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O JAZZÍSTICO FUTEBOL DE RONALDO, O IMPERADOR DO MORRÃO

por Marcelo Mendez


São várias as razões que aproximam o futebol de várzea do jazz. Afirmo isso sem pestanejar e reitero:

Assim como o futebol do campo de terra, o jazz é dentre todas as imperfeições, sem dúvida, a mais charmosa.

Nada nele é linear tampouco nada é previsível. No seu improviso mais insano, na sua métrica mais sinuosa, em suas melodias mais improváveis, decerto esta toda a beleza de séculos, paixões e bênçãos profanas. Penso nisso no trólebus que me leva para a pauta enquanto meu iPod toca “Take Five” de Dave Brubeck em meus ouvidos

Todas as vezes que ouço “Take Five” sou transportado para essas elucubrações todas e ao chegar no campo fazer o jogo entre Nacional e Unidos do Morro em São Bernardo, ainda sobre efeito da musica do grande pianista e dos solos flamejantes de Paul Desmond a acompanhá-lo, libertei meus pensamentos para um encontro transcendental imaginário:

Imaginei os solos certeiros do piano de Brubeck, junto da fúria cadenciada emitida pelos instrumentos de samba das torcidas dos times em questão; O resultado de tal parceria me pareceu algo que beiraria o estado poético de Dionísio. Um grande banquete humano regado por drinks psicodélicos, vinhos e arte, sendo contemplado por ávidos rostos colados no alambrado de um campo de várzea.

Eis então a Poesia. A arte veio quando olhei para o campo.

Em meio a todos os suores e chuteiras coloridas não poderia faltar um personagem a fechar toda essa grande ópera-bufa que era o jogo em questão. Neste momento dos primeiros 10 minutos jogados, olhei para todos, mas não consegui ver absolutamente nada que não fosse Ronaldo, o camisa 4, capitão do time do Unidos do Morro.

Não me chamava atenção pela estampa. Ronaldo não tinha uma grande altura, um peito de pombo estufado, brincos, moicanos, gel em cabelo nem nada do tipo. Não fazia caras, nem bocas, não gritava asneiras, nem perdia tempo com falácias.

Ronaldo era a personificação da classe.

Com a altivez dos grandes, o camisa 4 do time do Unidos do Morro, jogava futebol, da mesma forma que Dave Brubeck tocava jazz. Tinha uma elegância natural, uma sobriedade, uma aura elevada, daqueles que tem plena consciência da exuberância que é sua existência entre os mortais. Jogava futebol de maneira lindamente fácil.

Sem sofrer por nada, desarmava seus atacantes na bola usando para isso, nada que não fosse apenas o futebol. Não corria; Flutuava, bailava, tinha em seu jogo, passos de bailarino, caminhava pelo campo como um Fred Astaire que acabara de ouvir um samba de Monsueto, com uma leveza de um milhão de monges budistas em êxtase.

Determinado momento do jogo, me abstraí de todo o entorno ali no campo da Vila Vivaldi para apenas ver Ronaldo jogar. Nessa hora a trilha sonora que me veio a mente foi novamente Take Five e então concluí o inevitável:

Dave Brubeck dedicaria “Take Five” para Ronaldo se o visse jogar futebol na várzea.

Tenho certeza que de alguma forma, ele já deve ter feito isso…

O CANHOTINHA DE OURO – PARTE II

por Zé Roberto Padilha


De repente, o cineasta que dirige os rumos do futebol brasileiro resolveu regravar “Nasce uma estrela”. Se na telona Barbra Streisand foi substituída por Lady Gaga, e a estrela nasceu e brilhou em Hollywood do mesmo jeito, nos gramados por aqui surge no canal première um novo Gérson, o Canhotinha de Ouro, Parte II. E a bola, como nos anos 70, continuou a ser tratada com a mesma distinção e carinho. Se seu pai o batizou em homenagem ao nosso tricampeão mundial,ele foi além. Se tornou um profeta.

Quando surgiu no Fluminense, o mesmo clube que Gérson se despediu do futebol, em 1974, ele era uma grande promessa. Convocado para a seleção brasileira de base, ganhou um título mundial e foi realizar seu estágio na Europa. E conseguiu incorporar força física a uma habilidade e visão de jogo pouco comum a quem, hoje, habita aquela faixa nobre do campo. Ao contrário do Nenê, Ganso, Thiago Neves, Cícero, Douglas e Cia, hábeis canhotinhos que tratam bem a criança, Gerson tem força muscular para aparecer na área e completar as jogadas que inicia.

