Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Geral

A PUREZA EM PESSOA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Talvez não interesse a ninguém o meu choro, mas choro a cada morte anunciada na tevê. O mundo mascarado, políticos roubando respiradores, estádios vazios e o vírus devastando famílias. Outro dia soube que um senhor do andar de baixo estava contaminado por esse vírus maldito. Claro que quando esses casos atingem pessoas mais próximas, vizinhos e familiares ficamos mais assombrados ainda. É sinal que ele existe mesmo e nos aniquila, esfrega na nossa cara o quão somos frágeis. O futebol não me serve mais como distração e fico zapeando até encontrar algo que me anestesie. Olha o Wilson Simonal! Um showman! Olha que apresentação com a diva Sarah Vaughan!! Simonal foi um artista fora de série, se nascesse nos Estados Unidos seria um astro de Hollywood, da Broadway, mas aqui foi só mais um morto pelo vírus, não o Corona, mas o da injustiça e maldade.

Mudei de canal e parei em uma apresentação dos festivais da canção, que fizeram sucesso nas décadas de 60 e 70. O cantor Sergio Ricardo, que nos deixou há alguns dias, estava prestes a se apresentar. Ia cantar “Beto Bom de Bola”, mas já no anúncio a platéia caiu na vaia. Chorei porque fui muito vaiado em minha carreira. E não foi pouco. Mas ele perdeu a paciência e quebrou o violão. A platéia estava tomada pelo vírus da falta de respeito e educação. Os vírus sempre nos rondaram, alguns matam, outros nos envergonham, nos corroem aos poucos. Quero dormir, mas tenho medo dos pesadelos. Acordado tento controlá-los. Nos meus tempos de doidão já teria cheirado várias carreiras e entornado duas garrafas de champanhe. Mas, hoje, encaro todos os vírus de frente, estou puro há 20 anos. Nada me abala, mas choro,  tenho chorado muito.

O jornalista Pedro Mota Gueiros me definiu como agridoce, um doce reclamão. Sou amigo de muitos jornalistas e discordo do pensamento de grande parte dos que habitam as mesas redondas atuais. Mas é apenas uma questão de ”gosto futebolístico”, assim como não aprovo a escola gaúcha e muitos deles a reverenciam. Prefiro Telê mesmo perdendo duas Copas a Felipão ganhando uma. Da mesma forma que muitos não gostavam do meu futebol. E por falar em mesa redonda, mudo de canal e me deparo com o anúncio da morte inaceitável do jornalista Rodrigo Rodrigues. Há tempos venho evitando os programas esportivos, mas quando ele estava apresentando eu sempre dava uma paradinha e acabava ficando porque ele carregava uma pureza, um ar juvenil, raro nos dias de hoje.

Era como se discutisse futebol em uma roda de amigos da faculdade. Não era um especialista, um sabe tudo ou um desses que buscam audiência a qualquer preço. Era um menino, não sei a idade, mas era um menino, sim. Misturava música com futebol e isso fazia toda a diferença. Por isso, admiro tanto o jornalista João Carlos Albuquerque, um Canalha agridoce, que enxerga o futebol como uma bela canção. Futebol é suingue, dança, balé. Desliguei a tevê e fui caminhar na praia, chorar mais um bocado. No banco do calçadão, um jovem tocava violão, uma afinação de aliviar a alma. Seria um violonista imaginário? Talvez. Sentei-me a seu lado. O músico parecia Rodrigo, talvez fosse. Me senti protegido, amparado e, juntos, miramos o mar por horas e horas.

O DIA EM QUE MARADONA E PLATINI JOGARAM NO MESMO TIME

por Bruno Sentone


Platini e Maradona lado a lado em raro registro vestindo o mesmo uniforme.

Não é nenhuma novidade que Maradona e Platini já jogaram juntos. Porém, sempre como rivais, cada qual vestindo uma camisa diferente. Mas você sabia que os craques também já atuaram pela mesma equipe?

