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DOIS CHICOS E UMA BATALHA EM ROSÁRIO

por Marcelo Mendez

“A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
 
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta,
o primeiro amor”

 
 
O primeiro Chico
 
Era comum nas manhãs de domingo, a gente acordar cedo na casa da Tia Leonir com a prima ouvindo música. Embora já morando na Rua Tanger, eu vivia no quintal da Avenida das Nações e costumava ficar por lá de sábado para domingo. Levaria mais tempo para eu desgarrar dos primos, das primas e que barato era acordar com o rádio ligado, minha prima Miriam cantarolando as canções que tocavam.

Eu não sabia que esses versos eram da música Flor da Idade, mas já sabia que era de um cara de olho azul que tanto minhas primas, quanto minha mãe e também meu pai, adoravam. E o nome dele era Chico, Chico alguma coisa…


“Chico Buarque, Marcelo, já vai aprendendo…” – dizia a Miriam, quando eu perguntava, ao chegar na mesa de café da manhã. A música era linda, tinha um arranjo de cordas lindão, uma melodia bonita e no final tinha uma tal quadrilha que todo mundo amava. Achava muito delicado. Mas acordar ouvindo essa música foi a única coisa delicada daquele domingo. Meu primo mais velho, o Tine, tratou de avisar logo cedo, na hora do café.

– Caramba, hoje vai ser duro, gente. Vamos enfrentar os Argentinos lá na casa deles!

Foi dessa forma, em 1978, que eu descobri o que significava um Brasil x Argentina. Da melhor forma…
 
O segundo Chico:

Eu já estava me acostumando com essa tal coisa de Copa do Mundo tomar pra si todas as atenções. Mesmo aos 8 anos já dava para sacar que se tratava de algo muito importante para maioria dos brasileiros e em 1978 mais ainda.

Mas naquele domingo tava diferente.

Na hora do almoço nosso, a mesa cheia de gente, os garfos tilintando e só se falava do jogo, que diferente dos outros, seria à noite, atrapalhando o Fantástico e o programa do Silvio Santos, para protestos de minha mãe. A grita entre os tios era grande:

– Mas de que jeito vamos vencer esse jogo? Não tem Rivelino, não tem Zico, não tem Cerezo, não tem Reinaldo e esse maldito desse técnico não levou o Falcão! – reclamava Tio João, enquanto mordia uma coxa de frango.

– Calma, vai jogar o Chicão. Não vai passar nada! – tentava acalmar, Tio Marinho

– Ah, mas você ta louco, Marinho? Comparar o Falcão com esse tal Chicão! Faça-me um favor! – respondia meu Pai.

E a briga por conta dessa escalação fez parte de todo o dia de domingo. Enquanto as Tias faziam o rango da noite, as cervejas eram compradas os guaranás caçulinhas chegavam, eu ouvia todo mundo esculhambando a escalação do Chicão. Mas a hora do jogo finalmente chegou.

E só meu Tio Marinho, tinha razão…
 
Dentre os Chicos daquele domingo de 1978, o mais importante…


Eram oito da noite em ponto quando o jogo começou.

O clima em Rosário era bélico. Estádio pequeno, abarrotado, o jogo que era pra ser em Buenos Aires foi levado para lá e ao longo do dia, vi meus tios falando sobre isso, alegando que havia uma armação para tentar intimidar o time brasileiro.

Via televisão, eu pude ver toda a festa bonita do povo argentino. Achei lindo aquele monte de papel picado no campo e ao contrário da grande maioria, não sentia raiva deles. Alguma coisa de lá me aproximava daquele povo cabeludo, que eu ainda não sabia. Descobri depois…

A partida era dura.

Ouvi dizer que deveríamos tomar cuidado com um tal de Kempes, que o primo Zé Carlos me disse que era o camisa 10. Tio Zézinho me falou que tinha um outro muito maldoso, de nome Luque, que jogava com a 14. Fiquei atento, mas rapidamente vi que eles não seriam o problema.

Tínhamos o Chicão!


Na primeira bola do jogo, disputada entre o tal Kempes e o nosso Chicão, o camisa 21 do Brasil, jogou pro alto o cabeludo camisa 10, esparramando chuteira pra um lado, cabelo pro outro, tudo!

Na reclamação, o tal Luque, o outro, veio e o Chicão deu nele uma bifa e o encarou forte mesmo. O moço que Tio Zézinho disse ser bravo, não me pareceu tanto não.

A partir dalí, começava a se escrever uma das melhores histórias do super clássico das Américas. Chicão, o camisa 21 que ninguém queria, fez um risco imaginário na cabeça da área do time brasileiro e por ele não passou nada. O jogo, muito aquém do que todos esperavam, acabou 0x0 com poucas chances pra ambos os lados. Mas o destaque daquele dia foi o Chicão:

– Eu falei pra vocês que com o Chicão argentino nenhum ia se crescer, não falei? – Reivindicava Tio Marinho:

– Grandes coisas, Marinho. Agora com esse 0x0 vamos ter que depender de outros resultados! – retrucava meu pai.


– Ta bom, Mauro. Mas que o Chicão jogou demais, ah jogou!

Eu não sabia dizer naquela altura da minha vida de menino se o Chicão havia jogado muito, ou pouco. Mas daquele domingo, saí com uma certeza:

Entre o Chico que começou o dia e o Chico que terminou, o segundo que veio com tardar da noite foi muito mais importante…

CORAÇÃO PELADEIRO

por Rubens Lemos 


Esguio, elegante, evitava as divididas. Driblava com desprezo e suavidade. Abominava os trancos, os choques com zagueiros e volantes. Crueldade e despeito, parte dos adversários, torcedores do Corinthians e a imprensa tascaram-lhe um apelido cruel: “Pipoqueiro”, o covarde do futebol.

Virou bordão no programa de Jô Soares. Quando havia piada de casamento, o padre fazia as recomendações matrimoniais e perguntava, olhos esbugalhados, aos noivos: “Prometam jamais pipocar Jorgemendonçalmente!”.  Jorge Mendonça deva  o troco marcando de trivela ou de falta no Corinthians dos abomináveis goleiros Jairo e Tobias.

Jorge Mendonça vestia a camisa 8 do Palmeiras na segunda metade dos anos 70. Veio do Náutico, de Recife, para a ponta-de-lança palestrina. Juca Show, Vasconcelos e Jorge Mendonça foi um meio-campo dançado em ritmo de frevo de Capiba. A bola entregou-se ao triângulo amoroso na volúpia da paixão cega.

