa do Mundo. A rixa com os andinos vem desde a Copa América de 1987, quando o Chile enfiou 4 a 0 no Brasil formado por alguns jogadores que figuraram no título de 1989, naquele gol inesquecível de Romário concluindo uma triangulação que envolveu Mazinho e Bebeto. Sem falar na encenação do goleiro Rojas no Maracanã com o rojão atirado por uma torcedora que, posteriormente, apresentou-se como veio ao mundo para uma revista para o público masculino heterossexual.

Não se assustem se o Brasil sucumbir diante de um Chile aguerrido e brigador. Sexta-feira, às 21h. Será osso! E uma eliminação vai colocar a seleção brasileira e a Confederação Brasileira de Futebol em maus lençóis. Será que o cabaré vai pegar fogo? Estou pagando para ver.

A BARRIGA QUE FEZ A DIFERENÇA

por Luis Filipe Chateaubriand


O ano era 1995.

Ano de centenário do Flamengo.

Ganhar o Campeonato Estadual era obrigação para o rubro-negro de Romário, Sávio e companhia.

Eis que, no octogonal decisivo, o último jogo era um Fla x Flu de arrepiar.

Ao Flamengo, bastava vitória ou empate para o título.

O Fluminense precisava vencer, para ser campeão.

O jogo começa e o Fluminense “atropela” o Flamengo no primeiro tempo.

Os 2 x 0, gols de Renato Gaúcho e Leonardo, ficaram baratos para o clube da Gávea.

Eis que começa o segundo tempo, e o cenário é completamente diverso.

O Flamengo encurrala o Fluminense, asfixia o clube das Laranjeiras.

Rapidamente, Romário reduz para 2 x 1.

E, pouco depois, Fabinho empata em 2 x 2.

Agora, é o Fluminense que precisa do resultado.

E, para piorar as coisas para o Tricolor, o lateral esquerdo Lira é expulso, depois de uma entrada criminosa em um jogador rubro negro.

O jogo caminha para o fim, e tudo leva a crer que o Flamengo será campeão.

Mas eis que de repente, não mais que de repente, Aílton ziguezagueia na entrada direita da área rubro negra, chuta cruzado, a bola bate na barriga de Renato Gaúcho e entra!

(Este escriba estava nas cadeiras atrás do gol e ouviu Renato Gaúcho gritando, em comemoração ao gol, perante um Maracanã silencioso, que só explodiria, na metade tricolor, um instante depois).

Depois, foi esperar o pouco tempo que restava passar e, pronto, o Fluminense era campeão carioca de 1995.

Renato Gaúcho foi coroado Rei do Rio, e sua barriga entrou para a história! 

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

PORTUGAL SOLIDÃO

por Rubens Lemos


Exausta pela viagem, Izabel subiu ao hotel em Lisboa e caiu no sono dos sertanejos, desacostumados com aeroporto, check-in e check-out. Subiu ao hotel despachada a bagagem, entregue o voucher e decidiu dormir. Era uma viagem(minha) a trabalho.

Acompanhava, há 21 anos, o governador Garibaldi Filho até a Espanha para receber um prêmio pelo maior programa de abastecimento de água do mundo, o das Adutoras, abençoado pelo Monsenhor Expedito Medeiros, de São Paulo do Potengi.

O pobre passava a ter direito ao direito que lhes era negado pela tacanha politicagem: o de beber água limpa. Garibaldi Filho fez a maior obra social do Rio Grande do Norte. Emocionante.

Exposto o trabalho pela equipe da Secretaria de Recursos Hídricos – lembro bem da ótima companhia de Ricardo Melo, filho do mestre Dalton Melo, Garibaldi ganhou de goleada.

Na noite da chegada, pois, fiquei sozinho no restaurante do hotel em Lisboa, posto que chegamos antes da delegação oficial e, juntados alguns caraminguás, mais diárias de contas bem prestadas, resolvi levar minha mulher à Europa. Fã de Garibaldi, julguei que ela merecia assistir à entrega do prêmio.

A solidão portuguesa é um estado de espírito. Pedi uma cerveja acompanhada por um sanduíche de ovos com batatas fritas. Absolutamente eu e a solidão.

Quando a cantora cantou Coimbra. Decidi, depois da terceira taça, que Amália Rodrigues era ela, mesmo morta Amália, um ano antes de nossa visita. A moça, de uma brancura santificada, musicava os versos olhando para cada um dos 10 ou 12 presentes ao restaurante.

Disfarçado, lacrimejei às primeiras letras do Fado-Hino: “Coimbra é uma lição/De Sonho e Tradição/ E a lua a faculdade/ O livro é uma mulher/ Só passa quem souber/ E a prende-se a dizer saudade”. Chorei, saudosista orgânico. A saudade em mim é uma companhia.

De repente, pensei nos meus ídolos lusitanos. Pensei em Mário Soares. O primeiro-ministro português herói da Revolução dos Cravos. Imaginem soldados revolucionários, depondo uma ditadura de décadas, sendo recebidos por flores pelos cidadãos comuns.

O capitão da conquista era Mário Soares, que, naquela noite, jamais imaginaria apertar a mão. Anos depois, em missão pelo Brasil, ele esteve em Natal e eu o conheci, reverente como um soldado de imensa insignificância. Mário Soares bem poderia ser sinônimo de estadista. Como de fato, foi.

Portugal, passional, não é sentimental no coletivo. Existiram Amálias, Mários, Eusébios. Tinha menos de dois anos quando Eusébio, o Deus da Bola, Pá!, jogou em Natal no tapete suntuoso do recém-inaugurado Castelão. Tenho o jogo, mas tenho em DVD, ele flutuando em velocidade e desmoralizando zagueiros do Equador. Foi 3×0 e Alex Medeiros assistiu, ao vivo.

Da noite da moça branca cantando Amália Rodrigues até hoje, a canção portuguesa entoou novamente em meu coração, no saudosismo e no seu primo, o sofrimento, na luta de Portugal contra a Alemanha e a França pela Eurocopa. Alemanha chama-se pragmatismo e França, ataque.

A Alemanha é um jogo eficiente e bonito quanto se vê Toni Kross, o maior-armador do planeta, enfiar bolas como um Didi sem gingado nem cintura maliciosa. A França é a patrulha avançada de Mbappé e Benzema.

A Alemanha bateu Portugal sem que Portugal abrisse mão da luta, como se das chuteiras, flores brotassem na batalha inglória. França é desfile virtuoso. Foi empate.

Portugal de Amália Rodrigues, Mário Soares, Eusébio, é Portugal hoje do Cristiano Ronaldo que um dia reneguei e rendo-me, sem armas, pela capacidade guerreira. De sonhar estar de novo sozinho numa noite a ouvir o canto quase lírico, de um atacante que faz da força, aumentativo de encanto.