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SANTO ANDRÉ 2004

por Marcelo Mendez


“Porque vocês não sabem

Do lixo ocidental?

Não precisam mais temer

Não precisam da solidão

Todo dia é dia de viver…”

Na música em questão, Milton Nascimento mandou um recado para Lennon e McCartney, a dupla dos Beatles que era tão presente no mundo, mas tão distante das Minas Gerais dele ali em 1969. Os Moços de Liverpool não sabiam nada do lado de cá do mundo, do nosso Lixo ocidental.

Guardemos as tais das devidas proporções mas transpondo isso para as questões ludopédicas, pra falar da bola que se joga, eu afirmo aqui que vocês, meus amigos do Museu da Pelada e do Brasil todo, não faziam a menor ideia de nós aqui, os barnabés de Santo André. Nós, que fomos forjados nas chaminés das indústrias que forravam o centro da Cidade, que crescemos na beira do Rio Tamanduateí. E nem saberiam, se não fosse 2004.

Hoje, ceis vão me dar licença aí, rapaziada; A coluna ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO vai falar de um timaço que fez vocês todos saberem aqui do nosso lixo ocidental.

Com vocês, o Santo André 2004.

A TRAJETÓRIA

Não foi fácil o pique da remada nossa.


Primeiro porque tínhamos um time e esse foi desfeito no meio da Copa do Brasil. O Ramalhão havia começado bem a competição, passou bem pelo time do Novo Horizonte de Goiás e quando começamos a querer nos animar por aqui, um convite do Sport fez sair o técnico Luiz Carlos Ferreira e com ele uma porrada de jogadores.

O Santo André teve que se reformular, precisou contar com nomes de trabalhadores, operários da bola como Elvis, Romerito, Sandro Gaúcho, jovens peitudos como o zagueiro Alex, o meia Tassio, oriundos da base campeã da Taça São Paulo em 2003, para assim, fechar com o técnico Péricles Chamusca e recomeçar uma campanha que foi nada menos do que épica.

No caminho do Santo André, foram ficando times como Guarani, Atlético Mineiro, que tomou um passeio no Bruno Daniel, um 3×0 mais um baile de bola, uma batalha Homérica com o Palmeiras, com um empate de 3×3 no Brunão e no Palestra Itália 4×4 após estar perdendo por 4×2. O time criou uma casca necessária para ir para uma semifinal insólita, daquela que vocês decerto jamais imaginariam para uma competição nacional.

O Santo André enfrentaria o XV De Campo Bom.

A PRIMEIRA ILÍADA

Assim como o Bruno Daniel foi vetado para a semifinal, o estádio de Campo Bom também não poderia ser usado. Na semi, o primeiro jogo foi no Pacaembu, o segundo seria no Olímpico. Aqui cabe uma observação; Na história do Esporte Clube Santo André, num tem essa conversa ae “Jogar Fora é complicado”. O Santo André conseguiu todos os seus feitos, os mais marcantes de sua história, longe do Estádio Bruno Daniel. O Acesso em 1981 no Palestra Itália, a arrancada de 1975 em Limeira, as batalhas contra o São José em 1978…

A História seguia seu curso na Copa do Brasil.

O Ramalhão perdia a semifinal por 4×1 para o bom time treinado por Mano Menezes. Na raça, foi buscar o empate de 4×4 e foi novamente para o segundo jogo tendo que vencer fora de casa. O jogo da volta ficou para o Estádio Olímpico, frio, gélido, vazio. O ambiente para a partida era tranquilo e dessa forma, o Santo André foi para campo e conseguiu mais uma virada histórica; 4×3 no placar e a vaga para a final.

Vaga para entrar para a história e o Ramalhão não perdeu a chance…

A SEGUNDA ILÍADA

Em instante algum o Santo André esqueceu a grandeza do Flamengo, adversário da grande final. Mas não precisa nem dizer o que as Gentes de lá tavam pouco se lixando para nosso time daqui do Abc.

A imprensa futeboleira tratava a coisa como algo protocolar; O Flamengo viria aqui em São Paulo, conseguiria uma boa vantagem para a segunda partida no Rio de Janeiro, jogaria por lá à vontade e em seguida, faria a festa, aliás, festa essa que já estava contratada. Ivete Sangalo estava no Copacabana Palace, só nos aguardo para que após a segunda partida, fosse lá fazer a festa rubro-negra. Mas esqueceram de combinar tudo isso com o Santo André…

No primeiro jogo no Parque Antártica, até o Galvão Bueno já dava como certo o festerê no Maracanã. Ninguém imaginava que algo poderia dar errado e quando Ibson abriu o placar no primeiro tempo, o amigo da Rede Globo só faltou ir lá se rebolar ao som de “Poeira”, hit de Ivete na época. Mas esqueceram de um detalhe fundamental:

O Santo André não tem medo de jogar em lugar nenhum.

