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ELY DO AMPARO, O ‘CARA’ QUE CALARIA OBDÚLIO

por André Felipe de Lima


“Faltou quem gritasse mais em campo que o Obdúlio Varela”. Essa foi uma das frases mais proferidas nas rodas sobre a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo, no Maracanã, no dia 16 de julho de 1950. Aliás, a frase pululou décadas a fio, ecoando, sobretudo, nas mentes daquele que estiveram no gramado do “Maior do mundo” naquela tarde infeliz. Cresci ouvindo pai, tios e os amigos deles proferindo a mesma e inquebrantável pergunta: “Por que, meu Deus, ninguém gritou mais que o Obdúlio?”. O Maracanazo jamais saiu do recôndito de nossas mentes. Nunca sairá. É dor daquelas eternas.

O capitão do escrete brasileiro era o zagueiro Augusto, que defendia o Vasco, o todo-poderoso “Expresso da Vitória”. Augusto tinha fama de durão, mas, no fundo, a imagem que mais predominou naquele Maracanã lotado era a de um camarada macambúzio que, sabe-se lá o motivo, mal abria a boca para um inofensivo espirro na grama. No dia seguinte, ao chegar ao departamento de polícia em que trabalhava, no Largo da Carioca, ouviu gozações. Aceitou tudo calado. O glamour dos dias que antecederam a final da Copa acabou. Restou-lhe a frustração que o atormentou até o fim da vida. Mas fica a insistente e repugnante pergunta: “Por que, meu Deus, ninguém gritou mais que o Obdúlio?”.


Ely do Amparo (Foto: Reprodução)

Simples a resposta: Porque o técnico Flávio Costa não escalou o médio-direito (atual lateral) Ely do Amparo para intimidar os pretensiosos uruguaios. Falariam fino no gramado diante do Ely. Ficariam pianinho após um chega-pra-lá do enfezado Ely, que tinha em São Jorge seu santo de (muita!) devoção. Com ele, o Ely, não havia papo furado em campo. Não se jogava conversa fora. Escreveu, não leu… o pau comeu. Se somente Freud — como alertou Nelson Rodrigues, um cético de raiz — explicaria o Maracanazo, ouso afirmar que Ely resolveria a parada ali, na grama fina do Maracanã, berrando aos pulmões muito mais que o Obdúlio. Flávio Costa, infelizmente, não deixou isso acontecer. Vejam, meus amigos, Ely era o cara. Seria ele a salvação do Brasil em 50.

O que pensar de um sujeito que trata a derrota com a maior naturalidade do mundo, como se fosse algo passageiro (e, convenhamos, realmente é)? Para o Ely casca-grossa, tudo era uma questão de “lógica”. Dizia ele: “São coisas da vida que não devem ser levadas a sério”. Ficou aborrecido por não ter sido escalado pelo Flávio Costa. E, modesto, respondia aos que perguntavam se faltou alguém do Brasil que colocasse o tal do Obdúlio para chorar: “Não é grito que eleva o moral do jogador”. Como era modesto, aquele Ely…


Mas, afinal, quem foi o “tal” Ely do Amparo? Foi ele, nas décadas de 1940 e 50, um dos mais importantes jogadores do famoso “Expresso da Vitória”, o melhor time da história do Vasco da Gama e um dos maiores em toda a trajetória do futebol nacional. Também foi ídolo do Sport, onde se destacou pela garra com que defendia a camisa tricolor. Garra que foi várias vezes definida pela imprensa carioca como “violência”. Para alguns cronistas esportivos cariocas, Ely foi um “carniceiro”. Puro despeito. Jogava duro, é verdade, mas simplesmente fazia o seu papel, ora como médio-direito, ora como centromédio (o atual volante), que é o de proteger a zaga.

No Vasco, Ely do Amparo, como médio-direito, formou ao lado de Barbosa, Danilo, Ipojucan, Jorge, Jair, Isaias, Lelé, Chico, Maneca, Friaça, Rafanelli, Augusto, Heleno de Freitas e Ademir de Menezes, dentre outros cracaços de bola, uma equipe inesquecível.

Os vascaínos da velha-guarda — e até torcedores “das antigas” de outros times do Rio — têm na memória — e na ponta da língua! — uma das mais famosas linhas médias do futebol brasileiro da década de 1940: Ely, Danilo e Jorge.


Com a camisa da seleção brasileira, o defensor foi reserva no escrete vice-campeão da Copa de 1950, no Brasil. Vestiu a camisa nacional em 19 oportunidades e também esteve no grupo que participou do Mundial de 1954. No campeonato pan-americano do Chile, em 1952, Ely anulou Ghiggia, o carrasco brasileiro da final de 50, e foi decisivo para vitória brasileira sobre o Uruguai. Aliás, foi Ely quem verdadeiramente lavou a alma dos brasileiros ao peitar Obdúlio Varela. “Baixara sobre Ely do Amparo o espírito do grande capitão”, recordou Mario Filho. O defensor do Vasco exagerou, mas vingou Barbosa e Bigode, os mais criticados após o fatídico dia 16 de julho de 1950. “Meteu a mão em Obdúlio Varela”, completou Mario Filho. O eterno capitão uruguaio, que calou uma nação, não reagiu.


