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A Pelada Como Ela É

COCADA, O CARA

por Sergio Pugliese

O entregador da farmácia, atrasado, deu uma freada na esquina da Constante Ramos com Domingos Ferreira, em Copacabana, e perguntou para um rapaz, na calçada, com um copo de cerveja na mão, se o cara sentado, de bermuda, resenhando com amigos, no Belo Bar, era o Zico.

– Ele mesmo!

– Peraí, é o Zico sentado ali, o Galinho de Quintino, e você fala “ele mesmo” como se fosse um parceiro normal de pelada?

– Sempre que o Cocada chama ele vem….


Após a pelada, Cocada (em destaque) se reuniu com os amigos, entre eles Zico, para a tradicional resenha no bar

– E quem é o Cocada?

– O do Chelsea!

– Chelsea!!!! Tem alguém do Chelsea aí no boteco? Cocada? É o apelido do William?

– Chelsea, futebol de praia. O Cocada é o cara da praia, já ganhou tudo e tem moral com a rapaziada.

– Caraca, qual deles é o Cocada, ali? – perguntou apontando com a cabeça para a resenha.

– Aquele, sem camisa ali, no meio da resenha.

– Moral mesmo, hein!

– Jogava muito?


Cocada (de laranja) posa para foto com Zico e o treinador Alexandre Gama

– Deitou e rolou, mas se quiser ver é só ir domingo, no Posto 4, às nove. Sempre joga e leva convidados. Dessa vez, chamou o Zico.

– Chamar todo mundo chama, o problema é ir.

– Mas, ali, na mesa também estão Magal, Júnior Negão, Neném, Chumbinho, só lenda da praia.

– Peraí, parceiro, lenda é o Zico! Cara, esse cara foi campeão do mundo pelo Flamengo, jogou na seleção de 82, a mais foda de todas, e tá sentadinho num boteco de Copacabana. Só no Rio! Mas o Galo jogou na praia?

– O time dele ganhou de 8 a 6 e ele meteu seis!

– Tá de sacanagem? Cocada jogou com ele?

– Cocada, Pato, Dime, Renatinho, Júnior Negão, Tom, Gama e Magal, seleção!

– E outro era bom?

– Neymar….

– Sério que o Neymar veio????????

– Não!!!! Kkkkk!!!! É apelido! Neymar, Enzo, Neivaldo, Betinho, Luciano, Chumbinho, Alberto Neném e Gilmar Popoca.

– Esse Gilmar Popoca não foi 10 no Fla?

– Ele mesmo!

– Porra, esse Cocada é foda, hein! – disse, antes de partir, atrasadíssimo, para mais uma entrega.


Zico prestigiou a pelada do Chelsea

O TRATOR

por Sergio Pugliese


Zé Neto posa ao lado de Sergio Pugliese no Clube dos 30, em São Conrado (Foto: Reyes de Sá Viana do Castelo

Zé Neto sempre foi determinado, tinhoso, cabeça dura e aos 16 anos cismou de transformar um terreno baldio de Santa Teresa num campinho de pelada. Pediu uma força ao administrador regional do bairro, que deu ok na liberação do espaço, mas esquivou-se da limpeza e terraplanagem. Mão de obra não faltava, afinal peladeiros unidos são capazes de tudo!!! Mas só um trator seria capaz de remover tanto entulho. Onde conseguir um trator? Zé Neto lembrou-se que sempre via vários nas obras de demolição do Morro de Santo Antônio, onde hoje é a Avenida Chile, Petrobras e Catedral Metropolitana.

– Um dia parei ao lado de um tratorista e perguntei quanto custaria uma fugidinha em Santa Teresa – divertiu-se, em nossa resenha, no Bar do Gomes, em Santa Teresa.

E teve um maluco que topou! Durante 15 dias, ele e Zé Neto, de carona, subiam as ladeiras estreitas do bairro até o futuro campinho. A cena divertia os moradores, mas o terreno foi limpo e a arena de terra batida inaugurada meses depois!!! Óbvio que, após tanto esforço, conseguir autorização para jogar no campo era uma árdua tarefa. E a fila era grande!!!! Como só o time de Zé Neto tinha regalias, mandava e desmandava nos horários, ele e os parceiros de panela, Albino e Otávio Carneiro, Briguilim e Aloísio Ribeiro Aguiar, foram batizados de Política Futebol Clube. Mas a ideia era agregar e logo iniciaram-se memoráveis campeonatos envolvendo Morro dos Prazeres, de Robô e Ancelmo, Morro da Coroa, de Macumba, Largo do Guimarães, de Tutuca e Wanderley, Paula Mattos, de Jaburu, Áurea, de Erivan, e Beco Ocidental, de Almir e Taba.  

