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O rei da cocada

:::: PÉ NA AREIA ::::
por Sergio Pugliese


Cocada reuniu uma legião de amigos, que vão de estrelas profissionais a peladeiros geniais, para os 60 anos de praia.

Cocada reuniu uma legião de amigos, que vão de estrelas profissionais a peladeiros geniais, para os 60 anos de praia.

Olha que já rodei por aí, hein!!!! Olha que já conheci campinho escondido por aí, hein!!! Olha que já ouvi histórias que mais parecem de pescador, hein!!!! Olha que já participei de resenhas hilárias, hein!!! Olha que já conheci gente bacana, divertida e com o espírito boleiro que sempre buscamos, hein!!!! Mas, olha, o Cocada é demais!!! Demais porque consegue reunir uma legião de amigos, que vão das estrelas profissionais Jayme de Almeida, Fred, PC Caju e Junior Capacete aos peladeiros geniais, como Tonico, do Xavier, Wilson Itália e Sheinberg, do Caiçaras, e Luiz Fernando Pessoa, do Clube 17. Também tinha o Sylvinho Blau Blau e quem mais vocês imaginarem, no condomínio Novo Leblon, na Barra da Tijuca. Todos queriam pelo menos alguns segundos para abraçá-lo e falar algumas palavras, curtas que fossem, mas que transmitissem o respeito, a admiração e o carinho que sentiam por ele.

– O Cocada é um ícone, um exemplo para quem ama futebol e preza a amizade – resumiu Blau Blau, na festa de 60 anos do parceirão.

Cocada jogou com os amigos, mas estava aceleradíssimo. Abraçava um por um, mas circulou com mais frequência entre a churrasqueira e a chopeira.

Estava difícil fotografá-lo. De repente, alguém me segura pelo braço e faz um pedido especial.

– Você tem que falar sobre o time principal do Caiçaras, o que jogava das oito às dez, e fez história!!!

Era Wilson Itália, um desses craques diferenciados. Quem sou eu para negar. Pedi a escalação.

– Marcinho, Sheinberg, eu, claro, Luiz Landau, Ricardo Peixoto, Ricardo Hardman Roliço, Joaquim Hardman, Fernando Martinez, Sergio Reis, Hisan Mattos, Sérgio Landau, Demétrio Dimões, Mozó, Miguel, Hugo Celso e os saudosos Paulo Reco e Fábio Roliz – responde, na ponta da língua.

Adoro isso, afinal a saudável rivalidade não morre nunca. Isso porque Zé Brito, outro cracaço-aço-aço, também do Caiçaras, já apareceu várias vezes na coluna destacando o seu time, que jogava em outro horário. Enquanto esperava Cocada abraçar mais um amigo, ouvia ao lado uma deliciosa historinha do dia em que Joaquim, do Naval, foi expulso _ mais uma vez _ na decisão do Campeonato do Aterro, contra o Embalo do Catete, arrancou o apito da mão do árbitro e o pisoteou até esmigalhá-lo. Johnson, o organizador da pelada do Novo Leblon, circulava orgulhoso. Tudo estava dando certo no evento!

– Tudo será pouco para o Cocada – comentou Fred, irmão de PC Caju.

Na tevê, anunciaram o cancelamento de Brasil e Argentina por conta do temporal. Ninguém prestou atenção porque, naquele momento, nada, nada, mas nada, era mais especial do que prestigiar Cocada.        

PS: A festa cocadense continua hoje à noite, no Novo Leblon!!! Às 21h, a Banana Banda, com Ivan Mundim, na batera, vai fazer os peladeiros suarem a camisa!!!! Parabéns, Cocada!!!!!



SERGIO PUGLIESE tem mestrado em chutes de trivela, doutorado em resenhas e é pós-graduado em gols no ângulo. Por quatro anos e meio assinou a coluna A Pelada Como Ela É nas páginas de O Globo, mas, agora, é o ponta arisco do Museu da Pelada.


FOTO E VÍDEO

FOTO E VÍDEO

DANIEL PERPÉTUO, jornalista, embrenhado na câmeras DSLR desde a Copa do Mundo de 2014, vive pescando uma imagem para contar uma história. Eterno camisa 1 das terras de Araribóia.

FUTEBOL SÃO ONZE

por Lucio Branco


No muro, Barba, Cabelo e Bigode, personagens do documentário

No muro, Barba, Cabelo e Bigode, personagens do documentário

“No princípio era o Verbo”.

