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Futebol

O FUTEBOL NÃO É O ÓPIO DO POVO

por Mateus Ribeiro


O Brasil passa por um momento difícil. Como sempre passou, é bom lembrar.

Passamos por uma crise econômica e política que está se arrastando por longos anos, e parece não ter fim. A atual paralisação parece ter sido o ápice dessa montanha que passou anos sendo construída, abusando da paciência do povo brasileiro.

Povo brasileiro, aliás, que chegou no seu nível máximo de estresse na última década. Algumas pessoas, um pouco mais exageradas, chegaram a perder amizades antigas por divergências políticas e ideológicas. Outras, um pouco mais sensatas, tentavam manter um debate. E no meio de tudo isso, algo me chamou a atenção: o número de pessoas escolhendo o futebol (mais precisamente a Copa do Mundo) como bode expiatório.

O Facebook se tornou uma Universidade de críticas ao papel do esporte bretão: “O Brasil falindo e a população preocupada com a Copa do Mundo”; “O brasileiro só quer saber de bola e mais nada”, e mais algumas frases prontas foram compartilhadas em grande número.

Depois de ler tanta besteira, em um certo momento, meus olhos não estavam ardendo mais, e resolvi explicar um pouco o óbvio: ao contrário do que muita gente tenta cravar, o futebol não é o ópio do povo. Está bem longe disso, aliás. Apesar de não ser necessário, alguns fatores podem explicar melhor o que quero dizer. Vamos lá!


1- Futebol é lazer: Antes de qualquer coisa, o futebol é uma forma de lazer. Seja acompanhando na sua casa, em uma padaria, um bar, ou entre amigos. Acredite você ou não, ver meu time do coração (ou qualquer outro) representa a mesma coisa que assistir aquele filme que você esperou meses para sair (e passou mais outros bons meses comentando), ou então, ir até o show daquele artista que você tanto gosta. Vale lembrar que o lazer é um direito social, de acordo com a Constituição de 1988.

Imagina só se todo mundo deixasse de assistir futebol, assistir filmes, ver shows, assistir peças de teatro, sair de casa para jantar, como o Brasil seria um lugar melhor pra se viver?

Já pensou como a vida seria se nossos dias fossem resumidos em 90% trabalho e 10% “descanso”?

2- O futebol não atrasa o País: Talvez você fique chocado com essa informação, mas o futebol está longe de atrasar o País, seja social, economicamente, ou em qualquer outra esfera. Não vai ser o fato de uma grande parcela assistir um jogo de futebol que vai fazer uma nação ir direto ao abismo. Não precisa ser muito esperto para saber disso.
Agora, se o camarada “deixa de colocar comida em casa pra ver o time jogar” (o que eu nunca presenciei, em 25 anos de futebol), aí o problema é dele, e não do futebol.

3- Ser fanático por futebol não é “coisa de terceiro mundo”: Mais um fato que vai chocar a parcela anti chuteiras. Antes de tudo, peço que quem está lendo observe as fotos abaixo:

As imagens mostram estádios da Alemanha, Espanha, Holanda, Suíça, Noruega e Dinamarca, respectivamente. Note que todos os estádios estão cheios de torcedores.

O que quero dizer com isso? Países com alto índice de desenvolvimento social e econômico são habitados por pessoas que amam futebol. É SÉRIO! O PRIMEIRO MUNDO TAMBÉM GOSTA DE FUTEBOL. Isso para não falar de Itália, Inglaterra, França, Japão, Suécia, Bélgica e mais uma infinidade de países de primeiro mundo que amam o futebol.

4- O Futebol movimenta a economia: Um clube de futebol não é composto apenas por jogadores e comissão técnica. Profissionais de muitas áreas trabalham ali: auxiliares de cozinha, auxiliares de limpeza, economistas, administradores, o pessoal que cuida da grama,  os roupeiros, e todo tipo de trabalhador está ali para fazer a roda girar.

A partida de futebol também mobiliza muita gente: a galera que fica vendendo espetinho, salgado, e todo tipo de quitute nas proximidades do estádio, com o intuito de fazer uma renda extra. E tem também a turma dos aplicativos de carona, o aumento de pessoas comprando bilhetes para utilizar o transporte público.

E quando é um time grande jogando em cidade pequena então? Um fenômeno que acontece todo ano, principalmente em torneios continentais e nacionais que fazem times dos mais variados níveis se enfrentarem. Jogos de times gigantes em cidades minúsculas não são nenhuma novidade, e fazem com que a cidade fique em evidência. Por consequência, é dinheiro que entra na rede hoteleira, em restaurantes, e tudo o mais.

Bom, acho que falar sobre pessoas que ganham seu sustento com o jornalismo esportivo não é necessário, né? Próximo tópico.

5- “Enquanto você grita gol, te exploram”: Essa afirmação, que é uma das mais sem nexo que já ouvi (e não sei quem criou), visa pegar o futebol como bode expiatório, e símbolo de alienação. Basicamente, consideram o futebol o circo da política do pão e circo.

Sinto informar, tenho uma péssima notícia para você que é mais culto que o fã de futebol, e passa o dia ouvindo Chopin, estudando as obras de Sheakspeare e assistindo cinema cult Russo. O sistema te explora também.

