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Futebol

O GÊNIO QUE DRIBLOU O MUNDO

por Émerson Gáspari


Imaginem vocês, alguém que possua a seguinte distrofia física: a bacia, descolocada seis centímetros de seu prumo, com uma perna mais curta do que a outra, fazendo-o mancar. Pernas tortas, sendo um dos joelhos virado para dentro e outro para fora, causando uma inclinação que altera o próprio centro de gravidade dessa pessoa para um dos lados.  Imaginaram?

Agora me expliquem como um sujeito desses pode se tornar um atleta profissional de ponta por duas décadas, apanhando muito – justamente nas pernas – convivendo com artroses, dores e infiltrações, sem perder o dom de divertir multidões pelo mundo todo e ter a capacidade de se tornar o maior driblador de todos os tempos?

Esse fenômeno da natureza tem nome e existiu: Manuel Francisco dos Santos, nosso querido Mané Garrincha, carinhosamente apelidado também de “Alegria do Povo”.

Nascido em 23 de outubro de 1933, Mané viveu em Pau Grande, distrito de Magé/RJ.

Na prática, um vilarejo com uma centena de casinhas simples, espalhadas pelo meio da mata e dos rios, lugar aprazível para um garoto crescer feliz, caçando passarinhos (garrinchas) e jogando peladas com os coleguinhas. Seu jeitão desligado e engraçado conquistava a todos e se prolongou por toda a sua vida.

Próximo de sua casa havia um platô (apelidado de “Barreira”), no qual fizeram um campinho de futebol careca e estreito, por fazer fronteira com um imenso barranco.

Foi ali, naquele arremedo de terra, que nasceria o gênio que desequilibrou o mundo.

Por jogar como meia bem aberto, Mané permanecia rente à lateral durante a maior parte dos jogos e desse modo, aprendeu naturalmente à driblar seus marcadores em um espaço mínimo, sem deixar que a bola (e ele) rolassem ladeira abaixo.

Conforme foi crescendo e participando de times amadores da região, passou a despertar a atenção de todos pela incrível habilidade no drible e acabou fixado na ponta-direita.

Garrincha trabalhava numa tecelagem e como diversão, incluiria agora os constantes namoricos e o bate-papo com os amigos num boteco da vizinhança. Mas era o futebol que o diferenciava dos demais jovens, tornando-o famoso naquele povoado e região.

Há histórias fabulosas dessa época, desde uma em que o lateral Atinha se contundiu seriamente ao cair após tentar pará-lo na violência; passando por outra na qual ele deixou a bola e correu sem ela, arrastando toda a defesa pra fora do gramado, voltando à seguir para apanhá-la; e até mesmo a da goleada na qual marcou um gol de placa, saindo de sua área defensiva e só parando de driblar, dentro do gol adversário.

A fama repentina e o estímulo dos amigos, o faria tentar a sorte em alguns clubes profissionais do Rio. Num deles, o da “Estrela Solitária”, fez sucesso, sendo aprovado.

O que para muitos seria difícil, para Mané aconteceu naturalmente.


Treinar num clube grande como o Botafogo não era para qualquer um. Quando o viram chegando pela primeira vez em General Severiano, alguns maldosamente duvidaram que um “manco” pudesse jogar futebol direito. Além disso, o atleta incumbido de marca-lo seria Nilton Santos, estrela maior do time e que acabaria por se tornar mundialmente conhecido como “Enciclopédia do Futebol”.

O primeiro teste acabou sendo um duelo equilibrado – ao contrário das lendas que se

espalhariam depois – cujos lances se sucederam em ritmo frenético.

No primeiro deles, Garrincha recebeu uma bola e a dominou, parando diante de Nilton Santos, o qual partiu em sua direção, esperando desarmá-lo. Acabou driblado por fora e Mané disparou em direção à linha de fundo, com Nilton a persegui-lo, até que emparelhassem.

Então o ponta de repente estancou, ambos se encararam mais uma vez e o lateral resolveu investir com mais firmeza, sendo driblado da mesma forma. O “duelo” seguiria assim, com um levando vantagem em certas ocasiões, enquanto em outras, acontecia o desarme. Equilibrado, mas um dos feitos de Mané acabou sendo passar – numa de suas investidas – a bola entre as pernas de Santos (como ele era chamado, na época).

Definitivamente, não era pra qualquer um.

Desse modo, ao final do treino, por recomendação do próprio “Enciclopédia” e do capitão da equipe Geninho, além é claro, do impressionado técnico Gentil Cardoso, os dirigentes se apressaram em fazê-lo assinar o primeiro contrato, em junho de 1953.

O Botafogo pagou quinhentos cruzeiros ao Serrano (equipe de Petrópolis) pelo passe dele, dinheiro equivalente ao valor de uma simples bicicleta na época e acertou com Mané, dois mil reais por mês, em seu primeiro ano de contrato.

Estrearia diante do Bonsucesso e após o time estar perdendo por 2×1, empatou o jogo cobrando um pênalti com a maior tranquilidade, liderando a reação com três gols na goleada de 6×3 para o Fogão. No último deles por sinal, acertou um tiro cheio de efeito, sem ângulo, da linha de fundo, vencendo novamente o goleiro Ary.

Os gols passariam a se suceder e as goleadas da equipe idem, a partir dali.

Na goleada de 3×0 em cima da Portuguesa/RJ, fez mais dois. No clássico diante do Flamengo, uma vitória tranquila por 3×0 e mais um dele. Seguiria nessa toada pelos jogos restantes do campeonato carioca, destacando-se os dois que fez em cima do Bonsucesso, novamente (vitória por 2×0), todos os três sobre a Portuguesa/RJ (3×0), além de outros três, na goleada de 6×0 disparada no Bangu de Zizinho. Naquele sábado, no Maracanã, a festa seria completa, com direito a gol olímpico dele (o primeiro) e até mesmo um gol marcado pelo “compadre” Nilton Santos. 

Ao todo, assinalou 20 tentos em 26 jogos. Nada mal, para um principiante que iniciara tarde no profissional, com quase 20 anos de idade.

O Botafogo tinha apenas em Nilton Santos e Garrincha, nos anos que se seguiram, figuras que podiam ser consideradas craques. Mesmo assim – e apesar de um jejum de títulos cariocas que vinha desde 1948 – a equipe seguiu fazendo boas campanhas, com a popularidade de Mané crescendo muito em razão de seu estilo empolgante, no qual exibia farto repertório de dribles, alguns até, desmoralizantes.

Seu “modus operandi” consistia em aproximar-se do marcador em velocidade e de repente, estancar diante dele, oferecendo-lhe a bola num gesto provocativo. Então, colocava-a numa distância tal, que o adversário pensava ser possível roubá-la. Até que finalmente se atrevia a dar o “bote” e Mané, mais rápido, puxava a redonda e saía pela direita, deixando-o para trás, com extrema facilidade, muitas vezes provocando-lhe um tombo e as gargalhadas da torcida.

As excursões ao exterior que o clube realizava, renderam muito sucesso e dinheiro, tendo Garrincha como atração, especialmente quando se metia a driblar os gringos de cintura dura. Era um verdadeiro acontecimento e numa dessas excursões, nasceu o “olé” gritado pela torcida a cada um de seus dribles, como se fosse uma tourada.

Sua ingenuidade provocava casos hilários, como na partida diante do Reims, em Paris, em que o alvinegro vencia por 5×1 e o técnico Zezé Moreira gritou para o time se poupar, prendendo a bola nos seis minutos finais. Pois Mané confundiu tudo: pegou a pelota e não a largou mais, driblando os adversários e depois recuando, não passando nem mesmo para os próprios companheiros. Terminaria a partida com a posse da bola e a torcida o aplaudindo de pé.


A mesma confusão ele fez, quando o pobre Zezé quis ensiná-lo a ser mais objetivo nas jogadas. De cada dez lances em média, levava vantagem em uns oito. Problema era que a zaga adversária tinha tempo de se recompor e assim, rechaçar parte dos cruzamentos que ele executava. Zezé chamou-o ao gramado a sós e, colocando uma cadeira na ponta, explicou-lhe para que passasse por ela depressa e cruzasse logo para a área, sem ficar “enfeitando o pavão”, como se dizia.

Obediente a seu modo, Mané apanhou a bola, parou diante da cadeira, enfiou-lhe a bola por entre as pernas “apenas” uma vez e só então partiu rápido para a ponta, de onde cruzou, para desânimo de seu treinador.

Zezé nem falava mais nada: só pegava no pé, quanto às farras do ponta, com a mulherada. Mesmo casado, Garrincha não sossegava. Ao todo, teve doze filhos, entre esposas e namoros. Isso sem falar nas “moças-de-família” com as quais se envolvia. 

Mas não perdia oportunidade de ficar com as filhas e de estar em sua terra natal.  Assim que os jogos do Botafogo terminavam no Rio, ele se mandava para Pau Grande e ficava por lá, no boteco com os amigos, ouvindo discos em casa ou mesmo disputando peladas e até jogos por algum clube amador da região. Simples, jamais se deu conta de sua fama e sua popularidade entre os conterrâneos só fazia aumentar.

Até que em 18 de setembro de 1955, convocado pela Seleção Brasileira, estrearia com a “amarelinha”, no empate de 1×1 diante do Chile; a partir de 1957, passaria a fazer partidas mais regulares pelo selecionado nacional e finalmente em 1958, ganharia a condição de titular incontestável, se tornando dono da camisa “7”.