– Aquele campo marcou época! – suspirou Zé Neto.

Tempo bom!!!! O campinho virou a Praça Odylo Costa Neto, com área de lazer e uma quadra de salão, de cimento. Zé Neto, hoje com 65 anos, foi meu primeiro vizinho e, da porta de casa, na Rua Constante Jardim, sempre via o fominha correndo para as peladas ou praticando “cooper”. Disposição de touro e fama de odiar derrotas. Após me mudar para vários endereços do bairro, perdi o seu contato e fui reencontrá-lo, carequinha da Silva, na pelada dos 80 anos de Armando Pittigliani, o Pitti, no Clube dos Trinta, em São Conrado. Esbaforido, suado, saía do campo com passos rápidos, como se não tivesse jogado. “Não acredito que seja o Zé Neto?”, brinquei. Carinhoso, me levou a um a um dos convidados de Pitti para dizer que me vira molequinho. E bastaram alguns minutos para eu descobrir que a cabeça raspada, além de herança familiar, era fruto do tratamento para frear o câncer de próstata. Dois meses antes enfrentara a décima operação e já estava em campo novamente.  Monstro!

– Sempre fui maratonista e por conta disso superei grandes dificuldades – revelou.

Não pude ficar muito tempo na festa do Pitti e marcamos um encontro para a semana seguinte, em Santa Teresa, onde ele mora até hoje. Papo ótimo, mas seriam necessárias várias colunas para registrar o histórico de peladeiro do engenheiro José Alves Ferreira Neto, que começou aos 11 anos na seleção do colégio São Bento, passou pelo Lagoinha, de Giba e Alexandre, Capri, de Hugo Aloy, Nelsinho, Nilo, Cláudio Bocão, Augusto, José Santoro e Xanduca, e Santa Teresa F.C., do Seu Miguel, que lotava de torcedores o campo 8 do Aterro, nas manhãs de domingo. E ainda teve o timaço da Serpro, com Luiz Mário Griner, Sergio Guerreiro e Alair, campeão de um torneio empresarial em cima do IBGE. E a seleção da Faculdade Santa Úrsula, campeã carioca universitária, e o Petropolitano, do goleiro Ricardo Bronze, mais ASBAC, PUC, Monte Líbano, Piraquê, Clube dos Trinta, de Jayme Lima, e Caiçaras, de Joca, Gilberto Dentista, Jean Jaques, Sérgio Aquino e o saudoso Vitinho.

– A morte de Vitinho, meu grande amigo, me quebrou, me desestruturou emocionalmente – recordou, emocionado.

Mas Zé Neto reergueu-se. Desde os 51 anos, quando o câncer foi descoberto, ele vem se reerguendo. Mas a primeira operação foi devastadora. Emagreceu 30 quilos e amigos preconceituosos afastaram-se imaginando tratar-se de Aids. Começou a beber e decidiu separar-se de Celina, após 21 anos de casamento, mais os oito de namoro, com quem teve os filhos Patrícia e José Alves. Tinha certeza de que morreria, delirava, sofria. O oncologista Emílio Karan acompanhava de perto e participou de quase todas as cirurgias.

– Minha família sempre manteve-se perto, mas minha cabeça estava horrível – comentou.

Mas um dia, Zé Neto recorreu aos momentos de glória da infância e resgatou o trator, a máquina que afastou escombros, limpou o terreno e o ajudou a realizar seu sonho juvenil. Então, assumiu a direção e buscou uma força sobrenatural para animar-se, levantar-se da cama, sacudir a poeira e dar a volta por cima. As dores na coluna eram insuportáveis e incontáveis vezes caiu no chão, fraco. Mas Zé Neto nunca gostou de perder, se curvar aos adversários, e não seria no momento mais crítico da vida que entregaria os pontos. Na rua, encontrou o parceiro Xanduca, que o intimou a voltar a jogar. Zé Neto animou-se e foi rever a pelada dos amigos do Capri. Revigorante! Os parceiros!!! A bola!!! Alguns meses depois, o furacão Zé Neto estava de volta! Nunca mais deixou os campos. Apaixonou-se pela cuidadora Tiana, com quem está casado há quatro anos, recuperou a auto estima, o amor no coração, o prazer de viver. A próxima operação está marcada, a próxima pelada também.