Gerson tem sido a bateria desta máquina jogar futebol que se tornou o Flamengo. Antes dele, Diego a mantinha ligada, porém, ora a iluminava com um voleio, ora deixava cair a voltagem por não conseguir manter seu ritmo por 90 minutos. Se sobrava categoria, faltava força da juventude que ele acrescentou ao talento de Everton Ribeiro e Arrascaeta. E estes tem abastecido, com suas genialidades, a impressionante objetividade de Bruno Henrique e Gabigol.

Neste momento, do nascimento de uma nova estrela, é importante que os cineastas que dirigem a seleção brasileira lhe estendam o tapete vermelho para que entre, triunfalmente, na Granja Comary. Tão importante seria sua premiação que seu moderno conceito de jogar futebol se espalharia pelas telinhas dos campinhos de pelada de todo o país.

E os canhotinhos hábeis que vierem a surgir, vão ficar sabendo que também precisarão marcar e finalizar cada obra de criação. Caso contrário, perderão seu brilho pelo caminho. E sairão xingando os diretores de burro quando estes interromperem suas apagadas exibições carreira afora.

UMA NOVA CASA COMO PRESENTE DE 115 ANOS

por Robson Aldir

Um clube de futebol vive de suas relações sociais, todos nós sabemos. São amizades, graus de parentescos e seriedades que são firmados ou aprofundados em torno de uma única paixão; o chamado esporte bretão. Mas no Rio de Janeiro há um caso ainda mais especial nas relações de afetividade, e isso é bom exaltar numa época em que o afeto anda um pouco em baixa no nosso cotidiano. Trata-se do América Football Club, para muitos o Mequinha, tratamento carinhoso, diga-se de passagem; e para outros tantos o Mecão, tratamento dado pelos conhecedores dos pilares do futebol brasileiro. O América desperta tanto carinho Brasil a fora que chega a comover, e isso tem um motivo bem pitoresco: ele é o pai de todos os Américas. O país tem diversos clubes de futebol com esse nome graças, claro, ao desbravador Américo Vespúcio e ao continente batizado com o nome dele. Porém, não há dúvidas, em se tratando de intituições de futebol, esses clubes, alguns bem populares como o mineiro e o de Natal, fazem homenagem ao “diabo” do Rio de Janeiro por ser o mais antigo e o mais iluminado de todos. Este verbete merece uma explicação diante da confusão geral do pensamento nacional atual. O simpático time da Rua Campos Sales, na Tijuca, tem esse apelido associado não ao antagonista do todo poderoso do céu e da terra, mas sim a traquinagem, a travessura, e a saudável molecagem de rua. Era um time de jovens travessos e os mais antigos da época diziam que eram “os garotos encapetados”. Nunca teve nada a ver com questões religiosas. Feito o esclarecimento, voltamos à crônica informando que neste texto você vai encontrar muitas vezes os subtantivos/adjetivos diabo, capeta, capetinha e enbiabrado sem qualquer conotação religiosa.

Esclarecida a relação de afetividade nacional do América, temos que aprofundar também os motivos da relação de carinho dos cariocas com este clube ante rivalidades tão acirradas na própria praça que abriga ainda grandes massas em torno de Flamengo, Botafogo, Fluminense e Vasco. O grande jornalista João Máximo defende uma tese que parece ser próxima da realidade. Ele diz que no coração acolhedor do carioca sempre coube mais de uma paixão. Algumas protagonistas, outras complementares, mas sempre paixões. O América é isso, é o complemento com total aceitação. Os corações cariocas são divididos pelo protagonismo dos quatro grandes, porém todos têm o América como complemento e sem rejeição. Na verdade, esse sentimento que une esses milhões de corações no Rio de Janeiro se revela uma gigantesca demonstração de afetividade explícita, talvez jamais vista no futebol do Brasil. O América é o grande irmão dos cariocas.


(Foto enviada por Robson Aldir)

