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A Pelada Como Ela É

Meninos do Rio

:::: PÉ NA AREIA, por Sergio Pugliese

Se algum pesquisador recorrer ao Google para conhecer a Ipanema dos anos dourados encontrará referências a Tom Jobim, Vinicius de Mores, Helô Pinheiro, Bar Veloso, Píer e Nascimento Silva. Também descobrirá que o bairro, conhecido mundialmente por ditar as tendências da cidade, lançou o Cinema Novo, a Bossa Nova e o fio-dental. Tudo muito bem, tudo muito bom, mas cadê Gugu, Paulinho, Jonas, Dadica, Marcelo e Fernando citados entre os maiores garotos-propaganda de Ipanema, de todos os tempos? Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares admirados dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. 

– Essa família é a história do futebol de praia da cidade – atestou Nielsen, ex-goleiro do Fluminense e da seleção brasileira olímpica, que acompanhava os amigos, na rede do Tio Marcelo, no Posto 9, quando nossa equipe chegou.


Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. Foto: Guillermo Planel

Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. Foto: Guillermo Planel

Gugu, de 72 anos, o irmão mais velho, nos recebeu no calçadão. Sol de quarenta graus!!! Guillermo Planel, nosso fotógrafo, tostava, pedia cerveja e logo abrigou-se na barraca, onde a família Carvalho nos aguardava. Estavam lá, além dos seis peladeiros, as irmãs Tereza Cristina e Margarida “Caipivodka” Maria, e Ângela e Cristina, esposas de Paulinho e Marcelo, e torcedoras fanáticas. Faltaram os irmãos Rogério, que, jovem, optou pela carreira de seminarista, e Ana Josefina.

– Já fiquei muito rouca gritando por esses irmãos – garantiu Cristina.

 Muita gente ficou! Os irmãos arrastavam multidões e transformaram o Lagoa, fundado por Théo Sodré, em atração turística. Na época, década de 60 e 70, os campeonatos lotavam as praias, reuniam cerca de 20 timaços, como Copaleme, Maravilha, do Armando Monteiro, Juventus e Guaíra, e durava um ano. Em 64, o Lagoa papou o título: 1 x 0 sobre o Lá Vai Bola, do goleiro Renato, gol de Gugu. O técnico era Armando Marques, que consagrou-se como árbitro profissional.

– Era um timaço! Tinha Capelli, Paulo Cesar, Kolynos, Tatinha, Zé Luiz, Canário, Sérgio Corrente, Lula e Ronaldo – escalou Gugu, considerado um dos melhores jogadores de praia e futevôlei de todos os tempos, com Dadica, Marcelo e Jonas.

 Fernando pediu licença e fez questão de escalar o time do Montenegro, campeão de 75.

– Celso, Boreu, Jorge Barros, Marcelo Dentista, Anchieta, Marcelo, Dadica, eu, Niemeyer e Betinho. Imbatível!!!

E Paulinho? Hoje com 71 anos, o cracaço começou a trabalhar cedo e as viagens o impediam de jogar tanto. Fernando, o poeta da família, conseguiu dividir o prazer da bola com a música e ajudou a criar a lendária banda Terra Molhada. Música, sol e futebol!!!

– Sempre fui o mais talentoso, alto, novo e bonito! – gabou-se, no alto de seus 1,70m e 62 anos.


Foto: Guillermo Planel

Foto: Guillermo Planel

Os irmãos, um centímetro a menos, riram acostumados com a irreverência do consagrado violonista e emendaram em saborosas lembranças, como o golaço de Dadica após tabela de cabeça com Marcelo, o petardo no ângulo de Fernando, que lhe rendeu o apelido de Búfalo Gil, o gol de Niemeyer no segundo título, contra o Juventus, os duelos entre Dadica e Pinduca, e o lençol cinematográfico de Jonas no zagueiro brucutu que aplicou-lhe uma gravata. 

– O futebol ficou violento e partimos para o futevôlei – explicou Jonas, de 67 anos.

E com o parceiro Crioulo foram os pioneiros do esporte e transformaram-se nos melhores do mundo na modalidade. Em duas finais, Gugu, Marcelo, Jonas e Dadica chegaram a se enfrentar. Titãs!!!! Margarida pediu uma vodka e Marcelo abraçou uma bola. Mais uma resenha, um sábado ensolarado! Os paizões Jonas e Maria Cristina, lá do alto, orgulhosos, caprichavam no sol e no céu azul para manter as crias bronzeadas, unidas e felizes. 

