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andré felipe de lima

ABEL, UM ZAGUEIRO MITOLÓGICO

por André Felipe de Lima


Para os gregos da Antiguidade, desenhava-se o herói com ideais altruístas, moldados por ética, sacrifício, fraternidade, justiça, coragem, paz e moral. Superar desafios épicos. Eis a missão dos bravos. No futebol brasileiro, muitos chegaram a este patamar definido lá longe, na Antiga Grécia. Poucos foram, contudo, unanimemente observados sob esse arquétipo.

Superação. Essa é a palavra ideal para resumir a trajetória do herói. Ele chora, pode até vacilar defronte a desafios, mas seu ímpeto é sua alma e sua alma é sua glória. Poderia direcionar este perfil para alguns gênios da bola, como Garrincha, Pelé, Didi, Tostão…, mas o ex-zagueiro Abel merece ser proclamado herói dos gramados tanto quanto estes gênios pela superação que moldou sua trajetória, transformando-o em um ídolo do futebol no final dos anos de 1970.

Abel começou a carreira no Fluminense, em 1968, onde permaneceu até 1975, transferindo-se para o Vasco no ano seguinte. Nos dois clubes, transitou entre o céu e o inferno, apesar de sempre reverenciado por treinadores e cartolas, que reconheciam sua bravura em campo, mas não lhe davam a chance da regularidade nos times titulares. Aos poucos, desanimou-se com a reserva e chegou a pensar em abandonar os gramados. Para o bem do futebol, isso não aconteceu. Abel se consagraria como um dos melhores zagueiros de sua época e, tempos depois, um dos melhores treinadores de sua geração.


Conquistou glórias nas Laranjeiras, mas foi com o Vasco que houve maior identificação.
O começo em São Januário não foi fácil porque o preferido do técnico Orlando Fantoni era o zagueiro Renê. Mas em quatro meses, com Renê indo para o Botafogo, Abel assumiu a vaga de titular na zaga do Vasco. Esmerava-se, correndo nos dias de folga nas Paineiras “até cansar”, como o próprio contou ao jornalista Maurício Azêdo. Acabado o treino, Abel, com a ajuda de Roberto Pinto, então auxiliar de Fantoni, e dos preparadores físicos Antônio Lopes e Djalma Cavalcanti, permanecia cerca de uma hora no campo exercitando os fundamentos que fizeram dele um dos principais zagueiros de sua época. Chegou a usar um colete de chumbo nos treinos. Saltava incansavelmente. Tudo para melhorar a impulsão. Fantoni ficou maravilhado com ele, afinal foi o treinador quem lhe dera uma “carinhosa” dura para que corrigisse seus defeitos Dali em diante, Abel — sempre muito grato a Fantoni — passara a ser sempre cogitado para a seleção brasileira.

E pensar que aquele rapaz parrudo começara no Fluminense como ponta-de-lança, mesma posição em que atuava nas peladas de rua, no bairro da Penha, zona norte do Rio. Treinava descompromissadamente na Portuguesa, da Ilha do Governador, quando um amigo da família o levou para um teste nas Laranjeiras. Pinheiro, que fora um dos melhores zagueiros da história do Fluminense, gostou de Abel e pediu a ele que regressasse ao clube. Na semana seguinte, já estava escalado na lateral-direita durante um amistoso em Volta Redonda.


E o jovem Abel foi conquistando tudo com o Fluminense e a seleção brasileira de novos até, em 1972, o Fluminense emprestá-lo ao Figueirense, que utilizou-o no campeonato brasileiro. Estava à vontade em Florianópolis. Primeiro porque o treinador era Antoninho [ex-ídolo do Santos], com quem Abel trabalhara na seleção de novos, segundo o contrato era excepcional. Ganhava cinco mil cruzeiros mensais — três a mais que o salário que recebia no Tricolor —, luvas de 20 mil, casa e comida de graça e uma popularidade incomum que surpreendeu o técnico Duque, que treinava o Fluminense quando o time carioca visitava Florianópolis.

Duque sabia das coisas e repatriou Abel nas Laranjeiras. Ora no lugar de Assis, ora no de Silveira, Abel foi, aos poucos retomando a vaga na zaga tricolor. Com a chegada de Carlos Alberto Parreira, foi sacado do time no dia da final do campeonato carioca de 1975. Didi assumiu o time e prometeu-lhe dez jogos seguidos como titular, mas logo após o papo entre Abel e o novo treinador, o Fluminense contratou Carlos Alberto Torres e, vindo da Portuguesa da Ilha do Governador, o zagueiro Fernando. Didi não cumpriu a promessa e frustração de Abel transformou-se em depressão. Pensara até em deixar o futebol, pois estava prestes a concluir o curso de Administração, na Universidade Gama Filho. “Todo mundo me dava força, me apontava como exemplo de atleta dedicado ao clube. O próprio presidente Horta [Francisco Horta] fazia questão de me citar como modelo; chegava a dizer que eu era um símbolo do Fluminense. ‘Diante de Abel ninguém cospe na camisa do Fluminense’ — ele repetia com freqüência. Eu acreditava nisso, tinha o Fluminense como a minha casa. Achava bacana aquela história de ser confundido com o clube. De que adiantou isso?”


