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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DELEY

por Marcos Vinicius Cabral


Na noite de 11 de dezembro de 1983, com o testemunho de 83 mil pessoas, Wanderley Alves de Oliveira, o Deley, filho de Seu Sebastião, um metalúrgico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, mostrou que era mais do que um ‘operário’ da bola. 

Não que isso fosse um demérito.

Mas, depois de fazer parte do ‘timinho’ do Fluminense, campeão Carioca de 1980, o ‘operário’ Deley virou um dos protagonistas do escrete tricolor que conquistou o tri carioca de 83, 84 e 85, além do Campeonato Brasileiro de 1984.

As imagens do lance que originou o gol de Assis, aos 45 minutos do segundo tempo daquele Fla x Flu de 83 estão eternizadas nas retinas de todos os tricolores, vivos ou mortos.

Apesar de naquela noite, Assis ter se consagrado e dado o primeiro passo para se transformar no ‘carrasco’ do rubro negro, foi o ‘operário’ Deley que consolidou seu ‘reinado’ nas Laranjeiras.

E conta a história, que tudo podia ter sido diferente.

Com 12 anos, Deley treinava na escolinha da CSN, quando Jaime Valente, professor de uma universidade de Volta Redonda, levou Deley e outros quatros meninos para treinarem no Flamengo.

Oficialmente não se sabe porque Deley não ficou.

Mas os deuses do futebol explicam.

É que, quatro anos depois, em 1976, a ‘Máquina’ do Fluminense com Gil, Carlos Alberto Pintinho, Rivelino e Paulo Cezar Caju, entre outros, foi à Cidade do Aço enfrentar o Volta Redonda.

Na preliminar, se enfrentaram Barra Mansa e Comercial, pelo Campeonato Amador do estado do Rio, e Deley, então com 16 anos, com a camisa do Barra Mansa, encantou os craques da ‘Máquina’, que o indicaram para o dirigentes tricolores como um discípulo de Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’.

Conciliando o futebol com os estudos, Deley começou a aparecer para a torcida tricolor no ‘timinho’ do Fluminense de 1980 que desbancou Flamengo, Botafogo e Vasco, com quem decidiu o título e se tornou campeão Carioca.

Nessas coincidências que o mundo da bola proporciona, em dezembro daquele ano ‘nascia’ o ídolo Deley e morria outro, o escritor Nelson Rodrigues, não sem antes presenciar o inesquecível camisa 8 conquistar o título estadual.

Na série Vozes da Bola, que comemora o Dia Nacional do Futebol, o Museu da Pelada traz um pouco da história do nosso quarto personagem, craque inesquecível, que além do Tricolor jogou pelo Palmeiras, Botafogo, Volta Redonda e times de Portugal.

Deley, quando você decidiu que ia ser jogador de futebol?

Meu pai era funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), aqui em volta Redonda. Começou como servente, mas sabia que para ascender na empresa e poder dar mais conforto a família teria que estudar. Eu tenho um irmão com paralisia infantil e meu pai fez cursos, se formou em Contabilidade, e foi promovido a chefe de seção. E como a maioria de filhos de operários, naquela época a gente se enxergava seguindo a trajetória do pai. Eu já me enxergava como alguém que ia trabalhar na CSN.

E o que houve para mudar seu destino?

Eu, como filho de funcionário, treinava no campo da CSN, na escolinha do professor Irlei, e o Jaime Valente, que era professor de uma universidade de Volta Redonda, selecionou eu e mais quatro garotos para participar de um treino na Gávea, no Rio. Foi minha primeira viagem ao Rio e assisti Zico e Geraldo treinando. Minhas pernas tremeram para burro. Isso foi em 1972, e continuei atuando em times amadores de Volta Redonda. Até que em 1976, quatro anos depois, o Fluminense de Pintinho, Gil, Rivellino e Paulo Cezar Caju, a ‘Máquina Tricolor’, veio enfrentar o Volta Redonda aqui e eu joguei na preliminar entre Barra Mansa e Comercial. Foi uma noite inesquecível. Eles me viram jogar e me indicaram para o técnico. Chegando nas Laranjeiras, tive a oportunidade de ser treinado pelo Pinheiro, que me ajudou muito.