O ano era 1987. A Argentina era a atual seleção campeã do mundo (1986) – de uma Copa marcada pela partida contra a Inglaterra e, principalmente, por “la mano de Dios”. O ótimo desempenho de Diego Maradona na competição o fez ser eleito como melhor jogador daquele ano*. Na Itália, o Napoli vivia seu auge até então. O clube conquistou seu primeiro campeonato italiano da série A e, poucos dias depois, venceu a copa da Itália. Todas dúvidas e/ou críticas que ainda podiam haver acerca do Maradona – ao menos, dentro de campo – deixaram de existir.

Enquanto isso, na Juventus, Michel Platini encerrava sua carreira, ainda em alta, com apenas 32 anos. Apesar da idade, aparentemente, precoce para pendurar as chuteiras, o francês já era o melhor jogador do mundo por três anos consecutivos (1983, 84 e 85) e ostentava uma coleção invejável de títulos e mais prêmios individuais.


Platini e Maradona já tinham se enfrentado outras vezes antes. Era um confronto parecido com o de Cristiano Ronaldo x Lionel Messi. No entanto, da década de 80, quando Juventus x Napoli era o grande jogo da Europa.

Não muito distante dali, a Football League (resumidamente, como o sistema de futebol inglês era chamado até 1992) estava prestes a completar 100 anos de existência (1988). E, para comemorar seu centenário, a entidade anunciou uma série de eventos, que começaram a ser realizados ainda em 1987. A celebração, de modo geral, foi um verdadeiro fiasco. Não foi bem planejada, nem cativou o público, tanto que, logo, caiu no esquecimento, como se nunca tivesse acontecido. Porém, um evento em específico foi, relativamente, um sucesso, se comparado aos demais.

No dia 08 de Agosto de 1987, o Wembley atraiu mais de 60 mil torcedores para presenciar uma partida excepcional, intitulada “Football League XI x Resto do Mundo XI”. Ou seja, entre os melhores jogadores atuando na Inglaterra e – como o próprio nome sugere – do restante do futebol mundial. A quantidade de espectadores só não foi ainda maior pois o jogo também foi televisionado.

O técnico da seleção inglesa daquela época, Sir Bobby Robson, ficou encarregado de convocar quem jogaria pelo Football League XI e – pelo lado do Resto do Mundo XI – a responsabilidade ficou por conta do, então, treinador do Barcelona, Terence Venables.

Ao contrário do que se vê hoje em dia, o campeonato inglês da década de 80 não possuía tantos atletas estrangeiros. O elenco formado por Bobby serve de exemplo: continha apenas um único jogador que não era britânico ou irlandês.

A tarefa foi um pouco mais complicada para Terry. Afinal, suas opções de jogadores para organizar uma equipe com somente 11 estrelas eram inúmeras, abrangiam os seis continentes, e nem todos aceitavam o convite do técnico e do órgão inglês. Van Basten e Ruud Gullit foram alguns dos nomes que se recusaram a participar da atração.

Apesar disso, o evento contou com o recém-aposentado Michel Platini – que faria sua primeira e única partida no estádio de Wembley – e com Diego Maradona, convencido a comparecer após receber, antecipadamente, 100 mil libras por sua presença.

Dessa forma, as escalações de ambos técnicos ficaram assim:

Football League XI – Peter Shilton, Kenny Sansom, Richard Gough, Paul McGrath, Bryan Robson, Chris Waddle, Neil Webb, Peter Beardsley, Liam Brady, Clive Allen e John McClelland;


Convidado de honra, Pelé conversa com Platini, enquanto Maradona escuta atentamente.

Resto do Mundo XI – Rinat Dasayev, Glenn Hysén, Thomas Berthold, Salvatore Bagni, Julio Alberto Moreno, Diego Maradona, Celso Gavião (brasileiro | Porto-PT), Paulo Futre, Josimar Higino Pereira (brasileiro | Botafogo-BR), Gary Lineker e Michel Platini.

