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por Rubens Lemos


A última preocupação de um moleque de 16 anos incompletos, alucinado por futebol, é financeira. Suficiente a grana do ingresso, que a minha avó subsidiava, de coração imenso e sorriso de coração, ao fazer feliz o neto inquieto e respirando campeonatos, craques e clássicos.

Em 1986, o ano foi movimentado. Em plena marcha a campanha para governador do Estado, que o oposicionista Geraldo Melo venceu, derrotando o professor João Faustino, por torturantes 14 mil votos.

Acompanhava o que traz o parágrafo acima, os telejornais, vivia paixões platônicas. Preferia o silêncio à probabilidade de um fora. Era magérrimo, o que para mim significava defeito fatal. Dedicava-me ao futebol com avidez, estudos e prognósticos petulantes.

Telê Santana convocava 29 jogadores para escolher 22 à Copa do México. Já não era o Telê de quatro anos antes, resoluto e militante do futebol-arte. Tornara-se ranzinza, seu mau humor, descontava nos jornalistas e, enfim, não conseguiu formar um time.

Peças lamentáveis como Dida do Coritiba, Mozer do Flamengo (craque no time, medroso de amarelo), Elzo, volante do Atlético (MG) Alemão do Botafogo o piadista Edivaldo, também do Galo e o intragável Casagrande do Corinthians, levado por influência do cansado Sócrates, eram sinais de que perderíamos.

No bolo, entediados, Sócrates, Oscar, Falcão, Leandro(que mandou a Copa à Pqp na hora do embarque) e os cortados por contusão, Cerezo (sempre tremendo) e o inexplicável Dirceuzinho aos 36 anos. Na vaga que seria do espetacular Mário Sérgio.

Zico, exemplar no sacrifício. Um ano antes, o perverso zagueiro Márcio Nunes do Bangu esfarelara seu joelho. Zico persistiu e conseguiu ir ao Mundial depois de golaços nos amistosos e da resistência dos predestinados.

Os 22 finais de Telê foram decepcionantes. Detesto Renato Gaúcho e a sua grosseria crônica, mas estava no auge e não poderia ter ficado fora. Jogamos com o seguinte meio-campo: Elzo, Alemão, Júnior e Sócrates. Ou seja, não critiquem Lazaroni e Parreira. Telê, a sumidade ofensiva, inaugurou o volantismo.

Em Natal, campeonato local paralisado, marcaram para 22 de junho um amistoso Vasco x Flamengo no Castelão. A rivalidade acentuada. Vasco campeão da Taça Guanabara e Flamengo líder da Taça Rio, o segundo turno.

Meu pensamento, minha vontade, minhas orações seriam para assistir ao maior clássico brasileiro (àquela época). Mais uma vez, minha avó garantiu o ingresso, tirando poucas cédulas da bolsa humilde de aposentada estadual.

No peito, a alegria de ver, ao vivo, da arquibancada, meu maior ídolo cruzmaltino, o Pequeno Príncipe Geovani, meia-armador literato, preterido pela rabugice de Telê Santana. Melhor para mim. Com ele, Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário, trio atacante digno de seleção mundial. Roberto merecia vaga na Copa.

A Copa do Mundo afunilou e, no dia 21 de junho, sábado, o Brasil pegou a França de Tiganá, Giresse e Platini, setor de criação de cientistas da bola. E nós com Elzo e Alemão. Careca jogando muita bola, por uns três ou quatro colegas, abriu 1×0. Platini empatou.

Zico entrou, meteu de curva feiticeira para Branco ser derrubado pelo goleiro Bats. Zico bate e Bats defende. Perdemos nos pênaltis e novo luto, imerecido pelas lambanças de Telê Santana.

E o Vasco x Flamengo? Me desesperei ante a hipótese de cancelamento. Confirmado. Meu primo Cláudio França , o mais doce flamenguista, falecido vinte anos depois do coração que nele era imenso, me levou. Castelão com ar assombroso de cemitério.

