Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

andré felipe de lima

ENGRAXATE QUE VIROU ÍDOLO DO SANTOS

por André Felipe de Lima


Ponta-direita do timaço do Santos da década de 1960, Dorval Rodrigues jogava com Coutinho, Pelé, Mengálvio e Pepe no ataque mais famoso da Vila Belmiro. O craque nasceu no dia 26 de fevereiro de 1935, em Porto Alegre, e marcou 198 gols nas 612 partidas em que vestiu a camisa santista. Uma performance que o lista como o sexto maior artilheiro do clube.

Em sua cidade natal, Dorval trabalhava como engraxate. Aos 13 anos, fundou um time de futebol amador, o Esporte Clube XV de Novembro, mas foi nos juvenis do Grêmio que sentiu o gosto inicial de jogar futebol para valer. O treinador Mendes Ribeiro descobriu a posição ideal para o jovem: a ponta-direita. E nela, Dorval construiria sua brilhante carreira. Só chegaria ao profissionalismo com 20 anos de idade, no Grêmio Esportivo Força e Luz. Destacou-se e foi convocado para a seleção gaúcha. Habilidoso e driblador, como eram os ponteiros “das antigas”, Dorval chamou a atenção de Flamengo e, em seguida, do Corinthians, mas ambos os clubes desistiram da contratação em cima da hora. O motivo nunca fora explicado. Mas o destino é sempre surpreendente na vida de todos. Dorval era um predestinado. Num dia do ano de 1956, Arnaldo Figueiredo, cartola do Força e Luz, empresário de Dorval, conversou com o diretor do Departamento Profissional do Santos, Antônio dos Santos, e ambos selaram o destino de Dorval. O rapaz, dali em diante, seria jogador do Santos, que recrutava na mesma época outro jovem bom de bola conhecido como Pelé.


Os dirigentes santistas gostaram de Dorval, mas consideraram-no inexperiente e o rapaz acabou tendo o passe emprestado ao Juventus da Mooca para se adaptar ao futebol paulista, mas o estágio durou apenas três meses. O ponta-direita jogou tanto que retornou à Vila Belmiro. E como titular ao desbancar Alfredinho. Em 1958, conquistou o campeonato paulista. Mas a consagração viria em 1962, quando ajudou o Santos a levantar uma penca de troféus. Dorval e o Alvinegro foram campeões paulista, da Taça Brasil, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes, cujo jogo decisivo foi marcado por uma goleada de 5 a 2 do Santos sobre o Benfica, na casa dos portugueses. “Quando chegamos a Lisboa para jogar, eles já estavam vendendo ingressos para a terceira partida. Acharam que ganhariam da gente no segundo jogo, mas deram azar. Perdemos muitos gols no Maracanã e isso não aconteceu em Portugal. Quando abriram os olhos, já estávamos ganhando por 4 a 0”.

O show de títulos daquele Santos se repetiu no ano seguinte e, lógico, tendo Dorval como ponta-direita bicampeão da Libertadores e do Mundial, com o Milan de “vítima da vez” na inesquecível final no Maracanã, em que Almir Pernambuquinho jogou no lugar de Pelé e calou os craques milaneses, entre os quais Trappattoni, Cesare Maldini e o “possesso” Amarildo.

Em 1964, Dorval, Batista e Luís Cláudio tiveram os passes negociados com Racing, da Argentina, mas o clube portenho deu um calote e todos voltaram ao Santos. Dorval permaneceu na Vila até 1967, quando o Palmeiras o acolheu. No Parque Antarctica, o ponta jogou com Ademir da Guia, Dudu e Djalma Santos, mas em apenas 20 partidas. O mesmo Djalma, que aceitou proposta do Atlético Paranaense em 1968, abriu portas para vários jogadores em fim de carreira fazerem história no futebol do Paraná. Dorval foi um deles. O ex-craque do Santos esteve no time que recuperou a auto-estima do Furacão após a conquista do campeonato estadual de 1970. Além de Dorval, estavam naquele elenco Bellini, Zé Roberto, Nilson “Bocão” Borges e Sicupira.

Ponta de grandes recursos técnicos, Dorval também notabilizou-se pelo temperamento impulsivo. Nunca gostou de brincadeiras. Vários foram os relatos de desavenças com companheiros e até dirigentes. O jeito rude não foi, porém, motivo para que não gostassem dele.


Dorval raramente figurava na seleção brasileira. O motivo: ser contemporâneo de Garrincha, do Botafogo, e de Joel, do Flamengo. Poderia ter ido ao Chile, para a Copa de 1962, mas o treinador Aymoré Moreira optou por Jair da Costa, então ponteiro da Portuguesa de Desportos, que brilharia depois na Internazionale de Milão.

Pela seleção, Dorval fez 13 partidas, o que o deixava frustrado, já que colegas como Coutinho, Mengálvio, Pepe e Pelé frequentavam com mais assiduidade as listas de convocação. “Na época do Mundial, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado. O Mané era fantástico e ninguém tiraria ele do time, mas mesmo assim eu queria ir para um Mundial”, disse, referindo-se à Copa de 1962, no Chile. E houve um dia em que Dorval teve de parar Garrincha. Ou, pelo menos, tentar. Em 1961, contra o Botafogo, Dalmo foi expulso e Dorval teve que se deslocar para a lateral-esquerda, numa época em que não eram permitidas substituições durante o jogo. Dorval afirmava que foi tão rápido quanto Garrincha e que conhecia cada drible que ele aplicava. E deve ter se saído bem mesmo na ingrata função de marcador de Mané porque o jogo terminou 3 a 1 para o Santos.

Dorval era boêmio e “pé-de-valsa” inveterado. O que não o constrangia porque a boemia fazia parte do universo futebolístico. Exatamente como acontece hoje, mas como uma pequena diferença: não era vista como algo que impedisse o jogador de atuar bem pelo seu time. Dorval dava provas disso.


O Santos era celeiro de craques e também… de piadistas. Pepe, um deles, garante Dorval. Por conta das andanças dele na noite, Pepe brincou com o notívago Dorval ao inventar que o craque levou para a pista de dança um travesti, confundindo-o com uma mulher. Dorval garante que tudo não passou de uma “mentira” da grossa do Pepe. Na verdade, os dois pontas, os maiores que o Santos já teve, eram grandes amigos. Quem o acompanhava nas noitadas eram Coutinho e Tite. Já Pelé, devido à fama exacerbada, era mais recluso.