Antes da bola, finalmente, rolar, outro episódio – não menos emblemático – marcou a cerimônia de abertura: o convidado de honra Pelé participou da entrada das duas equipes e cumprimentou cada jogador individualmente. Ao fim, deixou o campo por um corredor formado pelos maiores craques mundiais do momento, sob os aplausos de todos presentes naquela tarde cinzenta em Wembley.

Apesar da atmosfera bastante descontraída, havia uma enorme preocupação girando em torno de como Maradona seria recebido em Londres. A organização do evento solicitou, previamente, aos torcedores que respeitassem o argentino, com receio de que o pior pudesse acontecer. E não ocorreu. Mas o pedido também pareceu ter sido ignorado. Desde que pisou no gramado, Maradona foi vaiado em cada participação, fosse sendo apresentado ou mesmo tocando na bola. Independentemente disto, Diego começou o jogo, nitidamente, indisposto. No entanto, não demorou muito para que, logo, mostrasse porque já era considerado o melhor do mundo.

Platini, por sua vez, foi ovacionado assim que entrou em campo e aproveitou cada minuto da partida, desde o apito inicial. Era sua única exibição em Wembley, então, o francês fez questão de se divertir e encantou a todos com sua alegria nos pés.

Enquanto o Resto do Mundo XI levava a partida na esportiva, como o amistoso que, de fato, era, a Football League XI jogava – com o apoio da torcida – para ganhar. Esta condição deu a vitória ao time anfitrião por 3×0. Confira os gols:

*em 1986 e 87, Maradona foi eleito – pela revista francesa Onze Mondial – como melhor jogador do mundo, ganhando, assim, o Onze d’Or (Onze de Ouro). Até 1995, a Bola de Ouro ainda era restrita exclusivamente aos atletas europeus e o prêmio da FIFA seria criado somente mais tarde, em 1991.

STAY WITH US

Por Israel Cayo Campos


Na terça perdemos o nosso querido amigo que não conhecíamos Rodrigo Rodrigues vítima dessa pandemia que assola o planeta. Um moleque ainda no auge dos seus 45 anos! Com o futuro inteiro pela frente! Um cara alegre, inteligente, versátil, talentoso… São inúmeros os adjetivos positivos em que o poderia o classificar.

É estranho, e ao mesmo tempo normal, nessa era da comunicação, sentir o luto que me atravessa mesmo sem sequer o ter conhecido. Ou ele sequer saber ter tido ideia de minha existência. Contudo, o sentimento de tristeza em nada muda dentro daqueles que já estavam acostumados ao Rodrigo na TV, redes sociais e nos seus shows.

Em um de seus últimos vídeos tocando com sua banda, os Soudtrackers, – Um projeto que reunia além da música, trilhas famosas de cinema e cultura pop – RR, como era mais conhecido, gravou a famosa música Stand by me, de Ben E. King, que diz como título e refrão, “Fique comigo”. A gravação toda feita em casa, era uma forma de incentivar o público a não sair de seus lares diante do problema mundial o qual estamos passando. Como gostaria que você continuasse conosco RR, stay with us…

Mas como a vida prega peças, o ótimo apresentador, repórter, músico e também escritor (quem não leu o livro dele, “London London”, não sabe o que tá perdendo!), teve na mesma famigerada doença que Rodrigo se disponibilizou por meio de seu talento musical tentar combater conscientizando as pessoas, o motivo pelo qual ele não está mais aqui…

RR começou sua carreira na Rede Vida, e logo seguiu para a TV cultura, onde fez vários programas de jornalismo a cultura pop, também acumulando nesse ínterim de 2001 a 2010, passagens por Band e SBT. Uma das brincadeiras que ele levava na boa era quando seus amigos, em especial o Alê Oliveira, dizia que ele já havia passado por todos os veículos de comunicação do Brasil, de escrita, rádio e televisão aberta e fechada. Pode até ser, mas não era pela falta de talento que ele não permanecia por muito tempo nesses meios de informação, disso não tenho dúvidas!

