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CARLOS ALBERTO TORRES, O CHUTE PARA A GLÓRIA MAIOR DO NOSSO FUTEBOL E QUE SAUDADE DO CAPITA…

por André Felipe de Lima


Pelé desviou o olhar e rolou a bola, que parecia obediente ao “Rei”. Quem a recebeu foi o lateral-direito Carlos Alberto Torres, que chutou forte. Tiro colossal contra a meta do goleiro italiano. Quarto gol brasileiro. Eram 42 minutos do segundo tempo e nada mais restou a todos que estavam no Estádio Asteca a não ser bater palmas para, talvez, o melhor time de futebol já formado. O Brasil conquistou o tricampeonato mundial e Carlos Alberto entrou para a história como o capitão mais jovem [tinha apenas 25 anos] de uma seleção campeã, que, diga-se, foi uma avassaladora máquina de jogar bola. Mas o brioso lateral, que herdou a camisa dois das mãos do imortal Djalma Santos, imortalizou uma imagem: o “Capita” [capitão em italiano] beija e depois ergue a Taça Jules Rimet, que após o 4 a 1 sobre a Itália ficaria definitivamente no Brasil. Uma cena marcante porque foi vista simultaneamente por milhões de pessoas em todo o mundo coladas na telinha de um televisor. A Copa de 70 foi a primeira a ser transmitida pela TV via satélite, iniciando a comercialização maciça da mais eloquente competição de futebol do planeta.

A cena de Carlos Alberto é o divisor de águas na história do futebol. E muita coisa deve ter passado pela sua mente naquele momento em que recebeu a Taça Jules Rimet. Um filme de sua vida, quem sabe. Dos tempos em que jogava bola nas ruas da Vila da Penha, subúrbio do Rio, aos momentos no Fluminense e Santos, clubes que defendeu antes da Copa.


O “Capita” nasceu no bairro de São Cristóvão, em 17 de julho de 1944, mas cresceu na Vila da Penha. Quando criança, muitas memórias felizes, mas algumas, nem tanto. O pai, que não o queria como jogador de futebol, chegou a surrar-lhe. Sob um choro constrito, o garoto respondia:

– Não adianta o senhor me bater. Eu quero ser jogador de futebol.

Desde pequeno, sinais de obstinação. Nem as broncas paternas e a rejeição do Bonsucesso, em 1958, desanimaram-no. Tinha uma certeza: a de um dia tornar-se um craque. Se o time suburbano não o quis, houve gente nas Laranjeiras que acreditava no jovem Carlos Alberto. Chegou lá e, sem que o pai soubesse, inscreveu-se no clube. Em pouco tempo, o rapaz despontou no juvenil do Fluminense e logo seria lembrado para as seleções brasileiras de novos. Em 1963, um ano após estrear no time principal do Fluminense, substituindo o titular Jair Marinho, veio o primeiro título com a amarelinha: a medalha de ouro dos jogos Pan-americanos de 1963. No ano seguinte, Carlos Alberto seria campeão carioca pelo Tricolor, com apenas 20 anos. O pai já não contrariava mais os ideais de Carlos Alberto. Aceitou o destino do filho e apoiou-o para o que desse e viesse. Sempre que podia, estava no estádio para vibrar com as jogadas elegantes do seu menino.


Quando ainda atuava pelo time juvenil do Tricolor, Carlos Alberto tinha um fã: o tio, Jaime Silva, ex-presidente do Guarani de Campinas, que chegou a prometer ao rapaz um carro caso subisse para o time principal. O presente nunca chegou a Carlos Alberto. A repórter Semiramis Alves Teixeira acompanhou de perto a história e assim escreveu em 1965 para a Gazeta Esportiva Ilustrada: “Não deu [o carro] porque depois começou a achar que seu sobrinho era péssimo jogador, como ele dizia, na mais pura gíria, ‘grosso mesmo’. Quando se arrependeu, era tarde demais. Os pais [de Carlos Alberto], que moram no Rio, assim como os irmãos, ficaram felicíssimos com sua vinda para o Santos, que já tentara anteriormente sua aquisição. O Botafogo também o fizera e pela mesma quantia [duzentos milhões], mas o Fluminense não quis vender o zagueiro.”

O lateral permaneceu no clube da rua Álvaro Chaves até 1965 e só retornaria em 1976 para compor a máquina montada por Francisco Horta e ser novamente campeão estadual. O “Capita” jogou 169 vezes pelo Fluminense e marcou 20 gols. Anos mais tarde, precisamente em 1984, o presidente do Fluminense, Manoel Schwartz, convida-o para assumir a direção de futebol do clube. De cara, uma tacada ousada. Carlos Alberto traz o craque paraguaio Romerito e monta um time quase imbatível, que conquista o campeonato brasileiro de 84. Meses depois, já como treinador, o “Capita” conduz o time de Assis, Romerito, Washington, Delei e Cia. à conquista do Campeonato Carioca.


Mas foi o Santos, de Pelé, que mais alegrias proporcionou ao lateral. Foram tantas, de 1965 a 70 e de 1972 a 75, que o ídolo confessou ter uma “quedinha pelo Santos”, embora, no começo da carreira no clube, teria dito gostar do Palmeiras por conta do primo, o zagueiro Djalma Dias, que lá jogava. Na primeira fase em que esteve no Alvinegro praiano, cansou de tanto erguer troféus. Chegou à Vila Belmiro com pompa. “Minha venda foi a maior negociação do futebol brasileiro até então: 200 milhões de cruzeiros”. A vida no Santos era de causar inveja a qualquer jogador. O jovem lateral carioca jogava entre feras, que já não precisavam conquistar mais nada para o clube. Foram campeões paulista, continental e mundial.

Durante sua passagem pelo Santos, onde seu irmão Beto também treinou no começo da carreira, Carlos Alberto era presença garantida em qualquer escrete. Em 1968, o segundo título pela seleção: campeão da Copa Rio Branco. Faltava apenas a Copa do Mundo. Quase esteve na de 1966, na Inglaterra, mas foi vetado por Vicente Feola. Acreditava piamente ser um “intocável”, mas decepcionou-se quando lhe avisaram sobre o corte. A esperança ficou para os próximos quatro anos e, em 1970, concretizou-se o sonho de ir a um mundial e, mais ainda, o de ser capitão do escrete que encantaria milhões de pessoas.