Mas voltemos aos amistosos: aos poucos, o time da “Estrela Solitária” foi acumulando vitórias estrondosas em jogos internacionais e as excursões iam se sucedendo: em 22/5/55, 4×1 no Tenerife, em 14/6/55, 5×2 na Dinamarca, em 19/6/55, 6×1 na Holanda, em 29/6/55, 4×0 no Torino, em 07/02/57, 6×1 no Honved, em 09/7/57, 4×0 no Sevilla. Nessas partidas (e em muitas outras) Mané foi destaque, marcando um ou mais gols.

Em 1956 o Botafogo procurara reforçar seu plantel, visando conquistar mais títulos e a chegada do célebre meia-direita Didi foi fundamental para que o futebol de Mané crescesse ainda mais, com os passes e lançamentos que recebia do “Príncipe Etíope”.

Mas a equipe chegaria mesmo ao seu ideal, na temporada seguinte, no Carioca/57.

Nele, o Botafogo realizou ótima campanha e fez a finalíssima diante do favorito Fluminense, que “cantava a vitória” antecipadamente.

Só que aquele domingo, 22 de dezembro, reservava muitas surpresas para o Flu, que não contava com a infernal atuação da dupla Garrincha-Paulo Valentim. E eles acabaram com o jogo, impondo ao tricolor, a derrota mais dilatada numa final de Campeonato Carioca em todos os tempos.

O Maracanã mal podia acreditar no que via: Mané aniquilou com a ala esquerda do rival, criando inúmeros lances de perigo, vários deles, aproveitados pelo artilheiro. Logo aos três minutos, Valentim abriu a contagem.

E aos 35 ampliou, após Garrincha – que vinha humilhando seu marcador Altair – ludibriou Clóvis e Pinheiro e encobriu Castilho, com Paulinho completando para as redes. Ele mesmo aumentou para 3×0 e assim terminou a primeira etapa.


No segundo tempo o “show” prosseguiu. Paulo Valentim marcou outros dois, totalizando cinco. Garrincha deixou o seu, aos 12 minutos: recebendo lançamento de Pampolini, ele venceu Clóvis e bateu em diagonal, ao entrar na área.

No último gol alvinegro então, aprontou um verdadeiro “salseiro” na zaga inimiga, antes de entregar de bandeja para Paulo Valentim. Final da contenda: 6×2 e o time saiu de campo, carregado pela torcida.

Assim era o futebol de Garrincha: ele jamais desejou ser a “vedete” do time. Jogava para a equipe, servia aos companheiros e parecia se divertir, fazendo seus marcadores de bobo. A torcida é que se divertia!

Mané era um sujeito tão desligado, que sequer sabia o nome de quem iria marca-lo; não que fosse menosprezo, mas pura inocência, mesmo. A um repórter que o questionou sobre isso antes de uma partida, ele respondeu:

– Não sei o nome dele, não: escreve aí que é um tal de João. 

O apelido ficou para todos os marcadores de Mané, a partir daí. Os “Joões” sofreram muito com os dribles do nosso herói, enquanto ele jogou.

Talvez até estivesse se referindo a João Berruga, zagueiro que melhor o marcara – segundo ele mesmo dizia – nos tempos de mocidade, em Pau Grande.

Um felizardo, diga-se de passagem, pois Mané infernizou muitos zagueiros por aí.

Que o digam os soviéticos, na terceira partida da Copa do Mundo de 1958.

A situação era a seguinte: sem Pelé (contundido) e Mané (afastado por ter driblado demais a zaga da Fiorentina, num gol em amistoso!), o Brasil precisou recorrer a eles, no jogo que valia a nossa classificação para as oitavas (15/6/58).

Eles desmantelaram o temido “futebol científico” apregoado pelos russos em três minutos de partida, apenas. Garrincha foi o mais espetacular deles, sem dúvida.

Nos vestiários, o técnico Vicente Feola explicou a Mané, qual sua missão em campo: “Mané, você recebe a bola e dribla o seu marcador. Quando aparecer o segundo, você o dribla também e corre para a linha de fundo. Uma vez lá, quero que cruze com força para trás, no pé do Vavá, que vai estar entrando de frente, pronto pra finalizar… alguma dúvida? E o ponta, sem maldade, respondeu: “Mas o senhor já combinou tudo isso com os russos também, ‘seo’ Feola”? Era mesmo de uma ingenuidade absurda.

Mas em campo…  

Em campo, com a bola começando a rolar, Didi lançou Garrincha, que gingou à frente do lateral Kuznetsov, fazendo-o cair pela primeira vez. O russo se recompõe. Mané aguarda. De novo, investe sobre ele e o dribla para dentro, ultrapassando-o. Mas freia e o deixa se recuperar. Então, o dribla novamente, desta vez, para os dois lados e penetra pela diagonal, sob a escolta de Voinov e Krijeviski, que acabam vencidos. Mané acerta então uma “tijolada quente” no poste esquerdo do “Aranha Negra” Yashin, já batido no lance.  Ou seja: na “primeira volta dos ponteiros”, os inimigos já estavam desmoralizados.

Mas Mané queria mais: no minuto seguinte, tabelou com Pelé, que acertou um chute no travessão. Mais um minuto e afinal, Vavá abre a contagem para o Brasil.

Pensam que ficou nisso? O “pânico” foi ainda maior aos 12 minutos, quando Zagallo cobrou um escanteio bem aberto pela esquerda: a bola caiu no bico da grande área e Mané driblou em zigue-zague, nada menos do que os quatro defensores russos que tinha pela frente. Yashin, maior goleiro do mundo de todos os tempos, se arrojou para evitar o pior.

O Brasil estava começando, sem saber, a ganhar sua primeira Copa do Mundo. Com Garrincha, é claro!

Na volta para casa, com a Taça Jules Rimet conquistada, o cartaz de Garrincha ganhou notoriedade também no mundo e o Botafogo prosseguiria com suas intermináveis excursões – especialmente pela Europa – tomando parte de alguns torneios – e assim, reforçando o plantel, com o dinheiro obtido. Apenas o Santos de Pelé mostrava-se páreo para a equipe no país, naquela época. Foi um período que marcou o “auge” do futebol brasileiro, sem dúvida alguma.

Nessa época, os adversários usavam de diversos expedientes, na tentativa de parar Garrincha. Alguns apelavam em geral para as faltas e até acabavam expulsos, especialmente quando se tratavam de equipes menores.

As maiores, geralmente com atletas de maior recurso técnico, promoveram grandes duelos em suas laterais, contra Mané.

Os três “Joões” mais conhecidos de Garrincha, foram Altair do Fluminense, Jordan do Flamengo e principalmente, Coronel, do Vasco. Até porque eram os rivais diretos do Botafogo, no Rio de Janeiro. Há boas histórias contra esses times, tendo o “Anjo das Pernas Tortas”, como protagonista, inclusive.

Numa delas Pinheiro, zagueiro do Flu, se contunde ao tentar marcar Garrincha. Ao invés de se aproveitar disso, ele chuta a bola para fora, para que o colega de profissão seja atendido, num gesto que é aplaudido por todo o Maracanã. Até então, ninguém havia visto um gesto de esportividade como aquele. Assim era Mané Garrincha. 


Já o lateral rubro-negro Jordan, era considerado por ele, como seu marcador mais leal.

A vítima preferida de Garrincha atendia pelo apelido de Coronel. Explique-se: o Vasco armava um esquema diferenciado na vã tentativa de parar Mané. Criaram uma marcação batizada de “fila”. Ela geralmente começava com o centroavante ou o ponta-esquerda bem recuado, dando combate assim que Garrincha recebia a bola.

Em média ficavam quatro adversários aguardando sua vez, um atrás do outro, para enfrentá-lo. Pacientemente, eram atendidos pelo “torto”. A torcida adorava, é lógico. E lá iam os marcadores se esborrachando pelo chão, um a um! Mas houve um dia, em que Garrincha exagerou e marcou talvez o gol mais bonito de sua carreira.

O Botafogo vencia o jogo, obrigando o Vasco a atacar. Foi daí que a zaga botafoguense roubou a bola e executou um passe longo para Garrincha, que estava um passo atrás da linha do meio-campo, pela direita.

Mané recebeu o primeiro combate de Coronel, mas gingou o corpo para a esquerda e saiu pela direita, lépido, agora pela meia-direita, em direção à grande área. No meio no caminho, topou com Orlando, que viera para a cobertura. Livrou-se dele, aplicando outro drible desmoralizante, mas adiantou demais a bola e o goleiro Miguel saiu desesperado, na esperança da defesa.

Feito um raio, Garrincha chegou primeiro e gingando novamente para a direita, saiu do goleiro também, que desabou com as pernas abertas. Acabou alcançando a bola, já bem próxima da linha de fundo. O zagueirão Bellini, experiente, correu pelo centro da área e optou por colar na trave, para fechar-lhe o ângulo de chute. Mané, de posse da bola, finge arrancar para o meio da área e ficar com a meta escancarada. Bellini então cai na cilada e desencosta da trave momentaneamente.

Neste exato instante, Garrincha chuta de direita, no mínimo vão que se abre, entre ele e o poste. Tremendo golaço e a torcida foi à loucura.