Meio pretensioso, e até desnecessário, admito, citar o Evangelho de S. João logo na abertura da minha primeira colaboração aqui no Museu da Pelada. Foi só para evitar a expressão “Pontapé inicial”, um clichê que soaria muito óbvio no primeiro parágrafo da estreia de uma coluna intitulada “Futebol Arte”. Em suma, preferi um clichê a outro.

Mas vamos lá…

Como é sabido, as vanguardas do início do século XX não escondiam a sua falta de apreço pelos museus. Os dadaístas, por exemplo, proclamavam a sua destruição imediata. É uma atitude que faz sentido no Velho Mundo. Aqui, ela parece bem menos recomendável. Cultivador da desmemória, o Brasil não fez a mais básica lição sugerida pela História: conhecê-la primeiro. E é justamente o que o Museu da Pelada faz, em tempos de progressiva mercantilização do jogo. O site resgata o seu passado e assume lugar na linha de frente da sua valorização como manifestação sociocultural de primeira grandeza. Realmente, os museus poderiam contribuir em ser, geralmente, bem mais do que depósitos de mofo a expor o já consagrado. Não é o caso deste Museu, o qual, antes de tudo, exercita a memória para compensar a atual aridez de novidades verdadeiramente relevantes no mundo profissional da bola.    

Curiosamente, no “país do futebol” o legado deixado por craques, times, clubes, etc mais antigos tem pouco espaço até mesmo na construção do imaginário popular. Faça o teste: pergunte a qualquer torcedor o que ele sabe sobre o seu time antes de ter começado a acompanhá-lo. Para não fugir ao tema, “Quem vive de passado é museu” é quase sempre a resposta automática. No caso, um ditado bem mais pretérito do que aquilo que ele acusa. E com o mesmo grau de legitimidade, por exemplo, que o ainda surpreendentemente vivo “Futebol é o ópio do povo”. Ou seja: nenhum. (Apesar do empenho em contrário das forças política e economicamente interessadas.)

Quando o Sergio Pugliese me convidou, há alguns dias, para colaborar com o site, não pude dar outra resposta senão “Agora!”. 

O primeiro contato entre nós partiu de mim, há mais de um ano, ao lhe apresentar o meu projeto de documentário em longa-metragem, Barba, Cabelo & Bigode, sobre a trajetória dos craques da bola e da consciência Afonsinho, Paulo Cézar Caju e Nei Conceição. Os personagens/narradores do filme também já haviam marcado presença na sua coluna “A pelada como ela é”, por tanto tempo hospedada n’O Globo. Estava eu, então, em luta pelo financiamento coletivo (crowdfunding), para dar início às filmagens. Com certeza intuindo nossas afinidades no universo em questão (embora ele vascaíno e eu botafoguense), Pugliese foi monumental no incentivo. E, de lá pra cá, a coisa fluiu como deveria – escrevo logo após as últimas horas da segunda campanha formal de crowdfunding relacionada ao filme, agora destinada a sua finalização. A meta foi atingida e Barba, Cabelo & Bigode sai ano que vem. Confiem nisso.

Sem rodeios, o Pugliese fez a proposta: – “Relaciona aí futebol com cultura em geral: cinema, literatura, música etc, você sabe…”. A resposta veio no mesmo tom: – “Deixa comigo”.

Sustento que o association, ele próprio, é uma das inúmeras formas de expressão cultural que passou a trilhar um caminho próprio desde que aportou no Brasil. Acredito que isso é uma fatalidade sob o sol que nos ilumina: tudo se aclimata ao seu brilho. Garanto: determinismo zero na afirmação.

Mas não se trata de uma exclusividade nossa – cada país, região ou localidade no mapa-múndi responde pela espontaneidade e autonomia na importação de qualquer fenômeno cultural. A tão acionada antropofagia oswaldiana/tropicalista até poderia servir como chave de interpretação do que falamos aqui, caso o autor de O rei da vela e os posteriores baianos entendessem mais da modalidade que consagrou artistas bem mais populares que eles. (Uma ressalva: Gilberto Gil, autor do célebre verso “Prezado amigo Afonsinho”, demonstra saber do que fala no seu depoimento para Barba, Cabelo & Bigode.) As artes dialogam com o futebol porque têm com ele um nítido parentesco. Cinema, poesia, música e dança já estão ali desde o primeiro toque na pelota. Considerando a contribuição brasileira na renovação técnica, dinâmica e corporal do esporte, fica ainda mais evidente que é de estética que estamos tratando aqui.