De todos os jogos da Copa de 70 que o Brasil disputou [e venceu!], Carlos Alberto define o embate contra a Inglaterra como o mais difícil. Parecia um jogo de xadrez que uma partida de futebol. Qualquer erro de um dos lados determinaria a vitória. O Brasil não errou, a Inglaterra apenas uma vez. Foi um jogo duro, mordido. O “Capita” teve de sair da lateral para dar um chega-pra-lá em Farncis Lee, ponteiro adversário, que minutos antes havia chutado o rosto do goleiro Félix. Carlos Alberto parece ter intimidado o gringo, que não tocou mais na bola.

O resto é história… com a Jules Rimet em casa, nada mais faltava para Carlos Alberto Torres conquistar em sua carreira de jogador de futebol. Com a camisa canarinho, disputou 73 jogos, venceu 54, empatou seis e marcou nove gols.

Quando a Copa terminou, havia rumores de que Carlos Alberto teria discutido com Pelé e por isso perdido a braçadeira de capitão do Santos, como apontou reportagem assinada pelo repórter Michel Laurence, em agosto de 1970, na revista Placar.

Tudo teria começado no intervalo de um jogo contra o São Paulo, no dia 9 de agosto, no estádio do Morumbi. Carlos Alberto discutira com cartolas e o técnico Antoninho, que o acusavam de uma falta desnecessária no ponta Paraná que resultaria no gol de empate do Tricolor paulista. No campo, Pelé teria sido ríspido com Carlos Alberto, que respondeu à altura. “Se você quer que eu saia, vou sair!”. A verdade é que o capita devolveu a bordoada em Paraná, na mesma moeda. O jogador do São Paulo havia dado vários pontapés em Carlos Alberto, que não deixaria ficar barata a agressão.

No vestiário, disse a Antoninho e ao diretor de futebol, Nestor Pacheco, e ao vice-presidente, Osman Ribeiro de Moura, que não voltaria para o segundo tempo. O treinador ameaçou tomar-lhe a braçadeira de capitão e os cartolas, aplicar-lhe uma multa de 60 por cento em seu salário. Torres ficou fulo com o teatro dos comandantes do Santos. Não se aborrecera com Pelé porque sabia que bate-boca dentro do gramado fica por lá mesmo. Ainda mais que ambos eram grandes amigos, amizade que perduraria inabalável por muitos e muitos anos. O problema era com o Santos e ponto final. E disse o seguinte, na frente muitos, inclusive de Nestor Pacheco: “Na hora de me multar, eles nem se lembraram de que Pelé e eu fomos ao presidente da República pedir um empréstimo para o Santos. Não faz mal. Agora, só existe Carlos Alberto de um lado, com os jogadores, e os dirigentes do outro.”

A saída do Santos seria questão de tempo. Não havia mais espaço para diplomacia. O lateral retornaria ao Rio para vestir a camisa do Botafogo. Ficou apenas em 1971, tempo necessário para torna-se o maior lateral-direito da história do Alvinegro carioca, como apontam muitos botafoguenses ilustres. Poderia ter saído de General Severiano com um título não fosse a lambança do árbitro José Marçal Filho, que validou um gol ilegal de Lula após rebote em que o goleiro do Botafogo, Ubirajara Mota, sofreu falta clamorosa. Não era para ser…

O resultado daquele clássico “Vovô” estava “escrito há mil anos”, diria Nelson Rodrigues. Nada parecia dar certo para o Botafogo. Dias antes do match, o departamento médico vetou a escalação de Jairzinho, que contundiu-se após uma entrada violenta de Moisés, do Vasco. Logo aos 15 minutos da primeira etapa da finalíssima contra a turma das Laranjeiras, Carlos Alberto torceu o joelho e foi substituído por Mura. Quando parecia que nada mais de ruim aconteceria ao Fogão, Zequinha também se machucou e em seu lugar lançaram Paraguaio. Não havia muito o que fazer, essa era a verdade. Deu Flu e o “Capita” ficou sem o título pelo seu Botafogo, time que aprendeu a amar ainda garoto. Não conquistar nada pelo Alvinegro foi a única frustração de sua carreira. Foram 225 jogos e nenhum gol assinalado.

Voltaria à Vila Belmiro em 1972 para ser campeão paulista no ano seguinte. Até 1975, vestiu a camisa santista em 445 jogos e marcou 40 gols. Com o mesmo manto, foi campeão estadual em 1965, 67, 68, 69 e 73; da Taça Brasil, em 65; Rio-São Paulo, em 66 e Roberto Gomes Pedrosa, em 68.

NA ‘BIG APPLE’


Concluída a segunda fase no Santos, Carlos Alberto voltou às Laranjeiras para ser, em 1976, campeão carioca da Copa Viña del Mar e do torneio de Paris. Jogaria ainda pelo Flamengo durante apenas quatro meses de 77 e regressaria ao Flu. Nos dois períodos em que esteve no Flu, “Capita” disputou 169 jogos e marcou 19 gols. A seleção brasileira também lembraria dele em alguns jogos das eliminatórias da Copa de 1978, na Argentina. No dia 20 de março de 77, o “Capita” vestiu pela última vez a camisa do Brasil. Encerrou sua trajetória no escrete, mas não nos gramados. Decidiu ganhar dólares nos Estados Unidos e, seguindo os passos de Pelé, embarcou para Nova Iorque. Com os amigos Beckenbauer, Marinho Chagas e Pelé, Carlos Alberto defendeu o Cosmos, clube responsável pela popularização do soccer no país do beisebol após conquistar três títulos americanos de 1977, 80 e 82. O ex-lateral esteve em todos. Mas, em 1981, não defendeu o Cosmos e, sim, o Newport Beach, da Califórnia.

No dia 28 de setembro de 1982, com o Cosmos diante do Flamengo, Carlos Alberto Torres encerrou a carreira. Naquele dia, o jornal New York Post estampou em uma de suas chamadas o seguinte texto: “Take one last look, world, the Carlos Alberto legend is about to become a memory”, que diz algo mais ou menos assim em português: “Dê uma última olhada, mundo, a legenda Carlos Alberto está se transformando em memória.”