Em 1955, Ely recebeu, como gratidão pelo que conquistou para o Vasco, o passe livre e deixou o time da colina. Com um acordo salarial estipulado em 25 mil cruzeiros por mês, Ely transferiu-se para o Sport Clube Recife. Pelo Leão da Ilha do Retiro participou da conquista do Campeonato Pernambucano de 1955. Na decisão, atuando como centromédio contra o rival Náutico, jogou com a cabeça enfaixada após sofrer um corte devido a uma agressão do ponta Ivanildo. Mesmo assim, permaneceu em campo e foi um dos principais personagens da partida, dando inclusive o passe a Naninho para fazer o gol do título.

Há 26 anos, exatamente no dia 9 de março de 1991, perdemos Ely, vítima de um enfarte.

MULLER, A BIOGRAFIA


Muller e o biógrafo Anderson Olivieri

“A história do Müller sempre me fascinou. É um dos personagens mais marcantes do futebol brasileiro nas últimas décadas”. Pela frase de efeito, é possível notar que não foi por acaso que o advogado e estudante do último período de Jornalismo Anderson Olivieri decidiu se aprofundar para escrever a biografia de um dos atacantes mais marcantes do futebol brasileiro, com três convocações para Copa do Mundo e dois mundiais interclubes no currículo.

 Embora seja a primeira biografia de sua autoria, o cruzeirense Anderson já publicou quatro livros sobre o seu time: Anos 90: um campeão chamado Cruzeiro (All Print Editora); 20 Jogos eternos do Cruzeiro (Maquinária); 2003: o ano do Cruzeiro (Agência Número Um); Cartas do Tetra – As histórias de Cruzeiro, Corinthians e Fluminense no ano celeste de 2014 (Vilarejo Editora).

O futebol é paixão antiga do escritor. De acordo com ele, aos sete meses de idade foi clicado segurando uma bola de futebol com um sorriso de orelha a orelha, e passou a infância jogando e discutindo futebol.


– Com sete anos, gastava toda minha mesada comprando o Jornal dos Sports. É uma paixão de berço – lembra o cruzeirense, que freqüentava semanalmente os estádios de Brasília com o avô, para assistir clássicos como Sobradinho x Gama, Sobradinho x Planaltina, Sobradinho x Ceilândia, entre outros.

Após escrever o quarto livro sobre o Cruzeiro, Anderson decidiu que era a hora de partir para um projeto diferente, de fôlego, como uma biografia. Sem pensar duas vezes, optou por escrever sobre o atacante Müller, um jogador que o fascinava dentro e fora dos campos, com boas, intrigantes e curiosas histórias.

– Consegui o telefone dele e, na cara dura, fiz contato. Expliquei o projeto e ele adorou a ideia. Nos entrosamos fácil e a coisa fluiu quase como era nos tempos da dupla Müller e Careca! – brincou Anderson.

Até agora, o autor já teve cinco encontros com Muller, que renderam resenhas intermináveis, e entrevistou alguns personagens que fizeram parte da carreira do jogador, como Muricy Ramalho, Levir Culpi, Jorginho, Ricardo Gomes, Zinho e Alex Dias, totalizando 25 horas de conteúdo. Embora a disposição de Anderson salte aos olhos, o escritor disse que o projeto está só começando:

– Tenho certeza que posso garimpar muitas histórias boas ainda. Já fiz um levantamento e faltam, por baixo, 45 entrevistas.


É importante ressaltar, no entanto, que toda a etapa inicial foi custeada pelo próprio autor, e as demais entrevistas vão exigir gastos ainda maiores por conta da distância entre os entrevistados. Sendo assim, Anderson decidiu criar uma campanha de financiamento coletivo para custear a produção do livro.

Lançado recentemente, o site https://www.kickante.com.br/campanhas/muller-biografia detalha todo o projeto e explica como funciona o crowdfunding. Durante toda a produção do livro, em respeito e como forma de “prestação de conta”, o colaborador será informado sobre cada passo dado na apuração de produção da biografia.

– Me propus a fazer uma biografia, não vou fazer de qualquer forma. Quero excelência! – finalizou o escritor.

Agora a bola está com a gente, amigos! Vamos ajudar nosso parceiro a fazer esse gol de placa!

A FESTA DO EDGAR

No dia do aniversário do do consagrado locutor Cesar Rizzo, criador do bordão “Sacudindo, sacudindo a galera”, reproduzimos um texto da “A Pelada Como Ela É” e um vídeo em que Rizzo nos parabeniza pelo nosso primeiro ano de vida, quando a coluna ainda era publicada apenas no Jornal O Globo.

por Sergio Pugliese

Gerson, o Canhotinha de Ouro, fez um carnaval na defesa, driblou o goleiro-paredão Gil Rios e deixou o saudoso João Sergio com a missão de apenas empurrar a redonda para o gol mas, vai entender, seu chute possuído por algum efeito sobrenatural fez a coitadinha da bola mudar totalmente a direção e mergulhar nas águas da Praia de São Francisco. O campeão do mundo de 70 gritou “É brincadeira!”, jogou a camisa no chão e despediu-se: “Nunca mais volto aqui”. Quem consegue? Na semana seguinte lá estava ele no Praia Clube, em Niterói, animando a resenha com seu pandeiro, na companhia de Jair Marinho, outro campeão mundial, e de incontáveis amigos. A equipe do A Pelada Como Ela É entendeu perfeitamente a quebra de palavra do ídolo. Não dá para ficar longe dessa rapaziada!! São dezenas de doidos que esbanjam felicidade, autênticos malucos-beleza que adoram estar juntos. Essa turma do bem, liderada pelo engenheiro Edgar Chagas Muniz, na quinta-feira passada nos pregou uma peça e preparou uma inesquecível festa-surpresa para comemoramos antecipadamente o primeiro ano da coluna, oficialmente hoje. 