Como este é um texto introdutório da minha colaboração com o site, adianto que escreverei sobre personagens e passagens da História do futebol que me parecem os de maior relevo, apesar de, na imensa maioria das vezes, a versão oficial desta não achar o mesmo. E, claro, sempre conforme a sua dimensão cultural, como o Pugliese pediu.

Para concluir, confesso: originalmente pensei em “Futebol são onze” para o nome da coluna. Depois, concluí que “Futebol Arte”, como me foi sugerido pelo Pugliese, era mais pertinente pela abordagem dela. Façamos justiça: o aforisma “Futebol são onze” é fruto da verve do Nei Conceição. Em meio às inúmeras perguntas do roteiro de Barba, Cabelo & Bigode, ele saiu-se com esse súbito insight. O Nei, um tímido que sabe falar muito com tão pouco, tem familiaridade com a transcendência. Essa sentença, creio, guarda um significado que vai muito além da sua circunscrição originalmente desportiva. Já a testei em mais de uma conversa alheia ao “violento esporte bretão” e não fui interpelado a respeito. Para mim, bastou como prova do seu inegável alcance metafísico.

Recomendo o uso.

A CAMISA DO MEU PAI

por Sergio Pugliese



Sergio e o pai Raphael Pugliese, no portão onde era o gol

Sergio e o pai Raphael Pugliese, no portão onde era o gol

Certa vez jogava linha de passe com alguns amigos de Santa Teresa quando meu pai voltando do trabalho, de roupa social, parou no meio da Ladeira do Meireles, assoviou e, batendo no peito, pediu para cruzarem a Dente de Leite. “Dá na caixa, Gordo!”. 

Devia ter 12 anos e foi a primeira vez que vi meu pai se relacionar com uma bola. Era boêmio e morreu poucos anos depois de cirrose hepática, efeito de uma mistura fatal: uísque, Haloperidol e Amplictil, remédios para amenizar seus sintomas de esquizofrenia. Falava pouco, mas era divertido, encantador. Conversava sobre futebol, mas nunca o vi chegando de uma pelada, controlando uma redonda, se recuperando de contusões ou desfilando com camisas de times, mesmo sendo tricolor de coração. Por isso senti uma ponta de constrangimento quando o Gordo olhou para mim como se pedisse autorização para lançar a bola. O que resultaria dali? Meus amigos já haviam presenciado meu pai mergulhado em delírios, por isso o estranhamento, a dúvida. Autorizei, claro! Havia aprendido com Ciça, minha mãe, que sua única diferença era viver em dois mundos, mas lembro dela me garantindo: “Ele é feliz em ambos!”. 

E era a pura verdade. Meu pai, Raphael, ou Rapha, ou Velho, ou Raphinha ou Faelzinho, volta e meia saía de “nossa órbita” e se transportava para “outro mundo”. Lúcido, em tratamento, geralmente preferia os bares, os amigos, as noitadas. Claro que suas crises nos desgastavam. Tínhamos poucas e desencontradas informações e seu médico particular também morreu esquizofrênico. Eu e Bruno, meu irmão, crescemos assim. Minha mãe, rolo compressor, se desdobrava em três empregos. Mas em algum momento _ nunca entendemos o real motivo _ ela se desentendeu com a família de meu pai e houve um racha. Ainda garotos, nos afastamos de nossos tios e primos, e o tempo foi em frente. 


Sergio e o irmão Bruno na Ladeira do Meireles, em Santa Teresa

Sergio e o irmão Bruno na Ladeira do Meireles, em Santa Teresa

Há um mês estava saindo de uma reunião, no Centro, quando fui checar os emails no celular e achei essa mensagem arrasa quarteirão: “Caro colunista, há algum tempo venho pensando em escrever-lhe, mas alguns motivos me detiveram. O primeiro a habitual falta de tempo e o segundo, e principal, a abordagem. Serei mais claro. Por força da minha formação, e profissão, sou muito direto e o caso merecia um pouco mais de sensibilidade. Como não nos vemos há muitos anos, muitos mesmo, entendo e aceito que não se lembre de mim. Entretanto, soube por um amigo que você não lembra de ter um tio chamado Amaury. Fiquei surpreso, mais que isso, triste. Triste porque apesar desses anos eu não esqueci do seu pai, de você, de cabeleira preta, e do seu irmão Bruno cantando `Tomara que chova 100 dias sem parar´. Mas, tudo certo, eu sou seu primo mais velho e consegui fixar melhor na memória. Dizem que o futebol une pessoas e povos. Espero que seja o nosso caso. Já que você fala e escreve sobre pelada queria lhe perguntar uma coisa. Você sabia que seu pai, quando jovem, era peladeiro e jogava num time chamado Forró Social Clube? Pois jogava, e bem. Por uma dessas obras do destino guardei uma camisa do time, que a essa altura já deve ter 60 anos, e gostaria de dar de presente para vocês dois, num almoço. É uma lembrança muito bacana de nossos pais, que foram grandes amigos até o fim de seus dias. Amaury.” 

