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andré felipe de lima

SE HÁ PELADAS NO ATERRO, AGRADEÇAM AO JOÃO ‘SEM MEDO’

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução) 

 O ano? 1969. O mês? Novembro. O jornal dos Sports decidira, naquele momento, institucionalizar a pelada. Desde 1966, o jornal organizava o popular Torneio de Peladas no Aterro do Flamengo, cujo patrocínio inicial foi da Esso. Era premente, contudo, algo mais grandioso, eloquente ao extremo. Nascia, portanto, o I Campeonato Carioca de Pelada, com o patrocínio do Super Tênis Bamba 704, da Alpargatas, e colaboração da antiga Sursan (Superintendência de Urbanização e Saneamento).

Cerca de 2 mil times de peladeiros (dentre os quais ídolos como Nilton Santos, Telê, Ademir de Menezes e Jair Rosa Pinto) foram inscritos. Os jogos foram realizados no Aterro do Flamengo, na Praia de Ramos e na Quinta da Boa Vista. Mas, por muito pouco, o Aterro ficaria fora dessa lista. Inaugurado em 1965, o Aterro não previa, em sua planta original, a criação de campos de futebol. Jamais passou pela mente dos arquitetos e paisagistas que o novo espaço pudesse acolher o futebol.

No local em que há hoje os lúdicos campos de pelada, haveria apenas um jardim. Uma bola e vários pés a seduzi-la incansavelmente não era o cenário vislumbrado. Se os paisagistas pensavam assim, havia um ardoroso amante do futebol que iria contrariá-los: João Alves Jobim Saldanha. Sim, partiu de João Saldanha – e isso ele mesmo afirmou – o argumento decisivo que teria convencido o governo do antigo estado da Guanabara a reservar espaços no Aterro para as peladas.


(Foto: Reprodução)

João Saldanha sempre foi um obstinado pelo aproveitamento dos campos de pelada da cidade e chegou, inclusive, a ter encontros com representantes do poder público para aproveitamento de terrenos vazios para a prática da pelada. A ideia inicial dos construtores do Parque do Flamengo – confirmara Saldanha, quatro anos após a inauguração do Aterro – era o aproveitamento da área hoje reservada ao futebol para jardins.

“Fui um dos que lutaram muito para que não fizesse só jardins no Parque do Flamengo a construção dos campos de futebol que lá estão e, agora, quando vai-se realizar um verdadeiro campeonato carioca de futebol, só tenho a exaltar o JS pela inciativa de reviver a pelada”, confirmou Saldanha, referindo-se ao campeonato de peladas promovido pelo Jornal dos Sports.

“Não fazia sentido o não aproveitamento daqueles campos. Deixá-los pura e simplesmente por conta de pequenos grupos seria absurdo terrível. A volta da pelada vai dar à cidade mais uma promoção festiva e, agora, com maior amplitude, porque os jogos também serão disputados nos campos da Quinta da Boa Vista e Praia de Ramos, o que quer dizer que toda a cidade irá sentir e viver o seu Campeonato de Pelada.”


(Foto: Reprodução)

Na ocasião, Saldanha lembrou ao repórter do JS que existiam na Colômbia vários campos públicos de futebol, nos quais até mesmo times profissionais treinavam.

“Na Colômbia, foram aproveitados os terrenos não edificados e neles construídos campos de futebol. Bem que aqui no Rio poderia fazer o mesmo. Mas não estamos de todo por fora do assunto, com os campos do Parque do Flamengo e, principalmente, porque o Jornal dos Sports teve a feliz ideia de também aproveitar os últimos campos da Quinta da Boa Vista e Praia de Ramos, permitindo assim que a rapaziada da Zona Norte viva a pelada.”

Saldanha foi um obstinado defensor da massificação do futebol. Se hoje muita gente corre atrás de uma pelota nos campos do Aterro, agradeçam ao bom e velho João “Sem Medo”, que peitou paisagistas para os quais o futebol não passava de ócio dispensável.