Mais uma das muitas diabruras de Mané Garrincha em campo. Mas e fora dele?

Mané era um cidadão pacato, simples, brincalhão, que se comportava feito moleque nas concentrações; não deixava ninguém em paz, brincando com os companheiros, o tempo todo. Se o goleiro Manga queria um bife, por exemplo, ele apanhava a travessa com carnes e berrava para ele, na outra ponta da mesa:

“Você quer o bife ‘expresso’?”. E atirava a bandeja, rente à mesa, em sua direção: pelo caminho, a travessa ia colidindo com pratos e talheres dos jogadores e espalhando os bifes por todos os lados, causando gargalhadas aos montes.

Mesmo os mais sérios e experientes, ele não poupava: se “passava a mão” em Didi, por exemplo, para tirá-lo do sério, ouvia do companheiro constrangido, o sermão merecido: “Não faça isso, Mané! Veja, não fica bem para mim, que tenho mais idade, sou casado, um chefe de família”. Garrincha instantaneamente ficava sério, abaixava a cabeça e pedia desculpas, aparentemente envergonhado.

Assim que Didi virava as costas, repetia o gesto, provocando-o novamente, enquanto os colegas de elenco morriam de rir. Como “consertar” um “meninão” desses?

Certa vez, em viagem pelo exterior, mal o Botafogo se instalou num hotel e ele simplesmente sumiu. Já sabendo de suas travessuras, Zezé Moreira teria apanhado um

táxi e mandado seguir para a “zona do baixo meretrício” , com o intuito de busca-lo e à tempo, inclusive, de ver Mané combinando, na calçada, o valor de um “relax” para dali a pouco.

Ao vê-lo descendo do táxi, todavia, Garrincha teria gritado: “Aí hein, seu Zezé… até o senhor por aqui?!”. Segundo a lenda, Zezé Moreira, envergonhado, teria entrado no veículo novamente e mandado o taxista retornar para o hotel.

Numa outra oportunidade, valendo-se de que o goleiro Manga não sabia ler, apanhou um jornal do saguão do hotel em que se encontravam e fingindo estar lendo, disse ao amigo: “Puxa, Manga! Você viu o que este jornalista escreveu à seu respeito? Que você só quer farra, não treina, nem quer nada com nada”. Pouco depois, o tal jornalista chegou ao hotel para fazer a cobertura do Botafogo e foi difícil segurarem Manga, que queria dar uma lição no cidadão, enquanto Mané morria de rir, escondido.

Os apelidos que ele criava para todo mundo com quem convivia, eram impagáveis.

Várias histórias do Botafogo – sobretudo de Garrincha – foram contadas pelo saudoso jornalista Sandro Moreyra. Outras, não.


A melhor de todas, para mim, talvez seja a que teria ocorrido numa partida diante do São Cristóvão, na qual, após uma tremenda arrancada de Garrincha – perseguido de perto pelo árbitro Amílcar Ferreira – ele resolve frear de maneira brusca.

Tão brusca, que o juiz acaba escorregando e leva o maior tombo, levando a galera ao delírio. Nervoso, Amílcar se levanta e –dedo em riste – foi logo avisando Mané: “Mais um drible desses e te boto pra fora!”. Assim era Mané Garrincha, “Alegria do Povo”.

Por outro lado, as atuações do ponta impressionavam quem nunca o havia visto jogar e surpreendiam muitos adversários. Seu estilo imprevisível era ajudado, em parte, por seu problema físico. A tal inclinação de seu corpo para um dos lados, fazia com que partisse sempre para o lado direito, com a vantagem de pelo menos um segundo em relação ao seu marcador. Isso, naquela corrida de 15, 20 metros, era considerável.

Mas nem sempre era assim.

Na Copa de 1962, no Chile, com a contusão prematura de Pelé, Mané tomou para a si a responsabilidade de jogar por ele e pelo amigo. Foi daí que, nas partidas diante da Inglaterra e Chile, abandonaria sua característica de jogar pela direita, geralmente rente à lateral.

Completamente diferente do jogo de estreia diante do México, quando se manteve ali o tempo todo, levando terror à zaga mexicana. Há inclusive uma foto colhida, dessa partida, em que ele, sozinho, avança com a bola na área diante de oito adversários que o cercam, além do goleiro, atentíssimo ao lance. Um deles, inclusive já está caído, driblado. Algo surreal.

Mas a contusão do Rei o faria atacar por todos os lados e de todas as formas, após o empate sem gols diante da Tchecoslováquia.

No complicado compromisso frente à perigosa Espanha, ele ainda se manteve em seu setor, sendo decisivo para o triunfo de virada, com dois cruzamentos precisos para Amarildo marcar os gols.

Já contra os ingleses, começou o “show”: corria por todos os lados do campo e não dava ouvidos à Aymoré Moreira, que lhe pedia para guardar posição. Se nem Bobby Moore conseguia contê-lo, o que dizer dos demais zagueiros? Viraram fantoches nas mãos – ou, melhor dizendo – aos pés de Garrincha.

Aos 32 minutos, aproveita um centro na área e abre a contagem de cabeça, fato raro, em se tratando dele. A esforçada Inglaterra empatou pouco depois e assim acabou o primeiro tempo.

No segundo, Vavá desempata após uma falta muito bem cobrada por Mané, com tamanha força, que estoura no peito do goleiro e ricocheteia para Vavá desempatar.

Agora são 14 minutos; Mané de novo está pelo meio e recebe uma bola de Amarildo. De fora da área, emenda um chute de curva, que entra no ângulo de Springett.

Pronto: a Inglaterra está derrotada e começa o “baile” inglês, onde Garrincha vai tirando os ingleses para dançar: Norman, Wilson e especialmente Flowers, vítima de uma fofoca mentirosa soprada no ouvido de Garrincha na véspera, dando conta de que o pobre lateral haveria dito que iria pará-lo, sem dificuldades. Na verdade um truque para mexer com seus brios e fazê-lo arrebentar com a zaga inglesa.  E foi o que acabou acontecendo.

O desafio seguinte seria contra os donos da casa, os chilenos, na semifinal. Pois ele não tomou conhecimento do adversário e “passou o trator” pela defesa inimiga.

Logo no começo, abriu a contagem, com um chute de canhota. O treinador chileno resolveu deixar três jogadores na cobertura, para marca-lo. Não adiantou.

Mais um gol de Mané (de cabeça!) encurta o caminho para a vitória. O Chile desconta, mas no início da etapa complementar, Garrincha se livra da marcação e centra para Vavá ampliar. O Chile diminui de novo e tenta envolver o Brasil, na base da correria.

Mas aí nossa Seleção era mais time e Vavá faz 4×2.

No final, após ser agredido com um tapa no rosto, Garrincha revida a agressão do lateral Rojas, com um chute nos fundilhos e acaba expulso pela primeira vez em sua carreira. Desorientado, demora-se para deixar o gramado e é alvejado por uma pedra na cabeça, arremessada pela torcida. Fica magoado com isso.

Mas Paulo Machado de Carvalho mexe seus pauzinhos e obtém uma espécie de “efeito suspensivo” para que ele jogue a final.

Mesmo febril, ele entra em campo e prende os marcadores adversários com suas jogadas de efeito, abrindo espaços para que os outros atacantes liquidem a fatura. Final de jogo e o Brasil é bicampeão mundial. Graças principalmente, a aquele verdadeiro “Chaplin” do futebol.

O ano de 1962 ficaria marcado para sempre, como a apoteose da carreira de Mané. Foi uma temporada pródiga de conquistas e que culminaria com aquela que é considerada

talvez, a maior atuação em sua carreira: a final do campeonato carioca, contra o Flamengo.

Logo no início da temporada, no dia 03 de janeiro, o Glorioso enfrentou o Santos, num jogo de “entrega de faixas”, com destinação de parte da renda para fins beneficentes.


Foi um “jogão”, reunindo a nata do futebol brasileiro da época. De um lado Pelé, Pepe, Coutinho, Zito, Mauro, Calvet, Lima. Do outro, Manga, Nilton Santos, Rildo, Didi, Quarentinha, Amarildo, Zagallo e ele. Deu 3×0 Fogão, com direito a novo “show” de Mané Garrincha.

Momentos antes dessa partida, aliás, ele recebeu um moderno Simca-Chambord, então o veículo nacional mais luxuoso na praça – ali mesmo, no gramado – fruto de um concurso promovido pela revendedora Simcar e o Jornal dos Sports, para eleger o jogador mais querido do Rio. Foi durante este concurso que angariou o apoio da grande intérprete Elza Soares, com a qual viveria uma história de amor por dezesseis anos.

Do início ao final daquele ano, tudo foi perfeito para Garrincha e para o Fogão.

E, se o ano se iniciara com uma goleada de 3×0 em cima do poderoso Santos, se encerraria ainda melhor, com placar igual, sobre o Flamengo, no dia 15 de dezembro, após belíssima campanha, na grande decisão do campeonato carioca.

Público de praticamente 159 mil pessoas no Maracanã, naquele sábado inesquecível!

Flávio Costa monta um esquema no qual Gérson é escalado como falso ponta-esquerda, com a principal tarefa de dar o primeiro combate a Mané.

O Flamengo começou tentando tomar a iniciativa, mas foi logo surpreendido pela grande superioridade técnica do adversário e pela atuação histórica de seu camisa 7.