O final de carreira lhe pregou peças. Algumas desagradáveis, como o dia em que foi barrado na porta do estádio da Vila Belmiro, no final dos anos de 1960, como cita Ivan Cavalcante Proença, recuperando diálogo que Dorval teve com o ponteiro do clube santista:

— Você não pode entrar — gritou o porteiro do Santos.
— Você é que não pode me barrar — gritou o jogador.
— Quem é você? — perguntou o porteiro.
— Sou Dorval, Já dei muitas vitórias a esse time.
— Mas só entra com carteira de sócio.
— Pois vou entrar no peito.
O craque entrou, mas depois de encarar uma fila e comprar um ingresso.

Revoltado, Dorval recordou a história:“Enquanto a gente está no time faz o que quer, mas quando está de fora nem os porteiros nos conhecem mais. Se soubesse o que iria encontrar ao deixar o futebol cuidado melhor, aprendendo uma outra coisa, mas como só vivi no futebol até hoje, a minha única distração é ir aos estádios ver o Santos jogar”.

Queixava-se — como narrou Proença — do esquecimento de Jair Rosa Pinto, que o convidou para trabalhar no Olaria, no final dos anos de 1960, mas o ignorava, deixando o jogador em situação indefinida no Rio de Janeiro. Dorval dormiu alguns dias na casa de Almir, de Ruço e de outros amigos que moravam na cidade até por tudo em pratos limpos com Jair. Quando conseguiu uma reunião com ele e o presidente do Olaria, Jair teria saído pela porta dos fundos sem atendê-lo. “No mesmo instante voltei para Santos”.

Dorval temia pelo futuro. Estava sem dinheiro e com dívidas de um bar que mantinha com o sogro. Aguardava uma proposta do Canadá.

Nada foi adiante. Ficou pelo Brasil mesmo.

Defendeu o Atlético Paranaense e, em 1971, quando deixou Curitiba, atuou por seis meses no Valência, da Venezuela, e na volta jogou pelo Saad, ao lado dos ex-companheiros Coutinho e Joel, para encerrar a carreira em 1972. Anos depois, tornou-se técnico de divisões de base.

O futebol lhe deu fama e dinheiro. Investiu em imóveis, mas perdeu tudo. O ídolo santista foi treinador da escolinha de futebol do Centro Esportivo do Jabaquara, localizado em uma região bastante pobre de São Paulo. O projeto, bancado pela Prefeitura de São Paulo, tinha o intuito de afastar menores carentes do tráfico de drogas e das ruas. Na época em que Dorval se esforçava nesse projeto, a então prefeita Marta Suplicy, alegando não ter verba, encerrou o programa social e demitiu todos os profissionais envolvidos com as escolinhas, entre eles Dorval.

Ídolo dos torcedores da velha guarda, mas já não tão lembrado pelos mais jovens, que idolatram Robinho, Neymar e Ganso, Dorval não explorou tanto a sua imagem como deveria. Na década de 1960, a Coca-Cola estampou as imagens dele, de Pelé e Coutinho em uma propaganda. Pelé teria embolsado 25 milhões de cruzeiros na época e Dorval apenas 4 mil. Somente muitos anos depois, o ex-jogador moveria uma ação judicial para requerer cerca de 6 milhões pelo uso de sua imagem.

Dorval é um altruísta. Essa é a verdade. Craque de alma limpa, que sempre trabalhou voluntariamente em programas sociais no Jardim Jabaquara e também se preocupa em resgatar a memória dele e de outros craques do passado ao decidir tocar uma cooperativa de ex-jogadores da capital paulista.

QUEM NÃO QUERIA SER IGUAL AO SIMONAL?

por André Felipe de Lima


Charge: André Felipe de Lima

A seleção brasileira se preparava para ir à Copa do Mundo de 1970. O mês era fevereiro. No Brasil, sofríamos com a ditadura militar, e nos palcos, embora censurados como tudo no país, o destaque popular era o cantor Wilson Simonal ou, como diz o título da série de reportagens sobre ele assinada pelo grande Sérgio Noronha, “aquele cara que todo mundo queria ser”. Arrazoada verdade. Simonal era o showman na crista da onda do final da década de 1960, e entre os seus grandes amigos, um especialíssimo. Um rei. O Rei Pelé I e único. 

Simonal era tão parceiro de Pelé que gravou, em 1967, uma composição (Gosto tanto de você) assinada pelo Rei. A música integra o  LP “Alegria Alegria vol. 2”, lançado pela Odeon. Mas a relação entre os dois estava acima da música. O futebol os uniu no momento que se tornaria o mais importante da história do esporte bretão no Brasil: a Copa do Mundo de 1970, no México.

Simonal foi convidado pelos cartolas da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos) para acompanhar a delegação na Copa. Evidentemente que o cantor topou na hora. “Simona”, como era carinhosamente chamado pelos amigos, adorava futebol. Cabia ao showman entreter a moçada na concentração. Lucro dele, que estaria perto de alguns dos melhores jogadores do planeta, mas lucro também dos próprios craques, que se deliciariam com o cara que todo mundo queria ser no país.


No documentário “Ninguém sabe o duro que dei”, de Calvito Leal, do “casseta” Cláudio Manoel e de Micael Langer, Pelé confessou o grande carinho que tinha por Simonal e a importância dele na delegação rumo ao “tri”. Os dois eram queijo com goiabada. Combinação perfeita. Cantaram, tocaram violão e alegraram os jogadores. No México, a amizade entre Simonal e Pelé estava devidamente consolidada. 

“Pô, eu chegava no aeroporto e todo mundo pedia autógrafo pra ele [Simonal]. Quer dizer, parecia que ele era um jogador de futebol. Aquela coisa que você sabe, né, de boleiro com cantor. Ele dizendo que era bom de bola, que gostava de bater bola. Eu tinha um [campo de futebol] society lá na minha casa, aí nós brincamos lá. Aí começou nossa amizade. Pô, é impressionante. Todo cantor quer ser jogador e todo jogador quer ser cantor”, declarou Pelé, em depoimento para o filme.


No mesmo filme, o jornalista Nelson Motta confirma a importância do cantor entre os craques de 70: “Simonal foi uma espécie de cantor oficial da delegação [do Brasil, na Copa de 70]. Ele fazia um imenso sucesso no México tanto quanto Pelé”.