Em 2011, chegou a ESPN, onde segundo o próprio, foi transformado num jornalista esportivo! Mesmo o futebol sendo algo recorrente desde sua infância. Flamenguista apaixonado, era “Deus no céu e Zico na Terra” para o RR. Fico feliz de em seu último ano de vida, o Rodrigo ter tido tantas alegrias com seu clube do coração!

Mesmo nunca deixando a música e a cultura em geral de lado, Rodrigo apresentou diversos programas da emissora e foi o primeiro apresentador do ótimo programa “Resenha”, o qual seu bom humor dava um toque de qualidade que após a sua saída faltou e falta até hoje ao programa!

Sabe-se lá, e nem interessa o motivo, Rodrigo saiu da ESPN, foi fazer programas sobre música na TV Gazeta, mas logo retornaria ao futebol, ao ser contratado pelo Esporte Interativo. Passou a apresentar o programa “De Placa” do canal, com um bom humor e carisma ainda mais apurados que em trabalhos anteriores. Mesmo com o fim do canal, ele ainda continuou a apresentar o programa pela internet.


Há um pouco mais de um ano, ele fora contratado pela TV Globo para apresentar diversos programas esportivos, entre eles o “Globo Esporte” e “Troca de Passes”. Quem não gostaria de trabalhar no maior veículo de comunicação do país? Em teoria estar no auge de sua carreira? Para o Rodrigo parecia a mesma coisa de quando fazia seus programas de início de carreira.

A capacidade de agregar os colegas, e de se relacionar com eles como se os conhecesse a décadas era uma das marcas do RR. Não tem uma empresa pela qual passou por onde deixara desafetos. De onde não seja querido mesmo por quem decidiu por sua saída! Em suas lives na pandemia, ele sabia como levar uma entrevista com alguém bem humorado a pessoas que levam o conteúdo futebol mais a sério. Incrível a sua capacidade de se adaptar! Não à toa em tão pouco tempo o RR já se demonstrou um cara diferenciado no meio da imprensa esportiva. Talvez as melhores palavras para defini-lo tenham sido do seu colega de emissora André Rizek: “Tente não gostar do Rodrigo Rodrigues e falhe miseravelmente”.

Agora não teremos mais as tiradas engraçadas, o bom humor inofensivo, a leveza de alguém que sabia meio que por osmose, como deveria fazer o seu trabalho, e como se adaptar as diferentes linhas e pensamentos existentes nas mesas redondas do futebol brasileiro! A família e amigos presenciais do Rodrigo, minhas sinceras condolências de um amigo que ele nunca conheceu, mas que também sente o luto de uma perda tão irreparável para o mundo. Pois precisamos nesse planeta de mais pessoas com a capacidade de ser humano igual ao Rodrigo!

Vá em paz RR, vamos sentir saudades!

DE QUE SÃO FEITOS OS ÍDOLOS?

por Paulo Roberto Melo


Créditos: Ronaldo Theobald

Segundo o Houaiss, ídolo é pessoa ou coisa intensamente admirada, que é objeto de veneração. O mesmo autor, em seu dicionário, diz ainda que, na tradição judaico-cristã, ídolo é um indivíduo real, uma imagem representativa de uma entidade fantástica, ou a própria entidade, considerados, de maneira equivocada e herética, portadores de atributos divinos – a quem, Dona Cotinha ensinava no catecismo da Paróquia Santo Afonso, na Tijuca, não se deve cultuar, pois divino e perfeito só Deus. Sendo assim, eu, pecador, me confesso: sim, em garoto, eu clamava pelo socorro do meu ídolo, Roberto Dinamite, nas terríveis batalhas travadas na grande área, pela sua bomba milagrosa e indefensável que, a qualquer instante, viria nos redimir.

Bem, é isso. Como acredito que ficou bem claro, no futebol, o meu ídolo sempre foi o Roberto Dinamite. Admirava nele a enorme capacidade que tinha para fazer gols de todas as formas: de cabeça, com ambos os pés, de falta, de pênalti. Seus mais de setecentos gols na carreira falam mais do que minhas pobres palavras.