Aos 10 minutos, após uma ação ofensiva fracassada do rubro-negro (o qual, aliás, jogava com a vantagem do empate debaixo do braço), Amarildo executa um longo passe para Mané, próxima da lateral, já em seu campo de ataque.

Ao invés de parar e encarar seus marcadores um a um, Garrincha prefere arrancar em altíssima velocidade, deixando Jordan para trás e passando ao lado de Vanderlei que chega atrasado, enquanto Fernando deixa a meta em desespero, mas é tarde: o “torto” já invadiu a área pela direita e bate rasteiro, à queima-roupa: 1×0. E no próprio impulso de sua incrível disparada, Garrincha acaba saindo pela linha de fundo e saltando por sobre os fotógrafos postados atrás da meta. Sua felicidade transborda. A vantagem do Mengo se desfizera em meros 10 minutos.

Depois disso o que se viu foi o talento ante o desespero. Por um lado, um time perdido em campo, tentando ombrear na base da raça, mas sem condições visíveis para isso. Do outro, uma equipe que tocava a bola consciente e que acionava sua estrela maior, toda a vez que queria fustigar o adversário.

Por alguns instantes – enquanto Amarildo se contunde, deixa o gramado e ao voltar, tenta trocar sem sucesso de posição com Garrincha – o Flamengo ainda tem descanso.

Todavia, passada essa breve interrupção, se restabelece a superioridade alvinegra e o segundo gol parece mera questão de tempo e capricho, apesar de Amarildo ainda não estar 100%, o que na teoria significaria o Fogão ficar momentaneamente com dez.

Na teoria, porque com Garrincha endiabrado, quem na prática estava em vantagem era o Glorioso.

Tanto isso era verdade, que aos 34 minutos, o Flamengo desperdiçou nova descida ao ataque e na recomposição, o Botafogo desceu com Ayrton, que serviu Edson. O meia não teve dúvidas: acionou Garrincha pela direita. A torcida se inflamou.

Mané arrancou e já ao lado da risca da grande área, aprontou um carnaval pra cima de Jordan e Gérson (ninguém segurava o homem!). Ao invés de chegar ao fundo, prefere atirar com violência para dentro da pequena área, surpreendendo o goleiro Fernando que se atira ao chão, mas não alcança a bola e também do zagueiro Vanderlei, que aparvalhado, quase tromba com o goleiro e acaba levando uma bolada na cara, pois a redonda havia tocado no solo e ganhado altura.

A bola explode no rosto do pobre zagueiro e vai para as redes, entrando no ângulo: 2×0 Botafogo. A torcida do Flamengo se cala. A do Botafogo começa a pedir “mais um”, antevendo uma goleada.

E a goleada se materializaria logo após o intervalo: passava dos dois minutos de jogo naquele segundo tempo, quando Zagallo desce pela esquerda e centra para Quarentinha que mesmo marcado, acerta um voleio magnífico.  A bola explode no peito de Fernando, que não consegue segurar e no rebote, Garrincha liquida a fatura: 3×0 e a torcida não se contêm mais, aos gritos de “É, campeão!”.

Somente aí o Flamengo “acordou para o jogo”, abortando os inofensivos cruzamentos para a área e passando a jogar com objetividade. Com o Botafogo já desinteressado na partida e Garrincha aparentemente satisfeito, o rubro-negro criou algumas chances de perigo, parando na trave e em algumas defesas de Manga.

Mas não passou disso e o caneco levantado pelo Botafogo fez jus a uma campanha das mais formidáveis, encerrando com “fecho-de-ouro”, uma temporada perfeita.

Ao todo, a equipe de General Severiano realizou 66 partidas em 1962. Venceu 46, empatou 12 e perdeu apenas oito. Fez 147 gols e sofreu 65. O artilheiro do time foi Amarildo “Possesso” com 37 gols. Garrincha marcou 18, fora os tantos que proporcionou em assistências fabulosas, para os companheiros.

Aliás, muita gente se beneficiou com os passes e cruzamentos de Mané, ao longo de sua carreira. Quem precisava se firmar no time, quem sonhava com uma transferência durante alguma excursão do Glorioso pelo exterior, costumava recorrer a Garrincha nessas horas, pedindo sua ajuda com assistências “na manteiga” para que fizessem os gols necessários e assim, atraíssem os holofotes da imprensa e conseguissem seus intentos.

Pergunte quantos deles deram um único tostão para o “Anjo das Pernas Tortas” como gratidão pela ajuda concedida?

Mas Mané jamais cobrou nem ficava magoado. Aliás, mesmo em campo, quando era atingido com violência pelos adversários, não reclamava: levantava-se, arrumava o “meião” e prosseguia, sem piruetas espalhafatosas, nem gestos desnecessários. Parecia conformado até, com seu destino de apanhar.

O estilo de jogo de Mané atraía os marcadores e contribuía para esse tipo de situação. Aos poucos, no entanto, as seguidas contusões e principalmente o desgaste daquele corpo torto cobravam seu preço: desenvolveu uma artrose crônica nos joelhos desgastados pela dura vida de atleta profissional, impondo-lhe a necessidade de uma cirurgia que ele procurava evitar.

E tome Garrincha no “estaleiro”, tentando poupar o que ainda lhe restava de saúde nas pernas, precisando jogar apenas uma vez por semana, enquanto a necessidade do Botafogo era maior: duas ou até três vezes, no mesmo período.

As excursões, fonte importante de receita da agremiação para manter o melhor elenco possível, exigiam isso. Em algumas oportunidades, Mané submeteu-se a infiltrações no joelho, que tiravam a dor por um período, mas definitivamente não resolviam o problema, possibilitando apenas que ele jogasse.

As dores só faziam crescer. O joelho inchava, sofria derrames, até.

Foi um período difícil no relacionamento entre o clube e o atleta. O compadre Nilton Santos procurava sempre ajuda-lo e às vezes acabava até indo à Pau Grande, para convencê-lo a voltar, evitar alguma punição ou interceder por ele junto ao clube. 

Com o tempo, Garrincha passou a exigir pagamentos maiores. Em certos casos, queria equiparar-se a prêmios que Pelé recebia no Santos.


Parecia justo, pois Mané, assim como o Rei, era a atração maior de seu time e dessa forma, o valor cobrado por apresentação numa turnê, crescia. E o Fogão (geralmente após uns dias de ausência de Mané nos treinos, emburrado e escondido em sua Pau Grande) acabava cedendo e pagando o que ele reivindicava com justiça.

Mas suas atuações em alto nível já não eram reeditadas, pelo problema físico. Após driblar a cirurgia por algum tempo, acabaria operando, depois do médico lhe garantir que, se ela não resolvesse o problema, ao menos não o agravaria.

E foi o que aconteceu: operado, o problema acabou não sendo solucionado e Mané entrou numa fase complicada de desentendimentos constantes com o clube, não participando de muitos jogos e treinos e já com 32 anos, acabaria indo para o Corinthians, que ofereceu um bom valor por ele, no início de 1966: 220 milhões de cruzeiros.

Mas no Parque São Jorge, Mané não conseguiria reeditar suas atuações dos tempos de Botafogo, clube pelo qual marcou nada menos do que 245 gols em 614 partidas.

Embora fosse o jogador mais famoso do elenco (que contava com o novato Rivellino em suas fileiras), Garrincha pouco pôde fazer pelo Timão.

Após uma estreia frustrante em 02/3/66, perdendo por 3×0 para o Vasco no Torneio Rio-SP, ele atuaria em mais alguns jogos naquele mesmo mês, fazendo gols diante do Cruzeiro e do São Paulo.

Mesmo atormentado pelo problema nos joelhos, acabaria sendo o único no elenco, convocado para a Copa de 1966. Após uma campanha decepcionante da Seleção, pela qual marcaria seu último gol (de falta, sobre a Bulgária) e depois sofreria sua única derrota pelo Brasil (3×1 para a Hungria), Garrincha retornou ao Timão e realizou suas últimas partidas pelo clube.

Numa delas, levou um pontapé no joelho, desferido por Zito, que chegou a ser acusado de encerrar a carreira de Mané. Não é verdade: a carreira de Garrincha já se arrastava e continuou se arrastando, mesmo após ele deixar o Corinthians, com passe livre no final daquela temporada, após apenas treze partidas disputadas.

Começaria então, uma peregrinação por clubes do Brasil e até do exterior. Retornou ao Brasil no finalzinho de 1968, para atuar pelo seu time de infância, o Flamengo.

Entretanto, sua passagem pela Gávea foi semelhante à do Corinthians e o Mengão decidiu usá-lo mais em partidas amistosas pelo interior do Brasil, numa excursão cujo objetivo maior era tornar o clube ainda mais popular pelo Norte e Nordeste.

Atuaria quinze vezes ao todo, marcando quatro gols. Deixou o rubro-negro depois de seis meses e rodou pelo Brasil, buscando talvez, reencontrar o futebol do passado, sempre em clubes mais modestos.

Terminou no Olaria, em 1972, realizando dez partidas. Seu único gol pela equipe (e o último de sua carreira profissional) foi marcado aqui em Ribeirão Preto, no confronto diante do Comercial (22/5/72), num empate de 2×2. Foi aos 20 minutos do segundo tempo, quando ele apanhou uma rebatida da defesa e fez o segundo do Olaria.