– Babalu, desce mais uma!!!! – berrou Shubert. 


Jair Marinho beija Edgar, o dono da festa

A casa estava cheia, mais Babalu deu conta do recado. Eram quase 70 jogadores, todos vestidos com a camisa A Pelada Como Ela É estilizada por Edgar, que também edita o jornal O Racha, é mestre de cerimônias, fundador da pelada, artilheiro e ainda toca um violãozinho na mesa redonda. O evento foi de alto nível! Estava o atual presidente do clube, Henrique Miranda Santos e o primeirinho, quando tudo começou há 32 anos, Onofre Bogado. O Praia Clube era apenas um quiosque no meio do nada e hoje seus fundadores Edgar, Fabiano, Cesar Maia, Huguinho, Nelson, Gil Rios e Ney Vargas mostram orgulhosos cada espaço construído, com destaque para o porrinhódromo e, claro, o belo campo soçaite, de grama sintética, onde todas às noites de quinta-feira, os veteranos craques viram crianças. 

– Nosso lema é Saúde, Paz, União e Força no Vergalhão! – gabou-se o analista jurídico Cesar Maia. 

Disposição realmente não falta ao grupo. No embalo de Cássio (vocal) e de Marcílio Tanaka (bandolim), músico que, entre outras feras, já tocou com Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, a rapaziada não olhava para o relógio. Então, Fabiano, de 67 anos, abraçado ao filho Fabson, de 43, e ao neto Fabinho, de 11, puxou o hino do time: “É quinta-feira, por favor não esqueça, não me segura pois estou em cima da hora, no Praia Clube vou fazer minha cabeça e se eu me atraso rola a bola e eu tô fora. Não gosto de te ver chorando, mas to me mandando, só vou relaxar…”. 

– É uma espécie de homenagem às nossas mulheres – brincou Merinho, craque do time. 

Num canto da festa, Reyes de Sá Viana do Castelo, da equipe do A Pelada Como Ela É e corintiano apaixonado, chorou ao ver Jair Marinho. Ele faz parte de uma terceira geração de fãs do craque, que começou com seu bisavô Paulo, torcedor da Portuguesa, e passou por seu avô Raul, também Coringão. Por isso, se emocionou ao ouvir Jair contando sobre Pampolini, Ivair, Dino Sanni e Rivellino. Sobre Jair Marinho, no entanto, os amigos ignoram o passado de glória e preferem lembrar o dia em que ele escondeu a dentadura dentro do copo de cerveja de Gerson, o Canhotinha. Após a descoberta foi tudo parar dentro da piscina. Jair fez cara de moleque e deu um beijo carinhoso em Huguinho. 

– Aqui todos somos iguais e até podemos reclamar dos lançamentos errados do Gerson – resumiu Cesar Rizzo, consagrado locutor, criador do bordão “Sacudindo, sacudindo a galera!”. 


O churrasqueiro Jonas continuava queimando carne. Há 25 anos no clube, ele conhece o apetite da turma. O cardiologista Ciro Herdy tentava controlar o consumo de gordura. Esse conhece o colesterol da turma. Mas ninguém ouvia mais nada. Sinval, sósia de Gerson, se despediu. Aproveitamos o embalo e fomos juntos. Foi difícil sair. Adoramos o presente de Edgar & Cia e o texto de hoje é uma singela forma de agradecer a todos organizadores de pelada que trataram nossa equipe com tanto carinho ao longo do ano.

A BOLA E O RÁDIO, ARMINDO RANZOLIN


(Foto: Luis Fernando/Agência RBS)

“O estado inteiro fervia de expectativa para aquele Gre-Nal da semifinal do Brasileiro. No primeiro tempo, o Grêmio colocou o Inter na roda, e o lateral Casemiro ainda foi expulso. O Abelão (Abel Braga) recém começava e já tinha uma coragem demente, então tirou o volante Leomir e colocou o Diego Aguirre e manteve o Edu para fazer ponta e lateral-esquerda ao mesmo tempo. No segundo tempo o Inter promoveu a maior virada de sua história. Jogou muito e desceu a lenha mais ainda. O Beira-Rio foi tomado de uma loucura quase selvagem, tinha umas 80 mil pessoas. Este era o “quadro indescritível que a gente vê no Beira-Rio”, que o Ranzolin observa nesta narração maravilhosa do segundo gol do Nílson, com direito a Kenny Braga chorando alucinado ao microfone.” (Douglas Ceconello, Jornalista, Escritor, amigo e Colorado)

por Marcelo Mendez

Hoje a coluna “A BOLA E O RÁDIO” poderia parar aí, nesse depoimento lindo do meu amigo, jornalista o qual sou fã, Douglas Ceconello, sobre o homenageado da vez e sobre o que aconteceu naquele Gre-Nal.

Mas va… Vamos dar uma descida lá pro sul do Brasil para falar de um cara que eternizou esse Gre-Nal como “O Gre-Nal do Século”…

Eram jogados 26 minutos do segundo tempo, o Internacional com um jogador a menos, mas com toda a valentia de jogadores como Luiz Carlos Wink, Mauricio e o herói da coisa toda; Nilson…

Quando Mauricio bateu a bola do lado direito do campo, para o camisa 9 empurrar para as redes, o rádio esportivo do Brasil conheceria então uma de suas mais lendárias narrações e hoje, vamos falar dele, o dono da voz:

Armindo Ranzolin, em “A Bola e o Rádio”…


Nascido em Caxias do Sul, mudou-se para Lajes com um ano de idade e por lá começou seus trabalhos como radialista em 1956. Perambulou por alguns lugares até que em 1961, pelo microfone da Radio Difusora, narrou seu primeiro Gre-Nal em 1961. Saiu da empresa por conta de pressões do Regime Militar instaurado em 1964.