6 – “Futebol é diversão de quem não é tão inteligente”: Acho que não preciso falar sobre o número de pessoas influentes que gostam de futebol, não é mesmo? Seja na política, na música, no cinema, existem MILHÕES de pessoas com muito talento, que são fanáticas por futebol. Muito mais talento, aliás, do que o “talento” que foi necessário na cabeça de quem criou, ou segue a teoria de que futebol é coisa de “gente burra”.

Dito isso, acho que consegui deixar mais claro que o futebol não é uma forma de alienação. Ao menos, não na sua essência. Agora, se as pessoas se deixam alienar, é uma pena. Seja o lazer, seja a religião, seja ideologia, o importante é que usemos essas armas para melhorar nossa vida, e não que sejamos usados.

Espero que tenham entendido o contexto. Agora vou pegar fila para pagar contas, e depois, acompanhar os preparativos para a Copa do Mundo, afinal, ninguém é de ferro, né?

Um abraço, e até a próxima!

MÚSICA E FUTEBOL

por Mateus Ribeiro


Um dia desses, estava conversando com meu parceiro Sergio Pugliese sobre duas das melhores coisas da vida: futebol e música. Só faltou um copo de cerveja para completar a trinca das três maiores invenções do homem (ou dos deuses, vai saber).

No meio da conversa, o grande Sergio enviou uma foto fantástica, onde estavam duas lendas, uma do mundo da bola e outra do universo da música: Paulo César Caju e Peter Frampton, lado a lado. Demorei um tempo para me recuperar, depois de sofrer um choque ao ver um registro desse encontro gigantesco.

Logo após me recuperar, comecei a refletir sobre a forte ligação que o futebol sempre teve com a música. Dessa forma, nasceu a ideia de fazer uma lista de artistas (e bandas) que escreveram músicas sobre o nosso amado esporte bretão. Tem desde MPB até Heavy metal, passando por vários outros estilos. Divirta se!

1 – “Fio Maravilha” (ou “Filho Maravilha”) – Jorge Ben Jor: Gravada em 1972 pelo grande Jorge Ben Jor, em homenagem ao atacante folclórico do Flamengo, muito querido pela torcida.

O jogador ganhou a música de maneira inusitada. Conhecido por não ser exatamente um primor de técnica, era xodó da torcida do Flamengo. Em um amistoso contra o Benfica, no Maracanã, os torcedores começaram a pedir pela entrada de Fio. Zagallo, então treinador do Flamengo, colocou o centroavante, que fez um golaço aos 33 minutos do segundo tempo.

Ganhou a música em sua homenagem, mas tempos depois entrou em uma batalha judicial contra Jorge Ben Jor, pedindo direitos autorais. Perdeu a ação, se arrependeu e pediu desculpas pelo mal entendido.

Apesar de todo esse imbróglio, sorte a nossa desse gol ter sido a origem dessa grande música.

2 – “Forza SGE” – Tankard: O grupo alemão de Thrash Metal Tankard é apaixonado por cerveja e pelo Eintracht Frankfurt, tradicional clube alemão, que já chegou a ser vice campeão da atual Liga dos Campeões da Europa em 1960, e tem uma Copa da Uefa em seu currículo.

A música é uma declaração de amor ao time, e o clipe mostra bem isso, de forma desconstraída e apaixonada. Se você não conhece o trabalho da banda, essa é uma boa oportunidade!

3 – “O Futebol” – Chico Buarque: Uma música que, dentre outras coisas, narra uma jogada imaginária entre Pelé, Pagão, Didi e Garrincha não poderia ser menos que genial. Chico Buarque, apaixonado pelo futebol, não decepcionou, e gravou uma obra, tão bela quanto essa jogada entre esses quatro monstros.

4 – “É Uma Partida de Futebol” – Skank: Se você tem mais de vinte anos, e não passou os últimos anos do Século Passado na Lua, já ouviu essa música.

O clip da música traz cenas de um Cruzeiro x Atlético Mineiro, um dos maiores clássicos do futebol brasileiro. Já a letra fala sobre toda a emoção que uma partida de futebol proporciona. Destaque para o trecho “…que emocionante é uma partida de futebol…”. Bom, tá certo que naqueles dias, o futebol era muito mais interessante, né? Mas vale ouvir a música como forma de relembrar aqueles dias melhores.

5 – “The Beautiful Game” – New Model Army:  Em 2014, a banda Inglesa gravou uma música em parceria com a ONG Spirit Of Football, que visa aproximar as pessoas através do esporte mais popular do mundo.

Uma grande música, e um vídeo muito bacana, ambos com belas mensagens!

6 – “BiCampeão Mundial” – Tião Carreiro e Pardinho: A maior dupla de violeiros do Brasil não poderia ficar de fora.

A música, como o título diz, fala sobre a campanha do Brasil na Copa de 1962, quando a Canarinho conquistou pela segunda vez o título Mundial. É dar o play e viajar no tempo.

7 – “Vexamão” – Elis Regina & Pelé: A música não fala exatamente sobre futebol. Mas um encontro entre uma das maiores vozes femininas do nosso Brasil e o Rei do Futebol não poderia passar em branco.