(publicada em janeiro de 2015, na coluna A Pelada Como Ela É)



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Sergio Pugliese tem mestrado em chutes de trivela, doutorado em resenhas e é pós-graduado em gols no ângulo. Por quatro anos e meio assinou a coluna A Pelada Como Ela É nas páginas de O Globo, mas, agora, é o ponta arisco do Museu da Pelada.



Guillermo Planel é documentarista com pós graduação-etílica em cerveja guerrilheira, mestrado em domesticar formigas andinas no deserto do Atacama e tem doutorado em contar com quantos grãos de areia se enche uma ampulheta boliviana.

AS JOBETES

texto: Sergio Pugliese | foto e vídeo: Rodrigo Cabral


A escalação, da esquerda para a direita: Françoise Imbroise, Daniella Sholl, Mariucha Moneró e Fabiana Sobral. Abaixadas: Isabela Kassow, Marcia Penna Firme, Eliane Bardanachivili, Leila Youssef e Leila Magalhães.

A escalação, da esquerda para a direita: Françoise Imbroise, Daniella Sholl, Mariucha Moneró e Fabiana Sobral. Abaixadas: Isabela Kassow, Marcia Penna Firme, Eliane Bardanachivili, Leila Youssef e Leila Magalhães.

A primeira a entrar “em campo” foi a técnica Mariucha Moneró, talvez para manter intacta a fama de disciplinadora. Pura impressão. De cara, chutou o balde e pediu chope e pizza. Em seguida, surgiu, elegantérrima, a goleira Isabela Kassow, de óculos, marca registrada que não dispensava nem durante as partidas incendiárias no campo chapiscado do Mimosão, apelido da quadra do Sindicato dos Metroviários, vizinho à Vila Mimosa, onde aconteciam os torneios de futebol entre os jornais cariocas. Foi o primeiro brinde da noite, na Fiorentina, no Leme, palco escolhido pelas ex jornalistas do JB para o reencontro, 23 anos depois, do timaço da redação.

– Só eu mesma para convocar uma goleira de óculos – divertiu-se Mariucha, que na época integrava a editoria de Esportes e dividia a função de técnica com o saudoso Oldemário Touguinhó. 

Bastou um jogo para Oldemário perceber que o time das coleguinhas era, digamos, debilitado tecnicamente. Não perdeu tempo e marcou treinos noturnos, secretíssimos, no campo do América para aprimorar os chutes, trocas de passes e criar jogadas ensaiadas. A evolução foi visível!

– Chegou Daniella Sholl! – anunciou Mariucha.     

Foi Daniella quem postou a foto do time no Facebook, o que gerou um caminhão de curtidas e a ideia do evento. Camisa 10, formava com Malu Fernandes um ataque devastador. A outra atacante era Eliane Bardanachivili, a quarta a chegar e emendar no chope. Ninguém tinha jogo no dia seguinte! Mariucha revelou que sofria uma pressão enorme para substituir Elaine porque ela insistia em chutar para o próprio gol. Bardana gargalhava! Aos poucos, a Fiorentina foi ficando pequena. Devido a histeria, por conta da chegada de cada estrela, teve muito cliente mudando de mesa. Também pudera, até embaixadinha Dani Sholl resolveu fazer dentro do restaurante!!!

– Cuidado com os pratos – suplicou um garçom.

Das atletas que estavam na foto apenas Françoise Imbroise, confundida com Kiki Ramalho, não pode ir porque estava em Minas. Mas as outras confirmaram: Dani Sholl, Mariucha, Celia Abend, que vendia empadas nos jogos e era a presidente da Liga das Senhoras Decentes do JB, a pontinha Fabiana Sobral, Isabela Kassow, Marcia Penna Firme, que jogava de meias Kendall, Eliane Bardanachivili e a talentosa dupla de Leilas, Youssef e Magalhães, a última a chegar por conta do temporal. Mas foi!!! A torcida também compareceu em peso! Paula Santa Maria, Elba Boechat, Isabela Abdala, Marcus Veras, Paulo Maurício, o massagista Octávio Guedes, Viviane Cohen, Dulce Jannoti e Cláudia Antunes.

– Chegou Stelinha!!! – berrou Fabiana.