Virou aquele jogo com gols de Osmar e Romerito e o Flamengo achou um gol de empate no final do segundo tempo. O Rubro Negro tinha tudo para entender o recado dado e saber que não ia jogar contra um coadjuvante de festa. Mas dae…

A HORA DA GLÓRIA

Uma bola sobrevoou a área em uma noite no Maracanã lotado.


Poderia encontrar qualquer lugar, mas resolveu ir atrás da cabeça de Sandro Gaucho. Era o 1×0 que causaria o primeiro grande silêncio do Maracanã. Pouco depois, foi vez de Elvis meter o segundo prego no caixão Rubro-Negro e dae já era 2×0, o Ramalhão campeão, festa aqui no Abc e no Maracanã.

A torcida do Santo André, acostumada com os festejos na casa alheia, num se fez de rogada em comemorar o título mais importante de sua história no Maracanã e ainda por cima, entoar o canto de “Poeira”, o hit da moça, que tava contratada lá pra fazer a festa, lembram?

Teve não.

Naquela noite, o Maraca foi azul e branco, na história, o campeão da Copa do Brasil de 2004 foi o Santo André.

Júlio Cesar, Dedimar, Alex, Gabriel, Nelsinho, Dirceu, Ramalho, Elvis, Romerito, Osmar, Sandro Gaucho, treinados por Péricles Chamusca, são os responsáveis por tudo isso.

Santo André 2004, o Esquadrão de Hoje, aqui no Museu da Pelada

CASCA-GROSSA DA COPA DE 78, RODRIGUES NETO NOS DEIXOU

por André Felipe de Lima


Ele curtia os atores Gary Cooper, John Wayne (e porque ninguém é de ferro) a estonteante Sônia Braga. Diziam que gostava de churrasco com farofa e de um carteado com amigos, mas apenas para passar o tempo, sem grana na jogada. Esse perfil está na antiga coleção Futebol Cards, com a qual a garotada, hoje na casa dos cinquentinha, se divertia entre 1979 e 1980. Réu confesso, fui um daqueles “fominhas” pelos disputadíssimos cartões com chiclete. Mas o camarada do cartão a que me refiro chama-se José Rodrigues Neto, um mineiro que nos deixou neste dia 29 um pouco órfãos.

Foi um lateral-esquerdo valente, excelente marcador. O estilo seduziu Claudio Coutinho, que, além de técnico da seleção brasileira, também treinava o Flamengo, onde o titular da posição era o incomparável Junior. Coutinho ignorou Junior e levou Rodrigues Neto para a Copa do Mundo de 1978, na Argentina.

Começou na reserva, mas com o ímpeto nos treinos convenceu Coutinho de que seria importante para a defesa, onde também se destacava Amaral. Aliás, como esquecer aquela rebatida na bola, em cima da linha do gol, no jogo contra os espanhóis? Amaral era sensacional. Mas o papo (e prossigamos) é com o Rodrigues Neto, que também foi um leão na grande campanha do Brasil naquela Copa do Mundo fajuta, arranjadinha pela ditadura argentina para que eles, os hermanos, fossem os campeões.

Ficamos com um honroso terceiro lugar, e Rodrigues Neto lavou a alma com os apupos que justamente recebera. Afinal, ele teria ido para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, não fosse uma até hoje mal explicada história em que o jogador abandonou o escrete durante uma excursão à Europa, no ano anterior. Ao dar de ombros para a delegação, que se encontrava em Berlim, o lateral selara seu destino longe da seleção brasileira. Pelo menos enquanto Zagallo fosse o técnico. Pelo menos até o fiasco do Brasil na Copa de 74.


Inventaram de tudo como motivo para Rodrigues Neto ter abandonado a seleção em 73. Citaram, inclusive, a trágica morte da primeira esposa dele, ocorrida em 1970, durante um parto prematuro. Rodrigues não estaria bem psicologicamente e por isso andava fazendo bobagens; também maldosamente comentaram que estaria enrabichado com amantes e que até teria se recusado a fazer um tratamento psiquiátrico sob recomendação do Flamengo após a morte da esposa. Porém o próprio jogador desfez o emaranhado de especulações e disse que decidiu deixar a seleção porque estava machucado e de nada adiantaria brigar pela posição com Marinho “Bruxa” Chagas e Marco Antônio, o reserva do Everaldo na Copa de 70.