Os dois times entram. Para fazer uma das maiores exibições do estádio. Escolhido melhor em campo pela Rádio Cabugi e o Diário de Natal, Geovani sentou o futuro tetracampeão Jorginho em drible de corpo frente à torcida do Alecrim. Enfileirou Zinho, Andrade e Alcindo em minha homenagem, diante do Frasqueirão. Bebeto fez golaço de falta.

O Vasco empatou com Mauricinho e virou com Dinamite:2×1. Só 3.840 felizardos na plateia. Fiquei parado, olhando aqueles toques diferentes, categóricos e a pensar. Juntando Vasco e Flamengo, teríamos ido mais longe.

Máxima reverência a uma seleção com Paulo Sérgio(reserva em 1982 e no Vasco); Jorginho,Donato, Aldair, e Mazinho; Andrade, Adílio e Geovani; Bebeto, Roberto Dinamite e Romário(que passou o jogo entediado). Escolheria os 11 acima(e Zico), que não sofriam do pânico do escrete de Telê.

PS. Vasco 2×1 Flamengo – 22/06/1986 – Estádio Castelão (Machadão). Vasco: Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Heitor; Morôni, Mazinho e Geovani; Mauricinho, Roberto e Romário. Flamengo: Zé Carlos; Jorginho, Guto, Aldair e Adalberto; Andrade, Aílton e Adílio (Valtinho); Bebeto, Vinícius (Alcindo) e Zinho.

VOCÊ CONFIA NO VAR?

por Elso Venâncio


O VAR e confiável? Acha precisa essa tecnologia? Tenho lá minhas dúvidas. Ou, para ser mais claro e direto, entendo que o sistema deixa dúvidas no ar. Não é inquestionável. Muito pelo contrário.

Fiquei mais de 25 anos trabalhando como repórter no campo de jogo. Quando a bola rolava, ia para trás do gol. Na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, onde permaneci por 17 anos, o “Garotinho” José Carlos Araújo, nosso grande locutor esportivo, me posicionava, independentemente de partidas no Brasil ou no exterior, sempre no gol à direita da cabine. Vi de perto vários lances que não foram pênaltis mas que a TV indicava falta.

Junior Baiano deu um carrinho em 1997, visando e tocando só na bola, dentro da área, e não atingiu Zé Alcino, atacante do Grêmio, no Estádio Olímpico. Lance legal. Alexandre Serquiz, que coordenava a jornada esportiva, entrou no retorno dizendo que a televisão, com uma câmera lateral, mostrava a falta… Cito aqui um dos inúmeros exemplos que presenciei in loco.

Nelson Rodrigues, há mais de 50 anos, falava que o videotape era burro. O que posso afirmar sobre a dúvida, se a bola tocou na mão ou não, depende do ângulo de posicionamento da câmera. E, no fim, acaba valendo sempre a interpretação. Ridículo o locutor e o comentarista de arbitragem repetirem o óbvio. Nesse ângulo não foi. Mas nesse… hum, nesse foi…

A jornalista e ex-árbitra Renata Ruel, em seu blog, analisou cientificamente o caso. Ela entrevistou o professor Felipe Moura, do Laboratório de Biomecânica Aplicada da Universidade Federal de Londrina. A margem de erro do equipamento é de 10 cm a meio metro.

O VAR é um GPS que determina a posição do jogador. O dispositivo aciona pelo menos três satélites, para fazer a triangulação. O professor Felipe alerta que a Ciência lida frequentemente com erro de medidas. O equipamento leva em torno de um minuto para conferir um impedimento. Por isso, os lances seguem, mesmo tendo a gente notado uma irregularidade clara – o que, convenhamos, é um retrocesso.

O tema merece um debate maior… A tecnologia chegou para evitar os erros ou nos confundir ainda mais?

A cada paralisação pra checarem o vídeo, os árbitros ficam acuados, cercados pelos atletas. O jogo fica, ao contrário da Europa, irritantemente parado.