Sobre a legenda Carlos Alberto, o jornalista americano Paul Gardner, do Sunday News, escreveu: “Suas pernas são pernas comuns, pernas que trotam, pernas que passeiam, mas nunca pernas que correm.” Para muitos, Carlos Alberto descomplicou a forma de se jogar futebol, bem ao estilo do que definiu o célebre baixista americano Charles Mingus: “Transformar algo simples numa complicação, isso é normal. Fazer de uma situação complicada algo simples, isso é talento.”

O jogo com o Flamengo terminou 3 a 3 e Carlos Alberto foi prestigiado por uma platéia de cerca de 37 mil pessoas, no Giants Stadium, em Nova Jersey. Do Brasil, presentes na arquibancada o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, e Pelé.

Querido pelos nova-iorquinos, o lateral recebeu uma homenagem inestimável do prefeito da Big Apple. O dia 7 de agosto passou a se chamar “Dia Carlos Alberto Torres”. No vestiário daquela constelação de craques do Cosmos era comum esbarrar em astros como Mick Jagger e Robert Redford, fãs do soccer.

Torres decidiu permanecer nos Estados Unidos e montou uma escolinha de futebol em New Jersey. Mas um convite do presidente do Flamengo, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, convenceu-o a retornar ao Rio de Janeiro. Fim de linha para o jogador e começo de estrada para o técnico, cujo melhor momento foi em 1983 com a conquista do campeonato brasileiro com o Rubro-negro.

Como treinador, “Capita” passou por grandes clubes. Dirigiu o Fluminense e o Botafogo, que comandou durante a conquista da Copa Conmebol, em 1993. Mas a carreira como técnico nunca foi amena. Torres ficou sem trabalhar entre 1988 e 1993, até o Botafogo resgatá-lo. Treinou times como Corinthians, América do Rio, Náutico, Miami Sharks e Payssandu, mas sem o mesmo sucesso obtido com Flamengo, Fluminense e Botafogo. Esteve a frente das seleções de Omã, Nigéria e Azerbaijão. Com os nigerianos ficou oito meses sem receber o salário. Especializou-se em livrar grandes times do rebaixamento no campeonato nacional. Fez isso pelo Botafogo, Atlético Mineiro e Flamengo. Infelizmente, não obteve o mesmo resultado com o Payssandu, em 2005. Desde a passagem pelo clube paraense, Carlos Alberto não treinou mais. Preferiu cuidar dos investimentos e da empresa de consultoria de futebol que montou com o amigo Ricardo Rocha [ex-zagueiro do Guarani, São Paulo e Vasco] e o filho Carlos Alexandre Torres, ex-zagueiro do Vasco, Fluminense e Japão, que nasceu do casamento do “Capita” com Sueli, sua primeira esposa, com quem também teve Andréa.

Carlos Alberto casou três vezes, inclusive com Terezinha Sodré. Conviveu durante 16 anos com a atriz, mas não tiveram filhos. Um período de muitas badalações, colunas sociais e, sobretudo, de sucesso na agitada noite de Nova Iorque. Com a vida bem mais tranquila hoje, o craque está casado com Graça, sua “companheirona”, como a define.


O Capita cresceu ouvindo do pai que futebol era coisa para desocupado, que não o levaria a lugar algum. Apanhou, inclusive, para que desistisse do sonho de jogar bola ao lado de seus ídolos. Hoje, com a globalização e a velocidade dos meios de comunicação, as imagens de grandes jogadores brasileiros, a maioria de ascendência negra e bem sucedidos financeiramente, chegam para todos os jovens. Os mais pobres veem neles a possibilidade de um dia estar em um Real Madrid, Barcelona, Milan… “O que eu aconselharia a todos é que estudem. Mas não adianta apenas aconselhar, tem de se dar condições para isso, pois o estudo é o principal alicerce na vida de qualquer pessoa. No nosso Brasil todos deveriam ter condições para isso. O que acontece é que devido a essa evolução espantosa que o futebol teve na mídia nos últimos anos, todo mundo fica sabendo que os Ronaldinhos lá na Europa ganham milhões de dólares. E não só eles, mas todos os grandes jogadores. Então, quem é que pode impedir que um garoto tenha como sonho ser um jogador de futebol? Ninguém pode impedir isso.”

Palavra de quem foi a “figurinha” de álbum de muitos garotos no passado e, hoje, como diria o cantor e compositor Fagner, tornou-se uma “figura eterna”. Que saudade de você, Capita.

O DIA EM QUE UM JORNAL FRANCÊS DECRETOU: PELÉ É O REI DOS REIS

por André Felipe de Lima


Aquela manhã do dia 12 de julho de 1980 seria definitiva para o esporte mundial. Nas bancas parisienses de jornais e revistas a manchete do tradicional periódico L’Equipe encerrava qualquer discussão sobre quem era o maior atleta do século XX. Em sete páginas, o jornal publicara o resultado da ampla pesquisa: deu o nosso Pelé na cabeça. O “campeão do século”, como os jornalistas franceses grifaram, em gritante vermelho, no jornal.

Pelé, é verdade, não teve vida fácil na eleição. Recebeu 178 votos. Apenas nove a mais que o extraordinário Jesse Owens, o mesmo que humilhou os nazistas na Olimpíada de 1936, em Berlim. Outro inquestionável gigante na história do esporte. Mas Pelé era (e sempre será!) imbatível.

O ídolo só receberia o troféu no ano seguinte, no dia 15 de maio, nos instantes que antecederam ao jogo amistoso entre Brasil e França, no estádio Parc des Princes, em Paris, que terminaria com a vitória de 3 a 1 do escrete brasileiro.

Foi um dia inesquecível. Eu, menino, diante da TV, fiquei encantado com toda a reverência ao Pelé naquela tarde. “Obrigado por tudo, eu adoro vocês”, agradeceu o gênio. Nós, humildes mortais, é que devemos todas as honras ao maior dentre os maiores. Ao Rei dos Reis do esporte. Ao Edson que é Pelé. Ao Pelé que é Edson… ao atleta do século XX, XXI, XXIII… ao Pelé eterno.