HÁ 64 ANOS, O FUTEBOL BRASILEIRO PERDIA CHARLES MILLER, O ‘PAI’ DA BOLA

por André Felipe de Lima


Mais dia ou menos dia, aconteceria. E aconteceu em 1894. É impossível prever qual seria a trajetória do esporte mais popular do mundo se o Brasil começasse a jogar futebol após 1894. Outro país teria, quem sabe, nove canecos mundiais, ou a Irlanda seria a seleção mais forte do planeta. Sei lá… tudo poderia acontecer. Mas, parafraseando o “profeta” Nelson Rodrigues, “estava escrito há mil anos” que o futebol brasileiro nasceria no cabalístico mil oitocentos e noventa e quatro.

A história brasileira entre quatro linhas e sobre um gramado começou a ser escrita quando o paulistano (segundo filho do escocês John Miller, engenheiro transferido para o Brasil para a São Paulo Railway Company, e da brasileira descendente de ingleses Carlota Alexandra Fox, e sócio do São Paulo Athletic Club [SPAC]), foi estudar, em 1884, na Bannister Court School, em Southampton, na Inglaterra. Esse menino tinha nove anos e chamava-se Charles William Miller. O velho Miller enviou para terra da rainha o garoto, o irmão mais velho dele, John, e o primo de ambos, William Fox Rule. Os três desembarcaram em Southampton no dia 29 de julho.

Charles chegou a defender o selecionado de seu condado, o Hampshire . Disputou jogos contra o Corinthians F.C. , que mais tarde viria ao Brasil e inspiraria jovens para a criação da versão paulistana do time inglês, e defendeu o St.Mary’s, que mudaria de nome, tempos depois, para Southampton F.C.. Aos 17 anos, destacava-se na escola, mas com a bola e com o críquete. Chegou a enfrentar o time do Exército da Divisão de Aldershot. Perdeu o jogo [3 a 1], mas foi o autor do gol do St. Mary’s.


Na temporada de 1893-94, Charles Miller disputou 34 jogos pela Banister School, marcando 51 gols, com a média de 1,59. Na edição de Natal da revista da escola em que estudava, foi publicado o seguinte comentário: “Charles W. Miller é o nosso melhor atacante. Seu drible é como uma fagulha e seu chute, devastador. Poderia ser mais esforçado, mas, mesmo assim, trata-se de um goleador incorrigível”. Sempre atuando como left-winger, ou simplesmente ponta-esquerda.

Pelo St. Mary’s, Charles disputou 13 partidas e fez três gols, pelo Condado de Hampshire marcou o mesmo número de gols só que em seis partidas. Retornou ao Brasil em 18 de fevereiro de 1894, com um par de bolas de capão e um livro de regras do association football, que conheceu por aquelas bandas frias, no colégio em que estudava.

Jovens associados da The Gaz Co., fornecedora de gás da capital, da São Paulo Railway Company [SPR], a empresa que administrava a linha férrea que ligava o planalto paulista ao litoral, e do London Bank, em sua maioria ingleses ou descendentes, organizaram um treino em 14 de abril de 1895 na Várzea do Gasômetro, na Chácara Dulley, situada entre os bairros da Luz e do Bom Retiro.

O jogo colocou frente a frente o time da SPR e o da The Gaz Co. A primeira peleja disputada no Brasil terminou 4 a 2 para a SPR, com dois gols de Charles Miller. O SPAC foi depois o primeiro tricampeão da Liga Paulista de Futebol, fundada em 19 de dezembro de 1901, vencendo os certames de 1902, 03 e 04. Charles Miller foi artilheiro em 1902, com 10 gols, e em 1904, com nove.