Vale lembrar que a inesquecível Elis Regina ainda gravou “Aqui é o país do futebol”, no disco Transversal do Tempo (1978). A música, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, fala muito bem sobre a relação que o torcedor tem com o futebol, e como o futebol afeta (ou afetava) a vida do brasileiro. Vale ouvir ambas!

8 – “Ponta de Lança Africano” (Umbabarauma) – Soulfly: Max Cavalera é um grande fã de futebol, e invariavelmente é visto com camisas de algum clube. Uma das provas de seu amor pelo futebol é a regravação da música “Ponta de Lança Africano”, composta por Jorge Ben Jor (olha ele aí de novo).

A canção, que faz parte do disco de estreia do Soulfly, mistura a música pesada com muitas influências variadas, características sempre presentes no trabalho de Max.

9 – “Camisa Dez” – Luiz Américo: Escrita tempos depois do tri mundial, questionava quem seria o substituto de Pelé como o camisa dez da Seleção.

Mal sabia o sambista que décadas depois, a camisa dez estaria quase morta e enterrada…

10 – “Replay” – Grupo Esperança: A última da lista é especial demais, e me faz lembrar quem me inspirou a escrever o texto.

Ouvir futebol no rádio é uma das coisas mais emocionantes na vida de um ser humano. E quem nunca chorou ao ouvir o gol de seu time com o maravilhoso refrão “é gol, que felicidade…” ao fundo?

Agradeço ao Trio Esperança, formado pelos irmãos Mário, Regina e Evinha, que gravou essa maravilha. A música narra um gol fictício de PC Caju, o monstro que além de ter inspirado esse texto, é uma das pessoas que eu mais admiro na arte de escrever sobre futebol.

Muita coisa boa ficou de fora, mas por questão de espaço, resolvi listar só dez. E você, quais músicas sobre futebol te despertam mais emoções?

Até a próxima, pessoal. Um abraço!

 

 

 

 

CÉSAR, O MALUCO BELEZA

Foi um dos melhores parceiros de área de Ademir da Guia. Os dois juntos marcaram muitos gols pelo Verdão. Hoje é festa para César Lemos. Conheça um pouco mais sobre esse grande ídolo do Palmeiras nas linhas abaixo

por André Felipe de Lima


César não era fácil. Principalmente se o adversário fosse o Corinthians. Na semana que antecedia a partida contra o rival mor, provocava os jogadores alvinegros. Os zagueiros, coitados, eram os alvos das frases mordazes e debochadas do atacante palmeirense, que prometia gols e apostava sempre 10 contra um na vitória do Verdão. Os programas esportivos de rádio e TV não falavam em outra coisa.

César era um exímio vendedor, sobretudo de bom humor, e sequer desconfiava do outro talento que não fosse o de marcar gols. Fez muitos pelo clube do Parque Antarctica. Oficialmente, 180 gols em 324 jogos, dos quais ganhou 170 e empatou 91. Só Heitor, do Vecchio Palestra, das décadas de 1910 e 20, marcou mais vezes. Inclusive no clássico entre Palmeiras e Corinthians. No placar, 16 gols para Heitor e 14 para César, que de “maluco”, apelido que recebeu da torcida e que não gostava nem um pouco, não tinha nada.

Antes de os jogos começarem, se aproximava dos zagueiros — importunados por ele a semana inteira pela mídia — e perguntava se a família estava bem, os filhos, sogra, papagaio… essas coisas. Conversava amenidades e gesticulava. Da arquibancada, a impressão era de que César provocava ainda mais o adversário. A galera vibrava com as cenas do cabeludo centroavante do Palmeiras, que jogava futebol na mesma medida em que arrumava confusões. Jogando contra o Corinthians, o Palmeiras vencia por 1 a 0 e era muito pressionado. César chutou uma das duas bolas para a arquibancada, e a pelota sumiu. O Timão empatou no começo do segundo tempo, e como ele fez cera pra recomeçar a partida, foi expulso. Mas deu trabalho, pois levou a única bola para o vestiário, obrigando jogadores, comissão técnica e representantes da Federação Paulista de Futebol a buscá-lo no vestiário.

Foi suspenso e não disputou nenhuma partida do Brasileirão de 1972, vencido pelo Verdão.

César Augusto da Silva Lemos nasceu em Niterói, no dia 17 de maio de 1946. Irmão dos também centroavantes Luisinho Lemos, que brilhou no América e no Flamengo, e Caio Cambalhota, César iniciou a carreira no clube da Gávea, em 1962, aos 16 anos. Disputou 58 jogos, dos quais venceu 32 vitórias e empatou 18, marcando 38 gols.