Então, aos 12 anos você treinou na Gávea, e se encantou com Zico e Geraldo. Anos depois, em 1980, no seu primeiro Fla-Flu, e nos seguintes da década de 80, você participou de jogos memoráveis. Enfrentar o Flamengo era especial?

Sem dúvida. Na verdade, no meu primeiro Fla-Flu, em 1980, entrei no lugar do zagueiro Tadeu. Naquele ano eu havia sido efetivado pelo Nelsinho, porque o Pintinho havia ido para o Vasco. E moleque novo, entrando naquela onda de que o Zico ‘pipocava’, uma tremenda imbecilidade. Mas foi bem feito, porque acabei tendo a resposta do que deve ser o futebol. Tomei um chapéu com mais de 100 mil pessoas assistindo, mas depois me recuperei, pois aquilo me irritou e me incentivou a apenas jogar bola. Joguei outros Fla-Flus naquela década. Em 1985, quando fomos campeões no final, antes teve aquele jogo do gol do Leandro. Ali não era questão de marcar ou não. Foi uma escolha que eu fiz. Num rebote de uma bola alçada na área, a segunda bola sempre era minha e quando percebi que era o Leandro, jogador habilidoso, eu imaginei que ele fosse tentar me driblar. Naquele lance, eu lembro que já havia olhado para o placar do Maracanã e minha ideia era, sei lá, dar um abraço nele e o jogo terminaria. Quando ele ameaçou chutar (o gramado do Maracanã não era tão bom naquela época), eu nunca imaginei que ele fosse acertar aquele chute. Foi doído. Fui dormir às 4h da manhã, mas no final deu tudo certo e a gente conseguiu ser tricampeão.

Diz o ditado popular que “a primeira vez a gente nunca esquece”. Você também não deve esquecer o título do Campeonato Carioca de 1980. Quais suas lembranças daquela conquista?

A minha lembrança é o Zagallo indo para o Vasco. A gente começando a treinar e se preparar para aquele Campeonato Carioca. O Fluminense era o ‘patinho feio’ do Rio. A primeira força era aquela equipe espetacular do Flamengo; a segunda era o Vasco e a terceira o Botafogo. Mas, o Nelsinho chegou e teve a entrada do Cláudio Adão, o Gilberto cresceu enormemente dentro do campeonato, e isso foi importante para a gente. O time era basicamente de jogadores formados dentro do Fluminense, com exceções do Gilberto e do Adão; e como era a primeira vez, a gente nunca esqueceu. Está guardado na memória e para o resto da vida.

Os tricolores até hoje não esquecem o seu passe magistral para Assis no Fla-Flu que decidiu o campeonato estadual de 1983. Quais as recordações daquele jogo?

Por causa daquele gol, até hoje sou parado nas ruas. Eu brincava muito com o Assis sobre isso e ele foi um dos poucos amigos que fiz no futebol. Dá para contar nos dedos os que tive. Eu o zoava, dizendo: “Assis, avisa lá que 80% do gol foi meu” (risos). Mas realmente foi um momento fantástico e a lembrança que eu tenho é a minha preocupação da torcida invadir o campo para abraçar o Assis. Mas quando ela (a torcida) invadiu, alguns foram abraçá-lo e outros me abraçaram. E tiraram uma foto minha sentado no momento que eu vi o (árbitro) Arnaldo indo embora. Eu estava preocupado com a saída de bola e ali, sentei. Ia ser entrevistado pelo Raul Quadros e disse que aquilo ali “havia sido escrito há seis mil anos atrás”, que me veio à cabeça, essa profecia do Nelson Rodrigues.

Quem é o maior ídolo do Fluminense, na sua opinião?

Acho que o maior ídolo do Fluminense é o Castilho, por toda sua trajetória, sua história. Evidentemente, o clube tem vários ídolos, mas ninguém teve uma identificação tão forte como ele e não vejo outro maior.

Podemos dizer que o time tricampeão Estadual e Brasileiro em 84 era uma outra ‘Máquina Tricolor’, como foi o time de Rivellino e Cia.?