Esse grande irmão está passando por uma profunda transformação atualmente. Aliás, é a terceira tentativa histórica de resgate. A primeira aconteceu na virada dos anos 60/70 do século passado quando o lendário estádio da rua Campos Sales foi entregue a uma contrutora para um empreendimento imobiliário. Em troca, o diabo teria recursos para a montagem de um grande time. Um acanhado estádio foi contruído no bairro do Andaraí para abrigar o time endiabrado, mas a tentativa não foi próspera. Anos depois, a direção decide ceder o espaço do Andaraí para a contrução de um shopping em troca de um novo estádio na região de Édson Passos, na Baixada Fluminense, iniciativa que também não atingiu o sucesso esperado. Agora, a famosa sede da Rua Campos Sales foi demolida para dar lugar a um moderno shopping. A promessa é de uma nova sede social no terraço deste futuro centro comercial, reforma completa do estádio Giullite Coutinho, e quitação total da dívida do clube. O Museu da Pelada, plataforma de construção da memória do futebol brasileiro, esteve no local e registrou a transformação. Com erros e acertos, com críticas ou apoios, fica sempre a torcida para que desta vez dê certo. O início das obras do shopping e da nova sede celebra o aniversário de 115 anos do “capetinha” da Tijuca. Além da celebração, fica também um alerta às autoridades públicas, aos dirigentes esportivos da Federação do Rio e da CBF, e à imprensa esportiva para que o resgate deste símbolo do futebol e da cidade aconteça com consistência. A flagrante decadência do Rio está gerando terríveis incômodos na própria população e o levante de um símbolo tão cercado de afeto pode ser o deflagrador para uma virada maior.

Finalizando, eu cito o compositor Djalma Sabiá, fundador da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro: “Se o bairro da Tijuca fosse uma nação e tivesse uma bandeira, esta teria as cores vermelha e branca por causa dos seus maiores símbolos: Tijuca Tênis Club, Salgueiro e América”.

 

O DIA EM QUE ZAGALLO FOI À LOUCURA

por Rubens Lemos


A maior atuação individual de um jogador no Rio Grande do Norte foi de Alberi, do ABC de Natal, 27 anos, contra o Flamengo, treinado por Zagallo. Alberi José Ferreira Matos nasceu no Pina, área pobre do setor praiano do Recife (PE). Começou no Santa Cruz (PB) e o ABC o trouxe em 1968, descobrindo um ilusionista da bola, um mágico provinciano de uma cidade-aldeia de pouco mais de 200 mil habitantes e de um estádio (Juvenal Lamartine), modesto e desconfortável.

Em 1972, com a construção do assassinado Estádio Castelo Branco, o Castelão, Alberi pelo ABC participou do Campeonato Brasileiro da Divisão Principal, depois de dar um tricampeonato ao alvinegro. Seria tetra. Em 1970, início da epopeia, jogou com um rapaz magro e loiro, abusado nos avanços ao ataque. Mas tarde, seria chamado de Marinho Chagas, trocado por um saco de chuteiras do Riachuelo, seu primeiro time, com o ABC. Em 1971, Marinho Chagas estava no Náutico e no ano seguinte, no Botafogo (RJ).

Alberi ficou, dando as cartas na sua Pasárgada, Manuel Bandeira em versos de chuteiras. Não era amigo, mas o próprio rei, teve as mulheres que quis, na camas que desejou. Alberi foi Bola de Prata da Revista Placar e um jogo foi marcante. No dia 04 de outubro de 1972, 32 mil pessoas assistiram uma exibição sobrenatural de Alberi, contra o Flamengo do técnico da seleção brasileira, Zagallo, do tricampeão Paulo César Caju e do rebelde argentino e artilheiro Narciso Doval.

Ponta de lança autêntico, em caça ao gol, descadeirou os volantes Liminha e Zé Mário em cortes bruscos e freadas inesperadas no gramado. “Marca a esquerda do Negão”, berrava Zagallo. Alberi desferia um torpedo de direita. “Marca a direita desse monstro”, Alberi mandava um canhão de canhota na trave do goleiro Renato, da seleção brasileira.

Atuação decisiva para que Alberi ganhasse a Bola de Prata, o Oscar do Futebol Brasileiro, superando nomes do nível de Jairzinho, Dirceu Lopes e Tostão. Recebeu proposta do Fluminense. Casa com piscina, carro, mas ficou. A raiz afetiva chamava-se Natal e o palco, o Castelão.


Aranha(Remo), Marinho Chagas(Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte(Grêmio), Leão (Palmeiras) e Piazza(Cruzeiro); Osni(Vitória), Alberi(ABC), Zé Roberto(Coritiba), Ademir da Guia(Palmeiras) e Paulo César Caju(Flamengo). Bola de Prata 1972.

Havia o tetracampeonato para vencer com Maranhão, Danilo, Libânio, Demolidor e Moraes. Havia a excursão para a Europa e África. Alberi encantou romenos e gregos. Todo de branco, o ABC cintilava como pequeno vestígio de um Santos desigual.

Alberi foi para o América em 1976. Em 1977, lá estava eu vendo-o ajudar o time rubro a conquistar o campeonato. Alberi fez um golaço em Carlos, da Ponte Preta e seleção brasileira, driblando Oscar e Polozzi, zaga que estaria na Copa da Argentina em jogo do Brasileirão. Vitória de 1×0. Rodou por vários clubes.