Realmente Abel não teria espaço nas Laranjeiras. Sobrava zagueiro [alguns bons, outros nem tanto] para o time. Além de Torres e Fernando, havia Buñuel, Assis, Silveira e o jovem e brioso Edinho. Fosse pouca a leva, Horta, trouxa Pescuma, que fora ídolo no Coritiba e estava no Corinthians. Segundo Azêdo, o cartola tricolor teria ficado encantado com Pescuma por este ter lhe mostrado o caminhos das pedras para eu o Fluminense convencesse o velho Nicola, pai de Rivelino, a deixar o filho trocar o Corinthians pelo Fluminense. E Abel, como ficou nisso tudo? O Flamengo bem que tentou levá-lo, mas Horta não o liberava. O América ofereceu uma troca por Alex, ídolo Alvirrubro. Abel iria para Campos Sales junto com Herivelto, mas Horta bateu o pé e dizia que nunca venderia seu craque. Mas o rapaz amargava o banco de reservas. Chateava-o muito a situação. Uma ex-namorada, Roberto Mauro, Rivero e Arlindo, amigos da faculdade, confortavam-no.

Seguia triste, acabrunhado, porém não imaginara a peça que lhe reservara o destino.
Abel, como narrou Azêdo, seguia de carro para a Universidade Gama Filho quando, aproveitando-se do sinal fechado, decidiu espiar rapidamente o jornal. Veio o susto: dizia a notícia que ele, Marco Antônio e Zé Mário foram cedidos ao Vasco. Ficara feliz. Era o queria, naquele momento: trocar de ares. O Fluminense avaliou para abaixo o valor do passe de Abel. Mas nem isso o incomodou. Queria mesmo é jogar bola, mas como titular… e No Vasco, para realizar o sonho de seu velho pai, um vascaíno “doente”.

Após os conselhos de “Titio” Fantoni, Abel acertou o prumo. Estava jogando uma barbaridade na zaga. Àquela altura já era ídolo da torcida. Foi o jogador vascaíno que mais vezes entrou em campo em 1976. Foram 90 partidas. Em abril, o Vitória o queria em Salvador. O Vasco disse não. Como vender o passe de um jogador que chora pelo clube, nas derrotas ou nas vitórias? “Ele é alma do time”, destacava Fantoni. “Ele é a garra que sempre caracterizou o Vasco”, reconhecia Dulce Rosalina, torcedora símbolo do Vasco nos anos de 1970 e 80.


Com Abel comandando a nau vascaína, o time conquistou o tão almejado título estadual de 1977. Fantoni estava certo: “Esse rapaz fez um progresso maravilhoso”
Abel não fugia da luta. Ocultava dores homéricas para estar em campo. Em outubro de 1978, o Vasco vivia um momento de transição. Chegara Leão, mas perdera Dirceu e Marco Antônio. Zé Mário e Geraldo estavam há meses no estaleiro. Abel, Orlando, Guina, Wilsinho e Roberto Dinamite tentavam manter o mesmo ímpeto do time de 77.
Em campo, o Vasco, que fazia uma campanha sofrível no campeonato estadual, deparou-se com um Flamengo embrionário do timaço que conquistaria tudo nos anos seguintes. Abel entrara em campo sentindo muitas dores no joelho. Escondera dos médicos, contudo, a enfermidade. O médico do Vasco, Otávio Martins, perguntara insistentemente se sentia algo. Abel negara sempre. No campo, o Flamengo estava sempre impetuoso no ataque, mas Abel parou Zico, Claudio Adão e Adílio… até não agüentar mais e desabar, heróico, no gramado.

Justificava a bravura com a mesma emoção com que chorava ao ver uma faixa de carinho da torcida em reverência ao ídolo. Aquele empate reanimou o Vasco, reanimou Abel. “Sei que entrar num jogo como esse, todo machucado, pode ser um desastre. Aí, me lembrei: há dois anos, o Fla não ganha nem marca gol no Vasco. Ainda: desde que fui para a Seleção, em fevereiro, o Vasco não perde quando jogo. Resolvi entrar.”

Até novembro daquele ano de 1978, com Abel em campo o Vasco não sabia o que era derrota. No mesmo ano, Abel esteve com a seleção brasileira, na Argentina, para a Copa do Mundo, mas não entrou em campo. O treinador Claudio Coutinho [também do Flamengo] preferia o miolo de zaga com Oscar e Amaral. No ano seguinte, Abel seguiu para o futebol francês. De lá, mantinha a esperança de nova oportunidade, na Copa de 1982. O treinador Telê Santana preparava o time que encantaria o mundo e Abel, em 1980, mandava recados que acabaram proféticos: “Os nossos inimigos em 82, queiram ou não, serão os times europeus. Lá, a dinâmica é outra, o jogo não pára, não fica truncado, o tempo passa rápido”. Exatamente como a Itália derrotaria o Brasil, no estádio de Sarriá, na Espanha.