Depois desse episódio, vai trabalhar na Radio Farroupilha e nos anos 70 na Rádio Guaíba. Fez por lá sua primeira Copa em 1974 e permaneceu até 1984, quando se transferiu para a Radio Gaúcha, de onde vem a narração escolhida de hoje.

Não dá para falar, tem que sentir.

“O relato do Ranzolin é a tradução perfeita da insanidade que foi aquele jogo, que até pôster em jornal rendeu e até hoje é um dos maiores orgulhos dos colorados. É talvez minha lembrança mais forte do futebol e era o maior jogo da história do Inter, talvez do futebol, para aquele guri de nove anos. Até porque eu não estava no estádio, então precisei construir na imaginação o cenário insano que o Ranzolin narrou, e neste aspecto o rádio é absolutamente imbatível” – Douglas Ceconello

A narração do segundo gol do Internacional em 1989 no Gre-Nal do século, sem a menor sombra de dúvidas, é uma das maiores locuções esportivas de todos os tempos. E ainda vem com o plus do comentário de Kenny Braga, lendário Colorado, em prantos!

 

OTELO CAÇADOR, O REI DO HUMOR DO FUTEBOL

por André Felipe de Lima


(Foto: arquivo pessoal de Otelo)

A noite era apenas uma criança. Sempre foi no Leblon, especialmente em um bar chamado Degrau, que já se chamou “Progresso”, na rua Ataulfo Paiva. E foi naquela noite que dois amigos de unha e carne precisavam urgentemente se encontrar para falar da vida e, bem mais que isso, beber todas, claro, no aconchego etílico do Degrau, que se permitia ao luxo de ostentar dois telefones fixos, um para uso dos clientes especiais (como eles) e o outro para os que não assinavam ponto lá quase que diariamente. Definitivamente não era o caso de Luiz Reis, o popular “Cabeleira”, pianista de estirpe e calejo e sobretudo um notívago de primeira, e do amigo Otelo Caçador, jornalista, humorista e eterno apaixonado pelo Flamengo. Casaria com o clube se este fosse de carne e osso e linda mulher. Otelo largaria tudo pela “moça” Flamengo. 

Luiz Reis, que também era rubro-negro, estava completamente mamado. Trôpego, levantou-se da mesa e dirigiu-se ao tal telefone “cativo” dos clientes especiais. Disca o número e fala:

— Alô, é da residência do Otelo?

— Sim, senhor.

— Ele está?

— Não senhor, o senhor Otelo saiu.

— Saiu?!

—Sim, senhor, foi encontrar com o senhor Luiz, no Degrau.

— Onde?

Luiz Reis ficou meio aturdido e imaginando: “Encontrar com ele no Degrau? Isso é coisa de bêbado”. Encucado (e para lá de Marrakesh), Reis decidiu ligar para o número do telefone dos “não cativos” do Degrau.

— É do Degrau?

— Sim, senhor.

— O Otelo está?

— Sim, um momento que vou chamá-lo.

Abordaram o Otelo, que foi ao outro telefone, exatamente em frente ao que se encontrava o Luiz Reis. Eis, portanto, que a cena surrealista toma conta do Degrau:

— Otelo?

— Tá falando…

— Sou eu, você marca comigo e não aparece.

— Não aparece como? Faz uma hora que estamos bebendo e conversando.

— Conversando comigo? Bebendo comigo? Onde?

— Aqui no Degrau. Agora, por exemplo, estou na sua frente, do outro lado do balcão, deu pra notar?

— No balcão? No Degrau?

— Sem mudar um centímetro.

— Jura?… sacanagem… como é que você chega e nem me avisa. Faz um tempão que estou esperando e você ainda diz que é meu amigo.


O tradicional restaurante no Leblon (Foto: reprodução)

A cena hilária descrita acima faz parte da miríade de casos que teve Ótelo Caçador da Silveira como protagonista. Filho do general Joaquim Cardoso da Silveira e de Ida Caçador da Silveira, o sarcástico Ótelo assinou textos bem-humorados, caricaturas e charges para o Jornal dos Sports, onde começou a carreira em 1947, para a antiga revista O Globo Sportivo e para O Globo, no qual permaneceu por mais de três décadas a frente da coluna “Penalty”, que despertava a ira de vascaínos, botafoguenses e tricolores. Na seção “Placar moral”, o Flamengo jamais perdeu clássicos contra os rivais. Um deles foi o inesquecível Botafogo e Flamengo, de 1972, que terminou 6 a 0 para o Fogão. No dia seguinte, Otelo não pensou duas vezes e aplicou no “Placar moral” um rotundo empate (6 a 6) que amenizava a vexatória goleada sofrida pelos rubro-negros. A mesma coluna inspirou o técnico Cláudio Coutinho a se desculpar pelo terceiro lugar (sem derrotas) do Brasil na Copa do Mundo de 1978: “Fomos campeões morais daquela Copa”, justificava o “pai” do Overlapping.