O VAR é uma ferramenta que possui limitações e, ainda por cima, é pilotada por humanos. Isso sem falar nos gigantescos interesses da CBF, dos clubes, dos patrocinadores e, o que é mais perigoso, empresas de apostas, que hoje dominam no mundo – o dinheiro mais pesado colocado no futebol.

ZICO – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

por Luis Filipe Chateaubriand


1.      O Começo

Em 03 de Março de 1953, nascia, no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro, Arthur Antunes Coimbra – que viria a ser uma das maiores personalidades da história do Brasil.

O pequeno garoto foi chamado pelos familiares, primeiro, de Arthurzinho, depois, de Arthurzico e, finalmente, de Zico, nome que marcaria sua trajetória ao longo de sua atividade profissional.

O Zico menino e, depois, adolescente – irmão dos jogadores de futebol Antunes e Edu – jogava bola pelas ruas e campos de Quintino.

Jogava bem.

Muito bem!

Tão bem que se via gente vir do outro lado de Quintino, atravessando a linha do trem, para ver o pequeno Zico jogar.

2.      A Ida ao Flamengo

O radialista Celso Garcia ouviu falar que havia, em Quintino, um menino lourinho, de 14 anos, que “comia a bola”.

Resolveu ir ver pessoalmente.

Foi a Quintino ver uma partida de futebol de salão do adolescente Zico.

Saiu de lá de “queixo caído”, maravilhado com a quantidade de gols e jogadas geniais que Zico produziu.

Imediatamente, foi à casa dos Antunes, pedir permissão para levar Zico ao Flamengo.

O velho Antunes, pai de Zico, foi reticente de início, mas acabou concordando.

O Flamengo acabava de ganhar o que viria a ser seu melhor jogador em todos os tempos!

3.      A Preparação Física


Na Gávea, todos se encantaram com a técnica do jovem Zico.

Mas havia o temor de que aquele rapaz franzino não vingasse para o futebol, muito magro e pequeno, poderia ser presa fácil de zagueiros altos, fortes e violentos.

Então, foi feito um trabalho especial de fortalecimento muscular, comandado por José Roberto Francalacci, onde Zico fazia musculação, tinha uma alimentação especial e tomava suplementos vitamínicos.

O trabalho fez Zico ganhar peso em massa muscular e, assim, se tornar um jogador mais resistente fisicamente.

4.      Os Fatídicos Anos de 1971 e 1972

O ano de 1971 não foi dos melhores para a carreira de Zico.

Promovido dos juvenis aos profissionais com 18 anos, teve que voltar aos juvenis, pois Zagallo – o novo treinador do Flamengo – argumentou que ele foi lançado nos profissionais prematuramente.

Se Zico jogasse nos profissionais desde 1971, provavelmente chegaria à Seleção Brasileira mais cedo e, quem sabe, disputaria a Copa do Mundo de 1974.

Também em 1971, disputou o Torneio Pré-Olímpico, e a Seleção Brasileira se classificou para as Olimpíadas com um gol seu.

Porém, na lista de convocados para as Olimpíadas de 1972, seu nome não constava.

Uma clara perseguição da ditadura militar à família Antunes, uma vez que seu irmão Nando militava em movimentos de esquerda.

O baque para Zico foi tão forte que ele pensou seriamente em abandonar o futebol.

Para nossa sorte, isso não aconteceu.

5.      A Seleção Brasileira


O ano de 1974 marcou a ascensão de Zico aos profissionais do Flamengo, já como titular.

O mancebo jogou tanta bola que recebeu o prêmio mais importante do futebol brasileiro, a Bola de Ouro, da Revista Placar.

Dois anos depois, em 1976, debutaria na Seleção Brasileira, em jogo contra o Uruguai, em Montevidéu, no qual marcaria um gol de falta.

Pouco depois, conquistaria o Torneio Bicentenário dos Estados Unidos.