O Náutico impediu o hexa (seu luxo e sua exclusividade), acabando o reinado do Santa Cruz, mantido pelos dólares do inglês James Torp. Torp e a mulher, Carmen, até hoje são reverenciados pela Velha Guarda do Santinha de Givanildo, Luciano Coalhada e Betinho.

Chegava ao crepúsculo  a Academia do Palmeiras que decidiu comprar Vasconcelos para o lugar de Ademir da Guia, o Divino Mestre. Jorge Mendonça foi como contrapeso. Deixou Recife trocado por Toninho Vanuza, esquecido nos arquivos.

Vasconcelos sentiu a responabilidade da camisa 10 e da força de Ademir da Guia, o melhor jogador do Palmeiras em todos os tempos, o falso lento em ritmo de samba de Adoniran Barbosa. Hábil e veloz, era a contradição de um estilo que havia virado mantra nos corações seduzidos pelo antecessor. Vasconcelos terminou ídolo chileno, dando shows pelo Palestino.

Jorge Mendonça assumiu o trono sem caprichos e uma gana de goleador implacável. Sua colocação desnorteava zagueiros, suas arrancadas em toques curtos e fintas desconcertantes sentavam marcadores. Parecia cabecear com mira telescópica.

Tornou-se o astro e o artilheiro do time campeão em 1976 e que passaria 17 anos em jejum. Jorge Mendonça resistia a todas as tempestades e à turba de corneteiros italianos que sempre rondou o Parque Antártica.


Sua ideologia era o futebol-arte e imponente da própria letra do hino do Verdão. Barrou Zico na Copa da Argentina. 

Em seu último ano pelo clube, em 1979, formou com Pires e Mococa um meio-campo que humilhou o Flamengo do Galinho em pleno Maracanã numa goleada de 4×1.

Jorge Mendonça fez o primeiro e armou os outros três. Parou no Internacional de Paulo Roberto Falcão, tricampeão invicto. 

O técnico do Palmeiras era Telê Santana. O óbvio ululante da magia e da graça no futebol brasileiro.

O homem sem medo de atacar, de buscar o gol , de ousar acima do medo nunca deixou de ser, na contramão dos seus conceitos ofensivos e
ilusionistas, um turrão, um teimoso e um centralizador. Telê Santana foi o melhor técnico brasileiro e discípulo de Zezé Moreira, seu mestre, na intolerância.

Jorge Mendonça era o malandro criado em Bangu, na escola do bicheiro Castor de Andrade. Vedete e rebelde. Artilheiro sensual, de cortes precisos e tabelas área adentro. Não gostava de treinar. Reclamou de Telê. Foi posto à venda.

Veio o Vasco da Gama e o comprou, para fazer dobradinha com Roberto Dinamite, repatriado do Barcelona e outro perseguido por Telê. A dupla não deu certo. 

Lá se foi Jorge Mendonça ao Guarani, trocar versos com Careca, que entendia o seu idioma.


Foi artilheiro do Brasil em 1982. Telê, técnico da seleção, vingou-se na paciência e frieza dos mineiros. Não o levou à Copa da Espanha. Seguiu viagem Renato “Pé-Murcho”, meia-atacante que não sabia chutar.

Renato fez três gols em 22 jogos oficiais de camisa amarela. Média de lateral-direito para o reserva imediato da máquina de estufar redes, Zico.

Jorge Mendonça sentiu o baque. Foi derrubado em pleno voo-solo. Definhou. Vagou por times sem tanta expressão. Emagreceu, passou a beber demais, perdeu o que tinha, o destino lhe tirou o amor da família.

Morreu na primeira quinzena de fevereiro de 2006. Pouca gente lembra dele. Tinha que cair na grande área da morte por ataque cardíaco. Nas suas veias corria sangue puro, de coração peladeiro 

SAPATEIRO, ELE QUERIA SER AVIADOR, MAS SE TORNOU DJALMA SANTOS, O MAIOR

Em junho de 2012, tive o prazer de entrevistar Djalma e promover um emocionante reencontro dele com Masopust, o maior craque tcheco da história. Ambos não se viam desde a final da Copa de 62. Abaixo, a biografia de Djalma Santos, que publicaríamos no extinto projeto da enciclopédia Ídolos-Dicionário dos Craques

por André Felipe de Lima


O menino pobre tinha um sonho. Todo menino sonha. Uns querem ser médico, outros advogado, alguns escolhem, contudo, as profissões mais improváveis. E aquele menino tinha um anseio pouco comum. Queria ser aviador. O pai Sebastião dos Santos, chefe de uma família modesta, com parcos recursos financeiros, sugeria outra carreira para o garoto, alertando-o para a vida difícil que ronda a porta de quem é negro e assalariado no Brasil. “Militar é melhor, filho”. O menino fazia ouvidos moucos. Toda a vez que olhava para o céu imaginava-se no comando de um jato. Mas se o devaneio insistia, ele acordava. Ecoava a voz do pai. Ademais, tinha mais um sapato para consertar e nada de perder tempo.

O menino sobre o qual escrevemos foi sapateiro. Quando não mexia com sapatos, vendia pipoca em portas de circo. Trabalhava de forma incansável, apesar da bronquite crônica decorrente de uma pneumonia, para juntar um dinheirinho e pagar, quem sabe, o tão acalentado curso de aviação.

Em meio a uma montoeira de sapatos, o menino feriu a mão direita. Não podia ser mais sapateiro e tampouco piloto. O sonho, já muito longínquo, tornou-se impossível. Acabou. E foi regozijar-se jogando bola no time de várzea chamado Internacional, o da Parada Inglesa, bairro da zona norte paulistana. Gostava de jogar bola, mas não tinha nenhuma pretensão quanto a isso. Nunca se imaginou no gramado de um estádio de futebol. Seu sonho era o céu. Mas não deu.

Foi numa daquelas peladas do Inter da Parada Inglesa que o garoto que sonhava ser aviador, então com 11 anos, conheceu Bruno. O amigo, esse, queria mesmo é ser jogador de futebol. Estava inclusive na Portuguesa de Desportos. E sugeriu que fossem juntos à sede da Lusa. Talvez houvesse uma oportunidade para o colega, que vinha jogando bem na várzea, esquecer de vez aquela história de avião. O garoto pensou: “Na Portuguesa poderei permanecer na sapataria e continuar a juntar dinheiro para o curso de aviador…”. O sonho persistia. Já havia feito testes no C.A. Ypiranga e até no Corinthians, mas acabou mesmo fincando pé na Lusa, em 1948.