Simonal foi mais que o cantor oficial da delegação. Foi a mascote, um querido amigo de todo mundo. O clima descontraído permitiu aos jogadores promoverem uma brincadeira com o cantor. Durante um treino, ele deveria jogar para um leve e descompromissado “teste”. Os craques deixavam o cantor se sentir “jogador”. Simonal passava a bola, conduzia a pelota… só dava o “craque” Simona na pelada dos cobras da seleção. 
No documentário, o humorista Chico Anísio recupera uma história surreal. Zagallo tinha dúvidas se levava para o México o ponta-direita Rogério, do Botafogo, ou o terceiro goleiro, no caso o Leão, do Palmeiras. Carlos Alberto Torres, o “Capita” de 70, emendou a sugestão, naturalmente na maior galhofa: “Zagallo, pra que levar o Rogério se o Simonal está aqui? O ‘Simona’ entende, joga uma bola redonda”. 


Zagallo embarcou na piada do Capita e perguntou ao Simonal: “Você joga, Simonal?”. O treinador do escrete ouviu na lata: “Bato uma bola…”. Um todo prosa Simonal mordeu a isca, e Zagallo o convidou para uma “preparação física pra valer” na manhã do dia seguinte. Tudo à vera, sem “brinca” nem delongas. “Se você estiver bem, eu te inscrevo”. Um confiante Simonal acreditou.

“Ele [Simonal] achava que estava bem, que era atleta e ele falou assim: ‘Pô, vou fazer uns dois toques’, porque a gente fazia brincadeira de dois toques, né? Aí, recreação… ele falou: ‘Vou fazer dois toques com vocês aí’. Aí eu falei: ‘Tá legal’, aí arrumamos pra ele fazer o dois toques. Botou o uniforme, botou a chuteira, tudo. Eu me lembro como se fosse hoje. Aí, ele foi fazer o dois toques. Quinze minutos de aquecimento, pô, ele se sentiu mal. Lá no México é alto, pô, deu um piripaque nele. Aí, ficou lá, teve que vir o doutor dar um oxigênio e tudo pra ele”, recordou Pelé, às gargalhadas, para o documentário do cantor.

Simonal desmaiou. Somente quando acordou é que percebeu que tudo não passava de uma gozação. Até ali, o cantor acreditava piamente ser ele o ponta-direita da seleção na Copa de 70.

Simonal, cujo apelido de “Pilantra” foi uma forma jocosa inspirada no agente 007 interpretado pelo ator Sean Connery, era um camarada tímido e até certo ponto ingênuo. Um dos maiores showman da MPB alegava ter medo de encarar a plateia. Só decidiu enfrentá-la devido à necessidade de ganhar dinheiro. 


Wilson Simonal contou ao Sérgio Noronha que o estilo malandreado surgiu após assistir a um filme do famoso agente britânico. Quando as luzes do cinema acenderam, ele imaginava a sala de projeção cheia de mulheres devido à fama de galã da personagem. Pelo contrário. Só havia homens. Aí, Simona refletiu: “Como é que é? E comecei a descobrir que o 007 faz aquele gênero que todo homem gostaria de fazer. Ele não é bonito. Pode ser um tipo machão, mas isso não é difícil de ser. Conquista todo mundo, bate a torto e a direito, é polícia mas transgride a lei e ainda leva esculacho. É um irreverente, um irresponsável. Foi lá na Rússia e atacou a embaixatriz, tem reunião ele chega atrasado, com aquela roupa. Os outros de terno azul marinho e camisa branca, e ele chega de azul claro e camisa cor de rosa. Uma pasta diferente, uma ar cínico. Todo mundo se projeta nele, e foi aí que eu senti que dava pé […] e você acaba sendo aquele cara que todo mundo queria ser”.

Simonal foi um mágico da MPB. Encantava até mesmo os mais resistentes ao seu estilo. Impagável vê-lo dando um show de simpatia ao lado da diva do jazz Sarah Vaughan, ambos cantando a célebre e maravilhosa The Shadow of Your Smile. “Por favor, não tumultuem. Repita comigo, Sarah: ‘Vou deixar cair'”. A cantora arrastou o português, repetiu a frase e a plateia cedeu em risos e efusivos aplausos. A diva, certamente, jamais esqueceu do dueto com Simonal, que tem o nome graças ao médico que cuidou de sua mãe, Maria Silvia de Castro, três meses antes do nascimento do futuro cantor: “O médico gostou de mim, só me chamava de ‘Gorda’, e disse que fazia questão que eu botasse o nome dele no meu primeiro filho. Tanto é assim que, quando meu marido veio me ver, depois do nascimento, tinha um papelzinho identificando a criança: Paulo Roberto Simoná, que era o nome do médico todinho. Meu marido não queria, mas ele tinha me tratado tão bem que eu pedi para deixar ao menos um nome dele na criança, e ele voltou com o registro: Wilson Simonal de Castro”.


No mais, a vida de Simonal tem como síntese a letra de “Sá Marina”, composta por Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, uma das mais lindas da MPB, imortalizada na voz do mais deliciosamente malandro da história do showbiz nacional: “Deixando versos na partida/ E só cantigas pra se cantar/ Naquela tarde de domingo/ Fez o povo inteiro chorar”.

O povo chora a falta do querido “pilantra”, mas sorri até hoje ao ouvi-lo cantar.

OBRIGADO, DOUTOR!

por André Felipe de Lima


Assim, certa vez, contou Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira: “Sou introvertido. Por isso, quando garoto, punha apelido em todos os meus colegas. Era defesa para ninguém notar minha timidez”.

Obrigado, Doutor Sócrates, pela sua “timidez”. Obrigado, Doutor, pela sua história. Obrigado, Doutor, por ser nosso ídolo “Souza”, “Vieira”, “Oliveira”. Ídolo de todos os Silvas em cada canto de nosso Brasil, um país que você tão bem respeitava.

Obrigado, Doutor, por ser Brasileiro no nome, no sobrenome, no Sampaio, no raio e na alma.

Obrigado, Doutor, por ser eterno em nossos corações tão apaixonados pelo futebol-arte que desata o nó do angustiante dia a dia do Brasileiro torcedor.

“Se as pessoas não tiverem o poder de dizer as coisas, eu vou dizer por elas. Quando eu era jogador, minhas pernas amplificavam a minha voz.”

Falarás sempre, Doutor… e o escutaremos, sempre também.

Nosso Sócrates faria anos nesta segunda-feira, 19 de fevereiro. 
A merecida reverência a um monstro sagrado do futebol em todos os tempos.