O alemão Hans Nobiling, que tinha uma enorme paixão pelo futebol, foi um grande incentivador do esporte bretão, ao lado de Charles Miller. Nobiling chegou de Hamburgo, no dia 13 de fevereiro de 1896. Trouxe na maleta uma bola e os estatutos da Deutschland S. V.. Em 1898, os estudantes do Mackenzie College fundaram a Associação Atlética Mackenzie College e, no ano seguinte, a colônia alemã, com Nobiling a frente, fundou o Germânia [atual E.C.Pinheiros]. Charles Miller e Oscar Cox, que havia voltado da Suíça para o Rio de Janeiro, organizaram os primeiros jogos entre Rio e São Paulo. Em 1º de agosto de 1901, no campo do Rio Cricket, brasileiros enfrentaram membros da colônia inglesa. Apenas 15 pessoas presenciaram a partida.

Cox passou a se corresponder com Renê Vanorden, do Internacional de São Paulo, Charles Miller e Antonio Casemiro da Costa, este fundador e primeiro presidente da Liga Paulista de Foot-Ball, no dia 14 de dezembro de 1901, na Rua São Bento, nº 3, sala 1, no centro paulistano. Cox queria agendar o primeiro jogo “pra valer” entre cariocas e paulistas, sem a escalação de ingleses. E o primeiro confronto aconteceu em 19 de outubro de 1901, no campo do São Paulo Athletic Club.


Para se ter ideia de como eram tratados os praticantes, quando a delegação carioca pediu um desconto, ou mesmo cortesia nas passagens de trem, ouviu que “A Estrada de Ferro não foi feita para passeios de malandros e desocupados”. Tanto o primeiro jogo quanto o segundo, no dia seguinte, terminaram empatados, em 1 a 1 e 2 a 2, respectivamente. Ao fim do segundo desafio, Cox e Miller discursaram no banquete oferecido pelos paulistas na Rotisserie Sport.

O Jornal do Brasil de 21 de outubro anunciava que “O match de foot-ball ficou empatado novamente, sem que nenhum dos lados fizesse ponto algum” e o jornal O Comercio, do dia 17, que “No sábado à tarde, 19, e no domingo de manhã, se realizarão dois matchs nesta cidade, entre rapazes dos clubes daqui e os do Rio, que para esse fim vieram a esta capital especialmente […] Esta é a primeira vez no Brasil que se joga um match deste interessante sport entre dois Estados, e se acrescentarmos que são brasileiros os rapazes que, na maior parte, vem do Rio disputar o campeonato Brasil-1901, há um justo motivo de nos regozijarmos, porque finalmente a nossa gente começa a se dedicar com afinco a estes utilíssimos exercícios, cujos benefícios para nossa futura geração, se hão de patentear na sua robusta physica, condição essencial em todos os ramos do labor humano. Aos nossos leitores, que aconselhamos não perderem um minuto deste interessante encontro, prometemos todos os pormenores que se possa guiar e conduzir nessa curiosa prova de foot Ball.”

Miller amava o futebol, mas era, antes de tudo, um exemplo de desportista. Na Inglaterra, jogou críquete, rúgbi, tênis e futebol. Foi fundador da Associação Paulista de Tênis. Quando abandonou a carreira futebolística, tornou-se árbitro e dirigente esportivo.


O inventor da “charles” ou “chaleira” , jogada em que o jogador passa bola por trás do pé, tocando-a de calcanhar, nasceu no dia 24 de novembro de 1874, no bairro paulistano do Brás, na rua Monsenhor Andrade. Nos dias que antecederam o jogo entre cariocas e paulistanos, em 1901, procurou insistentemente os jornais de São Paulo para que anunciassem o marco esportivo que aquela partida representaria para o País. Ouviu o seguinte dos redatores: “Não nos interessa semelhante assunto!”. À Gazeta Esportiva de 1944, ele comentou: “E hoje em dia como é diferente…”

Se há um “pai” da bola no futebol brasileiro, este é Charles Miller.

O pioneiro da bola no Brasil morreu em São Paulo, no dia 30 de junho de 1953.