Eis o preâmbulo daquele que se tornaria o maior lateral-direito de todos os tempos no mundo: Djalma Santos. Ídolo da Portuguesa de Desportos, do Palmeiras e do Atlético Paranaense. Ídolo imortalizado pelas jogadas geniais; pelos quase 100 jogos com a camisa da seleção brasileira e pelas duas Copas do Mundo conquistadas.

Filho de Sebastião com Norma Nogueira dos Santos, Djalma Santos, cujo nome que consta na certidão de nascimento é Dejalma dos Santos, nasceu a 27 de fevereiro de 1929 na rua Prates, no Bom Retiro, bairro da pauliceia. Para o bem do futebol desistiu da sapataria e da carreira na aviação e estreou na Portuguesa no dia 9 de agosto de 1948, em uma partida do time de aspirantes contra o Corinthians. A escalação na ponta da língua [ou da caneta, como preferirem]: Ivo, Ferreirinha e Aníbal; Laudelino, Djalma Santos e Piloto; Constantino, Duílio, Alves, Farid e Oscar.

No time profissional, a estreia aconteceu dias depois em 16 de agosto, contra o Santos, que venceu de 3 a 2. A Lusa entrou em campo com Ivo, Lorico e Pedro; Silveira, Djalma Santos e Hélio; Renato, Pinga II, Nininho, Pinga I e Simão, os dois últimos autores dos gols da Portuguesa.

Reparem as duas escalações citadas acima. Vejam que Djalma Santos está como centromédio. Ou seja, a lateral-direita só entrou em sua vida quando a Portuguesa, no ano seguinte, contratou Brandãozinho, volante notório, também ídolo da história do clube Rubro-verde.

Djalma Santos já se insinuava acima da média dos outros jogadores. Tinha um fôlego incomum, embora fumasse como um sem número de jogadores famosos de sua época. Beber? Nem pensar. Era alérgico ao álcool.

Algo improvável nos idos de 1950 seria um lateral avançar até a intermediária adversária e centrar a bola para os atacantes. Ainda mais improvável, quando esse jogador cobrava laterais jogando a bola como se estivesse efetuando um cruzamento certeiro para o atacante cabecear contra a meta oposta. Isso tudo Djalma Santos fazia.

Com a Lusa conquistou os primeiros títulos na carreira. Foi campeão do torneio Rio-São Paulo, em 1952 e 55, e do Fita Azul, em 1951 e 1953. Disputou 453 jogos entre agosto de 1948 e maio de 1959 quando o Palmeiras pagou 2,7 milhões de cruzeiros, quantia extraordinária para a época. O pé-de-meia estava garantido. Já poderia casar. E o fez com Mercedes Campos dos Santos. Da união dos dois nasceu a única filha do casal, Laura Andreia.


Foi Djalma Santos o primeiro jogador a completar 100 jogos pela Portuguesa de Desportos. “Durante 11 anos joguei na Portuguesa e não fui campeão paulista. Sempre torço para a Portuguesinha um dia chegar lá. Ela merece”. O último jogo do craque pela Lusa ocorreu na vitória de 6 a 3 sobre o Palmeiras, em partida válida pelo torneio Rio-São Paulo e realizada no dia 29 de abril de 1959. Em campo estiveram: Carlos Alberto, Djalma Santos, Hermínio, Valter e Pedro; Odorico [Vilela] e Ocimar: Didi, Alfeu, Ditinho e Melão [Babá].

O locutor esportivo Fiori Gigliotti rebatizou Djalma Santos. Para ele, o craque representava “O Pedacinho Preto de Deus”. Levando ao pé da letra, a frase não é tão ortodoxa assim, ou será que o pedaço maior de Deus é branco? Mas o locutor o fez de boa fé impressionado com as jogadas do craque, como aquela em que Djalma levantava a bola com o pé esquerdo e cruzava com o direito para a área adversária. Gigliotti quis apenas reverenciar um dos baluartes da Primeira Academia do Verdão ao lado de Ademir da Guia, Dudu, Servílio de Jesus Filho, Tupãzinho, Geraldo Scotto… que time!

O début aconteceu diante do Comercial de Ribeirão Preto, pelo Paulistão, no dia 30 de maio de 1959. Ou seja, dias após assinar o contrato. Deu Palestra. 6 a 1.

Ao vestir Alviverde, o lateral conquistou tudo. Ou quase tudo. Levantou três vezes o troféu de campeão paulista [1959, 63 e 66]; uma do Rio-São Paulo [65] e outra do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, a Taça Brasil, em 1967. Faltaram apenas a Taça Libertadores e o caneco do Mundial Interclubes.

A Libertadores esteve bem perto, mas Djalma atrasou mal uma bola para Valdir de Moraes. O atacante Spencer aproveitou a bobeada do lateral e marcou o gol que deu a vitória de 1 a 0 ao Peñarol, no estádio Centenário, no dia 4 de junho de 1961. No jogo seguinte, realizado sete dias depois, no Pacaembu, os uruguaios empataram em 1 a 1 e levaram a taça.

Foram quase dez anos no Parque Antarctica, de 1959 até o jogo de despedida, um amistoso contra o modesto Cianorte, no dia 28 de julho de 1968. Vitória apertada do Palmeiras de 4 a 3, na casa do adversário. Ao todo, Djalma disputou 498 jogos, venceu 295 e empatou 105, marcando apenas 10 gols pelo Alviverde. “Fiquei dez anos e dois meses na Lusa. Quando saí, foi a transferência mais cara da época, para o Palmeiras, depois da Copa de 1958. Fui vendido porque a Lusa comprou o Canindé. Eles tinham que reformar o estádio, mas não tinham grana. Além do Palmeiras, o Corinthians e o Fluminense queriam meu passe. Mas aí o Oswaldo Brandão, treinador, e o Julinho Botelho, ponta-direita que tinha jogado comigo, foram em casa. Eles estavam no Palmeiras e me convenceram. Me lembro que recebi muitos telefonemas e cartas na época dizendo: ‘O Palmeiras não aceita crioulo’. Acho que fui o primeiro crioulo que jogou lá. Fiquei dez anos e quatro meses”.