Jogou na Seleção Brasileira até 1986 – foram 10 anos, portanto – tendo participado de escretes marcantes, como o que disputou a Copa do Mundo da Argentina, em 1978, a Copa do Mundo da Espanha, em 1982, e a Copa do Mundo do México, em 1986.

6.      A Era de Ouro

Entre 1978 e 1983, o Flamengo – liderado por Zico – ganhou títulos em profusão, de todos os jeitos, de todos os modos, de todas as maneiras.

Foram nada menos do que quatro Campeonatos Estaduais (1978, 1979, 1979 especial, 1981), três Campeonatos Brasileiros (1980, 1982, 1983), uma Copa Libertadores da América (1981) e um Mundial de Clubes (1981).

Era uma época em que o time do Flamengo era uma verdadeira Seleção Brasileira – talvez, até melhor que a própria seleção, por ter mais conjunto e ter boa estrutura tática.

Zico era o craque do time.

7.      Na Itália


Em meados de 1983, Zico é vendido para a italiana Udinese, por astronômicos (para a época) quatro milhões de dólares.

Zico não queria ir, mas era a oportunidade que o Flamengo tinha de fazer dinheiro com ele, pois teria passe livre ao final de seu contrato.

Na primeira temporada na Itália, Zico foi a sensação: gols atrás de gols, foi vice-artilheiro (perdeu para Platini, que fez mais jogos que Zico), passes, lançamentos, cobranças de faltas, cobranças de pênaltis.

Na segunda temporada na Itália, Zico, o “Galinho de Quintino”, não foi tão bem, teve problemas físicos.

Era hora de voltar para casa.

8.      De Volta

A volta de Zico ao Brasil foi comemorada em prosa e verso pela torcida rubro negra.

O ídolo à casa retornava.

Só que, infelizmente, a alegria durou muito pouco!

Depois de Zico ter disputado poucos jogos, veio a partida contra o Bangu.

E, aí, um troglodita chamado Márcio Nunes acertou o joelho de Zico!

Quanta dor, quanto sofrimento!

Foram meses de tratamento para voltar a jogar.

9.      Campeão Novamente

Após a Copa do Mundo de 1986, no México, Zico operou o joelho machucado e, em 1987, voltou a jogar – com algumas restrições, mas ainda em alto nível.

Assim é que se tornou decisivo para o título da Copa União, ainda em 1987, quando o Flamengo tinha um timaço que encantou o Brasil jogando uma bola que era de se admirar.

Esse foi o título derradeiro da carreira de Zico no Brasil.

10.  A Despedida no Brasil

Os anos de 1988 e de 1989 foram sem título no Flamengo e, então, Zico decidiu que era chegada a hora de parar.

Uma festa linda, em um Maracanã com mais de 120000 pessoas, jogadores de nível internacional, luzes encantadoras, algo ao nível do “Galinho de Quintino”.

Mal se sabia que a história não acabaria ali…


11.  No Japão

Em 1990, 1991, e 1992, Zico foi Secretário de Esportes do Governo Federal.

Depois disso, aceitou ou convite do clube japonês Sumitomo (Kashima Antlers) para voltar a jogar e popularizar o futebol no Japão.

Foi isso que fez, fazendo que o futebol se tornasse um esporte popular no Japão.

Lá, ele fez o gol que muitos consideram o mais belo de sua carreira, o “gol escorpião”, em que ele faz o movimento de um gol de bicicleta, só que com o calcanhar.

No Japão, também teve direito a uma despedida de gala, com direito a um boneco seu em tamanho gigante.

12.  Depois do Jogador de Futebol

Embora tenha relutado a princípio, tornou-se técnico de futebol, tendo treinado diversos clubes e seleções.

Ensaiou, também, uma candidatura a presidente da FIFA.

Ao momento, é Gestor de Futebol do Cashima Antlers.

Tem, também, o seu próprio clube de futebol, o CFZ.

13.  O Legado

Quando se pensa em Zico, se pensa em profissionalismo, se pensa em dedicação, se pensa em trabalho, se pensa em superação, se pensa vitória!

