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Futebol

FUTEBOL ARTÍSTICO E FUTEBOL DE TERROR

por Rubens Lemos


Enquanto traço o queijo de coalho bem nordestino, o amigo 12 anos mais novo, faz observações sobre minha ortodoxia pelo futebol antigo. Ele, Pacheco de Copa do Mundo. E vocifera, no entusiasmo dos juvenis em HD:

– Você gosta de um futebol do passado, gosta de um futebol bonito, mas os tempos mudaram, hoje é marcação e velocidade.

O tempo e a impaciência são primos próximos, irmãos da razão. Deixo o queijo (uma delícia), descer devagar, tomo um gole de Coca-Cola e aciono o gatilho de minha metralhadora indignada:

– Gosto de tudo o que é bonito. De mulher bonita, de livro bom, de filme bonito, de música bonita, de um queijo delicioso e de uma carne de sol suculenta. Prefiro tudo isso à uma canelada de Fred ou uma arrancada inútil de Taison, seus ídolos.


Ele ponderou que tudo tem sua época e eu respondi que meu tempo é o tesouro precioso guardado no baú de minha alma. No futebol, prefiro rever o futebol brasileiro esquecido às palhaçadas de uma geração rica, mimada e mais preocupada com o contracheque do que o
gol.

Passei da metralhadora ao fuzil M-16 verbal. O amigo é vascaíno igual a mim, porém necessita de medicamentos, pois considera razoável o horroroso time atual.

Solto o questionário, admito, mais interrogatório do que entrevista:

– Você é fã de Juninho Pernambucano é? Pois saiba que ele não jogava um milímetro de Geovani…

– Juninho batia falta bem e lançava muito… – retrucou

– Geovani driblava, lançava, batia pênalti, falta, escanteio, dava lençol e caneta em adversário craque, era um maestro. Se quisesse, faria chover numa chapada na bola.

Meu amigo estranhou. Afinal, conhece a Chapada Diamantina e a dos Guimarães.

– É, mas eram outros tempos..

Prossegui enquanto uma picanha descia ao prato:


– Se você acha que Willian sabe jogar, veja um vídeo de Paulo Cézar Caju, um gênio malabarista, se você acha que Renato Augusto merece a camisa 8 do Brasil, vá ao YouTube e digite Didi 1958 ou Gerson 1970. Se Roberto Firmino te encanta, crave Romário e procure uns golzinhos dos tantos que ele fez. Entre Paulinho e Zico, respeito sua opinião, mas Zico jogou mais o equivalente à distância entre a Terra e o infinito, o interminável.

Mudamos de assunto. Passou uma loira de ganhar Hexas e Heptas, bronzeadíssima e plenamente consciente e mascarada dos seus predicados volumosos. Uma gostosa institucional.

Saí do restaurante mais puto da vida com quem idolatra uma seleção sem exceções que não Neymar e Phillipe Coutinho. Saí certo de que minha geração não engole esse tipo de futebol agradável feito dor de dente em fim de semana: feio, fechado, esquemático e cheio de jogador com nome de praça e desempenho de lixo.

No estacionamento, ainda provoquei:


– Você que gosta de marcação e correria, escreve para a Fifa e pede logo para retirar as traves do gramado. Joga tudo pro 0x0, que é o escore da mediocridade, dos notebooks e dos scouts, que Garrincha desmoralizaria num drible de gafieira.

Respeito aos mais velhos, meninada.

Somos pelo futebol artístico, vocês pelo de terror.

HÁ UMA SEMANA DA COPA, A EMPOLGAÇÃO É BROCHANTE

por Lucas Rafael Chianello, do Blog Chianéllico


Dois fatores contribuem para um fato público, notório, incontroverso e consumado: a baixíssima expectativa da Copa do Mundo de 2018 pelos brasileiros.

O primeiro é a “europeização”: como atletas ficam cada vez menos tempo nos clubes brasileiros, há uma perda de identidade.

O segundo é a “direitização” do futebol brasileiro: mesmo por setores que não sejam os de esquerda acirrada, assídua ou declarada, a camiseta da CBF está intimamente ligada à corrupção no futebol e toda a desgraça causada pelos patos amarelos, que as utilizaram como uma espécie de abadá do golpe.