Eu, particularmente, acho que a ‘Máquina’ só tinha ‘artistas’. Não que o time da minha época não tivesse, tanto que vários jogadores chegaram à Seleção, mas realmente a ‘Máquina’ deveria ter tido um resultado melhor em termos nacionais. Até porque, aquele time era uma verdadeira Seleção Brasileira. Era uma coisa tipo, como ir numa peça de teatro. Já o time em que joguei não. Era mais pragmático, com um outro tipo de jogo e que teve seus méritos, e era fantástico vê-lo jogar, também.

Pelo tricolor, você conquistou os Estaduais de 83, 84, 85, além do Campeonato Brasileiro de 84. Como foi fazer parte daquele grupo vitorioso?

Foi um momento mágico. Acho que talvez tenha sido o maior momento da minha carreira, já que era o único remanescente de 80. Nesse time tinha o Paulo Vitor e o Aldo, que haviam chegado depois, e eu era a cria mais antiga do Fluminense, onde cheguei em 76. Então, foi o momento único de uma equipe, grande equipe melhor dizendo, que era muito difícil perder, e aqueles campeonatos foram conquistas importantíssimas. Foi o meu melhor período jogando futebol.

Após se sagrar campeão Brasileiro de 1984, você, Jandir, Assis e Tato, seus companheiros de Fluminense, vestiram a camisa da Seleção na vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai. Na sua opinião, o que faltou para vocês se firmarem na Seleção?

No meu caso, particularmente, não houve impedimento, pois vivi momentos fantásticos. Foram quatro anos, de 83 a 87, espetaculares. Engraçado que, eu me lembro quando nós fomos tricampeões, eu viajei de carro com Ricardo Gomes para a Bahia, e um dia lá em Porto Seguro, eu consegui achar um rapaz, que anos depois eu reencontraria. Ele, lendo o jornal O Globo, e na época, o Zagallo, então treinador, dizia numa entrevista, que o único garantido em seu meio campo era eu. Mas aí houve uma engenharia na época, entrou o Otávio Pinto Guimarães na presidência da CBF, e trouxe o Telê Santana, que quis prestigiar alguns jogadores da Copa passada, a de 82. No meu entendimento, eram espetaculares, mas alguns deles, não tinham o mesmo rendimento. Eu vejo que havia outros bons jogadores para a Seleção Brasileira de 86, como eu, Arturzinho e outros tantos. Mas faz parte da vida e não tenho nenhum trauma por isso.

Você em 1987, se transferiu para o Palmeiras, onde fez apenas 23 jogos, sofreu uma lesão no olho e passou por problemas pessoais. O que houve?

Minha passagem pelo Palmeiras foi muito complicada. Na verdade, eu não tive problema na vista, eu tive uma inflamação no cérebro, em que os pontos inflamatórios afetaram o meu equilíbrio, atacando minha visão e que demorou a ser descoberto. Eu fiz vários exames e só quando consegui achar um neurologista, que era na época o ‘bam bam bam’ em São Paulo, e que pediu uma ressonância, foi que me recuperei. Mas realmente, foi muito traumático, porque estava vivendo um momento fantástico. E mesmo assim, tendo feito poucas partidas, eu me lembro que quando saí do Palmeiras para ir para o Botafogo, os torcedores me pediram muito para que eu não saísse. Com todas dificuldades que tive, foi uma passagem que poderia ter sido melhor, mas essa doença me atrapalhou dali até o restante da minha carreira.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

São inúmeras. Outro dia tive a chance de ver algumas fotografias antigas da geral e pensei em vários momentos que vivi no estádio. As melhores lembranças são de quando nós jogávamos no juvenil e no primeiro tempo já tinha 30, 40, 50 mil pagantes, que faziam questão de ver o nosso time jogar, que era uma ‘Maquininha Tricolor’. Então, era muito legal a gente fazer a preliminar e perceber o estádio enchendo aos poucos.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Deley?

O futebol representou muito para mim. Eu, um garoto do interior, o futebol abriu oportunidades e me deu chances de viver muitas coisas na vida. Socialmente, quem vem de camadas mais humildes, através do futebol, tem a oportunidade de viver momentos maravilhosos, de conviver, de aprender. E, eu encontrei não só pessoas da área do futebol, mas da cultura, da política. Então, tem muito a ver com a minha formação pessoal. O futebol me oportunizou chegar aonde eu cheguei, ter sido secretário de Esportes aqui em Volta Redonda, ter deixado vários legados aqui na cidade e ser deputado federal. Não sei, se sem o futebol eu teria feito tudo isso. Assim como fez o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano, que ergueu um monumento de uma bola no jardim de sua casa, agradecendo a ela por tudo, eu tenho muito que agradecer ao futebol.