Abel Carlos da Silva Braga, como consta em sua certidão, nasceu no Rio de Janeiro no dia 1º de setembro de 1952. Fluminense e Vasco não foram suas únicas casas. Também foi do Paris Saint-Germain, da França [de 1979 a 1981], onde chegou a jogar de líbero e até de centroavante e ganhava cerca de 500 mil cruzeiros mensais.
Em 1981, Abel retornou ao Brasil, para defender o Cruzeiro. A chegada não foi amena. Uma cirurgia no joelho o afastou dos gramados em pelo menos dois meses, recuperou-se e deu nova cara à zaga, com reflexos em todo o time, a ponto de o lateral-direito Nelinho, seu ex-parceiro nas peladas nas ruas de Olaria, defini-lo como “doping” da equipe, que não vinha bem e sofria com o poderio do Atlético, de Reinaldo, Cerezo e Lusinho. “E o que esse cara grita e xinga em campo não é normal, xará”. Abel tornara-se o homem de confiança de [quem diria…] Didi, o mesmo técnico dos tempos de Laranjeiras. “Quando penso em dar uma orientação a um garoto, o Abel já foi e conversou com ele”. Na Toca da Raposa, Abel era a voz dos companheiros. Reivindicava aumento para jovens talentos e discutia com cartolas e comissão técnica um regime mais justo nas concentrações. Desabrochava o futuro treinador de sucesso.
Do Cruzeiro, Abel teria de voltar ao Paris Saint-Germain, mas acabou transferindo-se para o Botafogo, em 1982, numa transação confusa porque o clube carioca ficou devendo 40 mil dólares ao clube francês.

Entende-se o pouco esforço do Paris Saint-Germain para não querê-lo de volta. Em 1988, ou seja, quatro ano após Abel ter encerrado a carreira de jogador, o jornal L’Equipe publicou um levantamento sobre 23 estrangeiros que atuaram no Paris e no Matra Racing ao longo da história dos dois clubes parisienses. Abel não ficou bem na fita. O jornal o colocou na lista dos onze piores. “Falência total de um zagueiro-central, que treinou apenas uma temporada no Parc des Princes”, escreveu o diário. No período em que lá jogou vestiu a camisa do Paris Saint-Germain 45 vezes.

Em 1984, Abel trocou o Botafogo pelo Goytacaz, de Campos, no interior do estado do Rio de Janeiro, clube com o qual encerraria a carreira, conforme dados da Confederação Brasileira de Futebol [CBF].

Pela seleção brasileira, esteve na Copa de 78, como reserva do zagueiro Oscar [da Ponte-Preta]. Vestiu a camisa canarinho em 15 ocasiões [10 delas com a seleção olímpica]. Também participou, em 1971, da seleção pré-olímpica. Além do eloqüente título de 1977, com o Vasco, Abel foi campeão carioca em 71 e 73 e bi-campeão, em 75 e 76, todos com o Fluminense.

A fama de mau, garantia ele, sempre fora injusta. “Olha, só machuquei um cara por querer. Foi um tal de Lula, do Vila Nova de Goiás, quando eu jogava no Vasco. Ele me deu duas entradas na barriga. Na seguinte, acertei o seu joelho.”
Após deixar os gramados, transformou-se em um bem sucedido técnico. O começo foi no Botafogo, em 1985.


O saudoso jornalista Sandro Moreira recorda uma deliciosa história dos primeiros momentos de Abelão, como gostavam de chamá-lo na imprensa ou na arquibancada, como técnico do Alvinegro carioca, que acabara de ganhar os dois primeiros jogos sob a batuta do ex-zagueiro.

Entusiasmado com a boa estréia de Abel como treinador, o repórter de uma rádio telefonou para a casa do ex-craque, tentando entrevistá-lo. Do outro lado da linha atende uma mulher, que pergunta ao trepidante com qual dos dois ele queria conversar, se com o “Abelão” ou com o “Abelinho”. Seguro de si e sem pestanejar, o repórter emendou: “Com Abelão, naturalmente”. Abelão vai ao telefone e trava-se o nosense diálogo:

— Alô, quem quer falar comigo?”

— É o Gomes, da rádio. Explica para os ouvintes como você viu a vitória de hoje do Botafogo?

— Não vi.

— Como não viu? Está me gozando?

— Não. Eu sou o Abelão, o pai. Você deve estar querendo falar com Abelinho, meu filho.

Amante da boa música. Abel [ou Abelinho”, para o velho pai] arrisca-se no piano desde os 12 anos de idade. Quando treinava o Vitória, em Salvador, em 1986, decidiu intensificar os estudos musicais.


Abel comandou, entre outros clubes, o próprio Vasco, Internacional de Porto Alegre, Sport Recife, os Atléticos mineiro e paranaense, Coritiba, Flamengo, Ponte Preta e o francês Olympique de Marselha. Em 2004 e 2005, teve grandes passagens por Flamengo e Fluminense, com os quais, respectivamente conquistou o campeonato carioca nos dois anos. Mas foi no Internacional a consagração: campeão da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes em 2006. E, no Inter, seu filho Fábio ingressaria no futebol. A relação com o Colorado é, inegavelmente, singular. Em 2011, com a inquestionável bagagem de sucesso, o Fluminense recebeu-o novamente como técnico. Voltaria, porém, ao Inter em 2014. O Rio o acolheria novamente. E mais uma vez as Laranjeiras, onde está até hoje.