Reportagem do jornalista Armando de Castro, em 1961, reforça a versão de Djalma Santos. Castro comparava o Palmeiras daquele ano com o Palestra Itália do começo dos anos de 1940, que contrariou parte da elite paulistana por inserir dois jogadores negros em suas fileiras: Caieira e Og Moreira. “Tanto é que os dois mulatos conseguiram ótimo ambiente entre os ‘italianos’ que, no entanto, forçados pelo subconsciente, apelidaram um deles de Toscanini […] Vejam, no entanto, o esquadrão principal do Palmeiras de hoje. Estão ali dois mulatos [Zequinha e Chinesinho], fato que, como já frisamos, nada tem de inédito. Mas está ali também um negro retinto [Djalma Santos]. Os dois ‘rosadinhos’, vistos de longe, confundem-se com os demais. A impressão do público que lota as nossas praças de esporte é que o zagueiro-direito é o ‘astro-negro’ do Parque Antártica. E o público está certo”.

A Castro, Djalma reconheceu temer o ingresso no Palmeiras, mas que encontrou forças na criação que recebera dos pais para enfrentar qualquer discriminação de que fosse vítima. “Posso dizer que, graças aos meus pais, nunca me senti inibido na vida. Meus tempos de criança não foram sopa, não. Os ‘velhos’ davam duro e agente tinha que ajudar em alguma coisa. Mas não me lembro nem um dia em que eu me sentisse diminuído entre os meninos brancos ou mais ricos, tanto na escola como nos brinquedos de rua. Esse meu gênio folgazão vem desse tempo. Nas piadas, ninguém tirava farinha comigo. E nunca ouvi, nas conversas dos meus pais, nada que dissesse respeito a discriminação racial. Por isso, cresci assim e acho que brancos e negros, é tudo a mesma coisa.”. Na mesma entrevista, ao se referir sobre seu gosto por cinema, disse o seguinte sobre o filme “Carmen Jones”, de 1954, uma adaptação do teatro realizada pelo diretor Otto Preminger e que teve como atores principais, todos negros, a bela atriz Dorothy Dandridge e Harry Belafonte: “”E nunca um filme me impressionou tanto como aquele ‘Carmen Jones’. Um colosso. Só negros, todos eles dando um ‘show’ de arte. Fiquei orgulhoso dos meus ‘patrícios'”. Castro, então, indagou: “Você chama aos artistas de ‘patrícios’ só por terem a sua cor?”. O craque emendou a resposta: “Por isso mesmo. E principalmente para mostrar aos racistas ianques que os negros valem tanto como eles, talvez até mais do que eles”.

O tema “racismo” era recorrente na carreira de Djalma Santos. Ele aprendeu a lidar com o assunto, mas sem conformar-se: “Infelizmente, até aqui no Brasil, de vez em quando aparecem casos desses. Não me esqueço o que fizeram ao pugilista Luiz Inácio. E quem pode garantir que tal afronta não contribuiu para o declínio desse ex-campeão? Eu, por exemplo, sou um negro que gosta da raça mas que tem, graças a Deus, um bom ambiente entre os brancos. Por isso é que perdoei o que fizeram ao meu ‘patrício’ mas, confesso que sofri tanto quanto ele. Mas um dia, os negros hão de se unir e terão representantes seus nas Câmaras, nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional. Aí então veremos […] Os diretores [do Palmeiras] me tratam carinhosamente. Os companheiros não passam sem as minhas ‘gozações’ e me chamam de ‘Negrão’. Mas esse ‘Negrão’ me soa tão bem que parece que eles estão me chamando de irmão”.

ENTRE OS MAIORES


A grande vitrine para Djalma Santos foi a seleção brasileira, com a qual encantou o planeta sendo quase uma unanimidade, ao lado de Garrincha, Pelé e Nilton Santos. Os três craques não estiveram, porém, no jogo que a Fifa organizou em 1963 para comemorar os 100 anos da criação do futebol e da Liga Inglesa. Mas Djalma Santos esteve. Foi o único jogar brasileiro convidado para vestir a camisa da seleção do “resto do mundo”, com Puskas, Yashin, Masopoust, Di Stefano, Eusébio e outras feras, que enfrentou o English team, que não teve como derrotar um elenco como aquele e acabou perdendo o jogo pelo placar de 2 a 1, diante de um estádio Wembley lotado.

Durante muitos anos acreditou-se que Djalma Santos havia superado a marca das 100 partidas com a seleção brasileira, mas, em 16 de setembro de 1997, a Fifa corrigiu a estatística do craque na seleção, concluindo que foram 98 e não 100 jogos vestindo a amarelinha. O equívoco estava na coleta de dados sobre o jogo Brasil e Paraguai realizado em 13 de novembro de 1955. O Brasil venceu de 3 a 0 e havia um Santos em campo, mas sim o Nilton, o enciclopédia, e não o Djalma. O jogo contra um combinado Berlim, Ulm e Frankfurt também perdeu o caráter oficial após a Federação alemã de futebol constatar que a seleção no gramado não era a da então Alemanha Ocidental. Djalma, dessa vez, estava em campo. De qualquer forma, o lateral marcou três gols com a camisa brasileira. Isso é insofismável.

A estreia de Djalma Santos no escrete canarinho aconteceu durante o empate sem gols com a seleção peruana, em 10 de abril de 1952, em Santiago. Jogo que valeu pelo campeonato pan-americano. Por causa daquele 0 a 0, o técnico Zezé Moreira, de quem Djalma sempre gostou e admirou, sofreu horrores. Torcida e imprensa não perdoaram o resultado pífio. Como a partida foi marcada na mesma época da Semana Santa, Zezé foi o “Judas” da vez. O “malharam” sem dó. Na verdade, faltou paciência e sobrou indelicadeza. Zezé e o seu escrete, que contava com o jovem talento Djalma Santos, venceram todos que viam pela frente. O primeiro a tombar foi o Panamá, com uma goleada de 5 a 0. A primeira vitória de Djalma com a amarelinha.


Em 1954, enfim, a primeira Copa do Mundo da vida do craque. A Suíça o aguardava. A seleção tinha um elenco poderoso, mas esbarrou no futebol mais consistente da Hungria, de Puskas, Kosics e Czibor. Djalma até marcou um gol, de pênalti, mas não impediu a avalanche dos húngaros, que venceram de 4 a 2. Se sobraram gols, sobrou também sopapo. O campo de futebol transformou-se em front e a pancadaria rolou solta. Zezé Moreira, com todos já no vestiário, nus e sob o chuveiro, foi flagrado pela câmara do então repórter fotográfico Armando Nogueira, que empunhou a máquina diante de um basculante e, mesmo sem saber o que a lente captava, obteve a foto de Zezé desferindo uma sapatada em um dirigente húngaro. A imagem é uma das mais emblemáticas do fotojornalismo esportivo.