A competitiva Dani Sholl ergueu a sobrancelha, franziu a testa, fez cara de poucos amigos. Tinha motivo. Stelinha era estrela de O Dia de quem as “jobetes” nunca venceram. A turma do deixa disso não precisou entrar em cena, mas Dani ficou bicuda. O time da Riachuelo era uma máquina, treinada pelo eterno Tim Lopes. Tinha Marluci Martins, Martha Esteves, Marta Mendonça, Renata Schmitt, Renata Fraga, Rachel Vita, Rosane Bekierman e a própria Stellinha Moraes.

– Não posso negar, mas elas não viam a cor da bola – arriscou-se a dizer, protegida por Fabiana Sobral e Isabela Kassow, que depois foram companheiras de redação.

O clima era de festa! Reencontros emocionam, ainda mais de jornalistas cheios de boas histórias para contar. Mariucha lembrou que foi a primeira mulher de jornais brasileiros a cobrir uma Copa do Mundo. Amava Esportes e odiava quando algum chefe a mandava cobrir bueiros explodindo. Naquela mesa barulhenta, podem ter certeza, a mulherada já fez de um tudo, de coberturas de carnaval e de eleições a tiroteios no morro, denúncias de escândalos, réveillon, manifestações. Era uma grande época! JB brigava cabeça a cabeça com o Globo e O Dia chegava a vender 1 milhão aos domingos. Rogério Reis era o editor de fotografia do JB!!! Olha o nível!!! Ainda tinha Flávio Pinheiro, Roberto Pompeu de Toledo, Marcos Sá Correa, Dácio Malta. As redações eram como o Maracanã e, hoje, encolheram como ele. Jornalistas são vaidosos, nostálgicos. Mas divertidos, muito divertidos!!!

– Sobrevivemos! – resumiu Isabela Kassow.

Na hora da foto oficial, a mulherada sentiu falta de Dani Sholl e Malu Fernandes, a coxa mais grossa do time. Quando ela se machucava surgiam massagistas de todos os cantos. Acreditem, as duas estavam na calçada do restaurante disputando campeonato de embaixadinhas!!!! Na chuva!!! Os clientes pararam para ver. Dani, de salto alto, xingava a bola quando a coitadinha escapava e Malu reclamava do tênis. Por uma embaixadinha, Dani venceu. Aproveitando que todas estavam ali, na torcida, a foto de 23 anos atrás foi reproduzida, sob temporal, com Malu no lugar de Françoise. Espírito intacto! Se o tempo passou, o fotógrafo não captou.

O reencontro das ex jornalistas do JB 23 anos depois, do timaço da redação.

Daniella Sholl

Malu Fernandes e Leila Magalhães

Fabiana Sobral e Stella de Moraes

Stella de Moraes

Mariucha Moneró e Marcia Penna

Eliana Bardanachivili e Isabela Kassow


23 anos depois... Malu Fernandes (substituindo Françoise Imbroise), Daniella Sholl, Mariucha Moneró e Fabiana Sobral. Abaixadas: Isabela Kassow, Marcia Penna Firme, Eliane Bardanachivili, Leila Youssef e Leila Magalhães.

23 anos depois… Malu Fernandes (substituindo Françoise Imbroise), Daniella Sholl, Mariucha Moneró e Fabiana Sobral. Abaixadas: Isabela Kassow, Marcia Penna Firme, Eliane Bardanachivili, Leila Youssef e Leila Magalhães.

A CAMISA DO MEU PAI

por Sergio Pugliese



Sergio e o pai Raphael Pugliese, no portão onde era o gol

Sergio e o pai Raphael Pugliese, no portão onde era o gol

Certa vez jogava linha de passe com alguns amigos de Santa Teresa quando meu pai voltando do trabalho, de roupa social, parou no meio da Ladeira do Meireles, assoviou e, batendo no peito, pediu para cruzarem a Dente de Leite. “Dá na caixa, Gordo!”. 

Devia ter 12 anos e foi a primeira vez que vi meu pai se relacionar com uma bola. Era boêmio e morreu poucos anos depois de cirrose hepática, efeito de uma mistura fatal: uísque, Haloperidol e Amplictil, remédios para amenizar seus sintomas de esquizofrenia. Falava pouco, mas era divertido, encantador. Conversava sobre futebol, mas nunca o vi chegando de uma pelada, controlando uma redonda, se recuperando de contusões ou desfilando com camisas de times, mesmo sendo tricolor de coração. Por isso senti uma ponta de constrangimento quando o Gordo olhou para mim como se pedisse autorização para lançar a bola. O que resultaria dali? Meus amigos já haviam presenciado meu pai mergulhado em delírios, por isso o estranhamento, a dúvida. Autorizei, claro! Havia aprendido com Ciça, minha mãe, que sua única diferença era viver em dois mundos, mas lembro dela me garantindo: “Ele é feliz em ambos!”. 