Foi, porém, nos gramados que Abelão encantou as torcidas, especialmente a tricolor e a vascaína. Como zagueiro, era conhecido mais pela força do que pela técnica, mas o resultado dessa inversão não é queixa para ninguém, sobretudo para os vascaínos, que no campeonato carioca de 1977 viram o time sofrer apenas quatro gols. Todos apenas no primeiro turno. Dá para imaginar de quem é a pecha de herói?

***

O texto acima integra a “Letra A” (primeiro volume) da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos Craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, cujo lançamento será ainda neste semestre pela Livros de Futebol.com, do bravo editor Cesar Oliveira, autor do imperdível “João Saldanha, cem anos sem medo” (https://www.facebook.com/joaosaldanha100/), com Alexandre Mesquita e Marcelo Guimarães.

“GRANDES SÃO OS OUTROS. O FLUMINENSE É ENORME”

 por André Felipe de Lima


Faria anos hoje o genial dramaturgo, cronista, jornalista e, acima de tudo e de todos, o que convencionamos como o amor mais genuinamente traduzido em Fluminense. É festa para o “profeta tricolor” Nelson Rodrigues, que nasceu em Recife, no dia 23 de agosto de 1912.

Pernambucano na carne, mas com uma vocação carioca que muitos que aqui no Rio nasceram jamais tiveram. Aos quatro anos, mudou-se para a cidade que amou incondicionalmente e que dela fez palco para sua produção magistral. Mais que isso. Nelson fez do Rio o Fluminense, e do clube das três cores o óbvio e ululante amor de sua jornada. Amou-o mais que a si mesmo, mais que as mulheres de sua vida e filhos que acariciou. Amou o Fluminense de cabo a rabo, do paraíso ao inferno, no sol e na chuva. Amou-o com o calor das palavras tendo como única confidente dessa paixão a sua máquina de escrever, de onde brotaram estribilhos e odes ao seu Fluminense.


Abaixo, algumas declarações rodrigueanas ao Tricolor:

“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar.”

“Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.”

“O Fluminense não nasceu para ser unanimidade nem massa de manobra do interesse demagógico das elites opressoras. O Fluminense nasceu para atravessar a harmonia do bloco dos contentes. Nasceu para incomodar o senso comum. Essa é a nossa sina.”

“Pode-se identificar um Tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se distingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora.”

“A Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense.”

“Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória.”

“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”

“Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação.”


“Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida tricolor leva um imperecível estandarte de paixão.”

“Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir.”

“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”

“O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!”

Nelson Rodrigues não era daqui. Nasceu em outra dimensão, em outro planeta, onde brilham no céu o grená, o branco e o verde. Para ele, isso bastava.

‘VAI SE CHAMAR HÉRCULES’. E ASSIM NASCEU O BRITO DE 70

por André Felipe de Lima


O Flexeiras AC foi um time de peladas da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, que não existe mais. Mas o que pouco se comenta – inclusive no meio futebolístico – é que desse clube de peladeiros surgiram dois campeões mundiais. O primeiro foi Nilton Santos, a Enciclopédia; o segundo o zagueirão Hércules Brito Ruas, o cara que desbancou, num teste físico, o inglês Bobby Moore, o alemão Franz Beckenbauer e o italiano Gigi Riva e, com o reconhecimento oficial da Fifa, foi considerado o jogador com o melhor preparo físico da Copa do Mundo do México, em 1970.

O segredo para a estupenda forma física só revelaria muitos anos depois: uma garrafa de cerveja preta, um gema de ovo, uma colher de mel e outra de canela, tudo batido no liquidificador.

Brito despontou em 1955 e mostrava-se versátil. Quando a zaga era pouco para ele, arriscava-se no meio-campo. E foi Válter, funcionário da Aeronáutica e vascaíno fanático, quem levou Brito para São Januário. Fez um teste e foi aprovado como zagueiro.

De 1955 a 1958, o garoto cumpriu sua primeira passagem pelo Vasco da Gama. Mesmo tendo que disputar espaço com Bellini e Orlando Peçanha, donos indiscutíveis da zaga da Colina, fez parte dos elencos campeões cariocas em 1956 e em 1958.


O craque nasceu no dia 9 de agosto de 1939, na cidade do Rio de Janeiro. O carpinteiro Lenídio Ruas, pai de Brito, logo que viu o bebê pela primeira vez com incríveis cinco quilos, não pestanejou: “Vai se chamar Hércules”.

Brito foi um dos jogadores mais fortes, porém leal, do futebol brasileiro. Ao deixar o Vasco da Gama em 1958, com apenas 20 anos, seguiu para o Internacional, de Porto Alegre. Sequer encontrou tempo para vários chimarrões. Retornou ao Vasco da Gama em 1959 e por lá ficou até 1969.