O ESTRATEGISTA

por Sergio Pugliese

Se Felipão e Parreira tivessem dado um pulinho no campo do Riviera, na Barra da Tijuca, dez dias antes do fatídico jogo entre Brasil x Alemanha, o resultado certamente seria outro e a humilhação, evitada. Nessa noite, o técnico Daniel de Sá Viana do Castelo, o Coluninha, deu um show de improvisações, ousadia e, principalmente, atitude. Tudo para livrar o time do condomínio de uma derrota massacrante para o rival Parque das Rosas.

– O Coluninha é um estrategista nato e já conseguiu reverter placares aparentemente impossíveis. É o Joel Santana, do Riviera – elogiou o assessor de comunicação do Flamengo Reyes de Sá Viana do Castelo, num encontro com a equipe do Museu da Pelada para recordar o feito do primo.

A comparação com Joel Santana é por conta da histórica virada do Vasco em cima do Palmeiras, em 2000, na final da Copa Mercosul. O Verdão marcou três gols em nove minutos e no segundo tempo o Gigante da Colina ainda teve o zagueiro Junior Baiano expulso. Mas com três gols de Romário e um de Juninho Paulista, “o time da virada, o time do amor” venceu por 4 x 3. Milagre no Palestra Itália!!!! Brilhou a estrela de Joel Santana e a inseparável prancheta!! O rubro-negro Coluninha considera essa partida uma das mais emocionantes da história do futebol e de lá para cá tomou gosto por esquemas táticos e também vem surpreendendo os adversários.

– Felipão me decepcionou. Aceitou a pressão alemã, demorou a mexer e terminou humilhado – comentou ele, fã dos técnicos Telê Santana, Pep Guardiola e Klinsmann.

No embate contra o Parque das Rosas, Coluninha alterou o time logo aos cinco minutos, após o primo e goleiro Reyes de Sá Viana do Castelo, de quase dois metros de altura, ser encoberto no gol de Romã.  “Sai, sai, vai para o ataque!!!”, determinou. Decisão bem mais polêmica do que a do técnico holandês Louis van Gaal, que momentos antes da disputa de pênaltis substituiu Cillessen por Krul.

– Ele deve ter se inspirado em mim, afinal fiz antes dele. E reconheço que trocar o Reyes, um gigante, pelo Márcio Gordinho foi um banho de ousadia – gabou-se Coluninha.

Mas em menos de oito minutos o Parque das Rosas marcou mais três, com Paulo Leonardo, Careca e Gugão. Humilhação, não, pensou Coluninha. Nesse momento, a atitude do grande treinador aflorou. Como a partida ainda estava no início, ele entrou em campo numa desesperada tentativa de frear o anunciado vexame: “Vamos mesclar, rapaziada, tá sem graça! Pelada desequilibrada não dá”. Os adversários, perplexos, tentaram contra argumentar, mas Coluninha prosseguia surdo: “Leva o Juvenil e me dá o Careca, manda o Talma e fica com o Edu”. Para não contrariar a fera, os coletes foram trocados e o jogo recomeçou.

– O Felipão tinha que ter feito isso. Ficou com cara de bobo ao invés de sugerir a troca do Fred pelo Muller e a do Hulk pelo Klose – comentou o “professor”.  

As trocas surtiram efeito e o primo Reyes, expulso do gol, marcou dois golaços: 4 x 2. Da beira do campo, Coluninha invertia os craques de posição e corria como um bandeirinha para orientar o ponta Careca. Num desses ataques, Talma enganou os marcadores e fez o terceiro. Coluninha quase endoidou!!! Precisava manter a invencibilidade de 52 jogos. Pênalti!!! Seria o empate. Confiante, Reyes posicionou a bola e disparou. Para fora!!!! Irritado, Coluninha mandou Reyes assumir novamente o gol e colocou Márcio Gordinho de centroavante. “Tente se movimentar mais do que o cone Fred. O Walter também é cheinho e corre”, ironizou.

– Tem que mexer com o psicológico do jogador e o Gordinho precisava mostrar serviço –  explicou.

E no primeiro lance, Márcio Gordinho acertou um tirambaço de fora da área e empatou o jogo! Coluninha pirou! Mas Gordinho correu tanto na comemoração que não aguentava dar mais um passo. Sentou-se, apoiado no alambrado, e nem o Carvalhão conseguiu içá-lo.

– Sem reservas, era a minha hora – lembrou Coluninha, apelido ganho por conta das insuportáveis dores na coluna.