PEDRINHO, ÍDOLO VASCAÍNO, FAZ 40 ANOS HOJE

por André Felipe de Lima

Quem faz 40 anos hoje é o craque e ídolo vascaíno Pedro Paulo de Oliveira, o ex-meia Pedrinho, que chegou a São Januário com apenas seis anos. Foi campeão com o time de futebol de salão do Vasco em todas as categorias pelas quais passou.

Entre 1983 e 1992, conquistou o Campeonato Carioca “Fraldinha” de 1984, 1985 e 1987. Na categoria pré-mirim, foi campeão brasileiro, em 1991, e carioca, em 1992. Da quadra para o gramado, onde aportou profissionalmente em 1995, Pedrinho começou a brilhar intensamente. Foi campeão carioca de 1998, dos campeonatos nacionais de 1997 e 2000, da Copa Mercosul de 2000, do Torneio Rio-São Paulo de 1999 e da Taça Libertadores da América de 1998, o título mais expressivo com o clube que ama desde tenra idade.

Parabéns para o inesquecível Pedrinho!

PARABÉNS AO ÍDOLO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Ivã seria um grande jogador. Isso por volta de 1953. Estrearia no time de cima do Botafogo, como quarto-zagueiro. No dia do tão esperado jogo, recebeu a trágica notícia da morte do pai. O baque foi intenso e Ivã desistiu de entrar em campo. Perdera, portanto, a vaga para Pampolini, companheiro no time de aspirantes. Enquanto Pampolini tocou a carreira e ficou famoso, Ivã recolheu-se e decidiu arrumar um emprego fora do futebol para ajudar a família. O amor pela bola jamais foi deixado de lado. Transmitiu-o ao filho Roberto, que sempre foi carinhosamente chamado pelo diminutivo. Era Robertinho e assim permaneceria.

Com 10 anos de idade, Ivã carregou o filho para o Fluminense. “Fui eu quem o ensinou a não pipocar”. Robertinho compreendeu o recado do pai e tornou-se um dos mais badalados ídolos do Fluminense na virada da década de 1970 para a de 80. Um ponta-direita empolgante. Partia para cima do marcador e, na corrida, raramente era alcançado. Bola na linha de fundo e lá ia Robertinho, um azougue.


(Foto: Reprodução)

A fama de exímio ponteiro convenceu os principais treinadores do país. Um deles foi Mário Travaglini, que, em janeiro de 1979, comandava a seleção brasileira de juniores, que se preparava para a disputa do sul-americano da categoria, na Colômbia. O titular do ataque do escrete juvenil seria Careca, do poderoso Guarani campeão brasileiro no ano anterior. Mas o atacante bugrino se machucou antes da competição e a vaga ficou com Robertinho. Foi naquela competição (e isso é sempre bom lembrar!) que o mundo conheceu um baixinho fenomenal chamado Diego Armando Maradona.

A seleção de juniores fracassou na competição, mas a carreira de Robertinho decolara. Foi ídolo das torcidas do Fluminense e do Sport. Um legítimo campeão.

Roberto Oliveira Gonçalves do Carmo, que (poucos sabem) é um exímio baterista desde criança, faz anos nesta quinta-feira, 22. Parabéns ao grande ponta-direita, um dos últimos craques a brilharem na extinta posição de ponta. Bons tempos em que a alegria reinava nos gramados e quando, definitivamente, podíamos definir o futebol como uma arte.