UM QUILO DE ALCATRA

por Claudio Lovato Filho


A carne era tudo o que ele carregava. 

O açougueiro a havia cortado em bifes grossos e colocado no saco plástico com a etiqueta que informava o peso e o preço. No caixa rápido – para “10 volumes no máximo” – ele pagou pelos 987 gramas de alcatra usando o cartão do banco em que abrira conta havia menos de um mês e saiu do supermercado.

Saiu do supermercado, mas não conseguiu sequer chegar à esquina que lhe daria acesso à avenida que ele percorreria até chegar em casa, onde a mãe – ele sabia – ficaria de queixo caído e sem saber o que dizer assim que se desse conta daquela surpresa que ele havia preparado para ela.  

Ele não chegou à esquina porque uma viatura da Polícia Militar subiu na calçada e lhe interrompeu a passagem. Ele só teve tempo de arregalar os olhos e sentir o coração disparar antes que o PM que saiu do assento do lado do motorista começasse a gritar com ele.

“Na parede! De frente pra parede!”

“Solta a sacola!”

“Mão na cabeça!”

“Abre as pernas!”

Com o nariz quase encostado ao muro da escola pela qual ele tantas vezes havia passado na vidapercebeu a aproximação, à direita, de outro PM. Esse outro tinha uma voz arranhada, grossa, e o cheiro que vinha daquela boca lembrou a ele um bicho morto.

“Onde é que você arranjou dinheiro para comprar esta carne?” 

Ele conseguiu reunir calma e coragem para responder.

“Eu ganhei. No Castanheira. Eu jogo lá”.

“Cadê a nota fiscal?”.

“Joguei fora”.

O PM que havia se aproximado primeiro começou a enfiar as mãos e mexer nos bolsos da bermuda dele,até que os forros ficassem para fora. Com brutalidade, o policial tirou um chaveiro com o escudo do clube, ao qual estavam presas duas chaves (do portão e da porta de casa). Depois puxou uma carteira de plástico. Por fim arrancou do bolso de trás o celular com o protetor de tela rachado.

Esse mesmo PM examinava lentamente o conteúdo da carteira (havia uma nota de R$ 20, uma de R$ 10 e duas de R$ 2, a carteira de identidade, o cartão do banco, um bilhete do metrô e a carteirinha do clube com a foto dele e o registro como jogador das categorias de base), enquanto o outro se mantinha com a mão na coronha da pistola automática e com um dos coturnos encostado na sacola com a carne.

Então o que tinha o bafo de esgoto disse:

“Vira”.

Ele se voltou devagar até ficar de frente para os dois policiais.

O PM que havia revistado a carteira a devolveu. Devolveu também as chaves e o celular. O outro lhe entregou a sacola do supermercado. Os dois policiais se entreolharam.

“Tranquilo. Poder ir”, disse o primeiro PM.

E o outro:

“A gente recebeu uma informação e a descrição bate com uma pessoa com a sua… com a sua… aparência. Pode ir”.

Ele ouviu – não viu, porque não conseguiu olhar;apenas ouviu, de cabeça baixa e com os olhos fixos na calçada – os dois policiais entrarem no carro e irem embora.

Foi para casa como se fosse a primeira vez que estivesse andando naquela avenida e naquela cidade.

Quando chegou e entregou a compra à mãe, ela ficou sem saber o que dizer, apenas sorriu e ficou olhando para ele, exatamente do jeito que ele imaginou que seria.

“Vou fazer com ovo pra você, meu filho”, ela disse. “E batata frita”.

Ele tentou sorrir. Tentou deixar para trás o medo, ao mesmo tempo em que – agora, sim – sentia a raiva se apresentar com toda a força.

“Agora você é jogador profissional, meu filho. Você conseguiu. Vai ganhar o seu o dinheiro, vai ficar conhecido, vai ser respeitado, porque neste país só assim para uma pessoa como nós ser respeitada”.