Veja alguns vídeos sobre Sócrates:

BEBETO, O ETERNO MENINO PRODÍGIO

‘O Flamengo fez o maior negócio da década. Acabou de comprar o Dida ou o Zico do futuro’. Foi assim que Aymoré Moreira, técnico da seleção bicampeã mundial, em 1962, referiu-se a Bebeto, que hoje faz anos. A seguir, a íntegra da biografia do craque do “Tetra”, que publicaríamos no extinto projeto da enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”

por André Felipe de Lima


O primeiro campeonato mundial de futebol de juniores conquistado pelo Brasil, em 1983, revelou uma geração extraordinária de jogadores, que tinha como destaques o volante Dunga (ex-Internacional e Vasco da Gama e capitão do tetra mundial, em 1984), o meia Geovani (ex-Vasco da Gama), o ponta-direita Mauricinho (ex-Comercial-SP e Vasco da Gama), o lateral-direito Jorginho (ex-América e Flamengo) e o meia-atacante José Roberto Gama de Oliveira, o Bebeto, que, nas divisões de base do Vitória, mostrava um futebol incomparável. A saída de Salvador seria uma questão de tempo.

O curioso é que um ano antes do título mundial, o Vasco da Gama, que já contratara Geovani, foi o primeiro clube a almejar o passe de Bebeto. O Vitória botou preço: 20 milhões de cruzeiros; mas o destino do craque magrinho, porém, seria outro.

Com o título mundial de 1983, o passe do jovem atleta era disputado por alguns dos principais clubes do País. O Palmeiras, que ofereceu 80 milhões de cruzeiros, e o Flamengo, que ofereceu quantia menor (56,8 milhões), deixaram o Vasco da Gama para trás.


Pai de Bebeto, o corretor de imóveis Wilson de Oliveira, não pensou na maior cifra e optou pelo clube da Gávea. Afinal, naquela época, o rubro-negro era insuperável: campeão mundial em 1981 e tricampeão brasileiro (1980 e 1982–1983), com Zico, Junior, Leandro, Tita, Nunes…

“O garoto tem de ir para lá mesmo”, concluíra o pai, torcedor do Flamengo, como toda a família Gama, exceto o menino Bebeto, que desde pequeno gostava do Vasco da Gama por conta do avô materno, que se chamava Vasco da Gama Nogueira da Gama. Mas o cruz-maltino perdeu espaço no coração de Bebeto, logo que o jogador pisou na sede da Gávea. E, no dia 23 de março de 1983, sob o comando do treinador Paulo César Carpegiani, Bebeto estreava no poderoso Flamengo durante a vitória por 2 a 0 contra o Tiradentes-PI.

Famoso pelo olhar aguçado para gênios da bola, o treinador Aymoré Moreira, técnico da seleção bicampeã mundial, em 1962, foi categórico: “O Flamengo fez o maior negócio da década. Acabou de comprar o Dida ou o Zico do futuro”. Humilde, o garoto respondia às comparações, afirmando que jamais outro craque teria o mesmo nível de Pelé ou Zico.

Foi nas peladas do Colégio Estadual da Bahia, em Salvador, que descobriam o futebol incomum de Bebeto. Não tardou para que olheiros o levassem para um grande time da cidade. O Bahia largou na frente. E lá estava Bebeto no infanto-juvenil do tricolor baiano. A cada jogo preliminar dos profissionais do Bahia, os jogadores mais velhos chegavam cedo ao estádio para vê-lo jogar. O garoto era indiscutivelmente um espetáculo que, por incompetência dos cartolas do Bahia, acabou migrando para o rival. Tudo porque a política do clube não permitia ajuda de custo a jogadores de divisões inferiores. Bebeto arrumou as malas e partiu para o Vitória, levado pelo amigo Edi, um ex-meia direita. O treinador Pinguela olhou o adolescente muito magrinho e quase o dispensou, mas Edi insistiu para que desse uma oportunidade para Bebeto mostrar o que sabia. E, em dez minutos, Pinguela decidiu que o garoto já era do Vitória, e mais: titular absoluto do time de juniores. “Fiz um gol e já saí de campo com um papel cor-de-rosa para meu pai assinar”.


Mas algo precisava ser feito para que o menino ganhasse mais corpo. Magrinho, daquele jeito, não daria pé. Sendo assim, os cartolas levaram-no, em 1981, a Belo Horizonte, para uma consulta com o doutor Neylor Lasmar, médico do Atlético Mineiro e da Seleção Brasileira. Lasmar foi enfático: talvez não precisasse submeter Bebeto a rigoroso tratamento idêntico ao de Zico. Bastaria muito exercício físico para que o garoto explodisse em vigor. O médico estava certo. Quando já se era jogador do Flamengo,, entre 1981 e 83, Bebeto crescera cerca de sete centímetros e aumentara o peso em mais 13 quilos.

O menino que nascera em Salvador, no dia 16 de fevereiro de 1964, não tivera uma infância abastada. Viera de uma família com nove irmãos. Jamais teve bicicleta, nem bola, como ele mesmo chegou a declarar à imprensa quando chegou ao Flamengo. Presente de Natal? Segundo ele, ganhou um bonequinho do Topo Gigio, quando tinha sete anos. Era o que lembrava. “Meu pai passava um cortado para nos sustentar”.

Embora franzino – quando aportou na Gávea, em 1983, pesava apenas 55 quilos –, Bebeto encantava pelo futebol de dribles precisos e passes rápidos. Os cartolas rubro-negros, a torcida e a imprensa viam-no como substituto de Zico. Afinal, ambos foram submetidos a um intenso trabalho de preparação física e se tornaram ídolos. Logo após o Galinho de Quintino passar o cetro a Bebeto, uma tragédia abalou o jovem ídolo, cujo passe saltou, em um ano, de 56 milhões de cruzeiros para 400 milhões. No dia 20 de dezembro de 1984, Nilton, seu irmão e com quem morava no Rio de Janeiro, e Figueiredo, zagueiro do Flamengo, morreram em um acidente aéreo, em Nova Friburgo.

REBELDE

Após o Flamengo ficar à sombra do Fluminense, entre 1983 e 85, Bebeto superou o drama pessoal e o estilo rebelde sem causa, que tanto incomodava José Roberto Francalacci, preparador físico do clube e responsável direto pela evolução física dele e, no passado, de Zico.


Certa vez, em 1984, Bebeto foi afastado do time pelo técnico Cláudio Garcia. Deveria ficar no Rio de Janeiro treinando, enquanto o time viajava para Campo Grande (MS). Mas Bebeto não obedeceu às ordens do treinador. Seguiu para Salvador e, quando retornou à Gávea, alegou ter ido ver a mãe, que estaria doente. Foi Francalacci que livrou a barra de Bebeto com a diretoria do Flamengo. “Sei que ele fez aquilo em represália por não estar jogando, mas nós precisamos ganhar sua confiança e não é com castigo que se consegue isso”.