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EVARISTO, REI DE MADRID, REI DE BARCELONA… O MAIS ORIGINAL REI DE ESPANHA

por André Felipe de Lima


Quem visitar a sede do F.C. Barcelona vislumbrará, logo na entrada do edifício, uma fotografia monumental do atacante brasileiro Evaristo de Macedo Filho. Para os catalães, ídolo histórico na mesma proporção de Kubala ou Samitier. Mas Evaristo também encantou torcedores brasileiros, especialmente os do Flamengo. De família economicamente confortável, Evaristo nasceu no bairro do Engenho Novo, subúrbio carioca, no dia 22 de junho de 1933. Seu pai, Evaristo de Macedo, foi um dos goleiros do Fluminense no começo dos anos de 1930, mas com o profissionalismo de 1933, decidiu encerrar a carreira para priorizar seu empreendimento no setor de material de construções. Evaristo cresceu, ao lado da irmã mais velha, no bairro do Grajaú, zona norte do Rio. Um tio rubro-negro levava o menino aos jogos do Flamengo. Nasceu ali o gosto pelo clube da Gávea e de seu craque na época: Zizinho.

A família mudou-se para Teresópolis e o garoto passou a cursar o ginásio em Juiz de Fora. Estudava no Instituto Grambery, um dos colégios mais conceituados daquela cidade mineira. Seria um afastamento temporário do Flamengo. Com 16 anos, regressou ao Rio e acompanhou um amigo que faria um treino no Madureira. Ao chegar lá, acabou fazendo um teste também. Foi aprovado, naturalmente.


(Foto: Reprodução)

Evaristo jogava o fino. Ainda garoto, mostrava habilidade e marcava gols aos montes. Pela seleção da Guanabara, foi tricampeão do campeonato brasileiro de seleções estaduais juvenis [Taça Paulo Goulart]. Vestindo garbosamente a camisa do Madureira e do escrete da Guanabara, o menino Evaristo foi lembrado pelo treinador Nilton Cardoso [filho do folclórico Gentil] para compor a seleção brasileira de amadores, que participou das Olimpíadas de Helsinque, em 1952. Ao lado de Evaristo figuraram o goleiro Carlos Alberto [então jovem tenente da Aeronáutica], Larry, Zózimo, Vavá, Wassil e Paulinho de Almeida. Mas Evaristo não entrou em campo naquela Olimpíada.

Terminados os Jogos de Helsinque, o atacante regressou ao Madureira. E tome gol e festival de reportagens sobre o “broto” com pinta de craque. Um garoto prodígio como aquele não ficaria muito tempo no tricolor suburbano. Batata, escreveria Nelson Rodrigues, um dos inúmeros fãs de Evaristo na crônica esportiva. Permaneceu no clube suburbano até os 19 anos e só foi para o Flamengo após uma hábil negociação dos cartolas rubro-negros com o seu pai, que exigiu que o passe do rapaz ficasse com o jogador. Uma ação incomum para a época. Ao jornalista Roberto Sander, Evaristo confirmou que os dirigentes do Flamengo só aceitaram a proposta por não acreditarem que o jogador vingaria no clube. Em fins de 1952, Evaristo jogava sem receber um centavo sequer do Madureira. Outros ares lhe seriam mais justos, sobretudo financeiramente. Rumou para a Gávea, em 1953, e formou uma poderosa linha de frente do time de aspirantes com Paulinho, Duca, Maurício e Zagalo, que, no mesmo ano, conquistaria o Campeonato Carioca, abrindo a série que culminaria no segundo “tri” rubro-negro, em 1955.


(Foto: Reprodução)

O começo na Gávea foi complicado. Dividia os jogos e treinos com o curso do CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva]. O futebol nunca impediu os estudos. Mais tarde, Evaristo ingressaria na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, na Praça da República. Jogador disciplinado e estudante responsável, Evaristo não deixava, contudo, de curtir sua juventude. Ao lado do amigo Joel, então ponta-direita do Flamengo, frequentava assiduamente o piano-bar Sacha’s e os botequins com sinuca do Lido.

Apesar do grande prestígio, Evaristo demorou para ser convocado para a seleção principal. O que aconteceu somente em 1955, quando o Brasil enfrentou o Chile, no Maracanã. Um jogo que marcou a despedida do técnico Zezé Moreira e, sobretudo, a estreia do mais genial ponteiro que o mundo já viu: Mané Garrincha.