Em 1988 houve uma greve na CSN, quando o Exército invadiu e três operários foram mortos. Seu pai trabalhava lá naquela época? E você, como lembra daquele fato?

Na época da greve eu estava jogando em Portugal, mas tinha um entendimento político, já me sentia uma pessoa envolvida com a política. Fiquei muito preocupado com os relatos que recebi, pois era um ambiente muito carregado, que culminou com a invasão do Exército, e resultou na morte de três operários. Mas Volta Redonda sempre foi uma cidade com características de resistência da classe operária. Então, te confesso, foi um momento muito tenso.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Não tem sido fácil para ninguém. É lógico que tem pessoas em situações piores que a minha, mas estou tentando me exercitar quase todos os dias. Mas evidentemente, abismado com tudo que tem acontecido no mundo e no nosso país. Como dizia Nelson Rodrigues, “os idiotas perderam a timidez”. Então, estou vendo um cenário que é a mistura entre a burrice com a ignorância. Mas estou torcendo para que isso passe logo. Estou fazendo um curso, extremamente interessante, de introdução à política, com palestras de ensinamentos de Sócrates, Plutão, Aristóteles. É um negócio muito legal. São várias visões desde aquela época antiga até o período feudal, o republicano e coisas do tipo. Tenho tentado passar o tempo estudando isso e refletindo como posso mudar meu comportamento pós pandemia.


Depois do Palmeiras, você jogou no Beleneses de Portugal, Botafogo, Volta Redonda, América de Três Rios e Volta Redonda, onde encerrou a carreira. Se arrepende de alguma coisa?

Sinceramente sim. Acho inclusive que essa quarentena tem servido para eu fazer uma avaliação da vida e de muitas coisas dentro e fora do futebol. Dentro do futebol, acho que poderia sim, ter sido um profissional melhor. Mas, evidentemente, que só a idade e o amadurecimento fazem você ver algumas coisas. Acho que é um problema de todo jovem, esse sentimento de imortalidade. A gente está vendo isso na própria pandemia, a garotada toda na rua, enfim, realmente, a juventude, ela nos faz ter esse sentimento imortal.

Quem foi o seu melhor treinador?

Não vou falar um só, seria injusto da minha parte. Mas o Nelsinho, Parreira e Ênio Andrade, foram os melhores. O Ênio, com quem trabalhei pouco, foi de um aprendizado muito grande.

Você dirigiu o Fluminense em 1994. Por que desistiu da carreira de treinador?

Fui treinador do Fluminense em 94 e depois fui para o Mogi Mirim, treinei o Volta Redonda e surgiu a oportunidade de trabalhar na Prefeitura de Volta Redonda, como secretário de Esportes. Naquele momento, eu estava com filhos pequenos e já meio sem saco de seguir no futebol, pois te exige muito e uma ausência muito grande em sua casa. Aí, eu preferi ficar mais perto da molecada. Essa vida de treinador, você sabe como é, uma hora você está aqui, outra hora você está lá. Mas foi de boa, foi tranquilo, acabou que em seguida também virei deputado, sem nunca ter imaginado que viraria. A vida da gente, às vezes, toma um caminho que não é aquele que a gente planeja.


Há cinco anos, nas eleições presidenciais no Fluminense, você foi derrotado por Peter Siemsen. Ainda pensa em ser presidente do clube?

Não, não penso mais em ser presidente do Fluminense. Acho inclusive que os clubes vão ter que repensar o lance da pandemia. Eu achava que a única saída era a transformação do clube em empresa ou algo parecido, mas não acredito mais nesse modelo. E naquela época, era um outro momento. Economicamente o país vinha muito bem, e o fato de eu ser deputado, me ajudaria a contribuir e muito para o Fluminense. Eu não tenho dúvidas que o Peter foi um horror, e é um dos piores da história do clube. Acho que eu teria condições sim, de fazer muitas coisas, mas também faz parte da vida, faz parte do jogo. Mas foi, acima de tudo, um momento muito bacana e inclusive fui homenageado no final da eleição. É uma coisa que tenho como um grande momento marcante na minha vida.