A vida seguiu. O lateral impressionou os argentinos na Copa seguinte e ficou por lá mesmo, em Buenos Aires. Poucos meses após a vexatória competição organizada pela Fifa, o Ferro Carril Oeste, que na época peitava os grandões Boca Juniors, River Plate, Independiente, San Lorenzo e Racing, contratou o brasileiro. Rodrigues Neto estava com 29 anos: “Aqui, na Argentina, o jogador é mais respeitado como ser humano. No Brasil, você é considerado acabado quando passa dos 27 anos. Mesmo assim, não entendo como lá, no Brasil, possam se surpreender com meu sucesso no Ferro Carril Oeste. Ora, em julho de 1978 eu era titular da seleção brasileira!”

Veja só o que César Luiz Menotti, técnico da seleção da Argentina campeã da Copa de 78, dizia do Rodrigues Neto: “Lástima que El Negro Neto no sea argentino”. Pois bem, ele era respeitadíssimo e sempre garantiu jamais ter sofrido alguma cena de racismo na temporada que passou em Buenos Aires. Já “coroa”, com 35 anos, defendeu o Boca Juniors, mas a passagem pela Bombonera durou muito pouco. Nem um ano inteiro.

Rodrigues Neto jogou pelo Flamengo. Chegou à Gávea após ser “descoberto” pelo olheiro e massagista Mineiro, em 1965. Com o Rubro-negro, foi campeão carioca de 72 e 74. No troca-troca da dupla Fla-Flu, ele acabou indo para as Laranjeiras no ano seguinte. No Fluminense, foi o lateral canhoto titular da Máquina montada por Francisco Horta, e foi campeão carioca de 1976. Do Tricolor foi para o Botafogo, em fevereiro de 1977, ocupar a lacuna deixada pelo Marinho Chagas. Não ganhou nada lá. Era um tempo difícil demais para o Alvinegro, que mesmo assim montou um timaço, que incluía Paulo Cezar Lima e outros cobras sensacionais. Mas Rodrigues Neto queria ser novamente campeão, e foi com Inter, em Porto Alegre, ser feliz novamente, erguendo taças.


O futebol é generoso para quem o leva a sério e é, sobretudo, competente com a bola nos pés. Rodrigues Neto foi tudo isso e um pouco mais.

Do sucesso nos gramados a um susto tremendo muitos anos depois. Em 2015, Rodrigues Neto descobrira, pela imprensa, que havia… morrido. Vários jornais, sobretudo da Bahia, e sites esportivos conceituados publicaram a notícia, com obituário, lástimas e tudo o mais. Mas o Rodrigues que verdadeiramente morrera foi um ex-ponta-esquerda que defendeu o Flamengo, a Portuguesa de Desportos e o Cruzeiro.

O Rodrigues Neto mais famoso, que sofria de diabetes, acabou nos deixando nesta segunda-feira. Resta-nos agradecer pela página que escreveu no livro de amor que todos nutrimos pelo futebol.

SONHO DELE, PESADELO NOSSO

por Marcos Vinicius Cabral


Certa vez, quando dirigia o Atlético-GO, René Simões se envolveu no episódio que resultou na conturbada demissão de Dorival Jr. do comando santista, após se desentender com o jogador.

Naquela ocasião, Neymar acabou preterido para a cobrança de um pênalti, já que vinha perdendo alguns em jogos anteriores, e em virtude disso brigou ainda em campo com seu conandante Dorival e o capitão do time, Edu Dracena.

– Trabalho há décadas no futebol e nunca tinha visto algo parecido. Está na hora de alguém educar esse rapaz, senão vamos criar um monstro em nome dessa arte de jogar. Estamos criando um monstro – desabafou René.

E completou:

– Ele se acha o senhor todo-poderoso dentro de campo e ninguém está fazendo nada, absolutamente nada. O que esse rapaz falou para o capitão deles e para o banco de reservas foi de uma falta de educação que poucas vezes eu vi.

O ano era 2010.

A imprensa esportiva (entenda-se bajuladores), enaltecia os gols, as jogadas e os dribles do jovem talento do Santos que vestia a camisa 11 que um dia foi do não menos habilidoso Edu, companheiro do Rei e poria panos quentes nas travessuras do moleque.

O jogador criticado por René Simões naquela ocasião há dez anos, agora na derrota para o Rennes nos pênaltis criticou os companheiros mais jovens do PSG e agrediu de forma covarde um torcedor que, no calor da emoção (torcedores, não é isso que somos?), pediu ao intocável camisa 10 da equipe francesa para aprender a jogar bola.

Agressão gratuita.