Atuaria os 90 minutos da partida e ao final, recebeu um troféu em agradecimento por sua presença naquele amistoso. Retribuiu agradecendo a todos, sempre com seu sorriso sincero no rosto. Nem precisava.

Em dezembro de 1973, realizou-se no Maracanã o “Jogo da Gratidão”, no qual um combinado brasileiro enfrentou outro, estrangeiro, num Maracanã com casa cheia, tudo para ajuda-lo financeiramente. Ele atuou por trinta minutos e fez o publico se transportar no tempo, ao driblar o zagueiro Bruñel como nos velhos tempos, apesar de já ser um quarentão aposentado.

Ao final, com o dinheiro arrecadado, pôde comprar uma casinha para cada uma das filhas, outra para ele, um carro usado e fazer sociedade numa churrascaria.

Depois disso, o “Alegria do Povo” rodou o Brasil, atuando em times de todos os rincões deste país. Times modestíssimos, sem tradição, mas que tinham interesse em tê-lo em suas fileiras, uma partida que fosse.

Simplório, Garrincha não costumava rejeitar convites e cumpria sua missão de levar alegria às comunidades mais distantes.

Por um bom tempo, atuou ao lado de craques do passado, na badalada equipe de veteranos do Milionários, o qual se apresentava por todo o Brasil, em jogos festivos. Djalma Santos talvez tenha sido seu maior companheiro em campo, nessas partidas.

Mas além de sua limitada condição atlética e o peso da idade, o alcoolismo aos poucos começavam a comprometer sua saúde, minando seu fígado e pâncreas.

Até que em 20 de janeiro de 1983 viria a falecer, vítima de cirrose hepática. Tinha apenas 49 anos de idade. 

Ao todo, alegrou a torcida em 771 partidas, nas quais assinalou 301 gols (incluindo os jogos não oficiais) além de outras centenas, que proporcionou aos companheiros nas equipes pelas quais passou.

Garrincha serviu até mesmo de inspiração para o saudoso compositor e poeta Vinícius de Moraes, que em 1962 compôs um soneto denominado “O Anjo das Pernas Tortas”.


Por isso tudo e muito mais, este texto visa homenagear o mestre dos dribles, que jamais deixou que os pontapés dos adversários o fizessem abdicar de seu futebol moleque, alegre, mambembe, até.

Feito um palhaço de circo obrigado a fazer a plateia sorrir mesmo quando está triste, Mané aceitou muitas vezes apanhar em campo, apenas por mais um drible debochado, pela alegria incontida provocada na multidão que o assistia. Sem ele, o espetáculo perdeu sua própria razão de ser para muita gente, inclusive para mim.

E é por isso que eu sempre repito meu querido Mané Garrincha: maldosamente, muitos te consideravam um aleijado, um bêbado, um matuto. Outros ainda, um inconsequente, um atrevido, um tolo. Nada disso.

Para mim e para a esmagadora maioria da torcida brasileira e mundial, você foi, é e sempre será um gênio driblador; simplesmente o jogador mais espetacular que este apaixonante esporte chamado futebol já conseguiu produzir.

NAQUELE TEMPO ERA ASSIM

por Victor Kingma


No próximo dia 7 de outubro os eleitores brasileiros estarão escolhendo através do voto secreto e soberano o novo presidente da república, que governará o país pelos próximos quatro anos. Um direito sagrado, que hoje é garantido pela constituição brasileira.

E foi justamente em defesa desse direito que aconteceu, em 1984, um dos mais marcantes movimentos da história política do Brasil: a luta pelo retorno das eleições diretas para presidente, sistema que havia sido interrompido após a implantação do regime militar, em 1964.

O movimento “Diretas já” tomou impulso após uma histórica entrevista do senador Teotônio Vilela, no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes.

A bandeira levantado pelo Menestrel das Alagoas, como ficou eternizado na canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, foi ganhando as ruas e arrastando multidões para os comícios organizados nas principais capitais do país. Animados pelo locutor esportivo Osmar Santos, contava com representantes de toda sociedade brasileira e clamava pela aprovação da emenda constitucional do jovem deputado mato-grossense Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para Presidente da República.

Apesar de todo o clamor popular, no dia 25 de abril daquele ano, a emenda  “Dante de Oliveira” embora tenha vencido a votação no plenário, não conseguiu os 2/3 dos votos necessários para a sua aprovação, causando uma grande comoção.

Finalmente, em 1989, após a nova constituição promulgada em 1988, foi realizada a primeira eleição direta para Presidente após 25 anos, sendo eleito pelo voto popular o alagoano Fernando Collor de Mello e seu vice, o mineiro Itamar Franco, quando foi definitivamente restabelecida a democracia no Brasil.

Na música internacional Michael Jackson estourava nas paradas de todo mundo com o mega-sucesso “Thriller.”  No Brasil, Roberto Carlos com a canção “Caminhoneiro” e Chico Buarque e seu clássico de protesto “Vai Passar” seguiam sua rotina de sucesso. O rock estava em alta no Brasil naquele ano e uma série de novas bandas despontavam com seus hits: Ultraje a Rigor, “Inútil”,  Paralamas do Sucesso, “Óculos” e Titãs, “Sonífera ilha.”  

Na televisão o SBT exibia o primeiro episódio de uma série mexicana, que veio a contrapeso num pacote de filmes comprados pela emissora. Silvio Santos jamais poderia imaginar que os personagens Chaves, Seu Madruga, Quico, Senhor Barriga, Professor Girafales, Dona Florinda, Chiquinha, etc. tornariam uma febre e fariam tanto sucesso por todos esses anos.

E no futebol?


No futebol, o Fluminense, com um time muito bem armado pelo técnico Carlos Alberto Parreira, e com uma defesa quase inexpugnável, que ficou os cinco últimos jogos da competição sem tomar um gol sequer, conquistou o Campeonato Brasileiro daquele ano, numa decisão contra o rival, Vasco da Gama. Venceu a primeira partida por 1 x 0 e empatou a decisiva por 0 x 0. Apesar da forte defesa, os destaques do time eram o meio campista paraguaio Romerito, autor do gol do primeiro jogo, e a dupla de ataque formada por Washington e Assis, que ficaria eternizada como o “Casal 20”, em alusão a uma série que fazia de muito sucesso na televisão, na época.

Naquele tempo era assim.

O MERCADO DA BOLA

por Mateus Ribeiro


A vida do ser humano adulto é repleta de desafios. Particularmente, um desses desafios que menos me empolga é ir até um supermercado fazer compras. E dia desses, fui obrigado a encarar essa missão, que para mim é um verdadeiro martírio.

Antes que vocês, leitores e leitoras, imaginem que eu estou louco, esse texto é para o Museu da Pelada mesmo. Acontece que para deixar o meu passeio dentro do mercado um pouco mais divertido, tentei comparar uma tarde de compras de mantimentos para a casa com uma partida de futebol. E acredite se quiser, existem muito mais coisas em comum entre um mercado em dia de pagamento e um jogo de chutebola do que você consiga imaginar.

O primeiro passo do trabalho de Hércules foi verificar as finanças. E as semelhanças começam por aí. Fui com o intuito de fazer uma comprinha básica (mais alguns luxos), e tive que preparar uma boa grana. Isso já me fez lembrar do preço pornográfico de um ingresso para assistir qualquer pelada aqui no Brasil. Se o pão custa caro, o circo não fica atrás.

Juntei as economias, e adentrei no gramado, digo, no mercado. Como de costume, fiz como os treinadores brasileiros, e decidi cuidar do básico primeiro: se o Mano Menezes, o Carille, o Aguirre, e tantos outros preferem arumar a casinha primeiro pra depois partir pro ataque, resolvi fazer como eles, e tratei de garantir o arroz e o feijão antes de tudo. O problema é que só ali, meu orçamento já sofreu um baita desfalque. Tal qual os times dos citados treinadores, consegui garantir o essencial, mas tinha certeza de que não iria conseguir mais do que uma vitória magra nessa luta contra a balança da economia. É feio? Não. É eficaz? Extremamente.


Feito o básico, chegou a hora de dar uma enfeitada no carrinho. Afinal, o arroz é importante, o feijão carrega o piano, mas um tomate, um alface e uma mandioquinha, apesar de aparecerem com menos frequência, sempre dão um toque de elegância. São tipo os camisas 8 do time. O problema é que procurar verduras e legumes no mercado se assemelha bastante ao trabalho de um dirigente procurar um jogador: pouco dinheiro, e as opções boas normalmente são caras. A vida é feita de escolhas, e da mesma forma que o gerente (ou diretor) de futebol tem que garimpar um jogador de nível, eu tive que tomar muito cuidado pra não pegar nenhum legume ou verdura bichados. A grana tá curta, não se pode tomar decisões erradas nestes momentos. Usei todos os conselhos que mamãe e papai me deram quando eu era um dente de leite dos mercados, e consegui cumprir bem a tarefa. Ponto pra mim, já posso ser o diretor de futebol de algum time da cidade.

No meio do caminho, resolvi comprar uns ovos também. Só pra garantir. Estavam baratos, e sabe aquela vitória magra, contra o lanterna do campeonato, que você se esforça o mínimo possível? Pois bem, ia sobrar uns trocos, e investi ali. Se eu não compro, iria sentir falta de mistura no final do mês. E se o time do lado de cima da tabela perde pontos contra o último colocado, no fim do campeonato, os pontos fazem falta. Já estava começando a me divertir, quando cheguei em uma parte que eu simplesmente abomino: comprar carne.