Otelo levou para os jornais marcantes e jocosos apelidos para os clubes cariocas. Fez do Vasco o time do “Corvo” — dizia que o Corvo, em Portugal, era ave de bom agouro. Isso, dito por o torcedor do Flamengo só pode mesmo ser piada. Inventou o “Bariri” para o Olaria, a “Miss Lanterna”, o Tufão da Colina” (novamente em alusão ao Vasco), o “Fantasma do subúrbio” (Bangu) e, para a Copa do Mundo de 1950, o “Moço do samba”. O Fluminense também foi lembrado por Otelo, mais especificamente o goleiro Castilho. O apelido “Leiteria” teria sido criado pelo humorista em alusão à sorte fora do normal do goleiro tricolor.


Assinatura de Otelo

O primeiro cartum de Otelo foi publicado pelo Jornal dos Sports, em 1947. O gozador desenhou uma caravela, na qual o “Almirante” (vascaíno, ô pá!) travava uma ferrenha batalha contra seus temíveis adversários Pato Donald (Botafogo), Cartola (Fluminense), Popeye (Flamengo) e o Diabo (América), personagens criados pelo argentino Lorenzo Molas. “Foi meio acidental [o ingresso no Jornal dos Sports]. Eu tinha um amigo que trabalhava no Jornal do Sports e levou uns desenhos meus pra lá e o Mário Filho gostou. Otelo voltaria ao Jornal dos Sports em novembro de 1987. 

Para o amigo Paulo de Faria Pinho, Otelo e sua vasta cultura — além, obviamente, de suas lendas etílicas — ajudaram o Rio a ser mais Rio. O futebol carioca era mais feliz quando Otelo o desenhava. Os craques eram mais ídolos, os clubes mais queridos, enfim, o futebol respirava um ar puro e, digamos, mais originalmente carioca. Otelo era idolatrado e odiado, mas, no final das contas, sempre perdoado pelos torcedores, jogadores, técnicos e cartolas. 

Em novembro de 1970, o folclórico ponta-direita Cafuringa, do Fluminense, famoso pela velocidade e por entortar seus marcadores, prometeu uma homenagem inusitada ao Otelo: “Eu reconheço que não tenho apresentado um nível uniforme de produção. Mas em parte é devido à marcação que fazem em cima de mim. Além de ser marcado até pelo ponta-esquerda, tenho levado sarrafo que não é brincadeira. Mas não me descuido e estou treinando há quinze dias o drible prometido para o Fla-Flu: ‘Otelo Caçador’. E sei que ele compreenderá a minha homenagem. Acho-o um grande humorista, tem-me promovido demais com sua arte. A minha ferramenta é o drible e com ele vou agradecer ao Otelo.”

Otelo despertava um sentimento bipolar. Que o diga o ex-técnico Gentil Cardoso, uma espécie folclórica do futebol carioca do passado igualmente ao Joel Santana no presente. “O Gentil Cardoso queria me pegar só porque eu inventei uma história em quadrinhos, inspirada nele, chamada o ‘Morcego negro’. Outro foi o Zezé Moreira. Uma vez, em Manchester, na Inglaterra, nós nos cruzamos no elevador. Ele, que não me conhecia pessoalmente, perguntou a um amigo: ‘Quem é esse tal de Otelo? Ai se eu pego ele!’. E eu lá, sem saída.”


Homenagem do Chico Caruso

Os cartunistas Ediel, Jaguar, Ykenga, Ferreth  e Leonardo entrevistaram o mestre Otelo na década de 1990. Aos cinco colegas, Otelo contou ter sido orientado por Mario Filho, então dono do Jornal dos Sports e sócio do Roberto Marinho na revista O Globo Sportivo, trocar o nome: “Por causa do Grande Otelo. Ele [Mario Filho] disse: ‘Por mais conhecido que você se torne, você jamais será tão popular quanto o Grande Otelo. Por que você não assina Caçador?’ Mas eu queria que os garotos da minha rua — a João Lira, no Leblon — soubessem que era eu, Otelo, quem fazia aqueles desenhos no jornal. Aí ficou Otelo mesmo.”

Otelo começou no jornal O Globo fazendo charges diárias, em 1951. Mas era pouco para o seu potencial humorístico. Dois anos após a estreia de Otelo, Roberto Marinho percebeu isso e o chamou num canto para um papo: “’Você é capaz de fazer uma página de humor?’. Eu, garoto, disse que sim. E realmente fiz essa página durante 33 anos. Ganhei 23 prêmios e a página foi um grande sucesso”. De 1953 a 1986, quando um problema na coluna o afastou da redação e do ofício que mais amava fazer. Neste longo período, assinou a coluna “Penalty”, publicada às segundas-feiras pelo jornal O Globo, trazendo como subtítulo “pênalti não é coisa que se perca”. Uma expressão que hoje se repete ad nauseum é invenção do Otelo. A coluna “Penalty” rendeu dois volumes de “O Livro negro do Penalty”. O primeiro, lançado na década de 1960, chegou a vender 25 mil exemplares. Um recorde, na época. “Eu comprei um apartamento em Laranjeiras com o dinheiro do livro. Aí fiz o segundo e não aconteceu nada.”