No ano seguinte, Flávio Costa convocou craques para a polêmica excursão da Confederação Brasileira de Desportos à Europa. Polêmica sim devido ao episódio que envolveu o ponta-direita Sabará, alvo de comentários racistas da imprensa inglesa pelo simples fato de ter descido ao hall do Hotel Luxor de agasalho da seleção e com uma toalha no pescoço.

Evaristo teria nova oportunidade na seleção em 1957, com Osvaldo Brandão. Jogou muito bem, mas não o suficiente para que o Brasil saísse de Lima como campeão sul-americano. Se o escrete terminou a competição em segundo lugar, Evaristo não teve do que se queixar. Mas, afinal, fez jus aos elogios que recebeu. Marcou cinco dos nove gols na rotunda goleada aplicada nos colombianos.

No dia 19 de janeiro de 1957, o poderoso Honved, com sete jogadores da fantástica seleção da Hungria da Copa de 1954, entrou no gramado do Maracanã para enfrentar o Flamengo. Grosics, Boszik, Lantos, Puskas, Kocsis, Czibor e Budai. Craques, sem dúvidas. Mas aquela tarde foi de Evaristo, que marcou duas vezes no jogo que terminou 6 a 2 para o clube da Gávea.

Com os gols de Evaristo na seleção e o show de bola aplicado pelo Flamengo no mitológico Honved, olheiros europeus se alvoroçaram para levar o craque. Especialmente espanhóis, do Barcelona. Antes, porém, de embarcar para a Catalunha, Evaristo ajudou o Brasil a eliminar o Peru e a classificar-se para a Copa de 58. Representando o Brasil, Evaristo fez 14 partidas e marcou 8 gols.


(Foto: Reprodução)

No final de 1957, Evaristo arrumou as malas e foi para o Barcelona. Na capital da Catalunha viveu uma grande fase e fez história com a camisa azul e grená do Barça. Ajudou a equipe a conquistar dois títulos espanhóis seguidos, em 1959 e 1960, e títulos da Copa da UEFA [ainda com o nome de Competição das Cidades de Feiras de Comércio], em 1958 [representando a cidade de Barcelona], da qual foi o artilheiro, e em 1960 [pelo clube]. Conquistou também a Copa do Rei de Espanha, em 1959. Disputou a final da Copa da Europa dos Clubes Campeões de 1961, perdendo para o Benfica. O torcedor do Barcelona viveu um de seus dias mais felizes ao vibrar com um time que contava com Kubala, Evaristo, Luis Suarez e Cizbor. Quando defendeu o Barça, Evaristo disputou memoráveis clássicos contra o Real Madrid, de Di Stéfano, em jogos que sempre superavam o número de 90 mil espectadores. Em seu jogo de estreia contra o Real Madrid, no estádio Camp Nou, Evaristo marcou três dos quatro gols do Barcelona. O público o aplaudiu de pé e os gandulas cercaram o craque para abraçá-lo. Após o jogo, o húngaro Czibor, companheiro de Puskas na inesquecível seleção da Hungria, da Copa do Mundo de 1954, declarou-se fã de Evaristo, sobretudo após a grande performance dele com o time merengue: “Foi a vitória do melhor quadro. O brasileiro Evaristo foi um monstro. Já enfrentei grandes quadros, mas, com sinceridade, não vi outro jogador tão espetacular e verdadeiro artista da pelota como esse meu companheiro Evaristo. Com esse futebol, é o melhor jogador do mundo.”

Evaristo era tão querido pelos espanhóis que encontrava dificuldade para fazer compras, por exemplo. Quando saía de sua casa em companhia de sua esposa, quase não podia caminhar devido ao assédio de seus fãs pedindo autógrafos. Uma compra que duraria 30 minutos levava entre duas e três horas.

Quando chegou à Europa, Evaristo firmou contrato de três anos, recebendo uma fortuna, entre luvas e ordenados. Em seu auge, recebeu quatro milhões de cruzeiros em luvas e ordenado mensal de trinta mil cruzeiros, gratificações por vitórias e empates. Somente por conta daquela vitória de estreia sobre o Real Madrid, recebeu algo em torno de 500 mil cruzeiros.