No final de 1966, chegava ao Palmeiras por empréstimo. Em depoimento ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza, César recordou sua chegada ao Parque Antarctica. “Nem me fale! Eu fui recebido bem demais. Fiquei encantado com o ambiente e com o time. Eu, garotão, carioca, cheio de saúde, de pique, estava louco para arrebentar. Cheguei e me senti em casa”. Mas, em janeiro, teve de retornar ao Rio porque o Flamengo teria de pagar uma taxa extra para negociar, definitivamente, o seu passe com o Palmeiras. Tudo acertado entre os dois clubes, César embarcou para Lima, onde se juntou à delegação alviverde, que excursionava pelo Peru. Aimoré Moreira escalou-o paulatinamente, ora na ponta-direita, ora como centroavante. Jornais como o tradicional Jornal dos Sports sinalizavam que o Verdão havia encontrado o herdeiro de Vavá. Vaticínio preciso. César firmou-se e foi fazendo gols seguidos contra Fluminense, Corinthians e Santos.

O currículo do camisa “9” no Palmeiras explica a admiração por parte da torcida: foram três Paulistões conquistados em 1966, 72 e 74, dois torneios Roberto Gomes Pedrosa, em 1967 e 69, a Taça Brasil, em 1967, e os Brasileirões de 1972 e 73. Foi artilheiro do Paulistão de 1971, no vice do Palmeiras, com 18 gols. O campeão foi o São Paulo.

O último jogo pelo Verdão foi contra o São Paulo, partida que terminou empatada em 6 de outubro de 1974.

César trocou os “parques”. Do Antarctica rumou para o São Jorge. Pelo Corinthians, disputou 37 jogos e assinalou apenas 8 gols. No primeiro jogo vestindo a camisa do arquirrival, em 2 de março de 1975, o centroavante perdeu um pênalti no último minuto de partida contra o XV de Novembro de Piracicaba, pelo campeonato paulista.

O craque peregrinou por Santos, Fluminense, de Feira de Santana; Botafogo, de Ribeirão Preto; Rio Negro, de Manaus; Universidad Católica, do Chile; Salonica, da Grécia e Fluminense, do Rio, no qual parou, em 1977. Pela seleção nacional, esteve no elenco da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Vestiu canarinho em 11 jogos, com seis vitórias, três empates e um gol.

Abandonou a carreira nos gramados e iniciou a de técnico, mas sempre dividindo o tempo com a de vendedor de carros. Investiu em concessionárias, mas não deu certo. O resultado não o desanimou e permaneceu no setor, mas como funcionário de outras empresas.

O “ex-maluco” mora na capital paulista e, em 1988, arriscou-se na política após aceitar um convite do deputado Afanásio Jazadji para concorrer pelo antigo PDS a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foi mal nas urnas, repetindo o fiasco no pleito de 1992. Creditou o insucesso eleitoral ao apelido do qual jamais curtiu.


César Maluco e Ademir da Guia

Pai de três mulheres e já vovô, César já deu o ar da graça na TV fechada, como apresentador esportivo. E o programa levou seu nome: “César na área”.

Mas, em 2006, o grande artilheiro passou por um revés. Sofreu um grave acidente automobilístico na avenida Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. Só Deus sabe como sobreviveu. Mas as sequelas foram inevitáveis. Fraturou uma perna e operou o quadril, tendo de caminhar com o auxílio de um andador. Ocaso infindável, César ainda submeteu-se a várias cirurgias no estômago. Outro baque forte foi a morte da esposa, em 2011, vítima de câncer.

Igualmente nos gramados, César sempre foi um camarada com uma garra incomum. Escapou da morte aos trancos e barrancos da mesma forma que escapava dos zagueiros. Mas sempre com aquele velho e inconfundível sorriso nos lábios. “Pois é, um sorriso nos lábios”, como cantava Gonzaguinha. César Lemos foi mesmo um maluco… um maluco beleza!

ENTREVISTA / SÉRGIO CABRAL

por Mário Moreira


“QUEM QUER POSAR DE MAIS CONHECEDOR QUE OS OUTROS NÃO É BOM JORNALISTA”

Houve um tempo, acredite, em que o nome Sérgio Cabral só evocava coisas boas: futebol, Carnaval, música popular… Culpa do brilhante jornalista, escritor e pesquisador que completa 81 anos neste 17 de maio. Cabral pai é um dos mais importantes jornalistas brasileiros, com passagens por veículos como Última Hora, Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, O Globo, O Dia e, claro, do Pasquim, do qual foi um dos fundadores. Hoje, infelizmente, está retirado em razão do mal de Alzheimer.

Sérgio Cabral foi também político, eleito vereador do Rio por três legislaturas, nos anos 80 e 90. E foi em seu gabinete na Câmara Municipal que fui entrevistá-lo em junho de 1989 para minha monografia de fim de curso na PUC-RJ, sobre comentário esportivo. Foi a última entrevista de uma série que incluiu conversas com Sérgio Noronha, João Saldanha e Achilles Chirol (todas já publicadas aqui no Museu da Pelada). À época, o jornalista escrevia uma coluna diária em O Dia e participava da mesa-redonda de domingo na TV Educativa.

Cabral me recebeu com grande simpatia e rendeu um ótimo papo, que divido agora com os leitores do Museu. 

Eu primeiro queria que você contasse como foi que começou no jornalismo esportivo.