Pensei em dar uma de Neymar (dar um migué), e furar a fila do açougue. Mas eu me sentiria mal, e preferi ir nas bandejas que ficam no freezer. Olhando para aquilo, pensei: aqui no freezer, temos o futebol atual. Plastificado, feito para ser vendido da maneira mais bonita possível. Até perdi a vontade de comprar. Fiz como o Karius, e comprei um frango.

Eis que eu chego na área de bebidas. Ali, havia refrigerantes e cervejas para todos os gostos. Como sou um Atleta de Cristo, fui para a parte dos refrigerantes. Fiquei assustado com o preço. Mas não com o preço dos refrigerantes de marcas maiores, mas com alguns que nem de longe justificam o valor estipulado. Digamos que Lucas Lima, Ganso, Gabigol estavam custando quase a mesma coisa que o Messi. Já que iria gastar dinheiro de qualquer forma, resolvi levar uma Messi Cola pra casa.


No final das contas, gastei o que não tinha, o que não poderia, e certamente não conseguiria agradar meus familiares com a compra que fiz. Certamente, eu iria ficar com cara de dirigente megalomaníaco que  contrata Deus e o Mundo, mas no final das contas, não consegue entregar nenhum resultado para os torcedores. Torcedores nunca ficam satisfeitos.

Sabe quem se dá bem nessas historias? Os donos dos mercados, os empresários de jogadores, e todo mundo que fatura nessa história. Quanto a nós, pobres torcedores e clientes, só nos resta gastar nosso rico dinheirinho, e ser feliz com o pouco que conseguimos comprar (e assistir).

Ainda bem que depois de pouco mais de 90 minutos, eu já estava voltando pra casa. O futebol, esse infelizmente não está voltando. E parece que dificilmente vai voltar.

Um abraço, e até a próxima!

A FALÁCIA DESMENTIDA

por Israel Cayo Campos


No Brasil criou-se o velho jargão de que política, religião e futebol não se discutem! Quando na verdade, talvez sejam na atualidade os três assuntos mais discutidos das mesas de bares reais a aquelas virtuais que permeiam a nossa tão próxima, mas ao mesmo tempo distante sociedade. Pior que isso, são aqueles que alegam que futebol e política não se misturam! Quando na verdade estão mais entrelaçadas na história do que linhas de um casaco de tricô que nossas amadas e antigas vovós faziam.

Aqui não cabe uma discussão como a que dividiu o país, entre direita e esquerda, até porque na minha humilde opinião de professor pós-graduado, a maioria das pessoas sequer sabem o significado dessa simetria. Mas apenas mostrar que na história do futebol, a política e os políticos sempre aproveitaram do esporte bretão e obviamente de sua popularidade para promoverem seus regimes ideológicos, ou até mesmo simplesmente para se perpetuarem em seus cargos.

A FIFA, organismo maior do futebol mundial, possui dezoito nações reconhecidas a mais do que a Organização das Nações Unidas (ONU). São 211 membros da entidade futebolística contra 193 membros do organismo criado no pós-guerra com o objetivo de mediar os problemas entre as nações da maneira mais pacífica possível (o que mais 70 anos depois de sua criação, não parece ter ainda alcançado seu êxito completo!).

É claro que é mais fácil ser reconhecido enquanto nação por uma entidade futebolística do que por uma política. Pois para um órgão político reconhecer qualquer país, esse deve passar por um trâmite burocrático muito maior do que para ele entrar em um organismo esportivo! Entretanto, países como Kosovo, Porto Rico e a Palestina, não reconhecidos enquanto estados nacionais pela ONU, são aceitos como tais pela FIFA (Kosovo ainda dando os primeiros passos). O que denota que a busca da soberania nacional se dá primeiro por meio do esporte para essas nações! O que num futuro, contribui para um reconhecimento político! Colocando, portanto, um organismo de menor importância como a FIFA, com um status tão importante quanto o da ONU no quesito aceitação!

Não pretendemos aqui contar toda a história da relação entre política e futebol existente. Daria uma coleção de livros! Por isso, mais uma vez utilizaremos o recorte das Copas do Mundo, e a partir desse, tentaremos explicar o quanto política e futebol andam de mãos dadas, para tristeza do esporte e a alegria de alguns déspotas que já passaram pela história da humanidade nesse “Breve Século XX” (Frase do historiador Erick Robsbawn, de quem sou fã), e início do século XXI.

1934 e 1938 – A vitória do Fascismo!


A Itália de meados dos anos 1930 até o início dos anos 1940 possuía a melhor seleção de futebol do mundo. Sílvio Piola, Meazza, Colaussi, Ferrari, Orsi, Guaita e Schiavio formavam o melhor ataque daquele período! Sabendo disso, o ditador italiano Benito Mussolini resolveu aproximar o regime fascista ao qual o estado italiano estava sendo comandado, a aquela brilhante seleção. Para 1934, conseguiu trazer a disputa do campeonato para a “Bota”, e a partir daí tonou-se obrigação dos italianos a vitória do torneio.

No torneio, Mussolini tentou mostrar as qualidades de seu país, e consequentemente do seu regime fascista para o restante do mundo (Para quem desconhece o que é fascismo, resumimos ao dizer que o mesmo é um regime autocrático, centralizado na figura do ditador, onde há uma valorização dos conceitos de nação e raça sobre os demais valores, muitas vezes por meio da força bruta). Ao final do torneio, recebeu elogios do também ditador brasileiro Getúlio Vargas, o qual enaltecia a recuperação da moral do povo italiano, esquecendo-se ou não que aquilo era um jogo de futebol, e não um reflexo das condições de vida do povo italiano!

Nas quartas de final, o técnico italiano Vitório Pozzo já havia enaltecido as qualidades do fascismo após a dura vitória contra os espanhóis nas quartas de final. Mas o mais curioso desse torneio veio na partida final contra a Tchecoslováquia. Pouco antes dos jogadores italianos entrarem em campo, receberam um bilhetinho enviado pelo próprio “Duce” onde estava escrito: Vitória ou morte!”. Para bom entendedor meia palavra basta! E para a sorte dos italianos, o país saiu vencedor do mundial.

Até hoje não se sabe ao certo o contexto da frase enviada por Mussolini aos seus jogadores, mas o desabafo do próprio Pozzo ao final da partida cria ao menos uma linha de entendimento mais óbvia: “Como teria sido terrível perder, e como é belo o futebol quando se ganha.”

 Para Mussolini, a derrota da seleção italiana em casa também seria a derrota de seu regime político, e daí muito provavelmente a frase de alívio de Pozzo, único técnico bicampeão do mundo até os dias atuais.

Em 1938, no primeiro mundial da França, os italianos jogaram de preto, um uniforme alusivo as cores do fascismo. Mussolini não tinha mais o mesmo controle sobre os bastidores do mundial como quatro anos antes. Mas ainda exigia de sua ótima geração mais um título mundial! A Itália dois anos antes, na casa do seu aliado Adolf Hitler, já havia conquistado a medalha de ouro frente aos austríacos por 2 a 1. Mas para o embusteiro ditador italiano, mais uma vitória era necessária!

Os italianos, independentemente das ameaças fascistas eram os melhores, e mesmo sobre risco de surra da torcida francesa, principalmente em Marselha, cidade que abrigava muitos refugiados da guerra civil espanhola, entravam em campo e faziam a saudação fascista com a mão estirada ao estilo dos antigos imperadores romanos e dentro de campo passavam como tratores sobre os adversários! Mesmo vaiada, a seleção de Pozzo e Mussolini conseguiu seu bicampeonato mundial, e o triunfo, ao menos no esporte, do fascismo italiano sobre as demais “raças”.

Para Mussolini, as vitórias no futebol eram maravilhosas, pois em meio a um país endividado e cheio de problemas sociais, as vitórias no futebol seguiram como um alento para o povo italiano, o que para azar dele, acabou com o início da Segunda Grande Guerra em 1939.

Sobre 1938, apenas um adendo. Até hoje o único jogo vencido por W O em uma fase final de Copa do Mundo se deu nesse mundial. E por motivos políticos! O jogo entre Suécia e Áustria fora vencido pelos escandinavos pois a Áustria, meses antes (março de 1938), havia sido anexada pela Alemanha Nazista de Adolf Hitler ao seu território (a Anschluss), e com isso, os melhores jogadores austríacos foram pela seleção alemã! Menos um! MatthiasSindelar.O “Homem de papel” se recusou a jogar pela seleção nazista, o que provavelmente (não há provas concretas) levou ao seu falecimento por envenenamento em janeiro de 1939 enquanto dormia com sua namorada italiana.

1950 – A política brasileira ajuda no “Maracanazzo”

O Brasil ser campeão do mundo em 1950 era importantíssimo não só para nossos jogadores, bem como, nossos políticos que almejavam promoverem-se às custas do que seria então o primeiro título mundial brasileiro! Brasil que já começara seu processo de industrialização e nacionalização de nossos recursos minerais, que já possuía artistas se destacando com a famosa “Semana de arte moderna de 1922” …,mas faltava o triunfo esportivo.