O futebol brasileiro parou de produzir aquele camisa 8 clássico, como você, Adílio e Sócrates. A que atribui essa escassez de meias que desequilibravam uma partida?

A falta do camisa 8 no futebol brasileiro é uma coisa que vem acontecendo ao longo do tempo. O nosso futebol vem cometendo erros e o principal é copiar o europeu. Se você olhar para trás, a questão física já aparece na Copa do Mundo da Inglaterra, em 66. Ela tem um hiato na Copa de 70, até porque o Brasil teve quatro meses para se preparar, jogando na altitude e sob um calor enorme. Em 74, quando volta para o ambiente europeu, você tem aquela revolução que foi a Holanda e aí, uma leitura também errada daqueles que dirigiam o futebol brasileiro, que entenderam que a partir dali o futebol era força. O Brasil começa a fugir das suas características, da sua maneira de jogar, e aí aparece esse tal de dois cabeças de área. Hoje, se prova mais uma vez que não funciona e os meias da Europa e nos times modernos de lá, os meias vão e voltam. O De Bruyne, do Manchester City, talvez seja o melhor exemplo disso. Nos últimos tempos, tivemos o Ricardinho e o Ganso, que com problemas no joelho, não foi o jogador que esperávamos que fosse. Mas isso é culpa das categorias de base com os seus tecnocratas que exterminaram esse tipo de jogador, que sempre fez parte da nossa cultura no futebol.

Defina Deley?

Se fosse uma palavra eu diria solidário, talvez generoso, sei lá. Se fosse uma frase maior, a minha melhor definição seria uma do Arturzinho que disse certa vez: “Eu só vi dois jogadores jogarem sem condições físicas: Sócrates e Deley”. Concordo com ele, e acho que realmente não fui um atleta.

O QUE SERIA SER CONTRA O FUTEBOL MODERNO?

por Paulo Escobar


Ser contra o futebol moderno é acima de tudo levantar o questionamento sobre as estruturas que excluem os mais pobres, é ser contra essa uniformidade e engessamento de ter nos estádios somente aquele público de teatro e a cada dia mais os torcedores do lado de fora. Lembrar onde começou este processo de exclusão e embranquecimento dos públicos das arenas, ser contra esse padrão de arenas que tira as particularidades e demole a história contida nos antigos recintos.

Há uma corrente, que aparece acreditar que ser contra o futebol moderno é ser contra o futebol bem jogado, o futebol bonito de se ver. Esse que o cara na favela gosta de ver seu time praticar, a boa jogada que muitas vezes fica na mente sofrida de muitos torcedores, o futebol tem esse papel de gerar momentos de alegrias para aqueles que mais carregam dores.

O futebol bem jogado, tanto ofensiva como defensivamente, foi praticado desde que a bola rola e o esporte existe, e os exemplos poderiam ser muitos. Só no âmbito local poderíamos citar o Brasil de 1970, 1982 e tantas outras seleções, o São Paulo de Telê ou o Palmeiras de 1993, a própria democracia corintiana, ou o Flamengo de Zico e tantos outros.

E na América Latina outros tantos exemplos, como o próprio Newells do Loco Bielsa, o Boca de tantas glórias, o Uruguai ajustado pelo Maestro Tabarez tanto no seu sistema defensivo já conhecido como na frente, assim como inúmeros times e seleções ao longo do tempo que vivem na memória de seus torcedores.

Ser contra o futebol moderno, não significa ser a favor da feiura do futebol, não acredito que os torcedores gostem mais de ver o time rival com a bola do que o seu. Ganhar é bom, torcedor gosta, mas ganhar jogando bem é mais motivo para comemoração, quando o time deita e rola no rival.

Mas ganhar a qualquer custo, ou ser movido pelo resultadismo, também é um espelho do que o futebol moderno reproduz deste sistema, que é ganhar a qualquer custo, mesmo que para isso seja usado o artificio que seja.

Os legados deixados por belos times, mesmo que esses times não tenham ganhado o título, as vezes são mais lembrados que o campeão e isso não é de hoje. Vocês lembram mais do carrossel holandês de 1974 ou da Alemanha campeã? Se belos times não ganharam copas, azar das copas.