Mesmo após 50 anos de sua chegada ao Barça, Evaristo considera sua ida para a Espanha uma surpresa: “Era tricampeão carioca pelo Flamengo e estava muito bem na seleção. No sul-americano de 1957, no Peru, fiz cinco gols num só jogo contra a Colômbia. Até hoje é o recorde em jogos oficiais da seleção. Nem conhecia o Pelé, que estava começando. Só tomei conhecimento dele depois da Copa de 58. Durante o campeonato dois senhores me apresentaram as credenciais do Barcelona, dizendo que estavam observando atacantes. No fim, fui o escolhido. O que pesou na minha decisão foi mesmo a grana. Com a transferência, comprei duas lojas e um apartamento no Leblon […] Pagavam bicho, e bom. O Santos só conseguiu segurar o Pelé porque fazia 50 amistosos no ano. Não saíam mais jogadores porque não havia proposta.”


(Foto: Reprodução)

Evaristo vestiu 219 vezes a camisa grená e azul e marcou 173 gols, uma estupenda média de 0,80 gols por jogo. Roberto Dinamite, ex-craque do Vasco da Gama, que também atuou pelo Barça, atesta o respeito da torcida espanhola por Evaristo: “O torcedor brasileiro não tem ideia de como o Evaristo de Macedo é idolatrado na Espanha. Foi, sem dúvida, um dos maiores jogadores do mundo em todos os tempos”. E, se depender dos espanhóis, foi mesmo. Do Barcelona, Evaristo foi seduzido pelo “canto” merengue, embora decidira retornar ao Brasil após longa jornada no Barça, que insistia para que se naturalizasse espanhol. O que teria, segundo reportagem da Gazeta Esportiva, de 1963, gerado uma indisposição com os cartolas do clube catalão e, consequentemente, culminado na rescisão contratual. Na mesma reportagem, Evaristo falou sobre a carreira na Espanha e a saudade do Brasil. “Não posso queixar-me, mas tudo isso é um preço muito alto para quem passa a viver longe da família. Sinceramente, não sei o quanto ganhei. Todavia, as economias deram para comprar algumas lojas em Copacabana, uma casa, um apartamento, uma oficina mecânica, ações de várias companhias e possuir algumas quirelas no banco. A maior parte do que ganho envio para meu pai, que tudo dirige. Fico com o essencial para levar uma vida normal, sem exageros. E assim mesmo deu para juntar o suficiente para adquirir ações de uma Companhia espanhola fabricante de máquinas de engarrafar.”

De 1962 a 65, Evaristo só vestiu a camisa do Real Madrid, para conquistar o tricampeonato espanhol, em 1963, 64 e 65. Apesar dos títulos, não conseguiu o mesmo brilho na capital espanhola e nas três temporadas ficou como opção no banco de reservas. Seguidas lesões prejudicaram seu desempenho.

Na Espanha, Evaristo deparou-se com um país que se recuperava de uma guerra civil. Com isso, aprendeu costumes e uma nova filosofia de vida: “Com o tempo, fui aprendendo um pouco de História e incorporei outros hábitos, como o vinho que fazia parte das refeições no clube. O time exigia que a gente se apresentasse sempre de terno e gravata.”
As restrições dos clubes aos jogadores, sobretudo brasileiros que atuavam no futebol espanhol dos anos de 1950 e 60 eram flagrantes. “Não podíamos frequentar a parte social. Havia uma entrada para os profissionais. Dificilmente os dirigentes iam ao vestiário. O Santiago Bernabéu foi meu presidente. Era um velho bacana. O clube exigia comportamento dos jogadores mas, para quem gostava, a noite era uma criança […] A mudança [do Barça para o Real] não mexeu muito com a minha vida. Estava casado, tinha filhos pequenos e jogador de futebol é a mesma coisa em todo lugar. Gostava de ver os grandes toureiros como Dominguín e El Cordobés. Claro que Madri era uma cidade mais elitizada com seus museus e uma posição política centrista. Barcelona era mais povão, de esquerda. Os jogadores não levavam essas questões para o campo e acredito que hoje a tensão seja menor. As novas gerações vão se adaptando aos hábitos de outras regiões, mas ainda existe um ranço.”