Com os países europeus devastados após a Segunda Guerra, conseguimos o direito de sediar o mundial em casa, construímos o até então maior estádio do mundo! A mania de grandeza era enorme que outro resultado não era aceito, ainda mais depois de duas goleadas históricas sobre Espanha e Suécia! O título da Copa do Mundo era o que faltava para um Brasil queria se mostrar no cenário internacional!


Faltava o jogo contra o rival Uruguai, o clima de já ganhou tomava conta do povo brasileiro, e aí era o momento que todos os políticos e candidatos a políticos resolverem aparecer! Ao invés de se prepararem adequadamente para o jogo final, os jogadores brasileiros tiveram que passar por uma sequencia de protocolos com deputados, senadores, candidatos a presidentes…Todos prometendo “mundos e fundos”!O que na palavra do goleiro Barbosa, ficaram só os “fundos” para os jogadores brasileiros, que sequer se alimentaram adequadamente para a final. É claro que não foi esse o motivo principal para a derrota brasileira, mas como disseram todos os jogadores que estiveram naquela final, o Brasil começou a perder a Copa do Mundo de 1950 graças aos políticos que resolveram aparecer na hora errada!

Os tanques em Budapeste impedem uma segunda chance para a brilhante geração húngara.

A Hungria havia perdido o mundial de 1954 no que ficou conhecido como “O milagre de Berna”. Aquela geração excepcional húngara saia como melhor seleção do torneio, mas derrotada!

Entretanto, havia uma nova chance! 1958 na Suécia! Claro que aquela geração estaria quatro anos mais velha, mas ainda assim contaria com jogadores excepcionais em boa idade para a disputa do torneio. O grande goleiro Grosics teria 32 anos, Lantos 29, Tóth 29, Kocsis 28, Czibor 28, Kubala 29 e Puskás 31 anos. Sem contar os jogadores que surgiriam a base dessa seleção e os que estavam no banco do mundial da Suíça. Se seria campeã não há como saber, mas que seria ainda uma grande Seleção não há nenhuma dúvida…

Só não foi por um motivo.Em 10 de novembro de 1956, tanques soviéticos invadiam Budapeste, a capital húngara, e tomavam o poder no país. A Hungria passava a ser membro dos países do Pacto de Varsóvia, aliados diretos da União Soviética. Era o progresso do que ficou conhecido como “Guerra Fria”, onde o país passou a fazer parte do que ficou conhecido como “Cortina de Ferro!”

Após a morte de mais de 20 mil pessoas que defendiam a Hungria da invasão soviética, mais os milhares de presos e condenados políticos, uma rendição era a única coisa possível a se fazer! Para os jogadores de futebol da magistral seleção húngara só uma coisa restava… Fugir do país e ir tentar a vida em outros locais da Europa. Nunca mais vestindo a camisa da grande seleção do leste europeu.

Kubala foi ser ídolo do Barcelona, Puskás do Real Madrid, Czibor e Kocsis foram respectivamente para a Roma e o Barcelona…E assim foi com todos os jogadores daquela geração. Alguns chegaram até a se naturalizar por outros países como o caso de Puskás que virou “espanhol”, mas a maioria mesmo não se naturalizando jamais voltou a vestir a camisa de sua seleção natal!

Graças a União Soviética e a Guerra Fria, não podemos ver a segunda chance da geração de ouro húngara em uma Copa do Mundo que poderia ter sido a sua redenção! Como o “se” não joga, o Brasil ficou com aquela taça, mas nenhuma decisão política foi tão direta para definir a história das Copas do Mundo como os tanques de Budapeste!

1970 – 90 milhões em ação e as eleições do parlamento inglês…


Em 1970, a Inglaterra, então atual campeã do mundo chegava ao México como favorita ao título. A classificação no “grupo da morte” daquela Copa continuava a manter a esperança dos inventores do futebol, que mesmo perdendo para o Brasil na fase de grupos, tinham um time melhor do que o que fora quatro anos antes campeão em casa.

A derrota para a Alemanha Ocidental nas oitavas de final por 3 a 2 e a precoce eliminação para uma seleção que acreditava que aquela seria a Copa da confirmação do futebol Inglês como o maior de todos foi um balde de água fria até para os esnobes ingleses! Ao ponto do primeiro ministro britânico Harold Wilson por a culpa da sua não reeleição cinco dias depois do jogo no fracasso inglês naquela Copa!

Quanto ao Brasil, depois do vexame na Copa da Inglaterra, uma grande desconfiança tomava conta da Seleção nas eliminatórias! Um novo técnico era chamado para montar uma nova Seleção brasileira. O comunista assumido João Saldanha, o “João sem medo”.

Ao tomar o comando do time, o futebol brasileiro se reencontrou. Com uma base de jogadores formada por Santos e Botafogo, Saldanha classificou o Brasil para o mundial do México com “os pés nas costas!” Mas aí começaram os problemas!

O Brasil passava por um período de ditadura comandada pelos militares, e mesmo sabendo da ideologia de Saldanha, o governo militar o aturava devido aos bons resultados da Seleção nas eliminatórias. Mas com a chegada do General Médici ao poder, Saldanha foi ficando cada vez mais encurralado em seu cargo. Médici queria que Saldanha convocasse Dário do Atlético Mineiro. Saldanha respondia dizendo que isso era uma imposição feita com o propósito de o tirar do comando da canarinho, pois Médici nunca havia visto Dário jogar e ele enquanto presidente da república não deveria dar pitacos na Seleção, assim como ele Saldanha, não dava pitacos no ministério de Médici.

Foi a gota d’agua! Histórias sempre negadas por Saldanha como o suposto problema de visão de Pelé foram alegadas, mas o fato é que o presidente da república de extrema direita não queria receber em Brasília a Taça Jules Rimet das mãos de um inimigo político assumido! Saldanha estava fora da equipe e no lugar dele assumia Mário Jorge Lobo Zagallo.

Naquela Copa, os comunistas brasileiros, perseguidos pelo regime militar, torciam declaradamente para os países da cortina de ferro e contra o Brasil do Médici. Só na primeira fase haviam dois adversários para quem torcer: Tchecoslováquia e Romênia! Ver o Brasil campeão enquanto passava uma situação política terrível em seus “porões” era inaceitável para quem vivia tais perrengues!


A musiquinha “Pra Frente Brasil” do compositor Miguel Gustavo, que pouco falava de futebol, mas mais parecia uma alusão ao governo militar enraivecia tresloucadamente quem estava contra o regime. Entretanto não teve jeito, com a melhor seleção de futebol da história o Brasil conquistou o tricampeonato em 1970, e até muitos comunistas que antes torciam o nariz para a Seleção saíram para comemorar!

Para Médici e os militares, aquela vitória significava bem mais do que um título esportivo. Era o progresso que o regime militar estava trazendo para o Brasil. Receber a taça das mãos de Zagallo ao invés de Saldanha também foi bem menos constrangedor para o presidente de olhos azuis.

É óbvio que aquela Seleção era merecedora do título, com certeza foi a seleção de futebol que mais mereceu vencer uma Copa do Mundo até hoje! Mas o governo militar aproveitou-se dessa conquista para cada vez mais esconder os crimes cometidos nos porões do Dops e em outros departamentos de tortura! Enquanto a maioria do povo brasileiro festejava o tricampeonato, Médici e companhia aproveitavam para gerar o momento de maior perseguição política e torturas de todo o regime militar brasileiro.

1978 – A Copa de Videla e das mães da praça de maio.


Em 1978, a Argentina passava por uma das ditaduras militares de direita mais ferrenhas da América do Sul. Enquanto as Mães da Praça de Maio buscavam o paradeiro de cerca de 30 mil de seus ‘filhos”, a Argentina por força de Videla, e conivência do presidente da FIFA João Havelange, conseguia sediar a décima primeira Copa do Mundo de futebol. Mais que somente sediar o torneio, o ditador argentino queria mostrar ao mundo um país que não existia! Uma profunda paz, harmonia e apoio a seleção argentina, além é claro de conseguir o primeiro título mundial do país, abafando de vez o grito dos torturados e mortos do país do Rio da Prata.

Para alcançar esse objetivo, Videla não mediu esforços. A tabela da Argentina levou o país a jogar 4 jogos no Munumental de Nuñez em Buenos Aires e mais 3 jogos no Gigante de Arroyito em Rosário. Se a Argentina tivesse sido a primeira do grupo como esperado antes do início do torneio, teria jogado suas sete partidas no estádio do River Plate! A derrota para a Itália no último jogo da fase de grupos impediu tamanho favorecimento planejado!

Além da tabela, o controverso jogo entre Argentina e Peru pela última rodada da segunda fase do torneio. Em um jogo contra uma boa seleção peruana, que na primeira fase vencera o Irã e a Escócia com facilidade, além de empatar sem gols com a Holanda, que viria a ser a vice-campeã mundial daquele ano, era inimaginável que mesmo desclassificados matematicamente, aquela geração iria perder por quatro gols de diferença para os argentinos!


Como só os desavisados não sabem, o Peru não perdeu por quatro gols, mas por seis tentos a zero! A Argentina, que até então jogaria contra o Peru no mesmo horário em que o Brasil que enfrentaria a Polônia, teve a hora do seu jogo estranhamente alterada para quase três horas depois do jogo brasileiro. Sabendo do resultado que precisava, logo os gols foram saindo, alguns de maneira bizarra por parte dos defensores peruanos, e com tal goleada os argentinos garantiram vaga na final!