Quando terminei de ler não tive outra alternativa. Encostei numa banca de jornal e chorei. Foi uma emoção devastadora. Há 37 anos não tinha qualquer contato com meu primo Amaurizinho. Nessa coluna posso descrever um pouco do estranho e fascinante mundo dos peladeiros. Ela me diverte, emociona, ensina e agora resolveu vasculhar minha vida. Diariamente, recebo e-mails hilariantes, nostálgicos e carinhosos, e no meio deles surge essa bomba atômica. Vocês devem estar se perguntando como alguém pode esquecer de um tio. Claro, que isso foi um engano. Nunca esqueceria de meu tio Amaury ou de qualquer outra pessoa de minha família. Mas tudo foi esclarecido em nosso reencontro. E que reencontro! 

Aconteceu em Santa Teresa! Fui o primeiro a chegar. Depois, Bruno, Amaurizinho e, em seguida, seu irmão Mauro China. Não dava para negar que todos eram da mesma família. O escracho foi geral. Em minutos todos já eram os melhores amigos da garçonete, abraçavam o chef, criticavam o cardápio, achavam os pratos caros e firulentos e riam de tudo. Não teve choro. Foi como se não nos víssemos há semanas. Ninguém questionou o motivo de uma ausência tão longa. Todos só queriam estar ali, gargalhando o tempo perdido. Quando estávamos quase pedindo a conta, não resisti. 

– Mas, cadê a camisa do Forró Social Clube? 
 


Na foto, da esquerda para a direita, Mauro China, Bruno e Amaury

Na foto, da esquerda para a direita, Mauro China, Bruno e Amaury

Ela estava bem embrulhada num papel prateado, dentro de uma bolsa. Eu estava paralisado. China contou que durante todos esses anos a camisa foi protegida por um quadro de vidro. O pacote foi sendo aberto. Ela estava desbotada, mas linda! Parecia a descoberta de um tesouro perdido. Meu pai era peladeiro! Um boêmio como ele só poderia jogar no Forró Social Clube! Quando segurei aquela camisa guardada há 60 anos me senti realizado e ri sozinho lembrando da tensão desnecessária vivida por mim quando ele pediu a bola “na caixa” ao Gordo. Não fazia ideia de suas habilidades e quando o Gordo cruzou a bola acompanhei, sem piscar, todo o seu trajeto até ela pousar, mansa, em seu peito. Então, ele iniciou uma série de embaixadinhas enquanto subia a ladeira. Controlou a bola até se juntar a nós na linha de passe. O constrangimento virou orgulho! Aquilo era real! Foi a primeira vez que joguei com o meu pai! Foi um dia marcante, especial demais em minha vida. Nunca soube em qual mundo ele estava sintonizado naquele momento. Extasiado, foi para casa e quando cheguei já dormia como um anjo. Me deitei a seu lado e por toda a noite sonhei com aquele lance.

(publicada em novembro de 2010 na coluna A Pelada Como Ela É)

A bola da vez

:::: GALERA DO FUTEBOL 7, por Márcio Carrete


Os campeonatos, ultra organizados, atraem a atenção até de estrelas como Petkovic, segurando a taça de mais um título do Mengão.

Os campeonatos, ultra organizados, atraem a atenção até de estrelas como Petkovic, segurando a taça de mais um título do Mengão.

Tenho o prazer de participar deste novo projeto do Sergio Pugliese, um grande peladeiro e jornalista (claro!), que me cedeu este espaço inaugural para contar a minha trajetória no desenvolvimento do Futebol 7. 