Amenizar o perfil rebelde – e até indolente nos exercícios físicos – de Bebeto não foi fácil. Em meados de 1984, o Flamengo enfrentava o Botafogo, quando Zagallo decidiu tirá-lo de campo para que desse lugar a Nunes. Bebeto deixou o gramado correndo e desviando dos microfones dos repórteres. Fosse pouco o gesto, tratou de piorá-lo ao empurrar o supervisor Américo Faria e chutar a porta do vestiário. “É uma injustiça. Zagallo está querendo me queimar com a torcida” – esbravejou. No dia seguinte, o pai o acordou com uma sonora bronca pelo telefone, cobrando-lhe que lesse novamente a carta que lhe dera quando trocou Salvador pelo Rio de Janeiro. Na missiva, constava: “Quando estiver com 30 anos, quero que você seja o maior do mundo, embora pense que eu não chegarei até lá. Quero que você siga o exemplo do Pelé e do Zico, que nunca entram nessa de amigos falsos, de noites perdidas e, hoje, sem problemas financeiros, podem ir para onde quiser, pois não precisam de mais ninguém”.

Zagallo, apesar de tudo, foi paciente com o garoto. Chamou-o para um papo e aconselhou: “Menino, fui campeão do mundo em 1958 e, no mesmo ano, fui escalado num time de aspirantes do Botafogo. Não reclamei e acabei campeão da categoria, antes de recuperar a posição de titular. Voltei a ganhar a Copa do Mundo em 1962. Seja paciente e espere a sua hora”.

Mas o que Bebeto não tinha era paciência. Até que o irmão Nilton viesse morar com ele no Rio de Janeiro, o jovem craque alojara-se na concentração dos amadores, que ficava em Jacarepaguá. De lá até a Gávea, demorava uma hora e meia, invariavelmente de pé em um ônibus. Com dificuldades de engrenar no time, por ser sacado na maioria dos jogos, passou a temer pelo futuro da carreira. Foi nesse período que o zeloso Nilton chegou para orientá-lo e encorajá-lo. Bebeto transformara-se. O menino recordou a carta do pai e passou a agir como homem. Mas quando começou efetivamente a crescer, perdeu o irmão, morto num acidente aéreo, como dito anteriormente. Deprimido, Bebeto perdeu cerca de seis quilos; e uma instabilidade emocional afetou seu desempenho nos gramados. “Bebeto ficou desesperado, inconsolável”, testemunhou Vilma Gomes Pedro de Andrade, mãe de Denise, com quem Bebeto namorava, na época da tragédia.


Quando conseguia marcar um gol, a comemoração era contida. Ajoelhava-se, olhava para o alto e abria os braços. Fez isso algumas vezes, como em um gol que marcou contra o Santa Cruz, em jogo que terminou 4 a 1 para o Flamengo.

Com a família numerosa amparando-o em sua casa na Barra da Tijuca, e distraindo-se com o pequeno zoológico que mantinha no quintal, bem mais maduro e resignado com a perda de Nilton, Bebeto finalmente cresceu e pôde sentir o gosto de ser campeão com a camisa do Flamengo. E logo contra o Vasco da Gama, que àquela altura já havia pescado Mauricinho, tinha Roberto Dinamite em forma estupenda e lançava um promissor garoto: Romário, com quem Bebeto formaria anos mais tarde uma das maiores duplas de ataque da Seleção Brasileira em todos os tempos.

Para cima do Vasco da Gama, o baianinho levantou o seu primeiro troféu. Era campeão carioca de 1986, com jogadas e gols inesquecíveis. Firmara-se o ídolo no panteão de heróis rubro-negros. “Assistir a uma partida de Bebeto vale qualquer esforço”, revelou o ator Francisco Cuoco que, de chapéu e óculos escuros, disfarçava-se para ir ao Maracanã em dias de jogos do Mengão.

O final daquele ano lhe reservou, contudo, uma surpresa desagradável. Em jogo contra o Atlético Goianiense, Bebeto chocou-se com o lateral Dick. O craque rubro-negro levou a pior, quebrando o braço.

No ano seguinte, a glória maior com a camisa vermelha e preta: o tetracampeonato brasileiro, com um time que já passava por profundas transformações. Nas semifinais e na final da competição, o baiano deixou sua marca de goleador: marcou contra o Atlético MG, na semifinal, e contra o Internacional, na finalíssima.

Aliás, um dos gols mais importantes de sua carreira. Um gol que garantiu o placar de 1 a 0, o gol do título do Flamengo. Do Flamengo novamente o melhor do Brasil. Após o apito do árbitro, o jovem ídolo chorou. Chorou muito. Enfim, podiam chamá-lo de “chorão” que ele nem ligava. O ano era seu. Enfim, o desfecho de 1987 foi de muita festa para Bebeto, que, além de campeão brasileiro, casou-se com Denise, no dia 13 de novembro de 1987. E à amada dedicou a grande conquista nacional e o gol do título.

Em 1989, quase foi para a Europa. O Bayern de Munique desembolsaria impressionantes US$ 2 milhões para tê-lo. Roma, Juventus de Turim e Olympique de Marselha também correram por fora no páreo por Bebeto, que àquela altura já era o melhor jogador brasileiro, ao lado de Romário.

A trajetória na Gávea se aproximava do fim. O saldo foi, porém, extraordinário. Participou de 310 jogos, venceu 170 e empatou 78. Tornou-se o sexto maior artilheiro do Flamengo em todos os tempos, com 151 gols. Foi artilheiro do Campeonato Carioca em duas ocasiões: 1988 e 1989, marcando 17 e 18 gols, respectivamente.

HOMENAGEM AO VOVÔ VASCAÍNO?

Diante de um futebol tão loquaz como o de Bebeto, seria difícil mantê-lo no Brasil. Naturalmente que o futebol europeu seria o destino mais provável naquela situação. Mas, por incrível que pareça, os cartolas do Flamengo brigaram com ele e se recusaram a renovar seu contrato, nas bases que Bebeto desejava. Em julho de 1989, o passe do atacante foi parar na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Quem depositasse mais, levaria o craque. E não foi nenhum clube europeu o autor da milionária proeza. Foi o Vasco da Gama, por meio de um grupo de empresários e de uma vultosa quantia oriunda das vendas dos passes de Romário, ao PSV Eindhoven, e de Geovani, ao Bolonha. Bebeto trocou a Gávea por São Januário. Uma ousadia que implicou, no passado, em alguns transtornos a jogadores como Jair Rosa Pinto. Situações muito parecidas a dos dois ex-craques.