E o nosso melhor jogador depois de Pelé – como disse Sérgio Xavier Filho no Seleção SporTV – disse que quer um dia jogar no Flamengo.

Flamengo este que tem um ídolo chamado Zico, que me recebeu pessoalmente há três anos em seu Centro de Treinamento no Rio de Janeiro sem nenhum assessor para intermediar e receber o quadro que pintei dele e ano passado quando cedeu um depoimento para abrir meu TCC da faculdade.

Flamengo este que tem um certo Leovegildo, que sempre me recebeu bem nas vezes em que juntos estivemos e que no ano passado – um pouco antes da realização da Copa do Mundo da Rússia – me atendeu prontamente em sua casa com mais onze pessoas para realização de uma entrevista para fechar o meu TCC.

Flamengo este que tem um tal Leandro, que deita na rede em sua pousada com minha filha Gabrielle e almoça comigo e minha mulher em sua casa com seus familiares.

Estes são os ídolos que a torcida exigente do Flamengo aprendeu a valorizar, amar e respeitar.

Neymar da Silva Santos Júnior, um conselho: melhor sonhar em jogar em outro clube pois aqui a nação não está acostumada com ídolos pés de barro.

O seu sonho de vestir o Manto Sagrado – que é o desejo de todo jogador de futebol – vai ser para nós torcedores, um pesadelo.

KRÜGER, O MAIOR

por André Felipe de Lima


Mil novecentos e sessenta e nove. O time do Coritiba estava em Hamburgo, uma das cidades mais importantes da Alemanha, para o início de uma jornada pelo Velho Continente. O primeiro embate aconteceu contra o clube da cidade — o mesmo que o Grêmio derrotaria na final do Mundial de Clubes, em 1983. Terminou 1 a 1, com o craque do time brasileiro marcando um gol. Ele, o tal craque, nunca mais esqueceu aquela partida e tampouco os dias em que esteve em Hamburgo. Em cada esquina lia em uma placa a palavra “Krüger”. A coincidência chamou-lhe a atenção. Mas só associou o nome à pessoa — no caso, ele próprio — quando a delegação do Coritiba retornou ao Paraná. Certificou-se de que suas origens estavam lá, sob os seus pés, em Hamburgo. Obviamente sabia ser descendente de alemães, mas nem desconfiava de que os bisavós eram hamburgueses. Chegaram ao Brasil no final do século 19. O alemãozinho Dirceu Krüger apenas intuiu. Uma intuição que fez dele um dos mais célebres jogadores do Paraná.

Krüger, maior ídolo daquele Coxa dos anos de 1960, assinalou um gol na terra de seus antepassados e — o que mais o gratificou — com a camisa que aprendeu a amar ainda garoto graças ao pai, seu Acácio.

Desde pequeno, o menino acompanhava o pai aos jogos do Coritiba, no estádio Belfort Duarte. Seu Acácio torcia para o Coritiba, mas também era Botafogo. Fato comum no passado. Quem não morasse no eixo Rio-São Paulo torcia para o time da casa e para outro, de fora, geralmente do Rio de Janeiro, então capital federal, centro político, polo cultural… aquelas coisas bairristas de sempre, que hoje, com a globalização, perderam força.

Foi assim que o Coritiba entrou na vida de Dirceu Krüger e ele, sem saber, também começava a entrar para a vida do seu time de coração.

Um jogo que o menino lourinho nunca esqueceu mostrou a ele que Rio e São Paulo não eram os únicos “paraísos” do futebol brasileiro e que toda essa fama dos chamados “grandes clubes” não passava de uma grande bobagem. Bequinha, ele mesmo, o zagueiraço do Coxa, provou isso ao garoto Dirceu.

Em campo, Santos, com Mengálvio, Coutinho, Zito, Pepe, Dorval e… Pelé. O rei. O gênio. O maior de todos. O insuperável, imarcável… espere aí! Imarcável, não. Tudo bem que ele passou a bola por entre as pernas de Bequinha, mas o zagueiro devolveu com a mesma moeda. Aplicou um balãozinho no Rei. Restou a Pelé, humildemente, encaminhar-se a Bequinha e cumprimentá-lo pelo feito.


Na arquibancada, o menino via aquilo tudo com excitação. Era isso que ele queria ser um dia: craque do Coxa, igualmente ao Bequinha, ao Fedato, ao Duílio Dias…

Mas até chegar ao Coritiba, Krüger queimou muita lenha.