Considerava admirável nele o fato de muitas vezes fazer, dois, três gols em uma partida. Quando fez cinco gols no Corínthians de Sócrates, Caçapava, Jairo e outros, foi memorável! Mesmo quando o time do Vasco não era bom, era só lançar ou cruzar uma bola para o Roberto, que nascia uma real chance de gol. Em uma época, suas cobranças de faltas eram tão mortais, que me lembro de estar na geral do Maracanã e correr para trás do gol, como nos pênaltis, tal era a certeza de que a bola iria na rede.

Além de tudo isso, admirava no Roberto a sua humildade. Seu constrangimento diante de um microfone ou de uma câmera, dava uma sensação de estar vendo uma boa pessoa, de origem humilde, que havia lutado para estar naquela condição em que se encontrava. Enfim, tudo isso fazia parte da minha admiração.

No dia 8 de maio de 1983, um domingo, eu e a nossa imensa torcida bem feliz, precisávamos mais do que nunca do nosso ídolo. Pelas quartas de final do campeonato brasileiro daquele ano, Vasco e Flamengo disputavam a passagem para a semifinal em dois jogos. O Fla havia vencido o primeiro jogo por 2×1 e naquele dia, jogava o segundo jogo, por um empate ou uma derrota por um gol para se classificar, graças a melhor campanha que possuía. O Vasco para se classificar, precisava ganhar por uma diferença de dois gols.

Meu pai e eu estávamos no Maracanã. O Flamengo ainda contava com a geração mais vencedora de sua história, que, em três anos conquistou três campeonatos brasileiros, uma Taça Libertadores da América e um Mundial de clubes, além de um punhado de estaduais. O Vasco havia se reforçado para esse campeonato. Trouxera Edevaldo (cria do Fluminense, que estava no Internacional), Daniel Gonzalez (do Corínthians), Elói (do América) e contava, claro, com ele, Roberto Dinamite, a explosão do gol.

Jogo disputado, 121 mil pagantes no estádio, um clima de tensão percorria todo o anel da arquibancada, avançava pelas cadeiras azuis e transbordava da geral. No final do primeiro tempo, o Vasco fez 1×0, com Elói. O segundo tempo foi terrível! O Vasco precisava se lançar ao ataque, para fazer o segundo gol, que nos daria a classificação, mas não podia se descuidar. Afinal, era necessária atenção redobrada com Zico, Adílio, Júnior e Baltazar.


Quando tudo parecia se encaminhar para a magra e insuficiente vitória do Vasco, Adílio escapou pela direita e cruzou para Zico tocar para o gol vazio, aos 44 minutos e 40 segundos. Festa na arquibancada do lado do Flamengo e tristeza do lado do Vasco. Enquanto alguns jogadores do Flamengo festejavam o gol do Zico, Andrade prendeu a bola entre os pés, no intuito de retardar o reinício do jogo. Roberto Dinamite, nervoso e esgotado por causa da difícil partida, chutou a bola e os pés do craque rubro negro, sendo imediatamente expulso pelo árbitro Valquir Pimentel.

Foi difícil tirar o Dinamite de campo. Repórteres, policiais, jogadores reservas, comissões técnicas e os intrometidos de plantão invadiram o campo, e a confusão foi geral. Quando enfim retiraram a multidão e o prórpio Roberto saiu de campo, o jogo foi reiniciado. Muitos torcedores do Vasco já haviam deixado o estádio após o gol do Flamengo, mas meu pai e eu havíamos permanecido. Um dos ensinamentos que aprendi com ele foi o de não sair de um estádio antes do apito final de um jogo. Esse ensinamento me proporcionou ver empates e vitórias que pareciam impossíveis.

Naquele dia, não sair antes do apito final, me proporcionou outro ensinamento. Nos acréscimos do jogo, sai do túnel do Vasco um Roberto Dinamite diferente: furioso, sem camisa e sem as chuteiras, só de calção e meiões, invadindo o gramado para agredir o árbitro. Meu pai, eu e a torcida que estava no Maracanã, ficamos de pé, atônitos com aquela cena.