Além disso, o futebol está cada vez mais caro: ingressos para as partidas são caros, camisetas do clube de coração são caras, bola, chuteira e meião para crianças aprenderem a jogar futebol são caros.


Não se tem mais futebol de rua, de campo de terra batida e pés descalços.

Hoje tudo começa numa quadra society, onde você tem de jogar com o tênis apropriado para o cercadinho que cobra o aluguel por hora.

As transmissões televisivas estão cada vez mais sumárias, pasteurizadas e sisudas.

Até tempo atrás, além de nos identificarmos com os craques dos nossos clubes de coração, também nos identificávamos com narradores e comentaristas.

Não tem mais um Silvio Luiz para dizer que o melhor gramado do mundo é o de Moscou porque é tratado com esterco de galinha d´Angola.

Não tem mais um Januário de Oliveira para dizer que o corpo do Super Ézio está estendido no chão.

Não tem mais um Fernando Sasso para dizer que ela está no filó.


Não tem mais o maior deles, João Saldanha, para dizer que é só chutar de longe que o Mazarópi aceita e o outro time ganha jogo, para dizer que a seleção está dominando a zona do agrião e que o lateral tem de passar mais em profundidade porque como o campo não é loteamento, ninguém tem posição fixa.

Por isso que a Fox Sports deve repetir a dose de 2014 e escalar o Fabio Bonfá para narrações bem humoradas, assim como narrações desse tipo deveriam ter mais espaço na TV aberta e no rádio.

Como não tem nada disso, o brasileiro perde cada vez mais a identificação com o futebol, que sempre funcionou numa estrutura social, econômica e jurídica totalmente autoritária e mercantilista.

Ainda sim, durante um bom tempo a discussão era quem torcia para o melhor time.

Hoje, é de quem torce para o clube que tem estádio e dinheiro para contratar.

Mesmo que o capitão do Tite levante a taça, a identificação do brasileiro com o futebol já foi derrotada faz tempo.

 

Texto publicado originalmente no Blog Chianéllico

MARIO FILHO E LINS DO REGO

por André Felipe de Lima


Dois monstros da literatura brasileira — e, em especial, da futebolística — nasceram em um dia 3 de junho: Mario Leite Rodrigues Filho, em Recife, faria hoje 110 anos e o mais rubro-negro de todos os escritores, o paraibano José Lins do Rego Cavalcanti, cuja pequena Pilar apresentou ao mundo, completaria 117 anos.

Lins do Rego era um apaixonado pelo futebol a ponto de envolver-se com as coisas do seu Flamengo como nenhum outro cartola de praxe ousaria fazer, ou, na mais amena das hipóteses, teria competência para tal. O genial escritor chorava nas derrotas e nas vitórias também. Abraçava-se a torcedores tão apaixonados pelo preto e o vermelho quanto ele. Eram anônimos, mas considerados por Lins do Rego singularmente iguais a ele na irmandade que lhes fez Flamengo. “Muita gente me pergunta: mas o que vai você fazer no futebol? Divertir-me, digo a uns. Viver, digo a outros. E sofrer, diriam os meus correligionários flamengos. Na verdade uma partida de futebol é mais alguma coisa que um bater de bola, que uma disputa de pontapés. Os espanhóis fizeram de suas touradas espécie de retrato psicológico de um povo. Ligaram-se com tanta alma, com tanto corpo aos espetáculos selvagens que com eles explicam mais a Espanha que com livros e livros de sociólogos”. Lins do Rego trouxe — e não temo afirma — Schopenhauer para o futebol brasileiro.