E não é que Bellini esteve novamente em seu caminho? O maior zagueiro da história do Vasco da Gama e capitão da Seleção em 1958, na Suécia, estava de malas prontas para o São Paulo no início da década de 1960. Era o momento da afirmação de Brito no Vasco da Gama.

E foi o que realmente aconteceu, embora a década tenha sido um fardo para o time de São Januário, que não levantou troféu algum. Brito era, porém, o capitão do time, posto que também herdou de Bellini, e a torcida – por motivos óbvios – o chamava de “Cavalo”, apelido que marcou a sua carreira e manteve a fama de mau.

Em 1969, sem títulos na Colina, o zagueiro trocou São Januário pela Gávea, mas disputou poucos jogos pelo Flamengo. No ano seguinte, o Vasco da Gama conquistaria o Campeonato Estadual.


Teria Brito se dado mal? No único ano em que ficou no rubro-negro carioca, enfrentou a indignação dos vascaínos e, até, de torcedores do Flamengo. Deixou a Gávea em 1971, após uma áspera discussão com o então técnico Yustrich (ex-goleiro do Flamengo na década de 1930), cuja fama de destemperado era antiga.

O bate-boca começou porque Yustrich teria chamado os campeões de 1970 de “porcarias”. Mas há outras versões da insatisfação com Yustrich. Em julho, logo após o tri, Brito leu em um jornal, quando embarcara em um táxi rumo à Gávea para treinar, que perdera a posição de titular para o desconhecido Washington. “Tive de vencer muitos obstáculos para ser titular da Seleção. A imprensa, principalmente a de São Paulo, foi um. No mínimo, tive que ganhar do Djalma Dias, do Joel, do Fontana, do Scala, do Baldocchi e até mesmo do Piazza, para entrar no time. Aliás, de luta não fujo. Por isso, não culpo ninguém. O problema de escolher o titular é do Seu Yustrich. O meu, é apenas lutar por êsse lugar. E é o que estou fazendo”.

No final das contas, a revista Placar publicou como capa de uma edição de agosto uma foto de Brito com a manchete “Vende-se, Hércules Brito Ruas, 30 anos, zagueiro de área, campeão do mundo”.

A mais pura e genuína verdade. Mas os motivos que levaram a diretoria a vender o passe de Brito é que não são louváveis. Por inapetência intelectual dos cartolas, Brito, um campeão mundial, deveria ser moeda de troca para pagar ao Atlético de Madrid e ao Barcelona, respectivamente, os passes do zagueiro paraguaio Reyes e do centroavante Silva e manter Yustrich na Gávea. E foi isso o que aconteceu. O Cruzeiro depositou 365 mil cruzeiros na Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e levou Brito para Minas Gerais.

Afastado do elenco do Flamengo, treinando sozinho, Brito arrumou mala e cuia e foi para Belo Horizonte, onde assinaria contrato com o Cruzeiro para jogar ao lado de Piazza, ex-companheiro de zaga no tri, de Dirceu Lopes e de Tostão, também ex-parceiro na jornada do México.

A rixa com Yustrich parecia interminável. Nem com Brito fora do Flamengo havia paz. Faltou pouco para ambos saírem no tapa. Após o fim de um jogo do Cruzeiro contra o Flamengo, no Mineirão, que terminou 3 a 1 para o time mineiro, Brito, ao sair do gramado, xingou o Yustrich e atirou a camisa azul na direção do treinador. “Se eles não me segurassem, eu teria feito qualquer absurdo. Isto se conseguisse chegar junto do Brito, porque ele está correndo como nunca. Sem eu conseguir sair do túnel, ele correu. Imagino se eu me desvencilhasse dos policiais. Ele é tão covarde que jogou a camisa longe, cerca de 10 metros, e ela caiu na pista. Nem no túnel ela chegou. Mas eu achei uma indignidade com o Flamengo, com a sua torcida – bem grande e que tomava parte das arquibancadas. Por isto, fiquei revoltado. Se eu entro em campo, não sei o que seria dele agora”. Brito sentira-se, contudo, vingado: “Era isso que eu precisava: humilhá-lo publicamente, como ele fez comigo. Pena que o jogo não tenha sido no Maracanã. Lá teria mais gente, a torcida do Flamengo é enorme.”

A estada em Minas, porém, também durou pouco. O Flamengo ainda era dono de seu passe, mas o presidente André Richer não o queria de volta pelo fato de Yustrich ainda ser o técnico do time. Brito, então, retornou ao Rio de Janeiro, mas agora para defender o Botafogo, mas já não era mais o zagueirão de outrora. E, a paciência também parecia ter ficado no passado.


Após agredir com um soco no estômago o árbitro José Aldo Pereira, que marcara um pênalti a favor do Vasco da Gama, em jogo realizado no dia 31 de outubro de 1971, Brito foi punido pela antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), com um ano de suspensão, pena abrandada semanas depois para seis meses. O Vasco da Gama venceu de 1 a 0 e a imagem de Brito perante a opinião pública ficou manchada. Dizia que somente o então presidente Emílio Garrastazu Médici é quem poderia livrá-lo do problema com a Justiça. Pegou mal…

Cumpriu a pena e percebeu que não havia mais ambiente para ele no futebol carioca. Aliás, a derrota do Botafogo na final com o Fluminense ficara entalada em sua garganta.