Alguns jogadores do Vasco tentaram segurar o Roberto, sem sucesso. Foi então que, como se estivéssemos num imenso teatro, outra cena aconteceu diante dos nossos olhos: Zico agarrado na cintura e Júnior nas pernas do Dinamite impedindo-o de uma agressão que prejudicaria sua carreira. Não era mais Vasco x Flamengo. Eram companheiros de profissão, eram amigos que a rivalidade não separou.

Enfim conseguiram levar o Roberto de volta para o vestiário, e a partida chegou ao fim. Meu pai e eu voltamos para casa, e a vida seguiu. O Flamengo conquistou seu terceiro título brasileiro, batendo o Santos por 3×0 em um Maracanã abarrotado. Mais tarde, li na revista Placar que, na semana do jogo decisivo contra o Flamengo, Roberto Dinamite tinha recebido o diagnóstico da doença que, um ano depois mataria sua então esposa, Jurema.

Meu ídolo no futebol foi e ainda é o Roberto Dinamite. Um versículo da Bíblia diz que “os ídolos são feitos de ouro, prata, bronze, pedra e madeira.” (Ap 9,20) Naquele domingo de maio de 1983, em um Vasco x Flamengo, com o Maracanã cheio, meu ídolo era de carne, osso, sentimentos e emoções, assim como eu.

OBRIGADO, RR!

por Marcos Eduardo Neves


Morreu meu amigo Rodrigo Rodrigues. Só nessa hora alguns cegos conseguem ver. Só nessa hora o barulho silencia. Só nessa hora o calor congela por dentro.

Há meses que nos trancamos, mudamos a rotina, falamos sem parar palavras que mal faziam parte do nosso vocabulário. Isolamento, por exemplo. Isolar era chutar longe do gol, jargão de futebol. Quarentena me remetia à política ou retiro obrigatório após deixar certos cargos públicos. Corona, marca de cerveja ou sobrenome de ex-galã dos anos 80. Até mesmo vírus só me atemorava caso estivesse no computador.

Vivíamos algo etéreo, que parecia existir mas não tínhamos prova cabal. Tipo a hora que soube que ia ser pai. A mãe sentindo na barriga, no mínimo estado líquido para ela, mas apenas gasoso para mim. Só se torna sólido quando nasce.

Ou morre. Rodrigo pegou o covid, mas quantos não contraíram essa peste ao longo dos últimos 100 ou 120 dias? Girávamos em torno de números: morreram 800, mil ou quase 2000 no dia tal. Números, nada mais do que números. Poucos tinham nome. Poucos tinham vida. Até bater na porta de casa, como agora.


Morreu Rodrigo Rodrigues. De todas as perdas, a mais próxima que tive. Meu filho e minha mulher são testemunhas do quanto me excitei quando ele confirmou participação na minha live, em maio. Menos por falarmos de jornalismo, futebol e música, paixões em comum, mais por, no meio de uma pandemia, me embebedar por uma horinha da sua alegria, seu bom humor, seu alto astral.

Morre Rodrigo Rodrigues e agora, sim, devido à proximidade, o que eram frios números ganham carne, osso e alma. Agora os ímpios vão crer. Ainda que nem todos.

Parece que alguém o visitou em casa, visto que decidimos por conta própria afrouxar as medidas de isolamento. Nisso deu-se a fatalidade da transmissão. O que me prova, por exemplo, o erro de se voltar partidas de futebol agora, mesmo sem público. Ele foi contaminado em casa? Podia ter sido no estádio, a trabalho. No corredor da sala de imprensa, no estacionamento do Maracanã ou no gramado, como nessa foto de uma das últimas vezes que nos vimos.

Morre alegria em meio à tanta melancolia. Perde sabor o jornalismo cultural e esportivo. O único ganho é de saudades.

Que tenhas tido paz na sua passagem. A mesma paz que nos atingia em cheio a cada encontro e germinava frutos de sorriso na gente. Transformando a aura de qualquer ambiente numa bem-sucedida trilha de clássicos imortais do cinema.