Esportivo foi… Eu comecei em primeiro lugar fazendo um trabalho… Eu era do Jornal do Brasil, e houve a Copa do Mundo de 62, aí o pessoal do Esporte me chamou pra ser copidesque do Esporte durante a Copa. Portanto, foi uma coisa eventual. Como, aliás, as minhas incursões pelo esporte durante toda a década de 60 foram eventuais. Foi essa, depois eu participei de programa de televisão, mesas-redondas, eu era o vascaíno da mesa… É…. Em 71 fui ser editor do Jornal dos Sports. Fim de 71.

Você nunca chegou a ser repórter esportivo?

Não, nunca fui, nunca fui, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca. Depois, em 80, O Globo – eu escrevia sobre música popular no Globo, né? Parei de escrever, aí o Globo me chamou pra fazer uma coluna de esporte. Aí eu fiz até 86, quando fui demitido na greve.

É, eu soube disso… (risos)

É… (risos) Aliás, eu sou o único jornalista da história do Brasil que foi demitido duas vezes por causa de greve.

Por causa de greve?

É.

Ah, é?

Em 86, no Globo, e em 62, no Jornal do Brasil.

Por ter cumprido a decisão do sindicato.

É um orgulho que eu tenho.

De um tempo pra cá, você está na mesa-redonda da TVE.

Tá havendo greve lá.

Ah, por isso que não teve (mesa-redonda no domingo anterior)…

Exatamente. É um orgulho.

Tem greve…

É, exatamente. Nem saí de casa.

É dos jornalistas da TVE?

Não, é da TVE. Mas eu não quero furar greve de ninguém.

O que você acha que os comentaristas esportivos têm, quer dizer, qual é a autoridade que eles têm pra falar sobre futebol? Eles entendem mais de futebol do que o público em geral?

Não. Eles são jornalistas. Um dos setores do jornalismo é o comentário esportivo. Só isso. Ele não tem mais autoridade que ninguém. Às vezes até tem, porque você, sendo obrigado profissionalmente a se aprofundar em determinado assunto, você acaba geralmente entendendo mais do que os outros – até por razões emocionais, quer dizer… Uma coisa que eu acho muito curiosa, eu que sou há tantos anos comentarista esportivo, embora seja jornalista já há 30 e tantos anos, é que meus colegas comentaristas, o assunto principal deles é esporte, é futebol. Quando eu saio da televisão e pego uma carona no carro de um deles, a gente vem conversando, o assunto é futebol. Eu doido pra mudar de assunto até, muitas vezes (risos), mas eles querem comentar, querem reclamar, que o Otavio Pinto Guimarães (ex-presidente da Federação de Futebol do Rio e da CBF), que não sei quem, que tal time jogou errado… Eles continuam. As pessoas… se apaixonam. Agora, eles não são obrigados a ser melhor que os outros, nem sempre são, muitas vezes não são… Né?, eu acho  até que às vezes são ruins… Mas isso depende: um bom jornalista ou um mau jornalista. O cara que quer posar de mais conhecedor que os outros não é um bom jornalista. Isso não é uma forma de fazer um bom jornalismo. Porque o conhecimento sai naturalmente. Você não tem que forçar uma barra, né?

Então não tem requisitos especiais pra ser comentarista?

Eu acho que tem. Você deve estudar, deve ser estudioso, deve acompanhar os acontecimentos internacionais, os acontecimentos nacionais, os acontecimentos locais, e deve estudar, deve realmente se aprofundar.

Você tem essa preocupação de se atualizar com táticas, por exemplo?

Tenho, tenho, tenho, tenho. Eu sei sobre táticas, sobre arbitragem… Isso tudo. Eu tenho, modéstia à parte, uma boa biblioteca sobre… E leio e gosto. Até porque, se eu não lesse e não gostasse, não estaria escrevendo sobre isso, não é por questão de honestidade, é porque eu seria um mau jornalista. Eu estaria inventando coisas, né? Eu não, não… Eu faço questão de me aprofundar. Eu acho que várias outras pessoas também são assim.

Por que você acha que, para o público, é importante existir a figura do comentarista? Ou ela não é fundamental?

Olha, eu acho importante o comentarista, não só de esporte como de qualquer outro tipo de comentário. Eu acho que o público nem sempre tem condições de se nortear, ele precisa saber certas opiniões, até pra ter a sua. Ele não deve nem… Ele não é obrigado nem deve até seguir a opinião dos comentaristas, mas ele deve saber a opinião das pessoas para, enfim, saber qual o caminho a tomar. Eu escrevi muitos anos sobre música popular, esse foi meu assunto…

Esse livro que você tá escrevendo é sobre música popular?

É, é sobre música. É. É uma biografia do Almirante (Henrique Foréis Domingues, o Almirante, importante cantor, compositor e radialista da Era de Ouro do rádio. O livro saiu em 91).

“A maior patente do rádio”.

É. E através da biografia dele eu tô montando uma história da música popular e do rádio. É um livro que eu tô… apaixonado. Mas… Eu, quando escrevi sobre música, eu percebi em mim, e era claro, que o que eu botava pra fora era fruto de um gosto que não tava só em mim, que foi um pouco herdada das leituras que eu tive de certos, de outros comentaristas, né? Tipo Sérgio Porto, Lúcio Rangel… Evidentemente, essas pessoas me influenciaram. Eu li Mário de Andrade, e sem dúvida nenhuma o que eu sou hoje é um pouco fruto dessas leituras. Então eu acho que um comentarista não tem uma posição negativa, eu acho que até positiva, na formação… na formação da cabeça das pessoas.