Naquele mundial, Djalma Santos foi titular absoluto nas três partidas da seleção. Não podiam ignorá-lo, era o melhor lateral-direito em atividade no Brasil, embora não dispensasse, quando necessário, um jogo mais duro contra adversários desleais. Foi o caso de um camarada do Vasas, da Hungria, e que deu um pontapé em Zequinha em jogo contra o Palmeiras. Djalma alertou ao gringo que fora feia a jogada e que não precisava recorrer a tamanha brutalidade. Se o húngaro entendeu ou não o recado do brasileiro, é outra história. Ele riu do apelo de Djalma, que apenas fez um gesto de alerta. Haveria revide. Na primeira oportunidade, Djalma Santos o pegaria de jeito. E foi o que aconteceu. A bola chegou ao jogador do Vasas, que conseguiu escapar do bico da chuteira do brasileiro e, ainda por cima, cuspiu contra o lateral, mas Djalma correu atrás dele feito um doido e socou-lhe o estômago. A bola já estava longe dos dois e, ao que parece, os olhos do juiz também. O húngaro sentiu na pele que com Djalma não se devia brincar.

Mais quatro anos e outra Copa do Mundo. A da Suécia. Durante toda a campanha vitoriosa, De Sordi, lateral do São Paulo, foi o titular. Na véspera da final contra os suecos, o são-paulino sentiu uma contusão e em seu lugar Vicente Ítalo Feola escalou Djalma Santos, que simplesmente, jogando apenas uma partida, consagrou-se como o melhor da posição no Mundial. “Foi o maior momento da minha carreira aquela vitória sobre a Suécia. Na casa do adversário e com a presença do Rei na arquibancada”.

Mas porque Djalma Santos, tecnicamente superior ao então titular, foi preterido por Feola? Alberto Helena Jr. recupera uma história e tenta elucidar o caso. Teria sido racismo?

“Murmurava-se que, nas sombras da barração inexplicável, moviam-se velhos fantasmas que povoavam um relatório elaborado logo após o desastre da excursão brasileira à Europa em 56, segundo o qual jogador negro não era muito confiável nos momentos decisivos, quando se exigia raça e senso de responsabilidade. Quem acompanhara a carreira de Djalma, fosse na Portuguesa, fosse na seleção, não podia vê-lo enquadrado nessa preconceituosa categoria. Afinal, ainda estava viva na lembrança de todos a imagem heroica de Djalma, metendo a cabeça enfaixada por uma banda branca tingida de sangue, fruto de uma das tradicionais guerras entre brasileiros e uruguaios em sul-americano recente, entre a bola e o pé assassino de um avante adversário, sobre a risca, salvando gol certo.”

O episódio a que Helena Jr. se refere aconteceu em Londres e com o ponta-direita vascaíno Sabará, que desceu ao salão de chá do sofisticado Lane Park Hotel, onde a seleção estava concentrada, vestindo um macacão, calçando chinelos e com uma toalha enrolada no pescoço. Sabará, que queria apenas um despretensioso lanche no restaurante do hotel, indignou os preconceituosos ingleses que davam plantão no local. Uma prova cabal de racismo. A Confederação Brasileira de Desportos [CBD] abaixou a guarda diante de situação tão espúria na qual envolveram Sabará.

A nefanda tese dos ingleses e a subserviência dos cartolas da CBD foram desmanteladas quando o Brasil terminou aquele mundial de 58 com Didi, Garrincha, Djalma e Pelé, todos negros, considerados os melhores do escrete. Djalma Santos também viria a ser o melhor lateral-direito da Copa de 1962, no Chile, e Garrincha, o craque do torneio, pondo um ponto final naquele capítulo lamentável de preconceito de cor na história da seleção brasileira.


Sabará, Djalma, Garrincha, Didi… todos não mereciam aquilo. Djalma, por exemplo, dava o sangue pela seleção. No campeonato sul-americano de 1956, atirou-se com o rosto no pé do uruguaio Borges para impedir o gol adversário. O jogo foi 0 a 0, com o Uruguai praticamente campeão e o Brasil, lutando para sair do quarto lugar.

Djalma era fibra, impetuosidade, profissionalismo, lealdade. Dignidade. Jogou mais uma Copa, a da Inglaterra, em 1966, mas a CDB promoveu uma grande lambança política e o Brasil, com um time que não devia nada aos ingleses — que acabaram campeões —, voltou mais cedo para casa.

A despedida de Djalma Santos da seleção aconteceu no dia 9 de junho de 1968. Fizeram uma grande festa para ele. Merecida. Convidaram o Uruguai para o evento. Brasil 2 a 0, com Djalma sendo substituído por Carlos Alberto Torres, herdeiro da lateral-direita e o capita de 1970, no México.

O craque sempre foi muito sondado por cartolas de vários clubes. Mas um convite, feito em 1968, quando ainda defendia o Palmeiras, o agradou, só não pôde aceitá-lo imediatamente.

CAMPEÃO E ÍDOLO AOS 40 ANOS

O folclórico presidente do Atlético Paranaense, Jofre Cabral e Silva, viajou a São Paulo para buscar jogadores que pudessem ajudar o Furacão e recuperar o brilho. Havia 10 anos que o clube não conquistava sequer um título. Cabral baixou no Parque Antarctica e abordou Djalma Santos. Perguntou ao lateral se ele indicaria alguém do Verdão que estivesse dentro das condições orçamentárias do clube. Condições aquelas que não eram nada salutares. Djalma quis saber qual o salário. Cabral explicou os detalhes e o lateral se ofereceu para ajudar o Rubro-negro na trajetória rumo a um título. Mas com uma condição: só poderia ir no ano seguinte. Antes teria de cumprir contrato com o Palmeiras.

O cartola atleticano aceitou as condições e aguardou Djalma Santos, que, em 1969, com 40 anos de idade, chegava à Baixada. Apesar da idade, sobrava-lhe fôlego incomum. Quem o viu jogar pelo Atlético se espantava. Como poderia, um jogador com aquela idade, dar show em campo? Antes dele, é bom salientar, o craque Zizinho, ao defender o São Paulo em 1957, na casa dos 40, liderou o time ao título estadual. Que dizer de Romário? O baixinho de 40 anos artilheiro do competitivo campeonato brasileiro de 2006.