 

HÁ 60 ANOS, A PRIMEIRA VEZ DO PELÉ

por André Felipe de Lima


Há 60 anos, exatamente no dia 7 de julho de 1957, Pelé vestia a camisa da seleção brasileira pela primeira vez. Isso aconteceu em um jogo contra a Argentina, no Maracanã, valendo a primeira partida da disputa da Copa Roca entre brasileiros e argentinos. Perdemos a peleja pelo placar de 2 a 1, mas Pelé, que entrou no lugar de Del Vecchio, logo na estreia, deixou a sua marca de goleador implacável e assinalou o único tento canarinho.

Pelé foi tão bem no jogo que acabou titular na partida seguinte, realizada no Pacaembu três dias depois da estreia. Com um gol do nosso eterno camisa 10 e do atacante Mazzola vencemos a Argentina por 2 a 0 e levamos a taça.

Infelizmente, não conseguimos o registro de áudio da estreia do Pelé, mas o do jogo do dia 10 de julho de 1957, o do título, sim, nas vozes de Edson Leite, como narrador, e Fiori Gigliotti, como repórter.

FICHA TÉCNICA DOS DOIS JOGOS DA COPA ROCA DE 57

07/07/1957 (16h)
BRASIL 1 x 2 ARGENTINA
Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (Brasil). Público: 80.000 espectadores.
Árbitro: Erwin Hieger (Áustria). Assistentes: Guálter Gama de Castro (Brasil), José Monteiro (Brasil).
Gols: Labruna, aos 30; Pelé, aos 76; Juárez, aos 77.
BRASIL: Castilho, Paulinho de Almeida, Bellini, Jadir e Oreco; Zito (Urubatão, aos 70) e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Moacir, aos 46), Del Vecchio (Pelé, aos 46) e Tite. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo, Pizarro e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 77) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Herrera (Antonio, aos 70), Juárez (Blanco, aos 41), Labruna e Moyano. Treinador: Guillermo Stábile.

10/07/1957 (20h45)
BRASIL 2 x 0 ARGENTINA
Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo (Brasil). Público: 38.441 espectadores.
Árbitro: John Husband (Inglaterra). Assistentes: Antonio Musitano (Brasil), Catão Montes Júnior (Brasil).
Gols: Pelé, aos 20; Mazzola, aos 57.
BRASIL: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Jadir e Oreco; Zito e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Del Vecchio, aos 61), Pelé e Pepe. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo (Musimessi, aos 69), Biaggioli e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 87) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Juárez, Herrera (Antonio, aos 46), Labruna e Sesti. Treinador: Guillermo Stábile.

SÉRIE ‘TIME DOS SONHOS’: ‘HONRANDO AS CORES DO BRASIL DE NOSSA GENTE’

por André Felipe de Lima


A série “Time dos sonhos”, um projeto oriundo da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”, apresenta, nesta terceira edição, o maior Botafogo de todos os tempos. Montar um esquadrão alvinegro, percorrendo mais de 100 anos de uma gloriosa história recheada de craques inesquecíveis, é, no mínimo, um risco de “lesa-pátria”. Mas nossa odisseia pela história dos principais heróis botafoguenses nos permite a arrogante (porém pertinente) escalação. Vamos lá, então. No gol, é ele: Manga (1959 a 1968). O grande Manguita. Não há como discordar que o arqueiro foi o maior que o Botafogo já teve. Em nove anos de clube, conquistou quatro vezes o Campeonato Carioca, em 1961, 1962, 1967 e 1968. Foi também campeão da Taça Brasil, em 1968, e do Torneio Rio-São Paulo, em 1962, 1964 e 1966. Manga integrou aquele que é, até hoje, o melhor time montado pelo Botafogo. “Em 1959, o João Saldanha foi ao Recife, onde eu jogava pelo Sport, e me levou para o Botafogo, quando eu tinha 21 anos. Lá joguei dez anos, participando de conquistas históricas. Serei Botafogo até morrer”, disse ao repórter Rogério Daflon, em 2008. O mesmo Saldanha, que completaria 100 anos no último dia 3 de julho, acusara Manga de ter feito corpo mole em um jogo contra o Bangu, na final do Campeonato Carioca, de 1967. Indignado com o que acreditava ser verdade, o João “Sem medo” correu atrás do goleiro, com arma em punho, e disparou o balaço. Manga escapou por pouco. “Fiquei muito chateado, porque sempre atuei em campo com a maior seriedade, e o Botafogo venceu aquela decisão por 2 a 1. Quando vi o Saldanha armado no Mourisco, atirando em mim, resolvi correr. Daquela forma, não havia como enfrentá-lo. Um mês depois, fizemos as pazes e ficou tudo bem”.


Manga (Foto: Severino Silva)

As mãos, com os dedos todos tortos, dimensionam o empenho de Manga no arco alvinegro e nos de outros grandes clubes brasileiros, como Sport, Inter, Coritiba e Grêmio. Modesto, costuma dizer que apenas procurou “fazer o melhor” pelo Botafogo e que cabe aos jornalistas dizerem se foi ele ou não o melhor goleiro da história do Botafogo. Concluímos que sim, Manga.

Mas seríamos injustos com a história do Fogão se omitíssemos outros grandes arqueiros que passaram por General Severiano, ou mesmo por Marechal Hermes, no momento mais triste do Botafogo. O niteroiense Victor Corrêa Gonçalves, o Victor (1929 a 1934 e 1934 a 1935), foi, talvez, o primeiro grande goleiro a verdadeiramente brilhar pelo Glorioso. Um genuíno paredão do time que conquistou os Campeonatos Cariocas de 1932 (competição em que permaneceu 15 rodadas sem sofrer gols), 1933 e 1934. Ficou até 1935 no clube, mas não chegou a defendê-lo na campanha do “tetra”, naquele mesmo ano. Uma contusão em fevereiro, durante uma peleja contra o River Plate, determinou o fim prematuro da carreira do goleiro. Apelidado de “Gatinho”, Victor, diziam, entrava em campo sob a regência etílica de uma boa dose de cachaça para, justificava aos cronistas, encorajá-lo em campo. Parece que dava certo. Mas Victor não teve vida fácil no arco do Fogão. Teve de conviver com dois fortíssimos adversários na posição: Germano Boettcher Sobrinho (1928 a 1935), que esteve na Copa do Mundo de 1934, e Roberto Gomes Pedrosa (1930 e 1934), que jogou pouco pelo Botafogo, mas o suficiente para que fosse lembrado para o gol da seleção brasileira, junto com Germano, na Copa de 34. Aliás, o elenco do Brasil naquele mundial, marcado pela rixa entre cariocas e paulistas, contou com oito jogadores alvinegros.