Já rapazinho, com 16 anos, Dirceu esboçou seus dotes futebolísticos que anos depois inspirariam o jornalista Albenir Amatuzzi a chamar-lhe de “Flecha Loira”. O primeiro a vê-lo jogar foi o Combate Barreirinha, time amador do bairro. No ano seguinte, 1962, chegou ao União Ahú. Inscreveu-se na peneira como ponta-esquerda, posição pouco procurada pela molecada que queria ser “Pelé”. Todos queriam mesmo é jogar como ponta-de-lança. Mas o treinador do time viu que Dirceu tinha pinta de ponta-de-lança e o escalou no meio de campo.

Do modesto União Ahú foi para o Britânia, anos antes, portanto, de o tradicional papão de títulos do início do século 20 se fundir ao Ferroviário e ao Palestra Itália para formarem o Colorado. Dirceu permaneceu no Britânia até 1965. Ora no time juvenil, ora no profissional. Ninguém o chamava mais de Dirceu. Era Krüger. Aquele menino lourinho, cuja perna esquerda dava muito canseira no chamado “trio-de-ferro” formado por Coritiba, Atlético e Ferroviário.

No campeonato estadual de 64, O “Flecha Loira” marcou seis gols contras os três rivais. Sobrou até para Nico, ídolo do Coritiba. Durante um jogo entre o Coxa e o Britânia, Krüger pressentiu a chegada de Nico, aplicou-lhe um drible e o zagueirão despencou com a bunda no gramado.

A ficha caiu — não é assim que dizem? — e o presidente do Coxa, Lincoln Hey, mandou imediatamente que trouxessem aquele tal de Krüger para o Alto da Glória. Antero, lateral do Britânia, também veio após uma negociação que movimentou 20 milhões de cruzeiros. Dinheiro para chuchu. Era muito arriscado. Afinal, o lourinho era apenas uma “promessa”.

Mas a especialidade dele era deixar grandes zagueiros — Nico que o diga — a ficarem enrubescidos de vergonha após serem driblados com galhardia, molecagem mesmo, por um lourinho bom de bola.

A vítima da vez, logo na estreia de Krüger no Coritiba, foi ninguém menos que Aírton Pavilhão, o maior zagueiro de todos os tempos do Grêmio. O jogo valia para um torneio de verão realizado em fevereiro de 1966. Os gremistas saíram na frente, mas o lourinho, no último minuto do tempo regulamentar, cismou com a cara do Pavilhão, partiu para cima dele com a bola, o driblou e marcou o gol de empate. Nos sete jogos seguintes do Coxa, segundo os pesquisadores do Helênicos, Krüger fez gol. Uma façanha que, se bobear, nem mesmo Pelé conseguiu durante seus primeiros meses de Santos.

Krüger, em campo, inventava moda. E dava certo. Que o diga o Atlético, vítima [é lógico!] predileta do “Flecha Loira”. Durante um Atletiba inesquecível, que aconteceu no dia 16 de setembro de 1967, no estádio Durival de Britto, nasceu o conhecido “drible com o olhar”.

“Cobraram a lateral para mim, a bola veio rasteira e forte na grande área adversária. O zagueiro atleticano Charrão correu em minha direção. Olhei para ele e fiz um movimento com o olhar. Ele imaginou que eu fosse tentar driblá-lo e gingou para evitar. Eu simplesmente passei reto por ele e fiz o gol. Driblei-o, aliás, sem ter tocado na bola.”

No final, Coxa 5 a 0, com shows de Krüger, que assinalou os seus primeiros gols contra o Atlético, e de Walter Correa, o mesmo que um dia jogou pelo Atlético. O resultado foi o tiro de misericórdia no rival, que naquele certame estadual terminou em último na tabela. Só não caiu para a segunda divisão devido a uma virada de mesa.

Tudo estava às mil maravilhas. Krüger, embora ainda jovem, ostentava o galardão de craque maior do futebol paranaense. Vieram as contusões. Em sequência. Cada uma mais grave que a outra.

Após aquela chinelada no Atlético, o Alviverde não foi campeão. Perdeu o título para o São Paulo de Londrina, na casa deles, e Krüger, para o hospital.

O jogo estava 0 a 0, empate favorável ao time do norte do estado. No início do segundo tempo, o zagueiro Sebastião foi driblado por Krüger e o agarrou pela camisa. Na sequência do lance, Sebastião caiu em cima de Krüger, que teve a clavícula quebrada. Resumo da ópera [trágica, por sinal]: dois meses afastado dos campos.

No ano seguinte, em maio, outra fatalidade. Uma dividida com o zagueiro Vermelho, do Britânia, e o tornozelo fraturado. Mas craque é craque. Não há delongas. Retornou em julho para, em agosto, decidir o título com o Atlético. Fez o segundo gol na vitória de 2 a 1 do primeiro jogo da final. Na partida posterior, um empate em 1 a 1 garantiu novo troféu para a galeria do Alto da Glória e mais um gol contra o rival. Foram seis ao longo da carreira.