Djalma Santos tinha consciência de suas limitações físicas. Sábio, quando se deparava com um ponta arisco, veloz à beça, trocava de posição com o lateral-esquerdo Julio, bem mais jovem que ele e outro ídolo da torcida.

O tão sonhado título não veio em 1969, mas de 1970 não passava.

Com Bellini, também fechando o seu ciclo nos gramados, Sicupira, Julio, Alfredo Gottardi Júnior e Liminha, o maior lateral-direito de todos os tempos, enfim, ajudava ao Atlético quebrar o jejum de 12 anos sem títulos. Furacão, campeão estadual de 1970. Durante a inesquecível campanha, o Atlético ficou invicto em 12 partidas seguidas. O último título da majestosa carreira de Djalma Santos, ainda genial com a bola aos 41 anos de idade. E não é que o lateral marcou um gol em Atletiba… foi no jogo em que o Coritiba venceu de 2 a 1, gols de Krüger e Passarinho. O jogo foi realizado no estádio Belfort Duarte no dia 21 de janeiro de 1970.

Missão cumprida. Título na Baixada e Djalma Santos precisava abandonar os gramados. Não dava mais. As pernas já não o obedeciam como antes e nem as mãos. Não conseguia mais os cruzamentos certeiros e tampouco arremessar bolas na área adversária em cobranças de laterais.

Tornara-se um excelente cronista do jornal O Estado do Paraná, onde mantinha uma coluna e pela qual fez uma grave denúncia de havia doping no futebol paranaense. Exigia que tudo fosse investigado, como destacou em depoimento à revista Placar, de agosto de 1970. O alvo da denúncia foi o Grêmio Oeste, de Guarapuava, que, segundo Djalma, tinha até um bom time, mas com jogadores usuários de café com Dexamil e Pervetin, medicamentos na lista negra anti-doping. O alerta já havia sido feita à imprensa local por Pinducão, ex-massagista do time. Djalma, do alto de sua representatividade esportiva, apenas reforçou a necessidade de uma investigação mais rigorosa. A reação da torcida local, quando o Atlético enfrentou o Grêmio, em Guarapuava, foi a mais hostil possível. Dirigiam-se a Djalma e gritavam: “Macaco! Macaco!”.

Era realmente a hora de parar por ali. Ouvir ofensas como aquela não combina com o histórico exemplar e vitorioso de Djalma Santos.

O jogo derradeiro foi contra outro Grêmio, o de Porto Alegre e bem mais conhecido que o de Guarapuava, no dia 21 de janeiro de 1971, com Djalma prestes a completar 42 anos. Dizem que Djalma jogou como nunca, impedindo qualquer graça do ponta-esquerda gremista Loivo.

Foi a despedida oficial, mas no dia 30 de janeiro de 1972, Djalma Santos retornou ao gramado para defender a sua querida Portuguesa na vitória de 2 a 0 sobre o Zaire durante uma partida que marcou a inauguração do estádio do Canindé.

Djalma Santos nunca foi expulso de um jogo de futebol. Sempre afirmou que teve dois mestres que o orientaram na senda do profissionalismo: “Trabalhei com Osvaldo Brandão, que me cobrava em todos os aspectos. Ele queria eficiência no trabalho técnico e tático, quer fosse individual ou coletivamente. Mas é de Zezé Moreira que me recordo com mais alegria. Ele sabia como tratar um jogador”.

Zezé e Brandão deixaram ensinamentos que Djalma quis aplicar com os mais jovens. No Atlético Paranaense assumiu o comando do time profissional, mas por pouco tempo. Sentia mais prazer em orientar a garotada das divisões de base. Treinou equipes juvenis na Arábia Saudita, por quatro meses, e na Itália, onde morou por mais de um ano.

O grande ídolo vivia em Uberaba, no interior de Minas Gerais, ao lado da atual esposa, Esmeralda. Após a aposentadoria, escolheu a cidade mineira como retiro porque a primeira esposa, já falecida, tinha primas que moravam em Uberaba. Sempre que podia, Djalma passava férias por lá.

Coordenou por 11 anos o projeto “Bem de Rua, Bom de Bola”, em que participavam mais de 4 mil crianças da região. Tudo funcionava bem até o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, assumir a Prefeitura local. “O projeto foi desfeito por causa desse negócio de política. Não gosto de me meter, não sou de lado nenhum, sou de Uberaba. Mas acabou por quê? Para não deixar lembrança do antecessor”. Apesar do fim do projeto social, Djalma continua trabalhando com crianças, como monitor de esporte de núcleos de treinamento mantidos pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Ser treinador sequer passou pela sua mente. “Meu caráter não dá para isso. O treinador precisa ser cara-de-pau”.

No dia 1 de julho de 2013, Djalma Santos foi internado no Hospital Hélio Anglotti, em Uberaba. O quadro de saúde agravou-se devido a uma grave pneumonia e a uma instabilidade hemodinâmica, levando-o ao óbito às 19h30 de 23 de julho.

Os ingleses o chamavam de Lord. Não era para menos. Djalma Santos foi o melhor lateral- direito da história do futebol mundial. Ídolo estelar do nosso olimpo futebolístico, Djalma completaria 88 anos nesta terça-feira, 27. Saudade deste grande ídolo, bicampeão mundial em 1958 e 62, com a seleção brasileira. Saudade do querido “Nariz”, como era carinhosamente chamado, porém com tom brincalhão, por Garrincha, Pelé e Nilton Santos nos bons tempos em que juntos vestiram a poderosa “amarelinha”…

Na foto abaixo, estou em pé, atrás do Djalma Santos e dos craques da antiga Tchecoslováquia, que disputaram a final da Copa do Mundo de 62. Djalma está entre Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.


Naquela tarde do dia 24 de junho de 2012, em São Paulo, bati um longo papo com todos para edição do documentário “Simplesmente passarinho”, sobre a vida de Garrincha. Entrevistas muito bacanas que, se um dia Deus quiser, poderemos conferir com o lançamento do filme. Foi um encontro emocionante. Eu conversava com Masopust e o seu tradutor no hall do hotel em que gravávamos as entrevistas. De forma inesperada, entra ali o Djalma Santos. Pedi licença ao Masopust e disse a ele que faria uma grande surpresa. Fui ao Djalma, apresentei-me e disse o mesmo. Levei-o ao Masopust. Os dois imediatamente se reconheceram e se abraçaram demoradamente. Masopust chorou comedidamente. Djalma também. Não se viam desde a final da Copa de 1962, no Chile. Foi um dos registros mais bonitos e emocionantes que o futebol proporcionou para mim.