Logo após Victor deixar os gramados e Germano e Pedrosa buscarem outros rumos para suas carreiras, o Botafogo acolheu um rapaz baixinho e muito magro para vestir a camisa número um. Chamava-se Aymoré Moreira (1936 a 1946), irmão do renomado treinador Zezé Moreira. Apesar da baixa estatura, voava na bola como poucos. Outras feras no gol do Botafogo foram Ary Nogueira César (1942 a 1950), egresso do Coritiba, onde foi ídolo, Osvaldo Baliza (1944 a 1953), que fechou o gol alvinegro no antológico título carioca de 1948, Cao (1965 a 1974), o que ocupou a vaga de Manga, em 1968, Paulo Sérgio (1980 a 1984), terceiro goleiro da seleção na Copa de 82, Wagner (1983 a 2002) e Jefferson (2003 a 2005 e 2009 até hoje), que, para muitos, é o segundo melhor goleiro da história do Fogão, simplesmente pelo arrojo, classe e longo histórico que construiu no clube.

Na lateral-direita, o nome é Carlos Alberto Torres (1971). Bastou apenas um ano no Botafogo para se consagrar, mesmo sem conquistar sequer um título com a camisa alvinegra. Chegou a General Severiano com a fama de capitão do escrete tricampeão mundial, em 1970, no México. Era o “Capita”, afinal.


Morto em outubro de 2016, Carlos Alberto deixou dúvidas entre tricolores, santistas e alvinegros. Para qual time o ídolo torcia, silenciosamente, desde a meninice? Não há o que questionar. O Capita foi o melhor lateral-direito da história dos três clubes. E também não pairam dúvidas sobre a paixão que nutria pelo Botafogo, seu verdadeiro clube do coração. Fato devidamente confirmado pelos mais íntimos amigos do craque. Até o último momento, foi um apaixonado botafoguense. Sempre lamentou a derrota (1 a 0), para o Fluminense, na polêmica final do Campeonato Carioca de 1971. O zagueiro Sebastião Leônidas (1966 a 1971), que também figura nesse timaço e sobre quem falaremos mais adiante, recordou a angústia do Capita naquele domingo, no Maracanã: “Ele saiu contundido após um choque com Marco Antônio e viu, do banco, o ponta-esquerda Lula correr pelo setor que deveria ser o dele e marcar, no último minuto, o gol da nossa desgraça.”

Até Carlos Alberto eternizar-se como o maior lateral-direito botafoguense, houve outro grande jogador na posição: Zezé Procópio (1938 a 1942), que, antes de se destacar no futebol carioca, foi campeão em Minas Gerais, pelo Villa Nova e pelo Atlético. No ano em que chegou ao Botafogo, foi titular da seleção brasileira terceira colocada na Copa do Mundo de 1938, mas deixou uma marca desagradável naquela competição: Zezé Procópio foi o primeiro jogador brasileiro a ser expulso em um Mundial, após dar um pontapé em Nejedly, no empate em 1 a 1 com a antiga Tchecoslováquia.

Outro lateral que brilhou na direita foi Cacá (1958 a 1964), morto recentemente. Além de bom de bola, o ídolo foi líder dentro e fora dos campos. Uma impetuosidade – igualmente a Carlos Alberto Torres – devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Na década de 1970, despontou outro grande nome na direita: Perivaldo (1977 a 1982), o “Peri da Pituba”, como os saudosos e queridos locutores Jorge Cury e Waldir Amaral. Perivaldo chegou ao Botafogo com a pecha de ídolo do Bahia. Não decepcionou, e caiu nas graças da torcida e do técnico Telê Santana, da seleção brasileira, que convocou o lateral para alguns jogos do escrete canarinho. O fato é que Perivaldo, após abandonar os gramados, sumiu do noticiário. Quase três décadas depois, a reportagem do programa “Fantástico”, da TV Globo, localizou Perivaldo em Lisboa. Outrora ídolo, o craque tornou-se morador de rua na capital portuguesa. Logo após Perivaldo deixar o Fogão, em 1982, surgiu no clube outra revelação na lateral-direita: Josimar (1982 a 1989), um marcador que avançava com impetuosidade pelo lado do campo. O estilo ousado fez de Josimar uma das figuras mais emblemáticas da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986, no México. Josimar, além de gol espetacular, foi um dos poucos jogadores daquele escrete que mereceram elogios após a eliminação diante da França. Fora dos gramados, Josimar teve alguns percalços. Foi preso sob a acusação de que estaria portando drogas. O que nega, até hoje, veemente. Mas Josimar foi, e aqui não cabe oposição, um dos mais empolgantes lateral destros da história alvinegra.


A zaga histórica do idílico Botafogo dos sonhos continua com o argentino Basso (1950 a 1951), que defendeu o clube em poucos jogos. Não chegou nem a 20 partidas, entre setembro de 1950 e janeiro do ano seguinte. Mas foi o suficiente para fazer dele, como muitos cronistas botafoguenses do passado reconhecem, o melhor zagueiro central que já defendeu o Glorioso. O saudoso e querido cronista Luís Mendes o definia como aquele zagueiro “louro, de técnica refinada e que jogava como o Domingos da Guia”. Muitos por aqui ignoram quem foi Basso, e Mendes não exagerou na comparação com Domingos. O craque argentino é considerado um dos maiores jogadores da história do tradicionalíssimo San Lorenzo de Almagro e um os melhores defensores argentinos em todos os tempos. Se Basso aportou em General Severiano, foi graças ao empenho, inicialmente, do famoso repórter (e torcedor do alvinegro, claro) Geraldo Romualdo da Silva, do Jornal dos Sports, que disse a Basso que deveria jogar pelo Botafogo, e, em seguida, do próprio Luís Mendes, que apresentou o craque argentino ao presidente do clube, Adhemar Bebianno. Foi paixão à primeira vista.