A torcida rubro-negra, obviamente, definiu Bebeto como um “traidor”. O que nunca foi esquecido por torcedores, digamos, mais passionais. Bebeto entristeceu-se. A situação era constrangedora. E ficou ainda mais quando ele revelou que durante a infância era um apaixonado torcedor do Vasco da Gama e que o seu avô se chamava Vasco da Gama. Polêmica, portanto, instaurada.

O craque alegava à imprensa que jamais desejou abandonar o Flamengo e que o clube não lhe dera o valor necessário, já que o definiam como o sucessor de Zico: “Todo mundo falava nisso, mas nunca me deram valor. Na hora de renovação de contrato era uma briga pra renovar. Passei seis anos no Flamengo e nunca fiz um contrato à minha altura”, declarou o craque, na época, para quem o único culpado por deixar o Flamengo foi o presidente do clube, Gilberto Cardoso Filho.

A operação que o levou do Flamengo para o Vasco da Gama só foi possível porque, em primeiro lugar, o Rubro-Negro dificultava a renovação do contrato do craque, em segundo lugar, Antonio Soares Calçada, então presidente do Vasco da Gama, sabendo da situação, começou, no dia 1º. de julho, a assediar José Moraes, procurador de Bebeto. No dia 4, Gilberto Cardoso, George Helal (vice de futebol do Flamengo) e Josef Berensztein (vice de finanças) oferecem US$ 150 mil para a renovação de contrato. E, enfaticamente, nenhum centavo a mais.

No dia 9, José Moraes procura Antonio Soares Calçada, que pede para ele entrar em contato com Eurico Miranda. “Agora é com ele que você negociará”.

Três dias depois, em Lisboa, Gilberto e Calçada almoçam juntos. O cartola vascaíno nega qualquer interesse por Bebeto. Mas, no Hotel Intercontinental, no Rio de Janeiro, onde a Seleção Brasileira estava concentrada, Eurico e Bebeto acertam os detalhes do contrato. 
No dia 14, Moraes afirma a Helal que há um grupo de empresários querendo levar o passe de Bebeto e que, depois do negócio fechado, emprestaria o craque para um grande clube brasileiro. A intransigência dos cartolas do Flamengo chegou ao ápice, com o passe de Bebeto fixado na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro em 7,5 milhões de cruzados novos, moeda da época. Enquanto isso, Calçada continuava negando interesse por Bebeto e Gilberto, insistindo nos US$ 115 mil anuais para Bebeto. No dia 19, Bebeto e o Vasco da Gama já haviam acertado as bases do milionário contrato. A única condição é que a contratação só fosse anunciada no dia 27, após o depósito do dinheiro na conta da Federação. 
Os desesperados cartolas do Flamengo trataram de arrumar um “judas” para o imbróglio: José Moraes. Até boneco com o nome do procurador foi queimado na Gávea, por indignados torcedores, durante um jogo do Flamengo contra Paysandu, pela Copa do Brasil.
Só no dia 24 é que a turma da Gávea se deu conta de que quem estava por trás de toda a operação era o Vasco da Gama. Diante de muita pressão da torcida do Flamengo, a cúpula do clube jantou com Moraes e igualou a proposta do rival. No dia seguinte, Michel Assef (advogado do Flamengo), Josef e Márcio Braga (no papel de conselheiro do clube), encontraram Moraes e Bebeto em Teresópolis, na concentração da Seleção.

Bebeto diz a eles que já firmou acordo com o Vasco da Gama e que nada mais poderia fazer pelo Flamengo. No dia 26, os dirigentes do Flamengo tentam falar novamente com Bebeto, em Teresópolis, mas nada conseguem. O contrato com o Vasco da Gama já estava assinado. À noite, o Flamengo consegue uma liminar na 27ª. Vara Cível para impedir o depósito do dinheiro na Federação. No dia 27, os desesperados cartolas rubro-negros conseguem falar com Bebeto. Ouviram dele o que não queriam: “Não quer mais ficar na Gávea. Ele (Gilberto Cardoso) disse que eu não estava com essa bola toda”.


No dia 28, enfim, o Vasco da Gama derruba a liminar do Flamengo e deposita do dinheiro na Federação. Bebeto vestiria, dali em diante, a camisa cruz-maltina.

Bebeto foi, lógico, bem recebido no Vasco da Gama. E logo no primeiro ano, em 1989, ao lado de craques como Mazinho, Bismark, William e Luís Carlos Winck, conquistou o segundo título brasileiro para o clube da cruz-de-malta. Saiu-se tão bem no Vasco da Gama que recebeu da crônica esportiva sul-americana o título de melhor jogador do continente.

Embora tivesse uma trajetória feliz nos gramados, vestindo a camisa do Vasco da Gama – 60 gols em 116 jogos –, chegara a hora de respirar ares europeus. Mais uma vez, Bebeto surpreenderia ao se transferir para um clube espanhol sem nenhuma tradição. Em 1992, vestia a blusa azul e branca do Deportivo de La Coruña, da Espanha. O craque se tornou o maior nome do futebol espanhol, junto com Romário, que estava no Barcelona. O Deportivo, de Bebeto, disputou os títulos de 1993 e 1994. Por muito pouco, não levantou o caneco espanhol. Bebeto se tornou recordista de gols do Deportivo em uma temporada (29 gols) e foi decisivo para a conquista da Copa da Espanha de 1995.

Bebeto é, sem dúvida, um dos maiores ídolos da história do La Coruña. Sua grande frustração na Espanha foi não conseguir o título espanhol para o clube, na temporada de 1993/94. O La Coruña liderara a competição até a última rodada, mas, no fatídico dia 14 de maio de 1994, quando se realizara a última rodada, o clube precisava de uma simples vitória sobre o Valência para levantar a taça. Aos 44 da segunda etapa, quando o placar estava 0 a 0, o árbitro marcou penalty para o La Coruña. Bebeto, que era o cobrador oficial junto com outro brasileiro, o Donato – que já havia sido substituído, não quis cobrar e deixou o “abacaxi” para o zagueiro Djukic, que bateu mal à beça. Bebeto esquivou-se do penalty porque alegara estar sentindo dores na coxa. O jogo terminou sem gols e o Barça, que foi alcançando o time do Bebeto rodada a rodada, acabou campeão por ter vencido sua peleja derradeira na tabela.