Djalma Santos é um marco na história do futebol mundial. Todo domingo ele levantava às sete da manhã, calçava chuteiras e dirigia o carro por um percurso de cinco quilômetros, de sua casa, na rua Martim Eminato, no bairro de Tassio Rezende, até o Uberaba Country Club. Ele e mais outros veteranos participavam de uma pelada dominical sagrada. “A gente fica só chutando. Depois do jogo, a gente assa um peixe, toma cerveja e joga um baralhinho”. E o Djalma Santos? Como sempre, estava inteirinho da Silva.

ENGRAXATE QUE VIROU ÍDOLO DO SANTOS

por André Felipe de Lima


Ponta-direita do timaço do Santos da década de 1960, Dorval Rodrigues jogava com Coutinho, Pelé, Mengálvio e Pepe no ataque mais famoso da Vila Belmiro. O craque nasceu no dia 26 de fevereiro de 1935, em Porto Alegre, e marcou 198 gols nas 612 partidas em que vestiu a camisa santista. Uma performance que o lista como o sexto maior artilheiro do clube.

Em sua cidade natal, Dorval trabalhava como engraxate. Aos 13 anos, fundou um time de futebol amador, o Esporte Clube XV de Novembro, mas foi nos juvenis do Grêmio que sentiu o gosto inicial de jogar futebol para valer. O treinador Mendes Ribeiro descobriu a posição ideal para o jovem: a ponta-direita. E nela, Dorval construiria sua brilhante carreira. Só chegaria ao profissionalismo com 20 anos de idade, no Grêmio Esportivo Força e Luz. Destacou-se e foi convocado para a seleção gaúcha. Habilidoso e driblador, como eram os ponteiros “das antigas”, Dorval chamou a atenção de Flamengo e, em seguida, do Corinthians, mas ambos os clubes desistiram da contratação em cima da hora. O motivo nunca fora explicado. Mas o destino é sempre surpreendente na vida de todos. Dorval era um predestinado. Num dia do ano de 1956, Arnaldo Figueiredo, cartola do Força e Luz, empresário de Dorval, conversou com o diretor do Departamento Profissional do Santos, Antônio dos Santos, e ambos selaram o destino de Dorval. O rapaz, dali em diante, seria jogador do Santos, que recrutava na mesma época outro jovem bom de bola conhecido como Pelé.


Os dirigentes santistas gostaram de Dorval, mas consideraram-no inexperiente e o rapaz acabou tendo o passe emprestado ao Juventus da Mooca para se adaptar ao futebol paulista, mas o estágio durou apenas três meses. O ponta-direita jogou tanto que retornou à Vila Belmiro. E como titular ao desbancar Alfredinho. Em 1958, conquistou o campeonato paulista. Mas a consagração viria em 1962, quando ajudou o Santos a levantar uma penca de troféus. Dorval e o Alvinegro foram campeões paulista, da Taça Brasil, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes, cujo jogo decisivo foi marcado por uma goleada de 5 a 2 do Santos sobre o Benfica, na casa dos portugueses. “Quando chegamos a Lisboa para jogar, eles já estavam vendendo ingressos para a terceira partida. Acharam que ganhariam da gente no segundo jogo, mas deram azar. Perdemos muitos gols no Maracanã e isso não aconteceu em Portugal. Quando abriram os olhos, já estávamos ganhando por 4 a 0”.

O show de títulos daquele Santos se repetiu no ano seguinte e, lógico, tendo Dorval como ponta-direita bicampeão da Libertadores e do Mundial, com o Milan de “vítima da vez” na inesquecível final no Maracanã, em que Almir Pernambuquinho jogou no lugar de Pelé e calou os craques milaneses, entre os quais Trappattoni, Cesare Maldini e o “possesso” Amarildo.

Em 1964, Dorval, Batista e Luís Cláudio tiveram os passes negociados com Racing, da Argentina, mas o clube portenho deu um calote e todos voltaram ao Santos. Dorval permaneceu na Vila até 1967, quando o Palmeiras o acolheu. No Parque Antarctica, o ponta jogou com Ademir da Guia, Dudu e Djalma Santos, mas em apenas 20 partidas. O mesmo Djalma, que aceitou proposta do Atlético Paranaense em 1968, abriu portas para vários jogadores em fim de carreira fazerem história no futebol do Paraná. Dorval foi um deles. O ex-craque do Santos esteve no time que recuperou a auto-estima do Furacão após a conquista do campeonato estadual de 1970. Além de Dorval, estavam naquele elenco Bellini, Zé Roberto, Nilson “Bocão” Borges e Sicupira.

Ponta de grandes recursos técnicos, Dorval também notabilizou-se pelo temperamento impulsivo. Nunca gostou de brincadeiras. Vários foram os relatos de desavenças com companheiros e até dirigentes. O jeito rude não foi, porém, motivo para que não gostassem dele.


Dorval raramente figurava na seleção brasileira. O motivo: ser contemporâneo de Garrincha, do Botafogo, e de Joel, do Flamengo. Poderia ter ido ao Chile, para a Copa de 1962, mas o treinador Aymoré Moreira optou por Jair da Costa, então ponteiro da Portuguesa de Desportos, que brilharia depois na Internazionale de Milão.

Pela seleção, Dorval fez 13 partidas, o que o deixava frustrado, já que colegas como Coutinho, Mengálvio, Pepe e Pelé frequentavam com mais assiduidade as listas de convocação. “Na época do Mundial, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado. O Mané era fantástico e ninguém tiraria ele do time, mas mesmo assim eu queria ir para um Mundial”, disse, referindo-se à Copa de 1962, no Chile. E houve um dia em que Dorval teve de parar Garrincha. Ou, pelo menos, tentar. Em 1961, contra o Botafogo, Dalmo foi expulso e Dorval teve que se deslocar para a lateral-esquerda, numa época em que não eram permitidas substituições durante o jogo. Dorval afirmava que foi tão rápido quanto Garrincha e que conhecia cada drible que ele aplicava. E deve ter se saído bem mesmo na ingrata função de marcador de Mané porque o jogo terminou 3 a 1 para o Santos.