Mas outros bons jogadores pintaram no miolo da zaga alvinegra: Nariz (1934 e 1941), que esteve na Copa do Mundo de 1938; Gérson dos Santos (1945 a 1956), que formou zaga com Nilton Santos no título de 1948, e Brito (1970 a 1971, 1973 e 1974), o xerife da seleção na Copa de 70.


Para formar dupla com Basso, escalamos outro clássico zagueiro: Sebastião Leônidas, um camarada incapaz de chutar a bola a esmo. Ela sempre tinha endereço certo: os pés de algum companheiro rumo ao campo adversário. Leônidas brilhou, primeiramente, no América e depois migrou para o Botafogo. Esteve cotado para ir à Copa de 70, mas uma lesão o tirou de cena. A “Selefogo” de 1968, com Gérson, Roberto Miranda e Jairzinho, teve Leônidas como um dos seus principais craques.

Uma das predileções de Leônidas era derrotar o Flamengo. O zagueiro esteve em campo na goleada de 6 a 0 imposta ao Flamengo, no dia 15 de novembro de 1972, data em que o rubro-negro festejava 77 anos de existência. Por conta do clássico, o zagueiro, em um assomo de sinceridade, traduziu em palavras o mesmo estilo clássico com que tratava a bola. Simplesmente insinuante e mordaz: “O Botafogo é um time de alma moleque e eu me incluo entre os que adoram ver a torcida (do Flamengo) aos prantos. Dá uma extraordinária sensação de bem-estar, porque derrotar o Flamengo é calar toda a cidade.”

Escalaria para a “reserva” de Sebastião Leônidas o grande Gonçalves (1989 a 1990, 1995 a 1997 e 1998). O zagueiro foi a alma do Botafogo campeão brasileiro, em 1995.


A zaga ficará completa com a “Enciclopédia” Nilton Santos (1948 a 1964). Jamais houve (ou haverá) um lateral-esquerdo como ele. Nos corações dos botafoguenses, Nilton Santos é intocável, um gênio que vestiu apenas duas camisas em toda a vida: a do Botafogo e a da seleção brasileira. Comovia o amor que nutria pelo Glorioso. Emocionava a forma como falava do clube. Não… realmente não há como escolher outro jogador para escalar na lateral canhota do Botafogo dos sonhos.

Mas o clube teve outros bons jogadores que atuaram pela linha esquerda da defesa. Heitor Canalli (1929 a 1933 e 1935 a 1940) foi um deles. Com o Fogão, conquistou o Campeonato Carioca em 1930, 1932 e 1933. Perambulou pela Itália, onde defendeu o Torino, sem sucesso. Voltou ao Alvinegro, em 1935, e foi, novamente, campeão carioca. Juvenal (1946 a 1957), campeão em 1948, quando Nilton Santos ainda jogava como zagueiro, foi outro excelente lateral-esquerdo. Teve também o Rildo (1961 a 1966), brilhante na década de 1960 e também ídolo no Santos. O último grande lateral-esquerdo do Botafogo foi Marinho Chagas (1972 a 1976). Um jogadoraço.


Armar o meio de campo do maior Botafogo que desejaríamos ver, sem tempo, sem relógio, não é tão simples assim. O que tem de craque de bola não está no gibi. Tivemos de remanejar um deles, que jogava um pouco mais avançado, para a posição de centromédio ou volante, como queiram. Esse cara é o Gérson (1963 a 1969), o “Canhotinha de ouro” da Copa do Mundo de 1970 e da “Selefogo”, de 1968. Ao contrário do Capita, que foi ídolo do Fluminense e curtia mais reservadamente a paixão pelo Fogão, Gérson é torcedor loquaz do Tricolor, porém ídolo inconteste do Glorioso. Desde que começou, no Flamengo, e depois brilhou intensamente na Seleção, no Botafogo, no São Paulo e no Fluminense, “Canhotinha” falava em alto e bom som que o Fluminense era o time para o qual torcia. Mas, defendendo o Botafogo, e sobre isso não tenho dúvida, Gérson foi muito mais craque. Muito mais ídolo, inclusive. Por isso, encontramos uma forma de fazer dele o par perfeito de Didi (1956 a 1959, 1960 a 1962, 1964 a 1965) nessa meia cancha memorável. Mas o Botafogo, ao longo dos seus mais de 100 anos, vibrou com grandes volantes. Listamos quatro deles: Martim Silveira (1929 a 1933 e 1934 a 1940), titular na Copa do Mundo de 1938; Ávila (1947 a 1952), ídolo eterno do Internacional e ícone da conquista do Campeonato Carioca de 1948; Pampolini (1955 a 1962), o escudeiro de Didi nos timaços que o Fogão montou no final dos anos de 1950 e começo de 60; Alemão (1982 a 1986), que sofreu com a escassez de título para o Botafogo e o período de dureza do clube, quando o futebol alvinegro foi transferido para Marechal Hermes, e, por fim, o holandês Seedorff (2012 a 2014), cuja passagem pelo Botafogo foi sensacional.


De Gérson para Didi, a bola rola fácil, macia, e formamos aquele que seria o melhor meio de campo em qualquer clube. Eleito o melhor jogador da Copa de 1958, Didi, cuja ótima biografia é assinada pelo jornalista Péris Ribeiro, recebeu da imprensa europeia o justo e carinhoso apelido de Mr. Football (Senhor Futebol). Nelson Rodrigues o chamava de “Príncipe Etíope do Rancho” tal a elegância com que desfilava nos gramados.

Didi, igualmente a Carlos Alberto Torres e Gérson, é outro exemplo de ídolo alvinegro e tricolor. Pelo Fluminense, foi ele a estrela do time campeão da Copa Rio, de 1952, uma espécie de “Mundial Interclubes”, realizada no Brasil. Mas foi no Botafogo em que atingiu o ápice. Foi jogando pelo Glorioso que inventou a “folha seca”, um chute que, de forma incrível, fazia a bola mudar a trajetória rumo ao gol dos pobres e incautos goleiros adversários. “Quem corre é a bola”, dizia, sabiamente, o mestre. E, sob essa filosofia, Didi comandou o meio de campo do Botafogo e da seleção bicampeã mundial, em 1958 e 62.