Bebeto estava em ótima fase. Do Japão, veio uma proposta milionária (US$ 7,5 milhões) do Yomiuri Verdy (Tokyo Verdy desde 2001). Recusou; queria retornar ao Brasil. O jogo de despedida do “Deus-Bebeto” – como estampavam faixas na arquibancada de La Coruña – foi emocionante. Aclamado como o maior herói do clube galego em todos os tempos.

A epopeia de Bebeto na Seleção Brasileira não foi menos gloriosa. Um dos ícones de uma das gerações mais vitoriosas do futebol brasileiro, que já erguia taças internacionais ainda nos juniores, como o Mundial de 1983, teve sua primeira oportunidade com a “Amarelinha” pelas mãos de Evaristo de Macedo, que o colocou lado a lado de Sócrates e Zico.


Mas a grande fase começou em 1989, na Copa América de 1989, no Maracanã. Ele e Romário, em uma das mais brilhantes atuações de uma dupla de ataque da Seleção Brasileira durante uma decisão, destruíram o Uruguai e conquistaram o Campeonato Sul-Americano, de cujo troféu o futebol brasileiro não via há muitos anos. Inesquecível!

De Bebeto e Romário, se esperava tudo. Foram novamente convocados por Sebastião Lazaroni (que dirigira Bebeto no título carioca de 1986, pelo Flamengo) para a Copa do Mundo na Itália.
Infelizmente, um fiasco! O time que tinha Branco (Fluminense), Ricardo Rocha (São Paulo), Ricardo Gomes (Fluminense), Muller (São Paulo) e Alemão (Botafogo) fez feio e foi eliminado pela Argentina de Maradona e Caniggia. Indispôs-se publicamente com Lazaroni. Não seria diferente a relação com Falcão, que entrara no lugar de Lazaroni, no comando da Seleção.

Teve todas as chances para se firmar, no lugar de Careca, no escrete dirigido por Paulo Roberto Falcão. Mas reclamava do técnico, embora tenha se curado de um desequilíbrio muscular na coxa direita graças à comissão técnica liderada pelo gaúcho. Insatisfeito, apesar de curado, pediu para deixar a Seleção três dias antes do embarque da delegação ao Chile para a Copa América, em 1991. 
Mas o tempo moldaria Bebeto, um craque indiscutível.


Nos Estados Unidos, em 1994, aquela geração liderada por ele e Romário redimiria o futebol brasileiro. Enfim, após mais de 20 anos no estaleiro, o tetra veio em cima da Itália, em uma das finais mais dramáticas da história do futebol, marcada por uma longa cobrança de pênaltis.

“Depois do tetra, talvez eu pare. A certeza é que não vou ser pentacampeão”, disse Bebeto, com um ar profético.

Teve uma chance para derrubar a profecia: fez parte do grupo de 1998, agora sem Romário, cortado por Zagallo e Zico. Sem o parceiro de 1994, formou dupla com o garoto Ronaldinho (Fenômeno).

Tudo foi complicado naquela Copa francesa. Teve uma áspera discussão com o capitão Dunga durante o jogo contra a Dinamarca e viu o penta ir pelos ares após a acachapante vitória da França por 3 a 0 na final. Balançou, contudo, a rede três vezes: contra Marrocos (3×0), Noruega (1×2) e Dinamarca (3×2).

Mas o saldo foi positivo: no Escrete, três Copas, um título, um vice e uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, nos Estados Unidos. Na Seleção Olímpica, a medalha de ouro não veio. Contentou-se com a prata em Seul (1988), participando de um time formado por um misto das seleções campeãs mundiais de juniores em 1983 e 1985, com Taffarell, Muller, Dunga e Geovani. Deu União Soviética.

Aquela promissora Seleção teve o comando do técnico Carlos Alberto Silva, com quem Bebeto havia se desentendido durante o torneio pré-olímpico, em 1987, após perder um pênalti contra a Colômbia. Bebeto teria sido empurrado pelo treinador – há quem diga que até um tapa foi desferido –após reclamar de sua substituição e começar a chorar. Veio deste episódio a incômoda fama de “chorão”, que serviu de chacota para as torcidas adversárias e de muita aporrinhação para Bebeto, dentro e fora dos gramados.

A violência era mais moral que física. Evitava ler jornais e revistas para não se aborrecer. Mesmo assim, ao espiar algumas folhas, rasgava-as irritadíssimo. A torcida do Flamengo tratou de apoiá-lo: se recebia 200 cartas por mês, esse número subiu para 300. Bebeto elevou o moral. “Choro, e daí? A torcida entende que sou um homem de verdade, mesmo chorando quando tenho vontade”.

Menino prodígio, desde cedo Bebeto foi cercado de extremos cuidados pelo Flamengo. Especulava-se que o jovem ídolo rubro-negro dormia mal e sofria com diarreias em véspera de jogo decisivo. Incomodava-o também uma impertinente gastrite. Tanto esmero do pessoal da Gávea e insistentes especulações sobre o perfil do craque renderam comentários da imprensa de que o craque era “mimado” a ponto de não aceitar realizar um tratamento de hidromassagem no Flamengo por conta de um, no mínimo, curioso motivo: ficara traumatizado na infância após levar um choque elétrico durante um banho.

O ESPÍRITO É FORTE, MAS O CORPO…

Já campeão mundial em 1994, um amadurecido Bebeto voltaria aos Jogos Olímpicos, em 1996, na cidade norte-americana de Atlanta, tentando novamente o ouro. Mas a Seleção tombou nas semifinais diante dos velozes nigerianos. Bebeto fez seis gols na competição, terminou com a medalha de bronze e retornou ao Flamengo para formar o “ataque dos sonhos” ao lado de Sávio e Romário. Não deu certo.

O então presidente do Flamengo, Kleber Leite, vendeu o passe de Bebeto ao Sevilla, o que o deixou muito desapontado. Ficou pouco tempo na Espanha e regressou em 1997 a Salvador para defender o Vitória. Foi campeão baiano e da Copa Nordeste no mesmo ano em que chegou ao clube. Transferiu-se para o Botafogo, em 1998, e conquistou o Torneio Rio–São Paulo. Deixou o alvinegro carioca em 1999 para fazer dólares no exterior. Jogou pelo Toros Neza FC (1999), uma tentativa frustrada de repetir o feito do La Coruña mas, sem receber salários, ameaçou o clube com uma greve particular. Virou ídolo dos companheiros, que entraram em campo com a seguinte frase na camisa: “Bebeto, estamos com você”. O craque jogou apenas oito partidas e marcou um gol. Do México saiu sem receber cerca de dois milhões dólares.