Coluninha comemora a atuação brilhante (Foto: Reyes de Sá Viana do Castelo)

Mas nenhuma dor o impediria de entrar na vaga de Gordinho. Cracaço, no final dos anos 90 barbarizava no campinho de terra batida do Clube Marapendi, ao lado das feras Leo e Dudu, filhos de Bigode, criador do lendário Geração 2000.  Entrou pedindo bola mas, ansioso, era facilmente desarmado. Sem jogar há quase um ano, buscava o fôlego mas não acompanhava o ritmo frenético da partida. Mas quem foi rei nunca perde a majestade e por um momento lembrou-se dos treinamentos no Cachoeirense, de Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, no Clube da Aeronáutica. Dava show observado por Seu Corrêa, saudoso técnico, que o orientava da forma mais pura possível: “Joga sincero!”. Quando faltavam dois minutos para o apito do árbitro, Coluninha recebeu a redonda e após uma gingada desconcertante, deixou três adversários no chão e marcou um golaço-aço-aço!!!! Herói da resenha, empunhou a caneca de chope zero grau para a foto e aos que perguntaram sobre o segredo do sucesso do estrategista, respondia “joga sincero!”. 

A REGADORA DE SONHOS

por Sergio Pugliese

A casa estava de cabeça para baixo e o som alto da tevê obrigava Cintia a espremer o celular no ouvido com o ombro enquanto temperava o feijão. Na posição preferida do torcicolo, tentava fechar negócio. Por baixo da porta as contas não paravam de chegar. O interfone tocou ao mesmo tempo em que a máquina de lavar pifou. Abandonou a cozinha correndo, recolheu as roupas do varal na área de serviço e despejou a montanha de panos no sofá. O interfone tocou novamente e a panela de pressão apitou. Do banheiro, o filho Luan, de 13 anos, pediu ajuda: “Mãe, cadê o meu short!”. Do bolo, resgatou o uniforme da Portuguesa e vestiu o craque mirim. Pegou o meião, a chuteira dourada novinha em folha da Nike e calçou o moleque enquanto ele assistia o Sportv despejado na poltrona. Desligou o telefone e, “uhuuuu”, comemorou a venda de um seguro. Olhou para o relógio e faltava uma hora para o treino, na Ilha do Governador .


– Chuta, Luan, chuta!!!!!!!!!!!

Deu uma conferida relâmpago no espelho e constatou que precisava pintar a raiz preta do cabelo louro. Desligou todos os botões que viu pela frente, pegou a mochila, a corneta, puxou o filho pela mão e em poucos minutos estava na arquibancada incendiando a torcida organizada, xingando o juiz, discordando das táticas do treinador e incentivando a razão de sua vida.

– Chuta, Luan, chuta!!!!!!!!!!!

No Dia das Mães, a equipe do Museu da Pelada apresenta Cintia Oliveira, securitária, dona de casa, flamenguista, solteira, batalhadora, especialista em lasanha pronta da Sadia e mãe do artilheiro Luan. Acompanhamos sua chegada ao estádio da Portuguesa para o jogo-treino. Ela entrou triunfal, dançando e batendo palmas. Antes de ser liberado para o aquecimento, o filho passou por uma geral: camisa para dentro do short, penteada básica no cabelo e beijo estalado na bochecha. Luan assumiu o constrangimento. Tímido, misturou-se rapidamente aos amigos Hiago, Eisy e William. Nosso fotógrafo e especialista em psicologia infantil, Reyes de Sá Viana do Castelo, também sentiu na pele esse assédio quando treinava basquete pelo Flamengo. Experiente, diagnosticou friamente o caso: “É o bullying materno”. As mães ao lado morreram de rir. A frenética Cintia não estava nem aí. Andava de um lado para o outro e quase invadiu o campo quando o seu menino foi derrubado.


– Pênalti!!!!

– Pênalti!!!! – berrou ela, mesmo a falta tendo sido muuuuuito longe da área.

O árbitro riu porque conhece a fera. Mas quem não conhece Cintia? Ela não perde uma partida do filho, seja em pelada ou nos campeonatos disputados pela Portuguesa. Já era assim, no futsal do Grajaú Tênis e Bradesco. Luan sonha ser Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, mas sabe que a prioridade são os estudos e às 13h em ponto chega à Escola Francisco Manoel. Ao contrário da garotada dos tempos modernos aposentou o Playstation e só pensa em bola e pipa. Sergio Sapo, antigo técnico da escolinha do Grajaú Tênis, elogiou o desempenho do canhotinho e lembrou que em 2010 o moleque foi artilheiro do torneio interno do clube com 11 gols e certa vez guardou sete num só jogo. O celular de Cintia tocou. Era uma possível venda, então refugiou-se num cantinho na tentativa de abafar o grito da galera. Sentou-se sem desgrudar o olho do pimpolho e minutos depois desligou com ar de felicidade. Toda ajuda é bem-vinda, ainda mais agora com mensalidade nova na área, a do PFC, canal pago esportivo. Precisou trocar a escola particular pela pública.