Futebol bem jogado e bonito de se ver está acima de épocas ou gerações, está na memória até dos rivais. A lembrança de belos times seja no ataque ou na defesa bem armada continua na memória e os avôs contam aos seus netos, o gosto de ver a bola bem tratada.

Não adianta ser contra o futebol moderno e não questionar as estruturas de poder que excluem os mais pobres, ou que reproduzem o racismo dentro dos estádios. É apontar essas estruturas que a cada dia que passa roubam mais o futebol dos pobres e os deixam de fora dos estádios.

Ser contra o futebol moderno é se arriscar e apontar as contradições, mesmo que isso te custe o emprego. É não se calar ou estar em paz quando este futebol insiste em ser jogado diante de quase 100 mil pessoas mortas pela Covid.

Sou contra o futebol moderno porque ele é classista, racista, mais homofóbico que nunca e porque o espetáculo está acima da vida.

NASCIDO PARA BRILHAR

por Alberto Lazzaroni


Equipe do Bahia campeão brasileiro de 1959. Léo é o terceiro agachado (esq. p/ dir.)

Vamos viajar para a Bahia, mais precisamente para a cidade de Itabuna, bem no meio da cultura do cacau. Se Itabuna é famosa por ser a terra natal de Jorge Amado, falaremos de um outro grande personagem nascido por lá: Léo Briglia. Imaginem vocês nascer numa família rica, filho de um coronel do cacau, em plena Itabuna, no início do século passado. Conseguiram imaginar? Pois bem, isso aconteceu com ele. Filho do lendário coronel Chico Briglia que, no contexto histórico da época, mandava “soltar e prender” quem quisesse, ele ousou desafiá-lo e, contra a vontade do pai, deixou de lado os estudos e foi ser jogador de futebol.

Léo era daquelas pessoas que sonham com algo e, para realizá-lo, vão em frente contra tudo e contra todos. Observado jogando numa preliminar de Bahia x América-RJ, não pestanejou: veio fugido para a capital federal jogar pela equipe rubra. Após dois anos no Rio de Janeiro, aconteceu algo inusitado. O América foi disputar um amistoso em Ilhéus e Léo decidiu visitar os irmãos. Moral da história: foi preso pelo próprio irmão, que era delegado, com a anuência do pai.


Léo recebendo a faixa de Campeão Brasileiro

Após alguns anos trabalhando “obrigado” na fazenda do pai, Léo não desistiu do futebol.  Continuou jogando por equipes de menor expressão da região e consegue retornar ao Rio de Janeiro em 1956 para jogar no Fluminense. No tricolor carioca sofreu com a concorrência de Waldo (simplesmente o maior artilheiro da história do clube) mas conseguiu mostrar seu valor a ponto de ser convocado para a Copa do Mundo de 1958 realizada na Suécia. No entanto, lesionado, acabou cortado, sendo substituído por Dida. Sobre esse episódio, Léo falava resignado que, apesar de ruim, foi graças à sua contusão que Pelé foi para a Copa e o resto todo mundo sabe.

Tinha fama de boêmio e mulherengo. Dizem as más línguas que era companheiro de boemia de Garrincha. Por conta desse histórico, ao retornar à Bahia, ninguém queria saber dele. Tentou sem sucesso jogar no Vitória. Investiu então no Bahia e a resposta também foi negativa e enfática: velho e boêmio. Foi aí que surgiu a figura do treinador Geninho que, à exemplo do que fizera Gentil Cardoso no ano de 1946 no Fluminense no episódio Ademir Menezes, disse: deem-me Léo Briglia e seremos campeões brasileiros. O ano? 1959. O resto, a história registrou. O tricolor da Boa Terra tornou-se o primeiro campeão brasileiro e Léo o artilheiro da competição com oito gols.


Casamento com Selma

Léo faleceu na sua Itabuna querida em fevereiro de 2016. Passou os últimos anos da sua vida na Ponta da Tulha, uma colônia de pescadores, junto aos amigos que considerava verdadeiros. Modernizou o local, levou energia elétrica e mandou construir uma igreja na comunidade. Léo não foi santo mas, em vida, mostrou toda a sua alegria e empatia. Como bem lembra a filha Fátima: “meu pai era um homem muito amoroso. Por onde passava, ninguém ficava triste”. Morreu feliz.