O ano de 1969, o mesmo em que Krüger descobriu suas origens em Hamburgo, foi tranquilo. Nada de contusões graves. A figa, ao que parece, funcionou. Mas veio o dia 11 de abril de 1970. Aniversário do cidadão curitibano Dirceu Krüger, que completava 25 anos. Era para ser uma grande festa, mas o prazo de validade da figa, tudo indica, expirou.


O placar estava zero para o Coritiba e zero para o Água Verde. Krüger recebeu um passe de Werneck, na entrada da área. Estava sozinho cara a cara com Leopoldo, goleiro do time adversário. Matou a pelota no peito e encobriu o arqueiro, quando se afastou para checar se a bola balançaria mesmo o filó, não escapou do encontrão com o goleiro.

O massagista Lubian entrou rapidamente no gramado e começou a flexionar as pernas do jogador. Em seguida, veio o médico que constatara a gravidade da contusão. O técnico Filpo Nuñes mandou Joaquim aquecer-se para entra no lugar de Krüger. Na secretaria do estádio, um desesperado funcionário telefonava pedindo uma ambulância com urgência.

“A dor foi imensa. Fui internado de urgência no Hospital do Cajuru e, quando acordei, soube que minhas alças intestinais haviam se rompido.”

A bola entrou e o gol valeu, mas o preço foi alto demais. “Seu estado é grave e não permite qualquer prognóstico prematuro”, descrevia o primeiro boletim médico.

Se nada acontecesse naquele trágico sábado, um delicioso bolo de nata [o de que mais gostava] o esperava na casa dos pais, Acácio e Marta. Estava tudo pronto para recebê-lo com festa. “Não sei se meu filho volta. Não sei se foi intencional. Coitado do meu filho”, declarou o pai de Krüger.

Deu pena do goleiro Leopoldo: “Juro que não entrei com má intenção. Queria evitar o gol. A bola ficou para nós dois e houve o choque. Nem sei como foi. Não vi que tinha atingido o Krüger. Estou transtornado. Depois do jogo fui à capela do Água Verde e rezei duas horas pela vida de Krüger. Rezei e chorei, não tenho vergonha de dizer isso.”

Nas primeiras semanas internado, a vida do ídolo maior do futebol paranaense estava por um fio. Até extrema-unção recebeu. Durante os 70 dias hospitalizado, o craque recebeu os cuidados de Bezed Nassif Júnior, chefe da equipe médica e, ironia ou não do destino, atleticano. Foram dias de romaria constante ao hospital. Torcedores do Coxa — e até mesmo de outros times — rezavam. Lauro Rego Barros, então presidente do Atlético, encomendou uma missa pela melhora de Krüger. Deus foi piedoso, mas o destino não. Aquela contusão deixaria sequelas e, prematuramente, tiraria Krüger dos gramados.

Tentou retornar. Mas os treinadores o colocavam em campo paulatinamente. Jogou bem em algumas partidas, como aquela, na Romênia, durante a excursão do Coxa, em novembro de 1970. No país europeu, marcou o primeiro gol após o fatídico acidente. “Foi grande a emoção que esse gol causou em mim, nos atletas e nos dirigentes do Coritiba. Engraçado é que, encerrada a partida, um jornalista curitibano, que narrava o jogo, pediu para que eu viesse transmitir minha emoção ao povo curitibano. De camisa, calção, meias e chuteiras, subi pelas arquibancadas até as cabines, provocando muita curiosidade no povo romeno.”

O ídolo recuperou a confiança. Sentia-se refeito do grande susto do ano anterior. Ávido por futebol. Contra a seleção argelina, quase sem ângulo, marcou o gol que define como mais bonito em toda a carreira.

Krüger era um gênio. Algo inconteste. Um dos melhores jogadores que o Paraná já produziu. Praticamente óbvio que os olhos dos cartolas de clubes de outros estados crescessem. Batata! O primeiro a coçar o bolso foi o Atlético Mineiro, em 1970. Desembolsariam um milhão de dólares por Krüger. Evangelino da Costa Neves, o velho “Chinês”, disse que nem pelo dobro o craque deixaria o Alto da Glória. Krüger, aliás, o chamava de “segundo pai”. O carinho era recíproco. Para Evangelino, Krüger representava mais um “filho” que “jogador de futebol”.