– Antes meu irmão ajudava nas contas, mas agora mato um leão por dia, sozinha, mas vamos levando a vida em frente e com felicidade

– Antes meu irmão ajudava nas contas, mas agora mato um leão por dia, sozinha, mas vamos levando a vida em frente e com felicidade – comentou.

O jogo-treino estava duro, truncado. Mas a bola sobrou no meio e Luan ganhou a dividida com o zagueiro. Cíntia largou a corneta no chão, segurou firme o alambrado e arregalou os olhos. O menino venceu o desequilíbrio e com o molejo dos ensaboados deixou o segundo adversário para trás. Só faltava o goleiro. A mãe estava rouca e acabara de pegar uma receita mágica com a amiga Rose Marie: gargarejo com caipirinha de lima. Com um biquinho no canto, o artilheiro resolveu a parada. Cíntia ergueu os braços com toda a felicidade do mundo. Do meio do campo, Luan se despiu da timidez, desenhou um coração no ar e apontou na direção da mãe, a parceirona de todas as horas. Ela olhou incrédula para as companheiras de arquibancada e, corpo arrepiado e coração pulsando como um bate-estacas, sentiu a felicidade extrema, o amor exclusivo e inatingível das mães.

 



 

OS AMIGOS DA MANET

texto: Sergio Pugliese |  foto e vídeo: Guillermo Planel

Pode ser Uber ou amarelinho, não importa, adoro ouvir histórias de motoristas, suas reclamações, suas opiniões sobre política, temperatura, conquistas, violência, obras e comportamento em geral. Os caras passam o dia transportando todo o tipo de gente, acompanham as transformações da cidade, muitoooooos são formados e trocaram recentemente de profissão, ou seja, alguma pautinha sempre sai desses papos. No final, quase sempre tem troca de cartões e o início de uma nova amizade. Com o Henrique, do amarelinho, foi assim. Logo que me despedi de dois amigos e segui a corrida, ele abriu os trabalhos:

– Amizade é tudo, né parceiro?

– Amigos são mais importantes do que muitos parentes, com certeza!

– É isso! E estou vivendo um dilema justamente por isso…….. – disse, olhos fixos no espelho.

– Perdeu algum amigo?

– Minha mulher recebeu um convite para trabalhar em Londres, em hotelaria. Meu irmão mora na Europa há alguns anos…..

– Mas isso é bacana!!!!

– Claro, ruim não é, mas e como fica a minha resenha de domingo com os amigos da pelada?

Peraí, o cara subiu no meu conceito estratosfericamente em segundos!!!! Sabe aqueles medidores dos desenhos animados que explodem quando alguém dá uma martelada? Foi isso!!!!  

– Verdade, não sabia desse outro lado – comentei, semblante preocupado.

– Vi que são jornalistas, né? Por isso estou passando o meu ponto de vista.

– Mas lá deve rolar uma peladinha também – tentei amenizar.

– Cara, mas lá não vai ter um Orelha, um Marquinhos Diarréia, um Pedrinho Chuta-Chuta.

Verdade, pensei. Fazia todo sentido o seu coração amargurado.

– É, um Marquinhos Diarréia acho que não vai encontrar por lá, mas de repente um Peter Kick-Kick……


– KKKKKKK, mas é diferente. Não vai ter o churrasco no Trailer do Careca, nem as zoações. Eu, por exemplo, não sou o Henrique, mas o Hula ou o Zé Gotinha ou o Paralisia Infantil….

Ah, o bullying, pensei, realmente não faz parte do universo peladeiro.

– Aí é impossível, parceiro, Paralisia Infantil é imbatível. Já explicou isso para a sua mulher?

– Pirou? Isso ninguém entende, só nós mesmos…..

– Então seja o que Deus quiser!

– Isso, Deus é peladeiro, vai dar tudo certo!

Claro que antes de me despedir, trocamos cartões, anotei o endereço da pelada, Praça Manet, em Del Castilho, domingo, às 8h, e no fim de semana seguinte estava lá. Quando cheguei rolava Barcelona x Real Madrid, clássico espanhol em Del Castillo!!!! Sentiram a troca de Castilho por Castillo para “espanholar” ainda mais o clima? Casa cheia para prestigiar o Torneio Liga da Europa! O Henrique chegou marrento com a camisa do Arsenal e, pelo climão festivo, entendi sua tristeza em deixar tudo aquilo para trás. A outra certeza foi quando a bola rolou: sua desenvoltura em campo facilitou o meu entendimento sobre o “Paralisia Infantil”.

Valeu, Henricão!!!!!!!!!