Mas você acha que o comentarista forma cabeças ou ele só orienta?

Ajuda. Ele ajuda. Ele dá subsídios.

Embora às vezes o torcedor possa discordar dele.

Claro, mas não só pode como deve. Deve. Aliás, aquele que discorda é exatamente sinal de personalidade, sinal de independência intelectual.

Você acha que os comentaristas têm a função de auxiliar na evolução do futebol?

Não. O comentarista tem a obrigação de ser um bom jornalista. E mais nada. O comentarista não tem que resolver problema. Se ele quiser resolver problema do futebol, ele vá trabalhar na CBF, ou vai pra Federação ou vai pros clubes. Ele tem que ser um bom jornalista. Se o que ele produz é bom para o futebol, ótimo. Mas, se não for, não tem grande importância. Importante é que ele seja um bom jornalista. Seja honesto, fale o que pense e não fale besteira.

Sugerir caminhos você não acha…

Sugerir é uma… A sugestão é uma das atividades que o comentarista tem. Ele sugere, mas não vai resolver, ele sugere. Você se lembra que a CBF foi ocupada aí por um bando durante três anos (refere-se à gestão Otavio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid) e teve a reclamação total dos jornalistas. E ficou três anos. (risos) A gente pagou aí por uma porção de besteiras, de modo que nós tamos pagando até agora. E… Mas não foram os jornalistas que tiraram eles.

Não, quando eu perguntei se o comentarista também tinha a função de ajudar, seria na tentativa de ajudar, não necessariamente no resultado. A tentativa pode às vezes…

Sem dúvida, sem dúvida. Eu tenho certeza de que alguns treinadores já tomaram atitudes decorrentes da opinião de comentaristas. SEI disso.

Bom, você é um vascaíno notório…

Modéstia à parte.

Na hora de comentar um jogo do Vasco, você se sente à vontade, você fica mais preocupado?… “Não posso…”

Olha, eu faço o possível pra ser isento na hora de comentar. Né? O ideal pra mim seria que toda vez que eu fosse comentar um jogo do Vasco, eu abrisse da seguinte maneira: “Olha, pessoal, eu sou Vasco, mas… dois pontos.” E aí… O ideal seria isso. Pras pessoas saberem, né? Não tô enganando ninguém.

Se bem que no seu caso nem é necessário, porque todo mundo sabe.

É. Mas eu, na hora em que comento um jogo Vasco x Botafogo, Vasco x Flamengo, Vasco x Fluminense ou lá quem for, eu faço O POSSÍVEL pra ser isento. O possível até… pra ter crédito junto ao leitor. Isso é uma coisa que não… É um crédito que eu não quero perder. Eu me lembro em 82, na eleição, uma coisa muito frequente que aconteceu comigo, na hora em que tava fazendo panfletagem de rua – mas eu vi muitas vezes: “Olha, eu vou votar em você porque você é Botafogo, hein?”. Eu ouvi Botafogo, bastante. Claro, Vasco eu ouvi mais. Mas ouvi Botafogo bastante, ouvi Fluminense e ouvi Flamengo. Gente pensando que eu era… Depois de 82, eu fui trabalhar em televisão, mais constantemente, e aí, como vascaíno aberto e tal, já nesta eleição não foi tanto. Mas ouvi gente dizendo “Você, apesar de vascaíno, e tal, fala bem do meu time, e tal…”. E o caso do Botafogo é até explicável porque o time do Botafogo é o meu assunto predileto de cronista. Porque o Botafogo é um tema riquíssimo! Imagina essa coisa… Eu, domingo passado, escrevi uma crônica sobre uma prova de matemática que o professor aplicou naquele Centro Anísio Teixeira aos alunos dele. E era uma prova que só falava do Botafogo, de matemática! E só falava do Botafogo! Então, quer dizer, o Botafogo é um clube que pelo drama que vive, de 21 anos sem título, provoca esse tipo de reação, de imaginação. Então eu adoro escrever sobre o Botafogo. (Curiosamente, o clube se sagrou campeão carioca dali a poucas semanas.)

Mas voltando ao tema do clube. Por exemplo, você já se pegou na situação de comentar um… Você já comentou em rádio um tempo, né, pouquinho?

Pouco, é, pouco.

Em televisão, comentar jogo na hora, nunca?

Na hora, já. Já.

Mas você já se pegou na situação de comentar uma partida do Vasco e depois assistir ao videotape e tal e reformular a sua opinião? “Não, o que eu comentei não era bem isso…”

Não. Não. Bom, pode acontecer, mas não em função do meu vascainismo. Pode acontecer. “Estava impedido.” Aí você vai ver, não estava. Mas uma opinião deformada por causa do vascainismo, modéstia à parte, nunca aconteceu. Nunca. Nem em jornal, nem em… lugar nenhum. Nem rádio nem televisão. Eu não… Eu procuro ser o mais honesto possível, merecia cartão amarelo, merecia cartão vermelho, foi impedido, essas coisas.