Mario Filho, por sua vez, é sinônimo de história deste schopenhaueriano futebol brasileiro, que se curva a dor consentida, porém feliz e resignada com ela. Não se conta essa história sem antes mencioná-lo e a sua maior obra: “O negro no futebol brasileiro”. Era amigo do futebol como ninguém conseguiu até hoje sê-lo. Abraçava o esporte, escrevia sobre ele e seus personagens com uma maestria e emoção cativantes. O devotado (quase santo!) Mario Filho, como o seu irmão de aura Lins do Rego, amava, sobretudo, os torcedores. Respeitava-os e a eles conferia uma força quase sobrenatural capaz até de mudar o rumo de um jogo. Para o cronista dos cronistas, até mesmo um juiz sucumbia diante desse mágico, potente e deliciosamente schopenhaueriano torcedor brasileiro, cuja vontade cega, insaciável, inquieta (e às vezes irascível) o leva a dor eterna, porém inequivocadamente apaixonada pelo seu clube de coração. “Há torcedores, aliás, com força moral sobre o juiz. Com uma voz poderosa de comando. Uma voz assim de Victor McLaglen. Grossa. Estentórea. Hipnótica. O juiz não quer apitar e apita a ordem de offside! hands! foul! corner! Contra isso o juiz não pode lutar. Trata-se de alguma coisa mais forte do que ele. Felizmente, são raros os torcedores privilegiados com uma voz de comando. E, além disso, os que tem a voz de comando, não a gastam assim, sem mais nem menos. Guardando-a para ocasiões solenes. Quase cívicas”.


Tenho saudades de Lins do Rego e de Mario Filho. Confesso-as publicamente, porque aprendi a lê-los ainda menino, e jamais esqueci que um pouco da paixão pelo texto que pretensamente assinamos “futebol” tem origem nas linhas destes dois gênios da literatura brasileira. Com os dois, tenho certeza, Schopenhauer seria feliz ao amar o futebol que escreviam, e faria do seu clássico “As dores do mundo” a “As dores queridas do futebol”.

O DIA EM QUE O “PAÍS DO FUTEBOL” MORREU

por Émerson Gáspari


Ninguém se deu conta de quando o “processo” se iniciou. Talvez só eu, a princípio. Com o tempo, muitos torcedores foram notando algo no ar: a decadência, a escassez de público, a sangria de craques para o exterior, a corrupção no futebol. Tentei avisar, mas não me deram ouvidos, talvez porque não enxergassem até onde a coisa iria.

Foi como gritar sozinho num Titanic, alertando que iríamos afundar, enquanto todos os tripulantes e passageiros davam de ombros ou me taxavam de pessimista. 

Talvez seja melhor contar antes, como as coisas eram no princípio, em minha mais tenra idade. Da alegria de ser torcedor brasileiro. Tínhamos uma nação e tanto: diziam que seríamos “o país do futuro”. Sou desse tempo, em que o futebol brasileiro tinha orgulho de ser o melhor.

Éramos para o mundo, o “País do Futebol”. Gerações de craques maravilhosos, que se sucederam e nos levaram a conquistas inesquecíveis, como o Tri no México!


Gênios em profusão, como Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Gerson, Tostão, Rivellino, Zico, Sócrates, Falcão, Romário, Ronaldos…

Equipes formidáveis, como o “Expresso da Vitória”, a “Academia Palmeirense”, a “Sele-Fogo”, a “Lusa Fita-Azul”, a “Máquina do Prof. Horta”, a da “Democracia Corintiana”, o Flamengo campeão mundial, o Santos bi, o São Paulo tri, o Inter de Manga, o Grêmio de Renato Gaúcho, o Cruzeiro de Dirceu Lopes, o Atlético de Reinaldo.

Cronistas como Nelson Rodrigues e João Saldanha eram respeitadíssimos. E líamos o “Jornal dos Sports”, a “Gazeta Esportiva Ilustrada”, a revista “Placar” e até o caderno de esportes do Jornal da Tarde, todos com cobertura futebolística estupenda.

Em nossa doce inocência de que as coisas não mudariam jamais, brincávamos nos jogos de botões com a “carinha” dos atletas tão identificados com seus clubes: Waldir Peres, Luís Pereira, Clodoaldo, Wladimir, Rondinelli, Dinamite, PC Caju, Edinho, Batista, China, Nelinho, Éder e outros, que colecionávamos também no “Futebol Cards”. Mesmo os chamados “pequenos” tinham seus ídolos: a Ponte Preta de Dicá, o Guarani de Zenon, o Botafogo/SP de Sócrates, o Comercial/SP de Jair Bala, a Ferroviária de Bazzani e por aí afora! 