E era a pura verdade. Meu pai, Raphael, ou Rapha, ou Velho, ou Raphinha ou Faelzinho, volta e meia saía de “nossa órbita” e se transportava para “outro mundo”. Lúcido, em tratamento, geralmente preferia os bares, os amigos, as noitadas. Claro que suas crises nos desgastavam. Tínhamos poucas e desencontradas informações e seu médico particular também morreu esquizofrênico. Eu e Bruno, meu irmão, crescemos assim. Minha mãe, rolo compressor, se desdobrava em três empregos. Mas em algum momento _ nunca entendemos o real motivo _ ela se desentendeu com a família de meu pai e houve um racha. Ainda garotos, nos afastamos de nossos tios e primos, e o tempo foi em frente. 


Sergio e o irmão Bruno na Ladeira do Meireles, em Santa Teresa

Sergio e o irmão Bruno na Ladeira do Meireles, em Santa Teresa

Há um mês estava saindo de uma reunião, no Centro, quando fui checar os emails no celular e achei essa mensagem arrasa quarteirão: “Caro colunista, há algum tempo venho pensando em escrever-lhe, mas alguns motivos me detiveram. O primeiro a habitual falta de tempo e o segundo, e principal, a abordagem. Serei mais claro. Por força da minha formação, e profissão, sou muito direto e o caso merecia um pouco mais de sensibilidade. Como não nos vemos há muitos anos, muitos mesmo, entendo e aceito que não se lembre de mim. Entretanto, soube por um amigo que você não lembra de ter um tio chamado Amaury. Fiquei surpreso, mais que isso, triste. Triste porque apesar desses anos eu não esqueci do seu pai, de você, de cabeleira preta, e do seu irmão Bruno cantando `Tomara que chova 100 dias sem parar´. Mas, tudo certo, eu sou seu primo mais velho e consegui fixar melhor na memória. Dizem que o futebol une pessoas e povos. Espero que seja o nosso caso. Já que você fala e escreve sobre pelada queria lhe perguntar uma coisa. Você sabia que seu pai, quando jovem, era peladeiro e jogava num time chamado Forró Social Clube? Pois jogava, e bem. Por uma dessas obras do destino guardei uma camisa do time, que a essa altura já deve ter 60 anos, e gostaria de dar de presente para vocês dois, num almoço. É uma lembrança muito bacana de nossos pais, que foram grandes amigos até o fim de seus dias. Amaury.” 

Quando terminei de ler não tive outra alternativa. Encostei numa banca de jornal e chorei. Foi uma emoção devastadora. Há 37 anos não tinha qualquer contato com meu primo Amaurizinho. Nessa coluna posso descrever um pouco do estranho e fascinante mundo dos peladeiros. Ela me diverte, emociona, ensina e agora resolveu vasculhar minha vida. Diariamente, recebo e-mails hilariantes, nostálgicos e carinhosos, e no meio deles surge essa bomba atômica. Vocês devem estar se perguntando como alguém pode esquecer de um tio. Claro, que isso foi um engano. Nunca esqueceria de meu tio Amaury ou de qualquer outra pessoa de minha família. Mas tudo foi esclarecido em nosso reencontro. E que reencontro! 

Aconteceu em Santa Teresa! Fui o primeiro a chegar. Depois, Bruno, Amaurizinho e, em seguida, seu irmão Mauro China. Não dava para negar que todos eram da mesma família. O escracho foi geral. Em minutos todos já eram os melhores amigos da garçonete, abraçavam o chef, criticavam o cardápio, achavam os pratos caros e firulentos e riam de tudo. Não teve choro. Foi como se não nos víssemos há semanas. Ninguém questionou o motivo de uma ausência tão longa. Todos só queriam estar ali, gargalhando o tempo perdido. Quando estávamos quase pedindo a conta, não resisti. 

– Mas, cadê a camisa do Forró Social Clube? 
 