Outros dois meias armadores encantaram a torcida alvinegra. Geninho (1940 a 1954) e Afonsinho (1966 a 1970). O primeiro foi ídolo no futebol mineiro. Para muitos, o melhor jogador de Minas Gerais no final dos anos de 1930. Jogava tanta bola que passaram a chamá-lo de “O arquiteto”. Certa vez, um repórter da antiga revista Esporte Ilustrado questionou-o sobre o porquê de a diretoria do Botafogo relutar na concessão do passe livre. Ele humildemente respondeu, porém com um coração alvinegro latente e comovente, o seguinte:

“Para quem tem onze anos de clube, como eu, não adianta pensar nessas coisas. Com ´passe’ ou sem ‘passe’, estou amarrado. Estou preso pelo coração”. Enquanto o romântico Geninho pouco se importava com as questões do “passe livre”, o outro meia-armador histórico do Fogão, Afonsinho, pensava diferente. Foi ele o ícone da luta do jogador brasileiro pelo passe livre, e mais: fez isso durante o período mais acirrado da ditadura militar no Brasil, entre 1970 e 1974. No campo, Afonsinho incomodava os adversários pelo toque refinado e maestria com que tratava a bola. Fora dos gramados, os incomodados eram cartolas subservientes ao governo ditador e treinadores que não curtiam a ousadia do craque, um deles, Zagallo. Tornou-se notória a birra do “Velho Lobo” com Afonsinho, ora pelos vastíssimos cabelo e barba que o jogador ostentava, ora pela ideologia libertária que pregava. Ou mesmo as duas coisas juntas.


Para completar essa “meiúca” espetacular, o nosso camisa “10” é Heleno de Freitas (1939 a 1948). Seria “9”, mas decidimos escalá-lo como ponta de lança. Não há como “barrar” Heleno no “Botafogo dos sonhos”. Acho, até, que nenhum treinador em sã consciência ousaria fazê-lo. Primeiro, porque Heleno foi o jogador mais “casca-grossa” que existiu. O chamado “gênio genioso”, como a ele se referia o jornalista e radialista Luís Mendes, não aceitava a reserva, de forma alguma. Heleno tem uma das biografias mais singulares da história dos maiores ídolos do futebol brasileiro. Sua trajetória foi soberbamente narrada pelo jornalista Marcos Eduardo Neves. Leitura obrigatória para quem ainda acredita que o mundo do futebol é idílico. Talvez, somente Nilton Santos “rivalize” com Heleno pelo posto de ídolo que mais amou o Botafogo

Outros grandes pontas de lança de ofício se destacaram com a “10”: Pirillo (1948 a 1952), um camarada que mantém até hoje, mas jogando pelo Flamengo, o recorde de gols em campeonatos cariocas; Paulo Cézar Caju (1967 a 1972 e 1977 a 1978), que foi simplesmente um gênio com a bola nos pés e, certamente, o mais versátil craque que o Botafogo já teve, e Mendonça (1975 a 1982), um camisa “10” clássico, estupendo, mas que, igualmente ao Heleno, jamais levantou, profissionalmente, troféus vestindo a camisa alvinegra. Coisas que, definitivamente, só acontecem ao Botafogo.


Hora de montarmos o nosso ataque, sob o bom e saudoso “1-4-3-3”. Para a ponta-direita, uma unanimidade: Garrincha (1953 a 1965), e não se fala mais nisso. Mané dispensa apresentações, delongas ou “mais-mais”. Praticamente tudo já foi muito bem escrito sobre ele pelo Ruy Castro, na antológica biografia “Estrela Solitária: um Brasileiro Chamado Garrincha”. Este dublê de jornalista e cartunista, que assina estas pretensiosas letras sobre o Fogão, arriscou-se como documentarista, e conseguiu alguns bons depoimentos para o filme “Garrincha: Simplesmente passarinho”, ainda em edição. Há, ainda, boas histórias sobre Mané a serem contadas.


Nosso centroavante é o Quarentinha (1954 a 1964), maior artilheiro da história do Glorioso, com 313 gols. Sua história é contada no livro “Quarentinha: o artilheiro que não Sorria”, assinado pelo Rafael Casé e lançado pela Editora Livros de Futebol, do bravo botafoguense Cesar Oliveira, em 2008. Alvinegros de quatro costados, o jornalista Armando Nogueira era fã incondicional do centroavante, mas se surpreendia com a aparente frieza do craque em campo: “Quarentinha jamais celebrou um gol, fosse dele ou de quem fosse. Disparava um morteiro, via a rede estufar, dava as costas e tornava ao centro do campo, desanimado como se tivesse perdido o gol”. O artilheiro era assim, retraído, mas fenomenal. Impiedoso com os goleiros. O maior goleador que já vestiu a camisa alvinegra. Seria injusto, contudo, afirmarmos que houve apenas Quarentinha como grande goleador do Botafogo. A lista é extensa, com destaque para Carvalho Leite (1928 a 1941), Paulo Valentim (1956 a 1960), Amarildo (1958 a 1963), Roberto Miranda (1962 a 1971 e 1971 a 1972) e Túlio (1994 a 1996, 1998, 2000 e 2012).


Para finalizar a escalação dessa memorável “Selefogo”, deslocamos para a ponta-esquerda Jairzinho (1965 a 1974 e 1981), o “Furacão da Copa” de 70, permitindo a liberdade necessária para ele trocar de posição com Quarentinha, na linha de frente do ataque. Isso deixaria os adversários tontos. Jairzinho foi um atacante extraordinário e verdadeiramente apaixonado pelo Botafogo. Bastava o Gérson lançar a bola em profundidade para a corrida desenfreada de Jairzinho. Ninguém o parava. Mais um gol do Botafogo estava consumado. Na canhota, o Fogão teve verdadeiros craques: Mimi Sodré (1908 e 1916), Nilo Murtinho Braga (1919 a 1922 e 1927 a 1937), Patesko (1934 a 1940 e 1942 a 1943) e Zagallo (1958 a 1965). Mas, que todos me perdoem, Jairzinho tinha de entrar nesse time inesquecível. O maior Botafogo que o escalaríamos, se não existissem os relógios. Um Botafogo que, nos sonhos de todos os alvinegros, manterá sempre vivas as estrelas de uma constelação solidária ao amor que todo botafoguense nutre pelos seus heróis, em preto e branco. Um Botafogo de cinema, meus amigos, diria o centenário (e botafoguense) João Saldanha.