O rádio ainda era nosso “amigão do peito”: acompanhávamos toda jornada esportiva, do início da tarde à noitinha, com locutores memoráveis, por décadas a fio: Odvaldo Cozzi, Rebello Júnior, Geraldo José de Almeida, Pedro Luiz, Jorge Cury, Edson Leite, Waldir Amaral, Fiori Gigliotti, Peirão de Castro, Walter Abrahão, Osmar Santos, Luciano do Valle, José Silvério. E depois do jogo, vinha o “Show de Rádio”, com a turma do Sangirardi fazendo humor futebolístico da melhor qualidade.

Daí era correr pra TV e se divertir com a “Zebrinha”, dando os resultados do teste da “Loteria Esportiva”, assistir aos “Gols do Fantástico” e curtir alguma “Mesa Redonda” até meia-noite, quando então findava aquele domingão futebolístico tão sagrado.

Sim! Foi uma época realmente abençoada, em que um Fla-Flu levava 170 mil pessoas ao Maraca, um Derby lotava o Morumbi com120 mil pagantes e um Mineirão, um Beira-Rio ou uma Fonte Nova transbordavam de torcedores apaixonados.

Até que num belo dia de 1980, as coisas começariam a mudar. Falcão estreava na Roma da Itália, que o levara embora, “escancarando a porteira” do futebol brasileiro para os europeus. Seguiram-se Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior, Renato e uma infinidade de craques. Ninguém pareceu ligar muito: em épocas anteriores, tivemos um ou outro craque que ia e voltava, como Didi ou Roberto Dinamite. Já Mazola, Evaristo de Macedo e Julinho Botelho até ficaram por lá, mas o inesgotável celeiro de craques do país sempre providenciava um substituto.


Além disso, para que nos preocuparmos, se tínhamos o futebol mais bonito, os pontas mais habilidosos do mundo, os jogadores mais criativos? Éramos a essência do “futebol-arte” e o europeu (exceto a Holanda) só sabia praticar o tal “futebol-força”.

Estávamos acomodados, convencidos de que seguiríamos dormindo placidamente em berço esplêndido e para sempre ostentando a alcunha de “a pátria em chuteiras”.

Permitimos que o progresso acabasse com os campinhos de terra batida da meninada e assim, exterminasse com gerações de craques que se formavam naturalmente.

Deixamos impunes dirigentes de clubes e entidades que se serviram do futebol e não a ele, corrompendo-o, desvalorizando-o.

Aceitamos a transformação da Seleção em “produto”, perdendo-se aí a razão do jogador ao defendê-la. O selecionado perdeu “personalidade” e a torcida perdeu o encanto por ela.

Curvamo-nos perante o poderio financeiro que movimenta o futebol europeu, persuadindo nossos craques, jogadores medianos e até (?) alguns pernas-de-pau, que são levados por um enganoso DVD para o Velho Continente.

Prostituímos nossa essência futebolística, adotando “revolucionárias esquematizações táticas europeias” que nos nivelaram a nossos rivais, tão carentes de criatividade.

Submetemo-nos a completa lavagem cerebral que o marketing e a mídia predatória fazem na cabeça dos torcedores e na de seus filhos, orientando-os a adularem craques estrangeiros e equipes europeias que estiverem mais na moda.

Fomos coniventes fechando os olhos para nossas agremiações menores, sobretudo as que a imprensa relegou ao desprezo de uma notinha ou enxotou de seu site.

Jogamos a culpa sempre nos outros, como sempre. O resultado do que se iniciou nolongínquo 1980, acabaria se impondo nas décadas seguintes. Por isso é que lhes conto tudo isso daqui do futuro, onde me encontro hoje, em 2038: porque o nosso futebol brasileiro morreu!


Não somos mais o “país do futebol”, há muito tempo, aliás. A Alemanha e a Itália chegaram ao hexa e nos superaram em Copas conquistadas. Do falido futebol sul-americano, tivemos apenas a alegria do Uruguai sediar a Copa Centenária de 2030. E a Argentina se tornar tri (nem me perguntem como!). Se isso ainda fosse o pior, nem estaria tão chateado, contando a vocês.