Na foto, da esquerda para a direita, Mauro China, Bruno e Amaury

Na foto, da esquerda para a direita, Mauro China, Bruno e Amaury

Ela estava bem embrulhada num papel prateado, dentro de uma bolsa. Eu estava paralisado. China contou que durante todos esses anos a camisa foi protegida por um quadro de vidro. O pacote foi sendo aberto. Ela estava desbotada, mas linda! Parecia a descoberta de um tesouro perdido. Meu pai era peladeiro! Um boêmio como ele só poderia jogar no Forró Social Clube! Quando segurei aquela camisa guardada há 60 anos me senti realizado e ri sozinho lembrando da tensão desnecessária vivida por mim quando ele pediu a bola “na caixa” ao Gordo. Não fazia ideia de suas habilidades e quando o Gordo cruzou a bola acompanhei, sem piscar, todo o seu trajeto até ela pousar, mansa, em seu peito. Então, ele iniciou uma série de embaixadinhas enquanto subia a ladeira. Controlou a bola até se juntar a nós na linha de passe. O constrangimento virou orgulho! Aquilo era real! Foi a primeira vez que joguei com o meu pai! Foi um dia marcante, especial demais em minha vida. Nunca soube em qual mundo ele estava sintonizado naquele momento. Extasiado, foi para casa e quando cheguei já dormia como um anjo. Me deitei a seu lado e por toda a noite sonhei com aquele lance.

(publicada em novembro de 2010 na coluna A Pelada Como Ela É)

Balança a Roseira!

texto: Sergio Pugliese | foto: Guilherme Careca Meireles


O rei das resenhas Léo do Peixe e Sandrinho com a famosa cordinha no Caldeirão do Albertão.

O rei das resenhas Léo do Peixe e Sandrinho com a famosa cordinha no Caldeirão do Albertão.

Léo do Peixe é daquelas figuras obrigatórias em qualquer resenha. Camisa 10 do Caldeirão do Albertão, outro dia contou uma história digna de roteiro de cinema. Envolvia o churrasqueiro Sandrinho e Pai Juca, uma das tantas figuras que brotam naquela pelada, sempre às 10h, de domingo, no Grajaú. Igreja Universal em alta e os padres católicos cantores atraindo multidões, ele vivia uma crise de clientes. Na pindaíba, resolveu apelar para a publicidade e publicou um anúncio no jornal prometendo “reativar pessoas falecidas”. O cenário seria o próprio campo, vizinho da Floresta da Tijuca. Mas seria preciso um parceiro para ativar o plano celestial. E aí entrou em cena Sandrinho, pinguço dos bons.

– Pior que o anúncio deu resultado – contou Léo, durante divertida resenha no Albertão.
Os interessados em “conversar” com entes queridos do andar de cima começaram a aparecer. O primeiro foi o advogado Aderbal, curioso em saber se o primo Lucas estava realizado no paraíso. A consulta custava R$ 60 e era simples. Uma conversa rápida no bar para um passe-descarrego e o ápice, a esperada viagem ao além, no campo, cercado de mata. A essa altura, o coadjuvante Sandrinho já estava escondido entre os arbustos com uma cordinha amarrada a alguns galhos. Quando ouvisse Pai Juca cantar “balança a roseira!” ele deveria puxar a cordinha freneticamente, sinal claríssimo de que o falecido dera sinal de vida.  

– Eles ganharam um bom dinheiro, chegou a formar fila – garantiu Léo.

– Mas o Betão permitia isso? – quis saber o bisbilhoteiro Guilherme Careca Meireles.
Verdade, Beto Ahmed, dono do campo, desconhecia o fato. As sessões eram em dias de semana, à tarde, enquanto ele trabalhava. E Sandrinho, além de churrasqueiro também é o caseiro, o que facilitou a operação. 

– Mas um dia quase deu problema – recordou Léo do Peixe.

Foi quando o militar Hamílcar marcou uma consulta para saber notícias do amigo Tom, morto num assalto. Acostumado a treinar em selva fechada e enxergar inimigos com roupas camufladas em esconderijos improváveis, o sargento suspendeu a sessão quando as plantas começaram a se mexer. Quase pulou o alambrado para ir atrás de um vulto, que jurou ter visto, mas foi contido pela reza e a lábia de Pai Juca. Ele argumentou serem comuns esses delírios e deu cortesia ao desconfiado milico. Nesse dia, Pai Juca quase demitiu Sandrinho do cargo de balançador de roseiras. 

–  E por onde anda o Pai Juca? – perguntou Betinho Cantor, que também costuma ter alucinações, após suas visitas ao estacionamento do Albertão.