Décadas depois, comentou o episódio que envolveu José Aldo Pereira motivo de sua condenação: “O pênalti foi uma vergonha. Olhei para ele, que me deu uma risada de deboche. Não aguentei e dei um gancho que pegou na barriga dele. Aí, gritei. ‘Isso é para você tomar vergonha na cara”.


Em agosto de 1974, já com 35 anos e poucos cabelos, recebeu do Corinthians uma proposta salarial de 11 mil cruzeiros mensais. Para a época, algo irrecusável. E lá foi Brito jogar ao lado de Rivellino para tentar tirar o Timão do amargo jejum de 20 anos sem títulos estaduais.

Tudo parecia seguir um rumo certo. O time do Parque São Jorge conquistou o primeiro turno e garantiu vaga na decisão. Mas a carruagem viraria abóbora na tarde do dia 22 de dezembro de 1974 diante do Palmeiras, de Ademir da Guia, Dudu, Luis Pereira e Leivinha, e dos 120 mil torcedores que lotaram o estádio do Morumbi. Enquanto os craques palmeirenses vibravam no gramado, Brito, o velho herói de seu Lenídio, mostrou por que recebeu o nome de Hércules. Tinha vergonha na cara e foi chorar no chuveiro do Morumbi, uma das derrotas mais dolorosas para a história do futebol do Corinthians.

Após a perda do título, a diretoria do Corinthians decidiu que deveria priorizar os mais jovens do elenco. Nem precisa pensar muito para saber que Brito, já com 35 anos, estava fora dos planos do Timão; ademais, tinha passe-livre e sua contratação foi apenas para a disputa do Campeonato Paulista.

O período em que Brito esteve no Parque São Jorge foi gratificante. Fez amizade com funcionários, especialmente os mais humildes. Morou alguns dias com o amigo (lateral-direito) Zé Maria e até caçou passarinhos com Rivellino e o goleiro Ado. Cinco meses muito bem vividos no clube.

E a torcida reconheceu isso. Brito marcou gol contra, chorou e jogou com uma garra digna das palmas de cada corintiano que o assistia nos estádios. Brito é do tipo daquele jogador que toda torcida gosta de ver, sobretudo a do Corinthians. 

“A torcida, por exemplo, me aplaudiu e deu provas de um carinho que nunca tinha encontrado na minha vida. Nesse tempo de Corinthians, aprendi a amar a torcida e o clube, e até me adaptei a São Paulo, o que todo carioca acha impossível”. Para os jogadores, Brito era uma espécie de pai e conselheiro. Rivellino, por exemplo, com quem Brito foi parceiro de Seleção, na Copa do Mundo de 1970, dizia que o zagueiro era o único que podia gritar com todos em campo sem ser mal interpretado.

Os sambas que cantarolava no clube e na concentração fizeram falta. Era Brito quem, antes de cada jogo, acendia velas para São Cosme e São Damião. Sua fé nos santos também valia para proteger os companheiros. Rivellino, por exemplo, estava prestes a ser julgado pela justiça desportiva. Brito não se fez de rogado e fez promessa aos santos para que o amigo “Curió” fosse absolvido. “Sempre fui pobre, todos sabem disso. Nunca escondi que não preciso de dinheiro para viver como gosto. Nunca faço aquilo que não gosto de fazer. Eu sou assim mesmo”.

Brito jamais soube ao certo os motivos que levaram a diretoria a não renovar seu contrato. Especulava-se que o pessoal do departamento de futebol ficou indignado com o fato de Brito ter bebido uísque com Rivellino e Zé Maria até quatro da manhã, na casa de Riva, na noite em que ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça Desportiva da agressão ao bandeirinha Mário Molino. Mas havia gente que afirmava ser o treinador Pirillo o óbice para que Brito permanecesse no Corinthians. A trajetória do zagueiro campeão do mundo no Alvinegro foi marcada por apenas 29 jogos, 12 vitórias e sete empates, com um gol contra.

Brito já não era nenhum garoto. Com 40 anos, ainda tentou uma passagem pelo Atlético Paranaense, em 1975. No mesmo ano, esteve no Les Castors (de Montreal, Canadá) e no Deportivo Galicia (Venezuela). De 1976 a 1978, esteve no Democrata, de Governador Valaladares (MG), encerrando a carreira em 1979, no River AC, do Piauí.

Para a Seleção Brasileira, Brito foi convocado pela primeira vez como titular em 1964, na Taça das Nações. Até 1972, esteve sempre na lista de convocados. Durante as eliminatórias para a Copa do México de 1970, era uma das “feras” nas listas de João Saldanha. Zagallo assumiu o comando da seleção e manteve Brito, que havia deixado o Vasco da Gama poucos meses antes da Copa, na zaga tricampeã.