Pior foi o que aconteceu por aqui! O último craque que conseguimos revelar por estas plagas se chamava Neymar e ele encerrou sua carreira há exatos quinze anos. Ou seja: as crianças de hoje jamais viram um craque tupiniquim jogando ao vivo. Mais dramático foi o que aconteceu aos campeonatos. Os regionais foram extintos, simplesmente porque os clubes pequenos faliram. Alguns poucos se tornaram amadores, enquanto mais de 90% “fecharam as portas”.

Logo a crise chegaria aos grandes, também. Vários, enterrados em dívidas, aceitaram perder seus estádios, para não morrerem. Outros lutam à duras penas, para manterem a dignidade de pé. Desde 2012 quando o Corinthians foi bicampeão mundial, não ganhamos mais uma única final de campeonato mundial de clubes, sequer. O campeonato brasileiro hoje possui três divisões: na primeira, 12 clubes. Na segunda divisão, outros doze e na “terceirona”, num verdadeiro “catadão” com o que restou do futebol nacional, ficam todos os outros 36. E é só.


Os estádios leiloados (a maioria em lastimável estado) vêm dando lugar ultimamente, a templos religiosos, shopping-centers, condomínios de luxo ou mesmo torres comerciais. O futebol brasileiro decaiu tanto que não deixou de ser apenas o preferido do planeta: hoje ele não é sequer o preferido entre os brasileiros, pois está em terceiro lugar na preferência dos mais jovens, segundo uma enquete.  Nenhuma criança sabe quem foi Pelé ou Garrincha!

E pensar que eu avisei tanto que tudo isso iria acontecer! Mesmo desconhecido do grande público eu, um modesto escritor independente, alertei isso em meus livros e – já num ato de desespero – escrevi um artigo revelando o que ocorreria nos próximos anos, num site chamado “Museu da Pelada”, às vésperas de mais uma dessas nossas seleções nacionais insossas estrearem no Mundial de 2018, na Rússia.

Pois sabem o que ganhei com isso? O público me taxou de louco, ranzinza, tolo, agourento, chato e toda a sorte de “qualidades” que vocês possam imaginar.

Pessimista foi do que mais me acusaram. Só desconhecem o fato de que um pessimista nada mais é do que um otimista melhor informado.

Restou-me ao menos a consciência limpa de quem tudo fez para avisar até onde iríamos nesse fundo de poço em que se meteu o nosso pobre futebol brasileiro. 

BOLA FORA

por Sergio Pugliese


O consagrado produtor garantiu ao executivo da empresa que a melhor estratégia para divulgar o produto seria uma pelada entre artistas e jogadores profissionais: “Estará na capa de todos os jornais!”. O investimento seria alto, afinal os craques e estrelas da tevê sugeridos pelo especialista viviam o auge da carreira. João Araújo, presidente da Som Livre, revelou o plano de comunicação para a diretoria e juntos calcularam os cachês. Projeto aprovado, todos apostaram num estrondoso retorno de mídia para o lançamento de “A Banda do Zé Pretinho”, 16º disco de Jorge Ben, que marcava sua entrada na Som Livre, em 1978.

– Quando recebi sinal verde corri para comprar as camisas – recordou Miéle, autor da ideia.

Mas comprar as camisas era um pequeno detalhe. Na verdade, a mente diabólica de Miéle estava focada na formação dos times. Em casa, distribuiu os nomes das estrelas sobre a mesa e avaliou um a um. O racha seria no campo do Flamengo e logo após a partida, Jorge Ben se apresentaria no ginásio. Seria a resenha mais divertida do planeta e não convinha sair derrotado, ainda mais sendo o pai da ideia. E sem qualquer culpa, iniciou a solitária divisão, “Marinho Chagas para mim, Merica para eles….Doval para mim, Cafuringa para eles…”. Todos eram craques, ídolos, mas alguns foram abençoados por Deus com o toque mais refinado e bonito por natureza. O guloso Miéle queria todos esses fora de série a seu lado. Com os times fechados, o “cartola” ligou para a rapaziada e comunicou a data e o local da festa. A escalação revelou minutos antes da peleja.