Você acha então que essa tentativa de ser isento…

É bem-sucedida, modéstia à parte.

E com relação a essas frases feitas que tem no futebol? Você falou agora do Botafogo, tem a famosa frase “Há coisas que só acontecem ao Botafogo”. E outras frases, do tipo “Quem não faz, leva”, esse tipo de coisa, o que você acha disso?

Eu acho que toda atividade tem chavões. Os seus chavões particulares. Eu evito repetir. O Nelson Rodrigues, que foi um brilhante cronista esportivo, quando queria dizer uma besteira dessas, ele se socorria de um personagem que ele inventou.

O Gravatinha, o Sobrenatural de Almeida?

Não, era uma vizinha gorda e patusca. Né? E eu, quando quero usar uma besteira dessas, eu digo: “Como diria a vizinha gorda e patusca do Nelson Rodrigues, quem não faz, leva”. (risos)

É, porque são frases que não… Elas não são verdadeiras, né? Nem sempre acontece.

Não…

E no entanto elas se mantêm…

Porque é fácil, é um chavão, e o segredo do chavão é esse. Porque qualquer frase, por mais sábia que ela seja, ela é discutível. “A união faz a força.” Nem sempre. A união faz a confusão também. Depende. É uma… Enfim… O Nelson Rodrigues, aliás, pra citar o mesmo autor, dizia: “Toda unanimidade é burra”, o que se contrapõe um pouco à ideia de que a união faz a força. Eu acho que não, a gente pode discutir. Eu não me louvo nessas frases e acho que ninguém deve se louvar pra passar o seu pensamento. Isso não. Ela pode ser citada como um enfeite, né, um toquezinho ali, um toquezinho aqui, mas sem se segurar nela como se ela fosse uma coisa importante.

Você acha que a imprensa esportiva cria ídolos?

(Silêncio) Eu me lembro uma vez, eu estava num restaurante, com o Nelson Rodrigues e outros, e o garçom falou assim: “Vocês… Esse Pelé foi inventado pela imprensa! Isso é coisa de imprensa! Ele é um jogador igual aos outros! Todo jogador é igual!” E o Nelson Rodrigues falou assim: “Ah, quer dizer que você acha que o Napoleão Bonaparte e o general Eurico Dutra são a mesma coisa porque os dois são generais?” Eu acho que pode ser que a imprensa de vez em quando force a barra de algum deles, mas eu não me lembro de um erro grave. Eu acho que nessa tendência da imprensa de criar ídolos está uma representatividade da opinião pública. Acho que É assim. Esse é um desejo da opinião pública, quer dizer, a opinião pública também acha que aquele cara caminha pra ser um ídolo, etc. Acho que às vezes a imprensa demora a descobrir o cara. Um cara que… tá na cara que o cara é bom, mas a imprensa… A não ser um troço escandaloso: Pelé… Garrincha… Zico… Tostão… Não adianta, tá na cara que vai ser ídolo, um jogador excepcional.

Mas você não acha que às vezes surge um jogador jovem, e o cara faz duas ou três boas partidas, e aí tem logo um que diz “Esse é craque!”.

Tem UM que diz, tem UM que diz… Acho que não é um consenso. Eu já quebrei a cara achando que o sujeito ia ser craque e não foi. Eu me lembro que escrevi uma crônica no Globo sobre o Pingo, do Campo Grande. “Eu não tenho a menor dúvida de que vai ser craque.” Eu vi dois jogos dele e fiquei impressionado com o cara. Não, não foi, quebrei a cara e tal. Mas em compensação, o Geovani, desde os primeiros chutes no Vasco, eu vi que é craque. E esse demorou pra reconhecerem. Muito. Até hoje ainda tem gente… Eu acho um jogador genial.

Você, quando escreve uma crônica no jornal… No jornal nem tanto, porque O Dia tem um público mais ou menos dirigido, mas quando você tá falando na televisão, aí sim fala pra um público diversificado. Na hora da linguagem a ser utilizada, como é que você…

A minha. É a minha. Não mudo, é a minha de sempre. A minha linguagem é o que eu uso no Dia, na televisão, na Câmara de Vereadores, onde eu estiver. É essa linguagem.

Mas você tem a preocupação de fazer uma linguagem, vamos dizer, democrática, pra que todo mundo entenda?

Não, eu SOU democrático, eu sou democrático.

Ou é o seu próprio jeito de ser que já?...

Eu sou como eu sou, eu falo como eu sou em qualquer lugar que eu estou. Eu não tenho nenhuma preocupação especial de falar as coisas.

Voltando um pouco à questão da isenção, na hora da seleção brasileira numa Copa do Mundo, é fácil ser isento? Ou é mais difícil?

Olha, há um momento em que a isenção é difícil. Você fica torcendo pra que o jogador do seu time seja convocado e seja escalado. Mas há um outro momento que fala mais alto, e aí a paixão clubística cede terreno ao chamado patriotismo, né? A pessoa acaba ficando mais brasileiro do que vascaíno, rubro-negro ou lá o que for.