No mesmo ano da oferta do Galo, o Vasco também queria um craque do Coxa. Mas os cartolas luso-cariocas não sabiam bem quem era esse craque. Ouviram falar apenas de um “lourinho bom de bola, cujo nome começava com a letra K”. Apenas isso. Dizem tratar-se de lenda, mas um cartola do clube carioca realmente apareceu no Coritiba para levar o tal craque da letra K. Chinês não pestanejou. Como tinha dois jogadores com a letra K, passou adiante Kosilek, que não fez muita coisa no Vasco. Krüger afirmou aos Helênicos, contudo, que essa história quem inventou foi Evangelino e que no final de 1969 os vascaínos foram derrotados pelos coritibanos em dois jogos. O bastante para conhecer quem era o verdadeiro craque da letra K. E não foi só o Vasco que desejou ter Krüger. Corinthians e Flamengo também sondaram o Chinês. Em vão porque o ídolo sempre afirmou nunca deixar o Coritiba. E cumpriu a promessa.

Há outra tese, porém, sobre o esforço hercúleo de Evangelino para manter Krüger. Como o lourinho era o principal jogador do time, popular ao extremo, era ele quem, involuntariamente, é claro, atraía torcedores para a compra de carnês de loteria, que ajudaram a bancar grande parte da reforma do estádio Belfort Duarte.

Mas o que importa mesmo é que Krüger conquistou muitos títulos pelo Coxa. Foi campeão estadual em 1968, 69, 71, 72, 73, 74 e 75; do Torneio do Povo, em 1973, e do o “Fita Azul”, em 72, um prêmio concedido ao Coritiba por ter concluído de forma invicta uma excursão à Europa e à África.

O ano de 1972 foi especial. O do sétimo bicampeonato da história do Coritiba, que coroou a volta de Krüger. Foi uma decisão encarniçada, com dois jogos diante do Atlético. No primeiro deles, 1 a 0, gol do ídolo. Após um cruzamento de Hélio Pires, Krüger, diante do zagueiro Alfredo Gottardi Jr., chutou, sem chance para o goleiro Picasso. A segunda peleja terminou 0 a 0 e sacramentou a conquista do Coxa. O gol do título foi, porém, de Krüger, que mereceria uma oportunidade na seleção brasileira, mas o bairrismo, o privilégio para o eixo Rio-São Paulo, prevalecia. Não tinha jeito de aquela situação mudar.

E olhe que no final de 1968, o ídolo defendeu o Coritiba contra o escrete nacional.

No gramado, Krüger enfrentou Gérson, Rivelino, Paulo César Caju, Carlos Alberto Torres e, claro, Pelé. O jogo, que terminou em um apertado 2 a 1 para os bambas da seleção nacional, foi um “bota-faixa” nos jogadores do Coxa, então campeões estaduais. O único jogador do Coritiba do lado amarelo foi o lateral-esquerdo Nilo Neves. Dirceu Krüger nunca esteve tão próximo e ao mesmo tempo tão distante de uma seleção brasileira.


Desde a trombada com o goleiro Leopoldo, o “Flecha Loira” jogava com uma cinta elástica para proteger o abdômen. Não foi fácil superar 70 dias de padecimento em um hospital. Quase morreu.

Tudo parecia mais ou menos normal até disputar uma bola durante um jogo de 1975. O adversário, involuntariamente, bateu com a mão na barriga de Krüger. “Senti uma dor horrível, semelhante a do acidente. Foi então que percebi que, desde 1970, colocava minha vida em risco cada vez que jogava ou treinava. Também os antibióticos que tomei para me recuperar acabaram prejudicando minha visão”. Em fevereiro do ano seguinte, fim de linha para Dirceu Krüger.

Parou de jogar, mas não deixou o clube, tornando-se auxiliar técnico de Jorge Vieira. A primeira vez em que assumiu para valer como treinador do Coritiba foi em novembro de 1979, quando substituiu Elba de Pádua Lima, o Tim.

Após idas e vindas no comando técnico, Krüger, em 1984, recuperou a autoestima dos jogadores e os conduziu a uma boa campanha no campeonato brasileiro, parando apenas nas quartas-de-final diante do fortíssimo Fluminense, de Assis, Romerito, Washington, Delei e Ricardo Gomes, que acabaria campeão para cima do Vasco. No ano seguinte, veio a forra. Mesmo como auxiliar de Ênio Andrade, valeu a pena para Krüger participar do grupo campeão brasileiro. Não há o que se queixar. Pesquisa dos Helênicos não deixa dúvida: Krüger, além de grande ídolo do Coritiba ao lado de Fedato, é o segundo técnico que mais vezes dirigiu times do Coritiba, ficando atrás apenas de Félix Magno.