Além do “caneco”, Brito conquistou um título particular. Foi considerado o jogador com o melhor porte físico da Copa por uma junta médica. A faceta rendeu-lhe um mimo do então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, o título de comendador… Comendador Hércules Brito Ruas, ou, simplesmente, o “Zagueiro Saúde”, para a torcida.

E teve mais conquista em 1970. Brito ganhou a Bola de Prata da revista Placar. O craque disputou 60 jogos com a Amarelinha. Venceu 45 e empatou 10 e só assumiu a vaga de titular em 1970, porque João Saldanha foi dispensado pela CBD, caso contrário Djalma Dias seria o titular.

O zagueiro fez fama também pelo seu bom humor. Na concentração, era insuperável. Entre mitos e histórias reais, Brito telefonava da concentração no México para o seu cachorro que, do outro lado da linha, respondia em latidos intermitentes. Impossível não cair na gargalhada.

Além da gracinha canina, Brito também era um contador de piadas. Para ele, uma boa cachacinha e samba (preferencialmente da querida União da Ilha do Governador, Mangueira ou Imperatriz Leopoldinense) o deixavam feliz. 

O zagueirão também quase deixa uma bola importante passar por ele. Perdeu a hora do casamento. Se foi capaz de esquecer o matrimônio, não esqueceria um grande amigo: Garrincha.

Por Mané, Brito intercedeu para que o ponta, que já estava em estado avançado do alcoolismo, treinasse no Vasco da Gama. Gentil Cardoso que, curiosamente, foi o primeiro treinador da carreira de Garrincha, dirigia o Vasco da Gama naquela ocasião. E foi franco com o craque ao dizer-lhe que não havia como aproveitá-lo no time principal. Mas, talvez por gratidão e reconhecimento, ofereceu-lhe uma vaga em um time misto do Vasco da Gama que jogaria em Cardoso, interior de São Paulo. Nada mais.


Até com pouco mais de 50 anos, sempre manteve a forma com diárias corridas de oito quilômetros, todas as manhãs. Quando era jogador, usava coletes de chumbo e roupão. Perguntavam se estava louco, mas o fato é que Brito corria mais que qualquer outro em campo.

Brito deixou o futebol e fez cursos para treinamento de times de futebol na Federação Canadense. Dirigiu, entre outros clubes, o Bonsucesso, o Ceilândia e o Sampaio Corrêa. Também esteve na Arábia Saudita, onde dirigiu o Riad Club até o início da guerra do Golfo Pérsico, em agosto de 1990.

Mas o ápice foi mesmo em 1982, quando comandou o Cruzeiro. Trabalhou algum tempo no projeto do já falecido empresário Arthur Sendas, o Sendas Esporte Clube, para crianças carentes, que existiu até 2011.

Brito jamais abandonou a Ilha do Governador, onde vive até hoje, fazendo o que mais gosta depois do futebol: pescar. Melhor ainda se for bem cedo, às cinco da manhã, e na companhia dos netos. Pescar, aliás, sempre foi o melhor “calmante” do craque. “Quando os caras estão nervosos, lembro o ditado: ‘Tá (sic) nervoso, vai pescar’. Eu mesmo quando pesco penso na vida, reflito. Tenho muito medo de morrer. Deus me livre, a vida é muito boa, né!”.

Palavras do eterno e imortal “Comendador da Zaga” e tricampeão mundial.

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O texto acima integra a “Letra B” (segundo volume) da enciclopédia Ídolos – Dicionário dos Craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias, cujo lançamento será ainda neste semestre pela Livros de Futebol.com.

NA PELADA DA FIRMA NASCE UM ÍDOLO OU O GIVANILDO DO SANTINHA

por André Felipe de Lima


“Eu não acreditava que pudesse jogar futebol profissional. Disputava minhas peladas com o pessoal da firma, aos sábados, e só. Nunca passara por um clube. Foi nessa época que meu patrão, o Paulo Duarte, resolveu me levar para o juvenil do Santa Cruz, onde era diretor. Passei a treinar de manhã e a trabalhar à tarde. Depois de dois meses de treinos, vi que aquilo não era para mim. Já havia desistido, quando um diretor telefonou para a agência, pedindo que eu voltasse para ganhar 70 cruzeiros por mês. Mas logo fiz 20 anos, estourei a idade de juvenil e fiquei entre os profissionais. Nem entrava em coletivo. O treinador, seu Gradim, me pedia paciência e no dia 31 de março de 1969 – Como esquecer? – lançou-me desde o início num amistoso com o Bahia – na ponta-esquerda. Ganhamos de 5 a 2 – 5 a 0 no primeiro tempo – e só saí quando vim para o Corinthians. Ninguém entendeu, porque não me conheciam. Eu era uma figura misteriosa até para os jornais da cidade. Quem é esse Givanildo? – perguntavam. Que nome é esse? Fácil: sou o mais velho dos sete filhos de uma família com nomes que começam com a letra gê. Tem a Gessé, o Genival, a Girlene, o Gervásio, o Gilberto e a Gedolva. Afinal, em 71, com as contusões do Zito e do Osvaldo, o Duque me puxou para a posição em que estou hoje. Como nunca imaginara um negócio desses, ficava pensando. Precisava agarrar a oportunidade com unhas e dentes. No futebol, os jogadores vêm de famílias humildes, sem conforto, da classe média para baixo, não é? Então, era a minha chance na vida. Como iria perdê-la? Levei o negócio muito a sério. Tinha que ganhar dinheiro, construir meu patrimônio. No começo, queria ficar por lá. Vir para o Sul era coisa fora dos meus planos. Passei a ter vontade por volta de 74 para poder chegar à Seleção. E depois pela idade, pela rotina do clube, pela vontade de aparecer num centro maior e, não nego, pelos 15% da transferência. (…) Meu futebol é de dois toque, dificilmente dou três. tem jogador que gosta do drible. Eu só driblo se não tem outro jeito. Prefiro passar logo a bola. E aí acusam de não criar jogadas. Não sou é de enfeitar, o que é diferente.”