Dorval era boêmio e “pé-de-valsa” inveterado. O que não o constrangia porque a boemia fazia parte do universo futebolístico. Exatamente como acontece hoje, mas como uma pequena diferença: não era vista como algo que impedisse o jogador de atuar bem pelo seu time. Dorval dava provas disso.


O Santos era celeiro de craques e também… de piadistas. Pepe, um deles, garante Dorval. Por conta das andanças dele na noite, Pepe brincou com o notívago Dorval ao inventar que o craque levou para a pista de dança um travesti, confundindo-o com uma mulher. Dorval garante que tudo não passou de uma “mentira” da grossa do Pepe. Na verdade, os dois pontas, os maiores que o Santos já teve, eram grandes amigos. Quem o acompanhava nas noitadas eram Coutinho e Tite. Já Pelé, devido à fama exacerbada, era mais recluso.

O final de carreira lhe pregou peças. Algumas desagradáveis, como o dia em que foi barrado na porta do estádio da Vila Belmiro, no final dos anos de 1960, como cita Ivan Cavalcante Proença, recuperando diálogo que Dorval teve com o ponteiro do clube santista:

— Você não pode entrar — gritou o porteiro do Santos.
— Você é que não pode me barrar — gritou o jogador.
— Quem é você? — perguntou o porteiro.
— Sou Dorval, Já dei muitas vitórias a esse time.
— Mas só entra com carteira de sócio.
— Pois vou entrar no peito.
O craque entrou, mas depois de encarar uma fila e comprar um ingresso.

Revoltado, Dorval recordou a história:“Enquanto a gente está no time faz o que quer, mas quando está de fora nem os porteiros nos conhecem mais. Se soubesse o que iria encontrar ao deixar o futebol cuidado melhor, aprendendo uma outra coisa, mas como só vivi no futebol até hoje, a minha única distração é ir aos estádios ver o Santos jogar”.

Queixava-se — como narrou Proença — do esquecimento de Jair Rosa Pinto, que o convidou para trabalhar no Olaria, no final dos anos de 1960, mas o ignorava, deixando o jogador em situação indefinida no Rio de Janeiro. Dorval dormiu alguns dias na casa de Almir, de Ruço e de outros amigos que moravam na cidade até por tudo em pratos limpos com Jair. Quando conseguiu uma reunião com ele e o presidente do Olaria, Jair teria saído pela porta dos fundos sem atendê-lo. “No mesmo instante voltei para Santos”.

Dorval temia pelo futuro. Estava sem dinheiro e com dívidas de um bar que mantinha com o sogro. Aguardava uma proposta do Canadá.

Nada foi adiante. Ficou pelo Brasil mesmo.

Defendeu o Atlético Paranaense e, em 1971, quando deixou Curitiba, atuou por seis meses no Valência, da Venezuela, e na volta jogou pelo Saad, ao lado dos ex-companheiros Coutinho e Joel, para encerrar a carreira em 1972. Anos depois, tornou-se técnico de divisões de base.

O futebol lhe deu fama e dinheiro. Investiu em imóveis, mas perdeu tudo. O ídolo santista foi treinador da escolinha de futebol do Centro Esportivo do Jabaquara, localizado em uma região bastante pobre de São Paulo. O projeto, bancado pela Prefeitura de São Paulo, tinha o intuito de afastar menores carentes do tráfico de drogas e das ruas. Na época em que Dorval se esforçava nesse projeto, a então prefeita Marta Suplicy, alegando não ter verba, encerrou o programa social e demitiu todos os profissionais envolvidos com as escolinhas, entre eles Dorval.

Ídolo dos torcedores da velha guarda, mas já não tão lembrado pelos mais jovens, que idolatram Robinho, Neymar e Ganso, Dorval não explorou tanto a sua imagem como deveria. Na década de 1960, a Coca-Cola estampou as imagens dele, de Pelé e Coutinho em uma propaganda. Pelé teria embolsado 25 milhões de cruzeiros na época e Dorval apenas 4 mil. Somente muitos anos depois, o ex-jogador moveria uma ação judicial para requerer cerca de 6 milhões pelo uso de sua imagem.

Dorval é um altruísta. Essa é a verdade. Craque de alma limpa, que sempre trabalhou voluntariamente em programas sociais no Jardim Jabaquara e também se preocupa em resgatar a memória dele e de outros craques do passado ao decidir tocar uma cooperativa de ex-jogadores da capital paulista.

PELÉ E COUTINHO OU COUTINHO E PELÉ?

por Victor Kingma


Nos tempos daquele timaço do Santos, Pelé fazia uma dupla infernal com Coutinho que, além da semelhança física com rei, também tinha muita técnica, habilidade e faro de gol. A dupla ficou famosa pelas celebres tabelinhas entre eles. Só que o companheiro de ataque de Pelé às vezes passava por situações injustas. 

Certa vez, num jogo noturno na Vila Belmiro e com muita neblina, Pelé não estava bem, coisa rara de acontecer. Numa jogada no ataque santista, ele tenta tabelar com Coutinho e dá uma engrossada. O companheiro, entretanto, recupera a bola, finta o zagueiro e toca para o gol.

Na cabine o locutor, após narrar o lance, comenta:

– Coutinho falhou na tabela, mas rei é sempre rei. Recuperou a jogada, entortou o adversário e estufou as redes. Santos 1 x 0.

Logo a seguir outro lance: Coutinho faz linda jogada individual, se livra do goleiro e toca para o gol vazio. Mais uma vez o narrador, encoberto pela neblina, após o longo grito de GOOOOOOOLLLLLLL do Santos, descreve o lance:

– Pelé, Pelé! Sempre Pelé! Até quando seu companheiro de ataque não está bem ele resolve sozinho.


Algumas dessas histórias são confirmadas pelo próprio Coutinho, que admitia, em alguns casos, ficar chateado.

Certa ocasião, devido a uma contusão no pulso, atuou algumas partidas com uma atadura no local. Mas, como o futebol é feito de lendas, logo apressaram em dizer que ele estava usando a faixa para diferenciá-lo do parceiro famoso e assim se livrar das injustiças.

Antonio Wilson Honório, o grande Coutinho, o maior parceiro de Pelé, estreou no time do Santos em 1958, aos 15 anos, substituindo o lendário Pagão. Atuou pela equipe da Vila Belmiro por 12 anos e em 457 partidas fez 370 gols.    

Com sua incrível frieza diante do goleiro entrou para a história do futebol como um dos maiores gênios da pequena área.

 

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