TELÊ E OS PONTAS

por Rubens Lemos


Durante o período de Telê Santana na  seleção brasileira, tempo que inclui duas Copas do Mundo, a função de ponta-direita começou a ser exterminada no Brasil. O humorista Jô Soares, toda segunda-feira em seu programa, berrava como se telefonasse ao técnico: “Bota ponta, Telê!”.  

Durante a preparação, a partir de 1980, a camisa 7 ficou com Tita, do Flamengo, excelente driblador e criativo. Ruim de convivência e sutilmente citado pela boleirada como adepto da trairagem.

Tita, pretensioso, cobiçava a camisa 10 que nasceu colada ao corpo de Zico, seu chefe no Flamengo. Proporcionalmente, Tita queria o impossível como a paz no Oriente Médio. Tita testou Telê e se deu mal. Nunca mais foi convocado por ele quando abriu a boca para amplificar seus desejos.

No lugar de Tita, entrou o neguinho Paulo Isidoro, então no Grêmio. Craque, técnico e veloz, cumpriu bem a tarefa de ponta ajudando na marcação de meio-campo e permitindo ao exuberante Leandro, subir pela lateral-direita, transformando-a em Sambódromo permanente. 

Na estreia contra a União Soviética, em 1982, Telê Santana, de quem a maioria só recorda os méritos, escalou o canhoto Dirceu no lado direito e terminamos o primeiro tempo perdendo de 1×0, frangaço do goleiro Valdir Peres em chute murcho do falecido meia ucraniano Andrey Bal. Viramos graças ao talento de Sócrates e Eder.

Em 1986, Telê cortou o ponta Renato Gaúcho, em sua melhor fase, por conta de uma farra com o lateral Leandro. Renato não foi à Copa e Leandro desistiu alegando solidariedade ao amigo no dia do embarque ao México.

A foto que ilustra a coluna é, segundo o inesquecível jornalista João Saldanha, a razão para a ira de Telê contra os homens de linha de fundo pela direita. Garrincha humilha o futuro técnico da seleção brasileira após uma série de dribles e o deixa prostrado no chão, vencido, vaiado, mortificado.

 Saldanha, cujas mentiras tinham o sabor de fábula (dizia com firmeza que batalhou na Segunda Guerra com o general inglês Montgmomery), garantia que Telê foi escalado para marcar o torto espetacular. Uma missão que se dá a inimigo. O Fluminense precisava do empate para ganhar o campeonato carioca.

O Botafogo partiu para a vitória e enfiou 6×2 no tricolor. Uma das maiores exibições de Mané Garrincha. Naquela tarde de 22 de dezembro de 1957, diante de 125 mil pessoas no Ex-Maracanã, brotava, no inconsciente de Telê Santana, o expurgo a uma alegria que ele transformou em revanche. Segundo João Saldanha.

A RICA TRAJETÓRIA DO CEJAP, DE TRAJANO DE MORAES

por André Luiz Pereira Nunes


Trajano de Moraes é um pequeno município localizado na região serrana do Rio de Janeiro. O seu desbravamento e desenvolvimento se ligam ao interesse dos portugueses, então estabelecidos nas baixadas, que subiram a serra em busca de riquezas. Os veios de ouro inexistiam, mas havia um outro tipo de riqueza: o café. Os colonos lusitanos e a mão-de-obra escrava tornaram a terra produtiva e extraíram grandes fortunas. Em 1881, chegavam os primeiros europeus à região atraídos pelo manancial dos cafezais.

Apesar de nunca ter contado com um time em esfera profissional, a bucólica cidade protagonizou um feito histórico através de um de seus representantes. Fundado a 16 de julho de 1971, o Centro Esportivo José Antônio Peruzzi foi criado por cinco jovens idealistas que almejavam inicialmente uma quadra de esportes. Indagaram então o padre acerca da disponibilidade do terreno onde atualmente se localiza a Casa das Irmãs. Obtendo autorização, utilizaram o espaço durante dois anos até que a paróquia necessitou de seu uso. Não se dando por vencidos, os bravos rapazes angariaram fundos para a construção de uma nova, à qual hoje pertence ao Hotel Trajano de Moraes. Para formalizar a criação da área de lazer, decidiram então fundar um centro esportivo e homenagear o saudoso desportista Juca Peruzzi. Nascia, portanto, o CEJAP, conhecido como Águia da Serra.