Seus companheiros paravam e ele resistia. Foram buscá-lo em Juazeiro do Norte (CE) para uma volta emocional ao ABC em 1981. Fez de pênalti, o gol do título do primeiro turno (1×1 com o América). Em Natal, sem blasfêmia, o Pelé é Alberi.

Pensava, criava, as companhias caíam de padrão, o fôlego diminuía. Em 1985, numa noite chuvosa e sem glória, deu adeus no túnel esquerdo do Castelão, vestindo a camisa 10 do ABC. Aos 74 anos, Alberi é um presente universal concedido ao Rio Grande do Norte.

FICHA TÉCNICA:

ABC 0x0 Flamengo

Data:04/10/1972

Árbitro: Romualdo Arppi Filho

Público pagante: 32.707

Local: Estádio Castelo Branco(Natal – RN)

ABC: Tião; Sabará, Edson, Nilson Andrade e Rildo(jogou Copa 1966); Maranhão e Danilo Menezes(dupla titular do Vasco anos 1960); Libânio, Alberi, Petinha(Everaldo) e Soares. Técnico: Célio de Souza(revelador de vários craques);

Flamengo: Renato; Moreira, Chiquinho Pastor, Tinho e Mineiro; Liminha e Zé Mário(Zanata); Vicentinho, Humberto, Doval e Paulo César Caju. Técnico: Zagallo.

A SELEÇÃO BRASILEIRA DE MASTER

por Zé Roberto Padilha


Tinha, em 1986, 34 anos. Havia disputado o estadual carioca da divisão principal pelo Bonsucesso FC e aguardava um telefonema para saber se meu joelho esquerdo, três vezes operado, meus tornozelos fraturados, uma hérnia inguinal rompida, um afundamento do malar e uma fratura do perônio resistiriam a colocar mais um clube no meu currículo.

Bruno acabara de nascer, não tinha outra profissão a seguir e o telefone parecia emudecer de vez. Nossa carreira, de 17 anos, não merecia ter um fim triste assim. Um belo dia ele tocou com ecos de bola quicando. E a Rossana, ao correr e atender, gritou da sala toda feliz: “É o Abel. Ele quer falar com você!” Jogara há dois anos com ele no Goytacaz FC e pode testemunhar que meus quatro pulmões, minhas armas principais e preservadas, poderiam aspirar ares mais dignificantes.

Abel acabara de assumir o comando do Vasco e deu a notícia dos meus sonhos: “Zé, quer vir jogar aqui?”.

Fiquei deveras emocionado. Roberto Dinamite ainda ostentava a camisa 9 e ao lado dele surgia um baixinho que iria fazer história: Romário. Deveria, pensava, fazer o quarto homem pela ponta esquerda e antes que abrisse a champanhe ouvi um tiro de misericórdia: “É que estamos iniciando aqui no Vasco o futebol master!”.

Ainda tentei segurar com a ponta dos dedos o teto que desabava sobre minha cabeça e retruquei: “Mas o Master não é acima de 35 anos?”. Daí ele atirou a última pá de cal: “É 35 anos, mas o regulamento permite dois de 34. E você foi escolhido um deles. Parabéns!”.

Foi assim que tudo acabou. Sonhara com o céu, porém, antes que aquele telefonema me atirasse direto nas profundezas a tabelar com lúcifer, procurar um boteco para secar as lágrimas, Luciano do Valle tinha criado para nós, atletas no limite da profissão, o purgatório: a Seleção Brasileira de Master. Uma oportunidade para os torcedores continuarem a ver, em câmera lenta, seus ídolos. E todos nós, atletas profissionais de futebol, nos despedir devagarinho em rede nacional, sendo respeitados, não vaiados, e tocando mais a bola do que correndo com ela. E garantindo o dinheiro da feira, da creche do Bruninho, até arrumar um outro rumo na vida.

Pena que ele, Luciano do Valle, foi embora. Porque, hoje, Fábio, Leonardo Moura, Leonardo Silva, Rodolfo e Carlinhos; Henrique, Nenê, Ganso e Thiago Neves (Cícero); Fred e Ricardo Oliveira formariam uma bela seleção brasileira de máster. Se já estivessem atuando por lá, não precisariam xingar o Oswaldo de Oliveira, muito menos formar uma panelinha para tirar do cargo o Rogério Ceni.

Sairiam de cenas deixando saudades, não dando maus exemplos aos que estão começando.