Pensou no enorme esforço que teria que fazer para engolir aquela carne que a mãe já estava começando a preparar na cozinha. Seria mais uma luta que teria que empreender, uma luta pequena em comparação às tantas que já havia se acostumado a enfrentar desde muito cedo, desde sempre.

Mas foi só quando olhou para o irmãozinho, que assistia TV sentado no chão e sorria para ele de um jeito que só as crianças conseguem fazer, que as lágrimas finalmente vieram, e ele teve que correr para o banheiro porque não poderia deixar que nenhum deles visse em seu rosto a amarga materialização de todo o medo e de toda a desesperança e de toda a humilhação que naquele momento ele carregava dentro de si.      

O FUTURO DA NARRAÇÃO NA TELEVISÃO BRASILEIRA

por André Luiz Pereira Nunes


A volta do Show do Esporte, na Rede Bandeirantes, foi extremamente comemorada pelos amantes do desporto. Idealizada por Luciano do Valle, a primeira edição perdurou décadas e contemplou diferentes modalidades como sinuca, vôlei, tênis, boxe e o futebol. Revivida após anos de hiato, completa um ano no ar, trazendo novidades como os campeonatos russo e alemão, a Copa Africana de Nações e o Mundial Interclubes.

Porém, o formato das transmissões de futebol, assemelhadas a um papo informal entre amigos no boteco da esquina, tem incomodado bastante os telespectadores. As reclamações têm sido inúmeras por parte dos internautas. O motivo: muita conversa fiada e pouca narração.

Foi exatamente o saudoso Luciano do Valle quem começou a inserir ex-jogadores nas veiculações esportivas. Como deu muito certo, a prática passou a ser estimulada pelos concorrentes. Lamentavelmente, no tocante à emissora dos Saad, a narração tem ficado ultimamente em segundo plano, enquanto sorteios de camisas, elogios, bajulações, apostas e muito papo furado dominam inteiramente as transmissões.

De acordo com o ex-narrador da Rádio Globo do Rio de Janeiro, Maurício Menezes, a figura do narrador em breve desaparecerá da TV brasileira. Segundo ele, tudo será tocado por ex-jogadores e ex-árbitros em um bar ou na casa de qualquer um deles. O que tiver mais jogo de cintura será o responsável por informar o gol. Aliás, diante de tanta mediocridade, talvez esse pequeno detalhe nem seja tão importante, pois quase todos em casa vêem quem está a assinalar os gols.


Jornalista Rafael Rezende deixa função de comentarista do SporTV (Fogão Net)

É importante frisar que o comentarista de rádio ou TV não deveria se pronunciar tantas vezes durante as transmissões. A importância da sua presença não é devida ao seu número de participações, mas pela capacidade de leitura de jogo. O poder de realizar uma análise tática é a síntese da função. A fala só deveria ser repetida quando enxergasse algo diferente que mudou ou que poderá mudar o panorama da partida.

O número cada vez mais crescente de ex-jogadores nas atrações esportivas pode ter estimulado a demissão do competente comentarista Rafael Rezende, do SporTV. Após 16 anos de casa, o jornalista se tornou responsável pela análise de jogadores no mercado para o Botafogo. Provavelmente ele enxergou um futuro promissor nessa carreira, percebendo que a chance de crescer na televisão não seria muito grande, haja vista que os boleiros dominam cada vez mais as atrações esportivas.


João Saldanha assiste ao jogo (Acervo O Globo)

Atualmente os comentaristas anseiam por falar a todo momento durante as transmissões. Não raro, repetem o que já foi dito anteriormente. Sobre isso, vale recordar o inesquecível João Saldanha, no intervalo de um Uruguai e Brasil, em Montevidéu, em que o escrete canarinho aumentou o placar ao fim do primeiro tempo, abrindo uma diferença de dois gols. O João sem Medo abriu a sua fala dizendo o seguinte:

– MEUS AMIGOS, COMEMOS ELES! Com essa frase, Saldanha definiu tudo.