O jocoso Otelo alertava aos incautos: “Humorismo e futebol é bastante perigoso”. Narrava histórias que deixavam o mais incrédulo dos homens de joelhos. Algumas delas, as intermináveis “ameaças de morte” de que se dizia vítima. “Já fui ameaçado de morte e reclamação é uma constante. Enfrentar personagens como Yustrich, Moisés, Renê, Brito, Paulo Amaral, não é fácil. Anatole France disse que livros históricos que não contêm mentiras são extremamente tediosos. Meu livro tem muita coisa de história do futebol e muita mentira. Certa época, inventei que o técnico Feola dormia durante os jogos e Havelange contratara um garoto para ficar soltando foguetes perto do ‘gordo’, a fim de mantê-lo acordado. Durante a partida, muitos torcedores olhavam o túnel onde o técnico ficava para ver se o doce Feola estava dormindo mesmo.”

NEM TODAS AS PESSOAS INTELIGENTES SÃO HUMORISTAS, MAS TODOS OS HUMORISTAS SÃO INTELIGENTES E… MODESTOS”

Bares do Leblon, futebol e Flamengo, as três maiores fontes de inspiração para Otelo Caçador da Silveira, filho do general Joaquim Cardoso da Silveira (morto em 9 de novembro de 1952) e de Ida Caçador da Silveira (morta em 1962). Gostava tanto de futebol que antes mesmo de se tornar o grande mestre da charge futebolística arriscou-se, ainda rapaz, como aspirante no Flamengo, mas foi barrado pelo técnico Flávio Costa. “Fiquei revoltado. Depois, por vingança, esculhambei com a profissão dele. Mas eu era ruim mesmo”. Otelo jamais escondeu ter sido um peladeiro de quinta categoria. 

Toda vez que alguém perguntava sobre seu desempenho como jogador, respondia conformado e na lata, sem salamaleques: “Era muito ruim. Eu era ponta-esquerda que era mais próximo do vestiário. Era o primeiro a ser substituído”, confessou aos cinco colegas cartunistas, com os quais ficou cerca de cinco horas rememorando sua vida em meio a intermináveis rodadas de chope no Bar Degrau, no Leblon, bairro que amava tanto quanto o Flamengo, embora tenha nascido no Irajá. Aliás, o nome do famoso bar teria sido ideia do próprio Otelo, que sempre reclamou para si esta primazia. 


O Degrau era apenas um bar (quase) sem nome. Ninguém conhecia, ou se conhecia mencionava-o apenas como “aquele bar ali da Ataulfo”. Otelo, quando marcava encontros com Paulo Mendes Campos ou com Haroldo Barbosa, dizia que o local era aquele bar que tinha vários degraus. Como narra o advogado e amigo Paulo de Faria Pinho: “De degraus em degraus, por esperteza dos donos, acabou virando Degrau.”

O Degrau — frisava Otelo — era como se fosse seu “escritório sobressalente”. Lá, bebeu muito chope com o amigo Cafuringa — a quem comumente se referia como “estraçalhador” — e Garrincha. Volta e meia o papo sobre o futebol cedia vez ao turfe. Otelo era fã do esporte dos reis desde a mocidade. Era figura constante nas carreiras do Hipódromo da Gávea junto com outro cobra do jornalismo esportivo de outrora, o grande Geraldo Romualdo da Silva. Em 1972, ameaçaram demolir o Degrau. Otelo quase morreu de desgosto. Como acabar com o bar que lhe proporcionava as ressacas mais felizes que já teve? Aliás, o cartunista tinha uma “excelente” e “infalível” receita para curá-las. Rezar para o tempo passar. “Qualquer dia o homem descobre a cura para a Aids, mas ressaca é uma punição. Não tem jeito, só o tempo resolve. Nesta horas, além de rezar, é bom estar perto da mulher amada. Não acaba com o problema, mas, pelo menos, alivia.”

Biritagem era com Otelo, um camarada cheio das histórias que renderiam uma interminável enciclopédia de crônicas sobre a noite e o futebol cariocas. Nos tempos do Jornal dos Sports, sugeriu uma feijoada “honestíssima” — como escreveu o colunista Zé de São Januário (pseudônimo do jornalista e amigo Álvaro do Nascimento) — ao pessoal da redação. O próprio Zé entraria com a feijoada, Mario Julio Rodrigues (filho do Mario Filho) com o chope, Mario Rezende com a cachaça e Luiz Bayer com as laranjas.

Mario Rezende perguntou ao Otelo, cuja fama de malandro já era notória naquela época: “E você entra com quê?”. A cara de pau de Otelo não tinha limites: “Entro com a cara e a coragem.”

Otelo gostava (e muito!) de um bom copo. Uísque e chope, principalmente. Quando não estava no Degrau, dava pinta no Bracarense, na Rua José Linhares, um bar no qual esbarrava constantemente com Valido, um de seus ídolos rubro-negros da década de 1940, e o jornalista Maneco Muller, o “Jacinto de Thormes”. No velho “Braca” discorreu incansavelmente sobre as vitórias e títulos do seu Flamengo e também sobre as derrotas, que, como já dissemos, amenizava-as como o seu indefectível “placar moral”.

Otelo orgulhava-se de dizer que a especulação imobiliária que tomou Ipanema de assalto passara direto para a Barra da Tijuca, ignorando o Leblon. O tempo mostraria que a tese era furada. Foi ele, Otelo, o “prefeito” mais perfeito que a “República do Leblon” já teve. Um cara que teve até rede de vôlei na praia do Leblon batizada de “Otelo Caçador”. Pouca gente sabe, mas o então garotão Otelo era presença constante nas areias da praia do Leblon, ou jogando futebol ou praticando vôlei. Nadar também era uma de suas predileções esportivas. Há registros disso no Jornal dos Sports, de 1948. Como também há, na mesma época, dezenas de notícias sobre um inusitado campeonato de pipas. Tudo patrocinado por Mario Filho, que era até o diretor geral das competições. Otelo era o braço-direito do patrão na organização do campeonato de pipa.