E aí? Dá pra…

Ah, dá, tranquilo, tranquilo. Eu agora, por exemplo, do Vasco, eu não tenho a menor dúvida de que o Geovani tem que entrar, seja qual for o time. Acho que Mazinho pode brigar ali com o Branco. Acho que dá pra brigar. E acho que Bismarck, a médio prazo, vai dar um jogador excepcional. A médio prazo. Ainda não. Tá chegando lá. É um menino de 19 anos. Mas vai chegar, sem dúvida que vai. Na Copa de 94, eu tenho a impressão que ele vai ser o melhor jogador do mundo.

SONHEI QUE ERA UM PONTA

por Walter Duarte


Alguns sonhos marcam bastante nossas lembranças, sejam esses bons ou ruins. Uma vez acordei “sobressaltado” de um que parecia muito real mas virou pesadelo. Em um desses eventos, acabei acordando a esposa, que assustada gritou:

– O que houve? PARA DE ME CHUTAR!! Está passando mal?? Que susto!

Respondi de imediato:

– Calma, foi só um pesadelo.

Levantei, bebi uma água gelada e voltei para o “berço” meio cambaleante.

Neste sonho delirante, eu era o ponta esquerda de um time que não podia definir, sempre algo confuso, e com muita tensão no ar, sugerindo uma decisão de campeonato. Parecia como um duelo entre um toureiro e um touro miúra, onde tentava driblar um lateral e ir a linha de fundo cruzar, porém a sensação era que minhas pernas estavam presas não conseguindo assim definir a jogada.

Pensando bem, acho que estes sonhos ou pesadelos como queiram, devem ter fundamento na minha alma de peladeiro e de certa forma um desejo reprimido de ser jogador, quem sabe? Coisas que talvez o Freud pudesse explicar.

A minha admiração pelos pontas sempre foi especial, e tentava imitá-los nas peladas de rua e nos times de bairro. Gostava muito de ver jogar pontas como o Piscina, do Goytacaz, o Sérgio Pedro, do Americano, a fera Paulo Roberto “cabeção” e também o Lauro, do Campos Atlético, meus primeiros ídolos. Faziam muito sucesso  no futebol Campista nos anos 70 e 80 com estilos dos pontas de ofício de outrora, partindo para cima dos zagueiros e buscando sempre as jogadas de efeito e dribles desconcertantes.

Exemplos de ótimos pontas não faltavam nos grandes clubes e certamente não lembrarei de todos, não podendo omitir os pontas artilheiros como Jairzinho e o Búfalo Gil, que também eram jogadores de definição, aliando força e velocidade. Existiam também aqueles clássicos que não vi jogar mas que falam maravilhas como o Júlio Botelho, do Palmeiras, e o Edu do Santos, um dos meus preferidos.


Devem estar me perguntando – e o Garrincha? O Mané tem um lugar diferente na galeria dos grandes craques. Eu não me atreveria a definir o estilo do maior de todos, o “anjo das pernas tortas”. O próprio Nelson Rodrigues uma vez profetizou: “nem o juízo final será capaz de opinar sobre Garrincha”, tamanha sua genialidade e imprevisibilidade.

Não necessariamente estes pontas figuraram na seleção, mas transmitiam algo de circo, do “bom deboche”, do improviso e acima de tudo da irreverência que tanto faz falta ao futebol nos dias de hoje. Esse futebol moleque e travesso muito encarnado pelo Júlio César “URI GELLER” e pelo Cafuringa, que tiveram seus grandes momentos e grandes confrontos com laterais, como o Orlando Léle, do Vasco, que não costumava refrescar para os sassaricos dos mais abusados.

Lembrei-me também de outros tantos habilidosos como o Zezé, do Flu, na década de 80, um dos ídolos do parceiro tricolor Alexandre Sanches e também do Zequinha, do Botafogo, que o amigo Geraldo “Buchecha” me fez recordar.

Na mesma década citaria o Wilsinho, do Vasco, (xodó da vovó), o Zé Sérgio, do São Paulo, o Joãozinho, do Cruzeiro, e o Gilson Gênio, do América, talvez um dos últimos românticos. Com o advento do futebol mais tático, físico e de ocupação de “espaços” no meio campo, ficou mais difícil de se revelar jogadores assim, até porque os sistemas de jogos com base na “eficiência e obediência” surgem como pretexto de marcação forte.

Me causou espanto na época termos como o OVERLAPPING que determinava a ultrapassagem dos laterais além da linha de meio campo, tornando-os ofensivos e restringindo talvez a atuação do ponta especialista.

Acho que a partir da Copa de 78, iniciamos uma era de desencontros com o futebol mais alegre em detrimento do futebol coletivo e de resultado, sem querer desconsiderar os grandes craques da época. Quem tem mais de 45 anos deve lembrar daquele quadro humorístico do Jô Soares em que ele interpretava o Zé da Galera e pedia ao Telê Santana: “bota ponta Telê”, às vésperas da Copa de 82. Previa talvez o fim de uma fase de ouro daqueles jogadores diferentes e imprevisíveis.

Há tempos não tenho mais aqueles sonhos esquisitos e minhas noites ficaram mais tranquilas. Percebi também que não me divirto tanto como antes ao assistir futebol. Sinto falta da alegria e do virtuosismo dos pontas. SAUDOSOS PONTAS.