Esse depoimento faz parte de uma extensa entrevista de Givanildo ao gigante repórter Carlos Maranhão, da revista Placar. Um papo muito bacana que aconteceu em 1977, quando o craque pernambucano brilhava no Corinthians, do técnico Osvaldo Brandão.

Como ele mesmo se autodefinia, Givanildo não era realmente de enfeitar em campo, mas foi, sem dúvida, um dos melhores volantes do futebol brasileiro na década de 1970 e o melhor da história do Santa Cruz, do querido “Santinha”.

Givanildo, um grande ídolo que nasceu no dia 8 de agosto de 1948.

‘NÃO HOUVE ANTES DE ZITO, NÃO EXISTE DEPOIS DELE’

por André Felipe de Lima


Pelé pegou a pelota, driblou um, driblou dois, três e ficou cara a cara com o goleiro Mão de Onça, do Juventus. A torcida se levantou na arquibancada. Gol certo do Santos, mas Pelé perdera o gol feito. Enfeitara a jogada para atender a uma equipe de cinegrafistas postada atrás do gol e pronta para capturar as cenas mais plásticas para o filme da vida do Rei. Inconformado, o líder do time, o volante Zito, correu na direção de Pelé e sem parcimônia apontou-lhe o dedo no rosto: “Chega de palhaçada, crioulo! Vamos jogar sério!”. Um humilde e titubeante Pelé respondeu: “Mas, Zito, estamos ganhando de 2 a 0, e eu…”. Zito sequer esperou o Rei completar a desculpa: “Não quero saber de quanto estamos ganhando. Trate de jogar sério e marcar quantos gols puder”.

Pelé abaixou a cabeça e acatou a ordem do Zito. Não havia no time quem não acatasse. Zito foi o maior líder que o Santos teve e um dos maiores ídolos da história do futebol brasileiro. Fazia na seleção brasileira o mesmo que na Vila Belmiro. Todos ouviam. Deu tão certo o estilo que o Brasil, com Zito em campo, conquistou duas Copas do Mundo (1958 e 62).


Ganhar era pouco para Zito. Ele sabia que seus times eram poderosos. Exigia marcadores elásticos. Goleadas inigualáveis. Recordes de gols. Pepe, o segundo maior artilheiro da história do Santos, foi um dos que temia as homéricas broncas do Zito. Assim o descreveu o maior ponta-esquerda alvinegro de todos os tempos: “Zito chegava a ser cruel. Seus gritos eram ainda mais fortes e marcados pelo desprezo.”


Para Zito, raça jamais foi sinônimo de violência, mas gritava à beça também com os juízes. Acabou expulso algumas vezes. Umas trinta, talvez. Foi com esse estilo, digamos, viril ao extremo, que marcou uma época de ouro no clube que defendeu de 1952 a 1968. “Não houve antes de Zito, não existe depois dele. Não existe agora e ninguém sabe quando aparecerá um estimulador de time, um transmissor de ânimo, um orientador tão hábil e tão enérgico, um comunicador de tão absoluto equilíbrio”, escreveu sobre ele o cronista e santista fanático Adriano De Vaney.

Zito levantou uma penca de troféus. Além das duas Copa do Mundo (1958 e 1962), ajudou ao Santos nas conquistas do Mundial Interclubes (1962 e 1963); da Taça Libertadores da América (1962 e 1963); do Campeonato Paulista (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967 e 1968); da Taça Brasil (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965) e do Torneio Rio-São Paulo (1959, 1963 e 1964).


Mas um fato curioso marcou a vida desse ídolo santista, como o próprio Zito declarou a Bernardo Buarque de Hollanda e a José Paulo Florenzano, em entrevista para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, da FGV: “Não tinha outro jeito, tinha que acompanhar pelo rádio. Engraçado que a gente pegava mais o Rio do que São Paulo, e eu era palmeirense naquela época, garoto, garoto escolhia: “eu sou palmeirense, sou são paulino, sou isso, aquilo”, na época eu era palmeirense, coube para mim, não é? Mas depois você vai crescendo, vai mudando”. E Zito mudou muito. Tornou-se um dos santistas mais convictos e juramentados. Igual a ele, jamais.

Hoje, dia 8 de agosto, o inesquecível José Eli de Miranda, o incomparável Zito, faria anos.