Evaristo saiu de Madri e retornou ao Flamengo. Conquistou mais um campeonato carioca, em 1965, e encerrou a carreira em 1967, no América, após sofrer uma contusão no joelho. 
A trajetória de Evaristo nos gramados foi coroada com muitos títulos e 298 gols. No dia 27 de outubro de 1956 fez, talvez, sua exibição mais eloquente com a camisa do Flamengo ao marcar cinco gols na maior goleada da história do Maracanã: Flamengo 12 a 2 no São Cristóvão.

O craque dos gramados se tornou um dos mestres da beira do campo. Pelo Alvirrubro da rua Campos Sales começou sua vitoriosa vida de técnico. Dirigiu diversas equipes do futebol brasileiro, como Grêmio, Cruzeiro, Atlético Paranaense, Flamengo, Corinthians, Vasco da Gama e Vitória da Bahia. Teve passagens marcantes pelo Santa Cruz, onde conquistou quatro campeonatos estaduais, em 1972, 78, 79 e 1980, e pelo Bahia. Aliás, foi no tricolor baiano que Evaristo carimbou seu currículo de grande treinador ao levar o clube ao inédito triunfo no campeonato nacional, em 1988. Pelo time da Fonte Nova, conquistou ainda os campeonatos estaduais de 1970, 71, 73, 88 e 98 e faturou o estadual e a Copa Nordeste, em 2001. Pelo Grêmio, ergueu a Copa do Brasil, em 1997, superando o Flamengo na final. Pela seleção do Qatar, conquistou a Copa do Golfo Pérsico, em 1992. Como treinador, teve uma passagem efêmera — e não menos turbulenta — pela seleção brasileira, em 1985. Mal ocupara o cargo no escrete, em maio, Evaristo deflagrou uma guerra contra a imprensa, que criticava a imposição da lei da mordaça aos jogadores da seleção. Nada do que acontecia na concentração poderia ser exposto. A decisão do técnico acirrou a discussão com jornalistas e o treinador levou a pior com o boicote. Ele deixou o cargo após a publicação de várias reportagens, algumas até ofensivas, como a publicada pela revista Placar, cuja capa mostrava fotos dos jogadores com um xis desenhado sobre suas bocas e estampava um título irônico: “A culpa é da imprensa! Burrice de Evaristo contagia a seleção!”. Dias depois, Telê Santana voltou ao cargo que havia deixado após a Copa de 1982.

O tempo é o melhor remédio para as rusgas que travamos com o destino. Um dia chove e, verdade seja dita, para Evaristo, na maioria das vezes, outros se firmaram ensolarados.


Histórico gol de Evaristo (Foto: Reprodução)

Em 2006, o Real Madrid prepara uma grande festa em homenagem a Di Stéfano, que completaria 80 anos. Em sua casa, no bairro de Ipanema, na zona sul carioca, Evaristo recebeu um envelope com o timbre do clube merengue, no qual continha um convite e duas passagens aéreas para que comparecesse à festa de Di Stéfano. No ano seguinte, foi a vez do Barcelona reverenciá-lo. Foi recebido com tapete vermelho e com a exibição, em um telão, de seu gol mais célebre, de peixinho, com a camisa azul-grená, no estádio Nou Camp, contra o Real, pela Liga dos Campeões.

O Rio de Janeiro, cidade em que nasceu, reverenciou-o como craque, mas não na mesma proporção de Barcelona. Lá, Evaristo de Macedo é rei… para sempre.

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