Além do Degrau, Otelo frequentava o Bracarense no Leblon (Foto: Gustavo Stephan)

Otelo chegou ao bairro da zona sul ainda bem pequeno, quando o Leblon ainda tinha burro pastando e se dormia com a janela aberta. Definia o Leblon como a “Zona Sul/ Zona Norte”. Quem perguntava a ele sobre o bairro, logo dizia que as figuras de bodes e carneiros pastando jamais lhe saíam da memória. No lugar do que há hoje no Leblon, como prédios e efervescência de moda, havia fazendas. Quem mudou tudo foi o prefeito Henrique Dodsworth, entre as décadas de 1930 e 40, durante o Estado Novo. Para Otelo, o bairro manteve-se independente: “Era a República livre do Leblon.”

Chamava-se Otelo porque o pai era fã de ópera e o sobrenome Caçador é de uma família oriunda do norte do país. Tomou gosto pela caricatura ainda menino, nos tempos de colégio. O passatempo predileto era desenhar a cara do professor e criar pequenos quadrinhos. Ler que é bom, nada. Foi tocando o barco. “Era meio folgado e brigava muito. Na verdade, apanhei mais do que bati”. Ótelo alegava que jamais foi “expulso” do colégio. Apenas levava “cartão vermelho”.

Em janeiro de 1958, por muito pouco deixou de ver a Copa do Mundo da Suécia e, consequentemente, o primeiro título mundial do Brasil. Era um sábado e estava a pé. Decidiu aceitar a carona de um amigo que dirigia uma frágil lambreta. Na altura da rua Paula Freitas, em Copacabana, um camarada avançou o sinal com o carrão e o atropelou e ao lambreteiro. Os dois se arrebentaram, mas nada grave. Otelo passou o fim de semana sem uma gota sequer de álcool no sangue e, o que é pior, perdendo tempo na delegacia para registrar queixa contra o tresloucado motorista.

Mas quem queria mesmo registrar queixa contra ele eram alguns jogadores e técnicos. O zagueiro Brito, famoso pela sua notória cara feia e o jogo enfezado, foi um dos que queriam ver o Diabo e jamais o Otelo pela frente. O cartunista foi ao programa do Chacrinha e diante do apresentador e do próprio Brito desenhou o jogador. Brito olhou a ilustração, coçou a cabeça e, com cara de poucos amigos, emendou, sem importar-se se estava ao vivo ou não na TV: “Essa merda não sou eu, não.”

Os jogadores e suas patacoadas eram suas principais “vítimas” nas charges ou notas.  Ao longo da jornada na imprensa, a coluna de Otelo apresentou seções fixas, como a “Escrete pernas de pau”. As mais célebres foram, porém, “Diploma do Sofredor” e o “Placar Moral” — nesta, “curiosamente”, seu time, o Flamengo, jamais perdeu. Foi uma solução que Ótelo encontrou para “corrigir”, às segundas-feiras, em O Globo, todas as “injustiças” cometidas contra o Flamengo nos domingos de Maracanã. Na coluna do Ótelo, o rubro-negro era um eterno invicto. “O máximo que eu permitia era um empate.”


Pelé por Otelo (Foto: reprodução)

Nenhum — mas nenhum mesmo — escapava da piada ou traço mordaz de Otelo, que priorizava os comentários e charges sobre a rodada do final de semana do Campeonato Carioca e a Seleção Brasileira. Foi um frasista insuperável. Em 1982, o escrete canarinho encantava o mundo, mas Otelo não confiava nem um pouco no goleiro Waldir Peres: “Quem planta Waldir Peres só pode colher frangos”. Pelé, e isso poucos sabem, teve a alcunha de “Rei do futebol” a ele pela primeira vez conferida por Otelo Caçador, na Copa do Mundo de 1970. “Tinha visto um filme do Victor Mature, ‘O Rei do Futebol’ [na verdade chamava-se “Easy Living”, de 1949], sobre futebol americano, rugby. E no Brasil tinha rei de tudo: ‘Rei do Baião’, ‘Rei do Rádio’… aí eu lancei o Zizinho como ‘Rei do Futebol’. Desenhei o Zizinho com coroa, cedro e tudo. Mas não colou. Depois, com o Didi, também não colou. Quando fiz o Pelé, colou na hora, porque ele realmente era o rei. Hoje, o Pelé diz que foi a imprensa francesa que deu a ele o título de rei do futebol. Mas ele tá certo. Entre um cronista do Leblon e a imprensa francesa, ele preferiu a imprensa francesa que dá mais cartaz a ele”. 

Se isso é verdade, só Ótelo [se ainda estivesse vivo, claro] ou um antropólogo e bom peladeiro poderiam confirmar. É dele também as célebres frases e termos futebolísticos como: “Montinho artilheiro”, “Todo campeonato tem um campeão moral”, “Pênalti não é coisa que se perca”, “A torcida do Botafogo cabe numa Kombi”, “Coração de torcedor pobre não bate. Apanha” e, claro, “Zico: joia de família do Flamengo” e o “Manto sagrado”. Mas a frase mais célebre, sem dúvida é a “Brasileiro que não entende de futebol já nasceu morto”.