Ao apitar do juiz, as suspeitas de que o jogo teria sido entregado por parte dos peruanos já pairava em todo o mundo futebolístico. De fato, nunca houve uma prova cabal sobre a marmelada, mas há muitos indícios de que Videla estava por trás do “negócio” que colocou os Hermanos na final. Acusações de que o Peru recebeu caminhões de trigo a mando do General após a partida, e que as negociações entre os dois países para o resultado combinado teriam sido intermediadas pelo cartel de Medellín com o tempo foram aparecendo. E até hoje, aquele 6 a 0 manchou o nome dos peruanos no futebol, e deu um estigma de campeão manchado aos argentinos de 1978! Para o General Videla, provavelmente isso pouco importava.

A Argentina chegou a final contra a Holanda. Venceu o jogo na prorrogação por 3 a 1 e se sagrou campeã mundial pela primeira vez na sua história! Festa nas ruas de Buenos Aires, festa em toda Argentina para o time de Luque, Ortiz, Passarela e Kempes! As Mães da Praça de Maio e seus desaparecidos filhos e parentes estavam caladas mediante a euforia do povo argentino! Era o que Videla queria e conseguiu!

1982 – O Sheik que anulou um gol!


Essa situação não mostra um lado negro da relação entre política e esporte, no máximo um lado cômico! A França enfrentava e vencia por 3 a 1 a fraca seleção árabe do Kuwait treinada pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira ainda pela primeira fase do mundial da Espanha em 1982. O jogo prosseguia quando o atacante francês Giresse entrou sozinho na cara do gol kuaitiano para marcar o que seria o quarto gol francês!

Enquanto o baixinho atacante avançava, os zagueiros árabes pararam como se tivessem ouvido um apito do árbitro. Giresse que nada tinha a ver com isso marcou o gol e saiu comemorando!

Foi aí que o presidente da federação kuaitiana de futebol e Sheik do pequeno país, Fahad Al Sabah, resolveu entrar em ação. Atendendo aos pedidos de seus jogadores que alegavam ter ouvido um apito e por isso parado diante do ataque francês, o mandatário árabe manda que o seu time se retire de campo (Algo que seria inédito na história das Copas do Mundo!), e os jogadores em plena revolta atendem!

Seria uma das maiores pataquadas da história das Copas se não fosse o juiz ucraniano Miroslav Stupar, que incrivelmente cedeu a pressão do Sheik (que já havia entrado em campo para peitar o juiz) e anulou o gol francês! Não há notícia até hoje que em um jogo oficial da FIFA, um representante político tenha descido das tribunas e feito um árbitro anular um gol legal! De todas as mãozinhas políticas na história das Copas, essa foi a mais direta! Ao menos filmada! Pena que não adiantou muito, pois a França marcou mais um gol (esse valeu!) e acabou por golear o Kuwait por 4 a 1 naquela curiosa partida!

1998 – A vitória da Black-blanck-beur.


No tocante a revoluções políticas, a terra da liberdade, igualdade e fraternidade é o berço do mundo ocidental moderno! Em 1998, a situação social dos negros, árabes e até de alguns brancos do país erade sérios conflitos! Conflitos entre a polícia e imigrantes de origem africana árabe em bairros compostos por essas etnias separavam de vez os “franceses puros” dos imigrantes!

No futebol, duas Copas do Mundo em que a seleção estava ausente criavam desconfiança entre os já pessimistas por natureza torcedores franceses. Um time formado por jogadores nascido em Guadalupe (Thuram), Nova Caledônia (Karembeu), Senegal (Vieira), Gana (Desailly)… e um nascido na França, mas com antepassados argelinos (Zinedine Zidane), mostravam uma seleção nacional, sem uma unidade nacional!

Dentro de campo, essa seleção mostrou um profundo respeito as heranças da Marselhesa! Com muita aplicação tática e técnica passou fácil na fase de grupos, sofreu para eliminar o defensivo Paraguai, passou nos pênaltis contra a Itália e com dois gols do “estrangeiro” Thuram, virou o jogo para cima dos croatas e garantiu o país em sua primeira final na história! Que seria contra o temível atual campeão do mundo, o Brasil.


Na final, o filho de argelinos brilhou! Marcou dois gols de cabeça, fez grandes jogadas, e garantiu o primeiro título mundial francês! Nem a poderosa geração de Giresse, Tigana, Platini e Rocheteau conseguira ir tão longe! E a política aproveitou o triunfo francês!

Era a vitória da integração nacional! Era a vitória do Branco-Negro-Árabe! Ao menos nos campos de futebol, todo eram iguais perante os franceses! O termo liberdade, igualdade e fraternidade nunca esteve tão em moda desde a queda da Bastilha! O time de futebol se tornava o exemplo para uma nova França, e porque não, para uma nova Europa! Cada vez mais tolerante e miscigenada!

Essa foi uma atitude politicamente positiva. E quando a França conquistou o bicampeonato europeu em 2000, com mais jogadores oriundos de outras partes do planeta do que em 1998, a consciência de que todos eram franceses era inquestionável por todos! Entretanto, ao primeiro fraquejar daquela geração, a certeza de que a unidade do povo francês estava concretizada foi por água abaixo.

Se nas vitórias todos eram franceses, nas derrotas, a culpa era dos descendentes de africanos que não honravam a camisa azul, ou dos muçulmanos que se amontoaram nos arredores de Paris! O negro e muçulmano Anelka em 2010 foi excluído da Seleção ninguém sabe ao certo o motivo! E o que parecia ser a vitória da política utilizando o esporte para o bem, virou  apenas uma bravata que vai servir sempre que o resultado for positivo, mas que vai ser um tiro pela culatra quando lamentavelmente as derrotas vierem!

O racismo está muito longe de ser vencido não só na Europa como em todo o mundo, e não é o futebol, por mais que os políticos o utilizem dessa forma na hora dos triunfos, que vai conseguir acabar com esse lamentável problema humano!


2018 – A seleção africana da França!

Ainda sobre os efeitos do Branco-Negro-Árabe, logo que vencida a Copa do Mundo da Rússia pelos franceses, surgiram críticas sobre pelo menos 14 jogadores da Seleção campeã serem de origem africana, das antigas colônias que a França construiu através do seu imperialismo iniciado no século XVI.

Essa seleção em tese para os críticos era mais miscigenada ainda do que a campeã mundial de 20 anos antes! Mas o que deveria ser motivo de orgulho para um país cada vez mais multiétnico, virou assunto de estado. Com ministros defendendo os jogadores franceses em suas escolhas, e críticos falando que os mesmos jogadores representam um país que não os representa! Onde os imigrantes ou filhos de imigrantes são maltratados, entre outras acusações que novamente remetem ao período em que a França colonizou grande parte do continente africano.

Mesmo que apenas dois jogadores da Seleção campeã tenham nascido fora do país! Os críticos e aproveitadores não perdoaram! É como se os jogadores brasileiros fossem criticados por vestirem a amarelinha, mesmo eles tendo nascido aqui, só pelo fato de terem pais, avôs ou bisavôs oriundos de países europeus (principalmente Portugal), africanos e até de países árabes!


A verdade é que por mais que se diga que devam ser dissociados, o esporte, no caso levantado o futebol, e a política andam de mãos dadas! E por muito tempo será assim, pois o futebol enquanto jogo, representa a territorialidade. E esse sentimento de pertencimento comum aos primatas que somos, sempre vai associar os elementos do nosso cotidiano ao sentimento de inserção das vitórias que o futebol nos causa! Portanto, aquele que diz que  futebol e política não se misturam, ou entende pouco de futebol, ou não entende nada de política!

A VOLTA DO CANTUSCA


(Foto: Dalton Valério)

Após oito anos afastado das atividades profissionais, o Canto do Rio reestreia nesse domingo, dia 29, na série C do Campeonato Carioca. O jogo oficial acontece no Estádio Alziro de Almeida, em Itaboraí, casa do alvianil. O time niteroiense enfrenta o Campo Grande a partir das 11h, em jogo válido pela primeira rodada do estadual.

Os ingressos estão disponíveis para venda na secretaria do clube, em Niterói, e na bilheteria do estádio, em Itaboraí, somente no dia do jogo, pelo preço popular de R$10. O Canto do Rio também irá disponibilizar um ônibus para transporte dos torcedores, com saída da sede do alvianil. A passagem tem o custo de R$ 10 (ida e volta) e também deve ser adquirida na secretaria do clube.

O técnico Marquinhos Pereira ainda não divulgou a escalação da equipe. Os nomes serão publicados nas redes sociais do clube minutos antes da partida.

– Estamos trabalhando todos os dias com muita seriedade e muito comprometimento. Esperamos já no início da competição fazer um bom jogo contra o Campo Grande. Vamos tentar tirar o melhor proveito possível para irmos crescendo dentro da competição! – frisou o treinador.

Quem não estiver no estádio na hora do jogo pode acompanhar a transmissão ao vivo pela Web Rádio Antena Esportiva na página: radioantenaesportiva.com.

O Estádio Alziro de Almeida fica na Rua doutor Mesquita, s/n, Centro, Itaboraí, em frente ao Cemitério Municipal.