– O Miéle, mui amigo, me escalou de lateral no time adversário e o ponta deles era só o Mário Sérgio – reclamou Armando Pittigliani, o Pitti, produtor cinco estrelas e descobridor, entre tantas feras, de Jorge Ben. 

Ao final da distribuição das camisas, os escretes ficaram assim: o “Banda do Zé Pretinho” com Nielsen, Arnaud Rodrigues, Rondinelli, Miéle e Paulinho da Viola. Marinho Chagas, Carpegiani e Mário Sérgio. Betinho Cantor, Doval e Mário Gomes. E o “Para Alegrar a Festa” com Ubirajara, Francisco Cuoco, Armando Pittigliani, Junior e Edson Celulari. Paulo Cesar Caju, Carbone e Merica. Cafuringa, Márcio Braga e Jorge Ben. O clube estava lotado de sócios, celebridades e convidados. Todos constataram um certo desequilíbrio, mas Miéle preocupou-se quando viu Paulo Cesar Caju conversando reservadamente com Junior. Tentou imaginar qual estratégia o genial PC estaria traçando com o jovem lateral do Flamengo, que acabara de subir do juvenil para o time principal. E preocupou-se ainda mais quando notou seus craques Mário Sérgio e Marinho Chagas na beira do campo deslumbrados com a beleza de Sandra Brea e Maitê Proença.


– Apostei todas as minhas fichas naquela vitória – contou o botafoguense Betinho Cantor, recordista de trilhas em novelas da Globo, e que na época fazia sucesso com Lucia Esparadrapo, em “O Cafona”, e “Se Você Tem Tempo”, na série “O Invencível Linguinha Versus o Titânico Mr. Yes”, estrelado por Chico Anysio e exibido logo após o Jornal Nacional. 

Mas o papo ente PC e Junior surtiu efeito e o improvável aconteceu. Zeeeeebraaaa!!!! PC Caju acabou com o jogo, entortou Deus e o mundo e marcou dois golaços. Os outros três foram do garoto Junior, que conhecia o campo como ninguém. Resultado, 5 x 2. PC valeu-se da forte marcação de Carbone e Merica em Marinho Chagas, Carpegiani e Mário Sérgio para criar livre, leve e solto, e colocar os adversários na roda. Até hoje Betinho Cantor lamenta-se e garante que se jogassem contra eles novamente cem vezes, ganhariam as cem.

– Choro de perdedor – desdenhou PC Caju, crítico ferrenho do excesso de jogadores de contenção e do futebol força, chamado por ele de “invasão gaúcha”. – Mas naquele dia, me beneficiei disso – brincou. 

O lateral Armando Pittigliani gaba-se de ter “parado” Mário Sérgio e não admite quando acusam a arbitragem de ter beneficiado o atacante Jorge Ben, o festejado do dia.

Flamenguista roxo, Jorge Ben, Barauna Homem Gol, não se intimidou e partiu para cima de seu grande ídolo Rondinelli, que naquele ano fez de cabeça, no último minuto, o histórico gol do título do campeonato estadual do Flamengo em cima do Vasco. Jorge Ben arrasou! Sua apresentação foi mágica no campo e no palco! Humilde, Miéle reconheceu a superioridade adversária e cumprimentou um a um. Reuniu o time para a foto antológica e a guarda até hoje, orgulhoso. Virou quadro, claro, e enobrece sua parede! 

– O plano não deu certo, mas joguei num time de sonho! – resumiu.


Mas a derrota não foi sua única dor de cabeça. No dia seguinte, apesar da enxurrada de celebridades, não saiu uma notinha sequer, nada. Nem no noticiário esportivo, nem nas colunas sociais. João Araújo espremeu os jornais e zero de notícias sobre o lançamento do disco. Tanto investimento para nada. Miéle assimilou as queixas, mas esquivou-se da culpa, afinal sua ideia era ótima, apenas mal aproveitada. E além das contas, a peladinha valeu por tudo! Quem pagaria o pato? Sobrou para o gerente de comunicação. Quietinho, ouviu do chefe que os grandes “times” vivem de resultados e assim como os técnicos da vida real foi dispensado. Pegou sua prancheta e partiu.