Da aventura mexicana para aventura britânica. Bebeto submeteu-se a um estranho teste no Sunderland Association FC, mas o que ofereceram era muito pouco para seu perfil de craque campeão mundial.

Sem negócio na Inglaterra, partiu, após ouvir atentamente o conselho do ídolo Zico, para o japonês Kashima Antlers, em março de 2000, antes de retornar novamente ao Vitória, em agosto do mesmo ano, onde repetiu o pífio desempenho do Toros, disputando somente oito jogos oficiais pelo Kashima e marcando apenas um gol.

Bebeto não estava bem. Custou a se recuperar de um estresse no joelho direito, que motivou o fim do contrato com os japoneses e a perda de parte do salário anual de um milhão de dólares. Era nítido o declínio da carreira. Com o Vitória, onde esperava dar a volta por cima, entrou em campo apenas três vezes. Bateu no Flamengo, pedindo uma oportunidade. Fecharam-lhe a porta.

Mesmo assim, sob a influência do eterno parceiro de ataque, Romário, Bebeto ressurgiu no Vasco da Gama, em agosto de 2001, para a disputa do Campeonato Brasileiro. Estava há oito meses sem participar de um jogo oficial, mas o cartola Eurico Miranda, que não o queria mais vestindo a camisa cruz-maltina, cedeu ao apelo de Romário e aceitou Bebeto de volta a São Januário. “Digo uma coisa hoje e amanhã falo outra, sem problemas”, assinalou Eurico.

O “Baixinho” convencera o cartola de desistir da promessa de nunca mais deixar Bebeto jogar no Vasco da Gama, desde que ele deixara o Deportivo para atuar pelo Flamengo, em 1986.

De nada adiantou. Bebeto estava fora de forma e passou a maior parte do tempo no banco de reservas. Deixou o clube, mas tentou uma nova investida, em 2002. Em vão. Se, no Brasil, não havia mais espaço para Bebeto, tentar o exterior novamente era o único recurso. Sendo assim, arriscou-se no futebol árabe. Deu-se mal. Jogou apenas cinco vezes, com um gol marcado, e teve o contrato rescindido por deficiência técnica, como alegaram os árabes. Para piorar a situação, tal como os mexicanos do Toros, o Al-Ittihad ficou devendo ao craque uma parruda grana.


Cansado da rinha com os matreiros cartolas estrangeiros, com a idade pesando e lhe impedindo as memoráveis arrancadas e dribles de outrora, Bebeto decidira colocar um ponto final na carreira, a vitoriosa trajetória de um dos maiores atacantes da história do futebol brasileiro.

Com Jorginho, companheiro do mundial de juniores de 83 e do tetra de 94, Bebeto tornou-se empresário de jogadores e oferece assistência social a crianças carentes.

Divide a paixão entre as cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, onde tem residências. Com Denise, a companheira de sempre, tem três filhos, um deles, Mattheus, uma grande revelação das divisões de base do Flamengo. Não abandonou, porém, o futebol.

Em dezembro de 2009, Romário, então gestor do América RJ, convidou o antigo parceiro do ataque canarinho para assumir o cargo de técnico do Alvirrubro carioca para o retorno do clube à primeira divisão do campeonato do Rio de Janeiro. Bebeto iniciaria, ali, sua carreira de treinador. Mas em 2010 decidiu aventurar-se na política. Elegeu-se deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Bebeto sempre foi surpreendente.

DE SORDI FOI TITULAR DA LATERAL-DIREITA EM 58. RECONHEÇAM OU NÃO

por André Felipe de Lima


A entrevista foi realizada em 1959, há exatamente um pouco mais de um ano após o Brasil conquistar a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. O repórter, mal intencionado, pergunta: “De Sordi, qual a sua maior emoção no futebol fora a conquista da Copa do Mundo de 1958?”. De Sordi responde: “Foi no jogo contra a França. após o hino nacional brasileiro. A orquestra executou a Marselhesa e o povo cantou, acompanhando-a. Quando findou, eu estava com os olhos cheios d’água”.

“Alguma decepção?”, destila o venenoso repórter. De Sordi desvia a conversa. A memória não lhe faz bem. Não pela conquista da Copa. Isso, sempre deixou claro ter sido sua maior alegria, mas os comentários injustos de parte da imprensa, não. Sua resposta às indagações de que era um covarde ou de que se recusara a entrar em campo na final era o silêncio.

Naquele dia da emocionante Marselhesa ecoando em todo o estádio, o Brasil derrotaria a França pelo placar de 5 a 2 e iria à final da Copa. Já De Sordi, lateral-direito titular absoluto, ficaria na reserva, cedendo a vaga para Djalma Santos, que apenas com o jogo contra os suecos sairia consagrado do mundial como o melhor lateral-direito da competição. Quanto ao De Sordi, restou a inexplicável perseguição de parte da imprensa com a estapafúrdia tese de que se acovardara após uma crise nervosa que, supostamente, teria sido diagnosticada pelo médico da delegação Hilton Gosling . Uma balela que durante décadas a imprensa acolheu como “verdade”. De Sordi sempre se sentiu incomodado com a acusação, mas preferiu uma — recorrendo ao estilo nelsonrodrigueano — eloquente indignação silenciosa.


Bellini, companheiro de De Sordi no escrete de 58, saiu — duas décadas após o título da Copa — em defesa do lateral: “De Sordi, machucado, chegou a ser deslocado para ponta, mas terminou a partida como lateral-direito porque a França também teve o zagueiro Jonquet machucado, que acabou na ponta-esquerda. Daí De Sordi ter voltado à lateral”.

Sacrificado pelo esquema de Feola contra os franceses, De Sordi agravou a contusão, logo não teve a menor chance de entrar em campo na final. Quando perguntavam se o laudo do médico Gosling era verdadeiro, sabiamente se calava.

O ídolo estava acima de qualquer dúvida sobre sua moral como jogador e craque, que foi com sobras. A ponto de cronistas esportivos, torcedores ilustres e ex-jogadores do São Paulo o escalarem como lateral-direito do “time dos sonhos” da história do Tricolor Paulista, após uma enquete realizada pela revista Placar em 1982.

Nilton De Sordi é um dos mais importantes jogadores da história do São Paulo FC. É o terceiro jogador que mais vezes vestiu a camisa tricolor, ficando atrás apenas dos goleiros Rogério Ceni e Waldir Peres.

Hoje, dia 14, o grande ídolo faria anos.