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DI STÉFANO SÓ GOSTAVA DO NILTON SANTOS

por André Felipe de Lima


“Di Stéfano ficou com ciúme porque teria o seu espaço dividido comigo. Nas primeiras semanas, ele mal me cumprimentava. Nos jogos, ele evitava me passar bolas. Porém, com o tempo, passamos a conversar”. Quem contou isso foi Didi, ídolo do futebol brasileiro, do Fluminense e do Botafogo. Vá lá, ídolo de todos nós, e sem revanchismo. Didi foi (ou pelo menos tentou) ser um bom parceiro do “Saeta Rubia” (como apelidaram Di Stéfano) no Real Madrid. Não conseguiu. Chiou quando voltou ao Brasil. Di Stéfano defendeu-se: “De princípio, duvidei que fosse Didi quem tivesse feito tais afirmativas. Se ele é honrado, devia por sua mão no coração e reconhecer que, se fracassou, não foi por minha culpa, nem de meus companheiros. Ele não resistiu ao ritmo do futebol espanhol, sua velocidade e seu estilo forte, além da marcação cerrada. Se Didi pensar bem, jamais poderá dizer que alguém o tratou mal. É um exemplo típico do fracasso de um jogador de grande classe. Como todos sabem, Didi foi contratado pelo Real Madrid como meia-armador. Por isso, pergunto: onde estão os passes que ele devia me dar? Até hoje ainda os espero… apresar de ter fracassado, Didi, no Real, não encontrou mais do que amizade, ajuda e companheirismo.”

A verdade é que Didi foi mesmo boicotado pelas estrelas do time. Guiomar, sua esposa e “advogada” nas causas mais dramáticas do casal, colocou a boca no mundo e, em alto e bom som, disse que Di Stéfano, Puskas e Cia. colocavam o marido de lado. Ela tinha razão. Até mesmo o ponta Canário – sim, o mesmo do América – foi acusado de “leva e traz”. Guiomar o acusava de minar Didi com as outras estrelas do Real, sobretudo o “Saeta”.


Di Stéfano, como a maioria dos argentinos quando falam do futebol brasileiro, torcia o nariz para os nossos craques. E isso sem a menor parcimônia. Logo após a Copa do Mundo de 1962, quando conquistamos o “bi”, ele “barrou” Pelé e Garrincha de um hipotético “maior time de todos os tempos”. Escalou no gol o conterrâneo portenho Julio Adolfo Cozzi. Meteu na lateral-direita outro argentino, o Carlos Sosa, fez de zagueiro central o inglês Billy Wright e escalou na lateral-esquerda o único brasileiro do time: Nilton Santos. No meio jogariam o húngaro Bosizk e o craque do River Plate Nestor Rossi. No ataque, a começar pela ponta-direita, o francês Kopa, o argentino Moreno, o paraguaio Arsenio Erico, Puskas e na canhota o também argentino Lostau. Como se vê, Stéfano jamais teve boa vontade com o nosso futebol. A única exceção foi Nilton Santos: “O melhor elogio que posso fazer-lhe é dizer que ele sabe jogar até de memória. Faz jus a tudo o que de bom têm dito sobre ele.”

O tempo passou, mas Didi e o sutilmente despeitado Di Stéfano, ambos longe um do outro, acertaram os ponteiros. Didi no Botafogo e ele, Di Stéfano, no Real. A rixa entre os dois foi superada.


Recuperei essas histórias para tentar aproximar o Di Stéfano um pouco mais da realidade histórica do futebol brasileiro, sobretudo para os mais jovens. Além desse episódio com o nosso Didi e da demonstração de apreço por Nilton Santos, o craque argentino naturalizado espanhol teve outra relação direta conosco. Ainda jovem, defendendo “La máquina” do River Plate, em 1948, perdeu para o Vasco da Gama a final do primeiro campeonato sul-americano de futebol. A derrota foi um baque para ele, que começou a perder espaço no time. Passou (de passagem) pelo Huracán e, em seguida, foi parar na liga pirata da Colômbia, país que chegou a defender. A ousadia de “Saeta Rubia” em jogar pela marginalizada liga colombiana quase custou-lhe a carreira. Por pouco não foi banido do futebol pela Fifa. Seria um crime da principal frente institucional da bola contra o futebol. Di Stéfano foi um craque, meus amigos. Mais que isso, um jogador extraordinário. Um dos maiores da história. Os madrilenos idolatram-no como se fosse o ídolo um deus. Não ousamos contrariá-los.

Exatamente há 92 anos, em um 4 de julho, em Barracas, bairro de Buenos Aires bem ao lado de Avellaneda, nasceu Di Stéfano. Desde menino foi um virtuoso da bola, igualmente a outros dois gênios argentinos: Maradona e Messi. Quando “Saeta”, em 1953, preparava-se para respirar novos ares, viu seu futebol valorizar-se. A liga pirata da Colômbia (acreditem!) fez bem ele. Dois monstros espanhóis o disputavam com unhas e dentes. Barcelona e Real Madrid quase deflagraram, sem exagero, a terceira guerra mundial. Mas a “batalha derradeira” foi vencida pelo Real, que o levou para o Santiago Bernabéu e fez de Di Stéfano um dos maiores nomes da história do futebol. Vestindo a famosa camisa branca, o portenho genial conquistou tudo. Conquistou o mundo. Di Stéfano retribuiu ao clube que o tornou ídolo e fez do Real Madrid do final da década de 1950 o maior time em todos os tempos, como qualificam os mais renomados cronistas esportivos e ontem e da atualidade.


Com o Real, “Saeta” ostenta a impressionante marca de 418 gols em 510 jogos e uma penca de títulos que nenhum outro jogador jamais conquistou defendendo um único time. Somente Pelé o superou em todos os quesitos. Di Stéfano levantou cinco Taças dos Campeões (a atual Liga dos Campeões da Uefa) e uma Taça Intercontinental (o hoje Mundial de Clubes da Fifa) e conquistou incríveis oito campeonatos espanhóis. Picuinha à parte com nossos maiores ídolos, “Saeta Rubia” foi, indiscutivelmente, um gênio.