Em meados da década de 80 a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro promovia e organizava anualmente, através do extinto Departamento de Futebol do Interior, dirigido por Ildo Nejar, o Campeonato Intermunicipal de Clubes Campeões. Participavam os vencedores dos campeonatos municipais e o campeão do Departamento de Futebol Amador da Capital (antigo Departamento Autônomo). A realização desse certame alternava com a do Campeonato Estadual das Ligas Municipais.

Em 1987, 55 times provenientes de todas as regiões do estado participaram da competição. Aperibeense (Aperibé), Ipiranga e Pureza (São Fidélis), Fluminense e São Joanense (São João da Barra), Aeroporto (Lajes do Muriaé), Barra e Carapebus (Macaé), Outeiro (Campos), Olaria e São José (Cachoeiras de Macacu), América e CEJAP (Trajano de Moraes), Bibarrense e Boa União (Duas Barras), São João e Vila Nova (Casimiro de Abreu), São José (Bom Jardim), Nalim e Mauá (São Gonçalo), Morro Grande e Radar (Araruama), Bacaxá e Sampaio (Saquarema), Cruzeiro (Rio Bonito), São Pedro e Independente (São Pedro da Aldeia), Progresso e América (Cabo Frio), Ubatiba e Dínamo (Maricá), Suruiense e Mageense (Magé), Portuense e Cítrus (Itaboraí), Flamenguinho e Barra (Teresópolis), Paulistano e Icaraí (Niterói), Santa Lúcia (Duque de Caxias), Califórnia e Faestal (Itaguaí), Vasquinho e Éden (São João de Meriti), ADC DSP (Nilópolis), Vila de Cava (Nova Iguaçu), Floriano e Cotiara (Barra Mansa), Beira-Rio (Resende), Verolme e Novo Mundo (Angra dos Reis), Grêmio Olímpico (Mangaratiba) e Chácara (Paraty). O ACET, de Volta Redonda, e o CSN, de Barra Mansa, declinaram da disputa. Na fase final foi composta ainda pelo campeão e vice do último certame, o Nova Esperança, de Duque de Caxias, e o histórico Cambaíba, da usina de mesmo nome, localizada em Campos.


Após superar três fases anteriores, o CEJAP foi eliminado nas semifinais pelo Nova Esperança, ao perder por 3 a 1, em Caxias, e empatar em casa sem abertura de contagem. Curiosamente, o torneio não teria conclusão por conta de uma baixa manobra jurídica impetrada pelo Cambaíba contra o Vila de Cava, ambos disputantes da outra semifinal. No jogo de ida, em Campos, ocorreu um empate em 1 a 1. A partida de volta, programada para o estádio do Aliados, em Nova Iguaçu, acabou não sendo realizada porque os campistas alegaram falta de policiamento. Certos, portanto, de que ganhariam os pontos no tribunal, se negaram a jogar. A briga então se arrastou pelo STJD durante mais de 4 meses com direito a vários recursos, não chegando a lugar algum. A dor de cabeça na época foi tão grande que a Federação deu o certame por encerrado e não mais voltaria a promovê-lo, retornando com a organização do Campeonato de Seleções Municipais.

No entanto, a campanha do CEJAP jamais seria esquecida. Em 19 jogos, houve 14 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, sendo que nenhum revés ocorreu em casa. Após um período de inatividade que perdurou por mais de 20 anos, diversos abnegados da cidade, entre os quais Álvaro Ramos, resolveram reativar o clube. O retorno não poderia ser melhor. Logo no ano de estreiia, em 2019, o time se sagrou campeão municipal para a alegria da Família Grená, no Estádio Municipal Francisco Limongi, onde manda suas partidas.

Os planos são inúmeros por parte dos novos dirigentes do CEJAP. Quem sabe, o time consiga alçar novos voos e chegue ao profissionalismo. Mas, no momento, já é extremamente comemorada a volta da Águia da Serra ao caminho das conquistas.