A última “aparição” de Pai Juca foi há dois meses. Chegou atrasado ao campo e mandou Sandrinho correr para a mata porque o casal Sheila e Afrânio estava chegando. Na pressa, não percebeu o estado etílico do parceiro. Enquanto Pai Juca limpava a mesa do bar, Sandrinho, trôpego, foi guiado pelos deuses até sua área de atuação. Antes de desmaiar, enroscado na cordinha, ainda ouviu vozes ao fundo. Só não captou Pai Juca cantar “balança a roseira!”. Na terceira tentativa, Pai Juca afugentou o casal ao esgoelar-se “balança a porra dessa roseira, caceta!!!!”. Claro, a sociedade foi desfeita, Betão perdoou Sandrinho e Pai Juca está cantando em outro terreiro.

Balança a Roseira!

texto: Sergio Pugliese | foto: Guilherme Careca Meireles


O rei das resenhas Léo do Peixe e Sandrinho com a famosa cordinha no Caldeirão do Albertão.

O rei das resenhas Léo do Peixe e Sandrinho com a famosa cordinha no Caldeirão do Albertão.

Léo do Peixe é daquelas figuras obrigatórias em qualquer resenha. Camisa 10 do Caldeirão do Albertão, outro dia contou uma história digna de roteiro de cinema. Envolvia o churrasqueiro Sandrinho e Pai Juca, uma das tantas figuras que brotam naquela pelada, sempre às 10h, de domingo, no Grajaú. Igreja Universal em alta e os padres católicos cantores atraindo multidões, ele vivia uma crise de clientes. Na pindaíba, resolveu apelar para a publicidade e publicou um anúncio no jornal prometendo “reativar pessoas falecidas”. O cenário seria o próprio campo, vizinho da Floresta da Tijuca. Mas seria preciso um parceiro para ativar o plano celestial. E aí entrou em cena Sandrinho, pinguço dos bons.

– Pior que o anúncio deu resultado – contou Léo, durante divertida resenha no Albertão.
Os interessados em “conversar” com entes queridos do andar de cima começaram a aparecer. O primeiro foi o advogado Aderbal, curioso em saber se o primo Lucas estava realizado no paraíso. A consulta custava R$ 60 e era simples. Uma conversa rápida no bar para um passe-descarrego e o ápice, a esperada viagem ao além, no campo, cercado de mata. A essa altura, o coadjuvante Sandrinho já estava escondido entre os arbustos com uma cordinha amarrada a alguns galhos. Quando ouvisse Pai Juca cantar “balança a roseira!” ele deveria puxar a cordinha freneticamente, sinal claríssimo de que o falecido dera sinal de vida.  

– Eles ganharam um bom dinheiro, chegou a formar fila – garantiu Léo.

– Mas o Betão permitia isso? – quis saber o bisbilhoteiro Guilherme Careca Meireles.
Verdade, Beto Ahmed, dono do campo, desconhecia o fato. As sessões eram em dias de semana, à tarde, enquanto ele trabalhava. E Sandrinho, além de churrasqueiro também é o caseiro, o que facilitou a operação. 

– Mas um dia quase deu problema – recordou Léo do Peixe.

Foi quando o militar Hamílcar marcou uma consulta para saber notícias do amigo Tom, morto num assalto. Acostumado a treinar em selva fechada e enxergar inimigos com roupas camufladas em esconderijos improváveis, o sargento suspendeu a sessão quando as plantas começaram a se mexer. Quase pulou o alambrado para ir atrás de um vulto, que jurou ter visto, mas foi contido pela reza e a lábia de Pai Juca. Ele argumentou serem comuns esses delírios e deu cortesia ao desconfiado milico. Nesse dia, Pai Juca quase demitiu Sandrinho do cargo de balançador de roseiras. 

–  E por onde anda o Pai Juca? – perguntou Betinho Cantor, que também costuma ter alucinações, após suas visitas ao estacionamento do Albertão.

A última “aparição” de Pai Juca foi há dois meses. Chegou atrasado ao campo e mandou Sandrinho correr para a mata porque o casal Sheila e Afrânio estava chegando. Na pressa, não percebeu o estado etílico do parceiro. Enquanto Pai Juca limpava a mesa do bar, Sandrinho, trôpego, foi guiado pelos deuses até sua área de atuação. Antes de desmaiar, enroscado na cordinha, ainda ouviu vozes ao fundo. Só não captou Pai Juca cantar “balança a roseira!”. Na terceira tentativa, Pai Juca afugentou o casal ao esgoelar-se “balança a porra dessa roseira, caceta!!!!”. Claro, a sociedade foi desfeita, Betão perdoou Sandrinho e Pai Juca está cantando em outro terreiro.