Até hoje, dia 25 de abril de 2019, o “Flecha loira” podia ser visto no clube que aprendeu a amar desde pequenininho, graças ao seu Acácio. Naturalmente “São Acácio” para a torcida do Coritiba. Já sentimos muita saudade do maior ídolo do Coxa.

QUANDO BATI BOLA COM JOHAN CRUYFF

por Claudio Lovato


A primeira Copa do Mundo que acompanhei de fio a pavio foi a de 1974, na então Alemanha Ocidental. Eu tinha 9 anos. Cruyff foi o grande destaque e imediatamente tornou-se um herói para mim. Herói, exemplo e lenda. A camisa 14 da Seleção da Holanda jamais me saiu da cabeça. 

Em 1977, eu tinha 12 anos e meu pai estava fazendo doutorado na Espanha. Morávamos em Madri, mas meu velho, querendo dar um presente ao filho, resolveu aproveitar um intervalo nas aulas na universidade para irmos a Barcelona. 

Foi no dia seguinte à nossa chegada a Barcelona, logo de manhã cedo, que meu pai, ciente de que não haveria como estender aquela espera, me disse:

– Vamos conhecer o Camp Nou!

Dentro do táxi, eu quase não conseguia ficar sentado.

Não havia treino naquele dia; eu teria que me conformar com uma visita guiada, mas já estava ótimo. Ou quase ótimo.

Terminada a visita fomos até a lojinha do estádio e meu pai me deu uma bola com o escudo do clube. Depois resolvemos dar uma volta pelas redondezas do estádio, por conta própria. Meu pai tinha uma espécie de curiosidade inerente à sua personalidade e isso ajudou para que um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida se materializasse. 


Entra aqui, sai ali, aproveita aqui o descuido do cara na guarita de segurança, diz ali para um porteiro que somos brasileiros, e vai-se entrando e saindo e entrando de novo, até que chegamos a uma área de estacionamento, e foi então que vimos dois sujeitos saindo juntos por uma porta e se despedindo e se dirigindo a seus carros, e de repente tive a certeza de quem era o cara caminhando em direção ao carro verde escuro e não havia qualquer dúvida na minha cabeça.

Eu e meu pai caminhamos em direção a ele, devagar, mas com convicção, e foi então que ele, percebendo nossa aproximação, em vez de abrir a porta do carro voltou-se para nós, tirou os óculos escuros e falou em espanhol, com toda a calma do mundo, a voz grave, o sorriso cúmplice:

– Estão visitando o clube?

Diante do meu mutismo, meu pai respondeu:  

– Sim, somos do Brasil.

Ele caminhou em nossa direção até chegar à distância de um aperto de mãos. 

– Brasil… Tivemos um jogo duro contra vocês na última Copa! – ele disse, enfatizando cada sílaba.

Meu pai sorriu e, em seu espanhol fluente, disse:

– Vocês foram melhores.

– Jogamos do que jeito que vocês jogavam antes! – ele disse, e agora estava muito sério.

O gênio holandês, filho de uma faxineira do Ajax, clube que o lançou, então olhou para mim. 


– O que é que tem aí dentro? – perguntou, apontando para a sacola que eu carregava. 

Com as mãos trêmulas, tirei a bola de dentro da sacola.

– Vamos ver se é boa! – ele disse, enquanto caminhava de costas, até parar, dar meia volta e colocar as mãos na cintura.

Deixei a bola quicar duas vezes e a passei a ele, usando a parte interna do pé. Ele a recebeu, fez uma quantidade de embaixadas que poderia ser de dez, de cem ou de mil e passou de volta para mim. Tentei fazer alguma coisa, mas estava nervoso demais, então só mandei a bola de volta. Ele fez mais dez, cem ou mil embaixadas e meu passou a bola de novo. A sequência se repetiu mais uma vez, e então ele disse:

– Bom, preciso ir, porque se o nosso médico me vê aqui vou ter problemas.

Ele tirou os óculos escuros do bolso da camisa, fez um sinal de positivo com o polegar em nossa direção e disse:

– Tchau!

Depois entrou no carro e foi embora.

Quando meu pai conseguiu me tirar do transe em que eu me encontrava já era quase noite, e foi só no hotel, quando estávamos jantando e enquanto meu pai contava a história para minha mãe, que eu consegui voltar a falar. E tudo o que eu conseguia dizer naquela noite foi:

– Eu bati bola com o Cruyff!

E sigo repetindo isso até hoje, passado muito, muito tempo – às vezes enquanto conto para o meu filho quem foi Johan Cruyff.