Gostava de tirar onda porque — afirmava categoricamente — ter sido o primeiro humorista a se tornar correspondente internacional e a ser recordista do número de cartas sobre futebol na América Latina.

Sabe-se lá como, sobretudo em uma época onde era difícil se obter o número telefônico da casa do indivíduo, torcedores (a maioria gente jovem) davam um jeito de conseguir o telefone do Otelo. Na segunda-feira, o apartamento dele próximo a Praça Antero de Quental parecia-se com uma sede da antiga Telerj. Um telefonema atrás do outro de garotos, especialmente os que torciam pelo Vasco e Botafogo, sentindo-se injustiçados pelos traços e comentários debochados do humorista. Um dia a Portuguesa da Ilha do Governador levou uma sova do Botafogo. Caçador espalhou a piada de que os jogadores da Portuguesa perguntavam entre si: “E agora, vamos ganhar de quem?”. Torcedor do Flamengo reclamando? Jamais. “Dizem que o Flamengo fica na Gávea, mas não, o meu clube fica no Leblon.”

Sua coluna voltaria a ser publicada em 1999, mas em outro jornal, o Extra, onde a “Penalty” permaneceu ativa até 2002. 

Ótelo Caçador, que nasceu no dia 30 de novembro de 1925, tinha 80 anos quando morreu numa terça-feira, no Rio de Janeiro, no dia 24 de janeiro de 2006, após três meses internado. Marcio Braga era o presidente do Flamengo na ocasião e determinou luto de três dias. No domingo seguinte haveria um Fla-Flu no Maracanã. Na segunda-feira os jornais não teriam mais o traço bem-humorado de Otelo. Os bares do Leblon não seriam mais os mesmo sem ele. Bebeu neles com gente de estirpe cultural. Bebeu com João Saldanha, com Tom Jobim e com Paulo Mendes Campos. Foram eletrizantes e etílicos clássicos “Botafogo e Flamengo” contra os três. Mas o maior amigo de birita foi mesmo o compositor e pianista Luiz Reis.


Otelo jamais escondeu sua paixão pelo Flamengo (Foto: Leonardo Aversa)

A paixão pelo Flamengo era notória, mas o Leblon (seus bares, naturalmente) e Otelo pareciam um único ser. “A Bahia, diz (Dorival) Caymmi, tem 365 igrejas. O Leblon tem 365 bares. É uma verdadeira Brodway”. Ou como escreveu em sua crônica “Planeta Leblon”: “O Leblon é um bairro de bermuda (…) Como já disse o Luiz Reis (um lebloniense inesquecível), o Leblon da Zona Sul é a nova Vila Isabel.”

Otelo, que não teve filhos e foi casado durante 44 anos com a querida Denir a quem chamava carinhosamente de “Dena”, foi inapelavelmente o “campeão moral” do humor. “Todo o dinheiro que eu ganhei na minha vida, ganhei desenhando. Cheguei a ter três apartamentos na zona sul”. Otelo revirou do avesso o adágio “um dia da caça, outro do caçador”. Para ele só havia o dia do caçador e da boa e inteligente piada. Jamais contra o Flamengo. Isso, nunca. Se Pelé foi o “Rei do futebol”, Otelo foi o “Rei… do humor no futebol”.
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OTELO E SEUS FAMOSOS FÃS

NILTON SANTOS, ÍDOLO DO BOTAFOGO: “Que saudades dos tempos de Botafogo. A página do Otelo era leitura obrigatória em General Severiano. Fui personagem dele muitas vezes e tenho muitas charges guardadas. Uma das mais bonitas que vi foi uma do Garrincha fazendo o Maracanã de bambolê.”

JUNIOR, ÍDOLO DO FLAMENGO: “Eu curtia muito as piadas sem agressividade, o placar moral no qual o Flamengo nunca perdia e as frases soltas diante de situações do cotidiano.”

CASSIO LOREDANO, COBRA E ÍDOLO NA CARICATURA: “Filho de militar, a segunda-feira podia me apanhar em qualquer lugar do Brasil. Da fronteira uruguaia ao interior de Minas, Curitiba, ou na Vila Militar, em Deodoro. O invariável era a presença de Otelo com o seu Penalty na minha infância. Suas caricaturas foram a minha primeira influência na futura escolha da profissão.”

CHICO CARUSO, COBRA E ÍDOLO NA CHARGE: “Otelo, o verdadeiro grande Otelo (1,80m) é um carioca leblonense fundamentalista, uma espécie de Aiatolá da folia e bom de papo, que costuma dar aula particular aos amigos no Bracarense das 14 às 16 horas, com entrada franca. Um observador privilegiado do futebol e da vida, do tempo em que ambos eram risonhos e francos.”

FERNANDO CALAZANS, ENTENDE TUDO (E UM POUCOS MAIS) DE FUTEBOL E JORNALISMO: “Nem pensava em ser jornalista quando comecei a ler o Otelo no Globo. Era leitura obrigatória de todo torcedor de arquibancada. Depois, já em jornal, fui revê-lo no Bracarense, onde tomávamos um chopinho juntos. Isto é, no tempo em que eu tomava chopinho em pé no Bracarense. Era um conversador brilhante com uma língua bastante ferina.”

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS, COBRA. CRACAÇO DA CRÔNICA: “No Placar Moral dos anos 60, a vitória era sempre dos craques talentosos — e aqui fica o agradecimento de um moleque da Vila da Penha pela lição de jornalismo do grande Otelo.”