por João Carlos Pedroso
Ser filho de um jogador de futebol é bom. Ser neto é ainda melhor, espero.
Meu pai era um zagueiro que, na dúvida, sentava o cacete no atacante. Isso deveria ser um ensinamento de vida, mas nunca consegui aproveitar integralmente dos benefícios dessa sábia filosofia de vida. Ele era de Arcadas, um distrito de Amparo, no interior de São Paulo, que hoje tem cerca de 70 mil habitantes, imagina nos anos 50…
Mesmo assim veio para no Flamengo! Foi campeão nos aspirantes, ficou um tempão na reserva da Milton Copolillo e do mito Pavão, entre outros. O moleque do interior de São Paulo não tinha chance ali, mas um amor sem fim nasceu – foi Flamengo até morrer. Seguiu para o Olaria. Foi campeão do Torneio Início de 1960, recebeu a taça de João Havelange e formou uma zaga de responsa com Navarro.
Os dois foram para a Venezuela, jogar no Tiquires Flores, time de uma fábrica. Era capitão, foi campeão da Copa da Venezuela e vice venezuelano, tudo em 64. Eu estava lá. Mas minha mãe estava grávida do meu irmão e não queria ficar. Voltou, e depois voltou ele.
Aqui continuou jogando, se machucou e depois foi trabalhar no Maracanã e bater bola no time da Adeg em amistosos pelo interior. Em 1969, o moleque de Amparo e sua família foram obrigados a trocar o Leblon pela Cidade Alta, em Cordovil. Esta mesma Cidade Alta que está em guerra nos dias de hoje.
Tentou jogar peladas algumas vezes. Mas o fato de ter sido jogador de fato, e a diferença de temperamento em relação aos seus parceiros de bola eram obstáculos quase intransponíveis. Se errava, era um alvo fácil. Se acertava (e acertava muito) um alvo desejado. Meu pai era doce demais para aquele ambiente, apesar do passado de zagueiro durão.
Acabou desistindo. De jogar peladas e de outras coisas. Se manteve por bom tempo fiel ao hábito de ver futebol pela TV sem som. Comentaristas e narradores nada tinham a dizer a ele. Hoje, isso seria ainda mais justificado.
Ele me ensinou a ser técnico e dar porrada quando preciso. Não fui bom aluno. No futebol, era um atacante debochado e sem muita raça. Na vida, até tinha mais disposição, mas sempre foi difícil encontrar algo que valesse realmente a pena suar a camisa.
Meu filho joga muita bola, mas essa não é a meta dele, nem seu sonho. É extremamente técnico e não tenho dúvidas que vai saber dividir uma bola quando for preciso. É a prova da evolução das espécies: mais bonito, preparado, e inteligente do que todos antes dele. Mas é também (e fundamentalmente) neto de um zagueiro clássico, e por vezes duro, que vestiu a camisa do Flamengo.
Fotos na Venezuela, no Olaria e no Flamengo, respectivamente