Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Defesa Inesquecível

A DEFESA INESQUECÍVEL

por Victor Kingma


O dia, me lembro bem: 15 de dezembro de 1963. Era o segundo jogo que eu assistia pela televisão. O primeiro, exatamente um ano antes, havia sido um desastre: o meu Flamengo, dos ídolos Henrique e Dida, levou uma surra histórica do Botafogo, perdendo por 3 x 0! Sem choro e nem vela, expressão muito usada na época. Também não tinha como: na ponta direita do alvinegro estava o maior ponta direita de todos os tempos, que  naquele dia estava endiabrado como nunca, fazendo jus ao apelido “O Demônio das Pernas Tortas”. Numa das maiores exibições de sua carreira, Garrincha fez dois gols e iniciou a jogada em que o zagueiro Vanderlei marcou contra. Engraçado é que mesmo frustrados pela derrota, até nós, rubro-negros, tivemos que nos render à magia dos dribles de Mané. Assistindo ao vivo, pudemos constatar que era mesmo verdade o que os vibrantes radialistas, como Waldir Amaral, Jorge Curi e Fiori Gigliotti, alardeavam nas transmissões esportivas. 

Bem, mas aquela tragédia já era passado. Agora, exatamente um ano depois, as atenções se voltavam para mais uma decisão do Campeonato Carioca. A imagem da transmissão pela TV Rio, Canal 13, nunca esteve tão boa. Afinal, a antena tinha sido colocada bem no alto do morro e ainda levantada por um imenso bambu para melhorar o sinal. A sala da fazenda do meu saudoso avô, o velho holândes Jan Kingma, o único a ter essa novidade por aquelas bandas da Mantiqueira, estava mais uma vez superlotada.

Naquele dia, nos áureos tempos das decisões regionais, 194.603 torcedores, o terceiro maior público da história do futebol, e o maior entre jogos de clubes, estavam no Maracanã.  

Dessa vez as nossas esperanças eram depositadas nas arrancadas pela direita do veloz ponteiro Espanhol e nos gols do centroavante Airton, da renovada equipe rubro-negra. Aliás, do time do ano anterior, apenas o ponteiro e os meio campistas Carlinhos e Nelsinho estavam de novo em campo. Gerson, a grande revelação, havia sido vendido ao Botafogo após desentendimentos com o treinador Flavio Costa que, contra a sua vontade, o tinha escalado na ponta esquerda na decisão de 1962, para ajudar o lateral Jordan na inglória missão de marcar Garrincha. Já demonstrando sua personalidade forte o “Canhotinha de Ouro”, embora em início de carreira, não se conformou de ter sido colocado fora de posição e naquela fria. E acabou saindo precocemente do clube.


O Flamengo jogava pelo empate, mas, depois de um primeiro tempo equilibrado, na volta do intervalo parecia que a história ia se repetir: o Fluminense, comandado pelo lendário técnico paraguaio Fleitas Solich, conhecido como “El Brujo”, partiu todo para o ataque. O gol que daria o título aos tricolores, tudo indicava, era questão de tempo. Mas aí um personagem passou a brilhar diante daquelas quase 200.000 pessoas: o goleiro Marcial. Com apenas 22 anos e recém chegado do Atletico Mineiro, o jovem arqueiro passou a realizar uma sequência de defesas espetaculares, demonstrando uma calma impressionate, como se tivesse encarnado naquela decisão toda a experiência de Castilho, o consagrado goleiro rival. 

Numa dessas defesas, quase no final da partida, o ponteiro esquerdo Escurinho, que já havia chutado uma bola no travessão, chegou frente a frente com o arqueiro…  Todos os torcedores que se amontoavam na sala da fazenda naquele dia se levantaram: os tricolores e a turma do contra pra gritar gol e os rubro-negros na esperança de mais uma defesa milagrosa do nosso goleiro. Eu, com 10 anos, e em meio a todo aquele tumulto, abaixei a cabeça para não presenciar a nova tragédia.

De repente a explosão dos rubro-negros: – defendeu Maciel!!! Gritou um dos mais eufóricos, até errando o nome do nosso goleiro. O jovem Marcial, que por sinal futuramente ia se tornar médico, havia “literalmente“ operado mais um milagre.

Pouco tempo depois o jogo acabou. E por justiça do destino com a bola nas mãos do herói daquela decisão, após ter interceptado um cruzamento do ataque do Fluminense. Talvez o árbitro do jogo, Claudio Magalhães, que presenciou de perto aquela exibição de gala, quisesse lhe prestar essa homenagem. Assim todos os flashs dos fotógrafos estariam voltados em sua direção. 

Apesar de toda a euforia por ter assistido pela primeira vez o meu time de coração ser campeão, ficou uma pequena decepção por não ter visto a espetacular defesa, tão alardeada pelos meus amigos flamenguistas.

Somente muitos anos depois, já morando na cidade e assistindo a um documentário sobre o Canal 100, eu pude, finalmente, assistir àquela defesa impressionante, daquela memorável decisão de 1963.