Para contextualizar o que representa o Futebol 7 hoje, precisamos voltar ao final da década de 1970, quando se popularizou a prática do que ficou conhecido como futebol society, ainda na minha infância. As grandes proporções de um campo de futebol é a provável vilã deste nascimento. Muitos clubes, escolas, condomínios e praças não tinham como comportar a dimensão oficial, e teriam trabalho demais para manter um gramado. Mas o brasileiro não deixaria de ‘pedalar’ por conta disso.

Os campos, então, se tornaram apenas campos, espaço onde se joga bola, onde qualquer um pode mostrar sua habilidade, ou a falta dela. No decorrer de 20 anos, assim foi, até a tecnologia nos brindar com a, agora popular, grama sintética. E no fim da década de 1990, alguns campeonatos foram ficando mais encorpados, com times com uniformes exclusivos e até premiação em dinheiro. Niterói, minha cidade, viu nascer uma liga organizada, que chegou a ter três séries (Ouro, Prata e Bronze), e bastante engajamento.

Resolvi tomar a iniciativa de criar a Federação de Futebol 7 do Estado do Rio de Janeiro, com a finalidade de consolidar a modalidade mais praticada no país, dar padrão, e trazer as grandes camisas para este cenário. E foi em 2011 que consegui, junto com a equipe da FF7ERJ, fazer o primeiro Campeonato Carioca com os grandes clubes do Rio de Janeiro. Desde então, conseguimos montar arenas na praia de Copacabana, na Apoteose, no Engenhão, um exemplo do reconhecimento do trabalho e da modalidade.

Sem esquecer os clubes menores, muito pelo contrário. Estes vivem o Futebol 7, querem evoluir na modalidade e querem ajuda para achar um caminho dentro das atividades esportivas que o clube fomenta e ensina. E é claro que a garotada do país do futebol não quer saber de outra coisa. É bom lembrar que garotada também inclui as meninas, que hoje representam uma fatia importante do público praticante. 

O Futebol 7 é a possibilidade do peladeiro colocar o coração na ponta da chuteira, se divertir e também jogar sério, relembrar do sonho de criança ou acalorar o sonho da criança, imaginar uma arquibancada lotada gritando seu nome, botar a criatividade em campo, suar a camisa, e levar uma vida mais saudável, por mais que role uma cerveja depois.

Essa é a motivação que me leva a traçar tantos planos para o cenário do esporte, que o Pugliese, mais um amigo que a pelada me deu, tanto ajuda a divulgar e disseminar. Já adianto que, em 2016, teremos novidades como o Rio-São Paulo e o Mundial de Clubes. É o rumo que o nosso esporte está apontando.

Desejo que o Museu da Pelada voe por ares cada vez mais altos, e que a Federação que represento possa colaborar tantas vezes quanto for preciso e possível, assim como eu também, Márcio Carrete.



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MÁRCIO CARRETE é presidente da Federação de Futebol 7 e atualmente é o camisa 10 do DM (Departamento Médico).

A TRILHA SONORA AINDA É NOSSA

texto: José Roberto Padilha | foto: Marcelo Tabach


Nossa dinastia esportiva está pagando um preço alto diante da tecnologia. Como levar meu neto para jogar bola, e dar seguimento a saga iniciada pelo seu avô, se o Playstation conseguiu organizar uma partida de futebol, com todos os requintes e emoção, sem que saíssem do quarto com ar condicionado? Quando eles, Eduardo e Felipe, decidiram qual seriam os seus presentes do Dia das Crianças (tamanha as suas personalidades e sabedoria, definem logo suas prioridades, deixando de ficar à mercê de um par de meias da titia, aquela cueca titular da vovó) já tomei um susto: PES 2016, da Playstation, a ultima geração do futebol padrão FIFA. Minha primeira reação seria vender o carro, mas minha filha acalmou-me dizendo que era apenas uma fita do sonho de consumo deles, já adquirido ano passado em 12 meses sem juros. Na véspera do dia das crianças, fui até lá entregar o presente e assistir a partida inicial com eles. Quem sabe poderia ajudar com alguma intervenção esportiva?

Em dois minutos instalaram o jogo, escolheram campeonatos ao redor do mundo e, entre milhares de equipes, o clássico escolhido foi Argentina x Alemanha. São os dois primeiros do ranking da FIFA e como poderia sugerir um Fla x Flu? Tal era a nitidez da imagem, a semelhança dos jogadores e a perfeição com que subtraíram gestos, características individuais de cada um, que já estava pronto a jogar a toalha. O que poderia contribuir uma velha raposa da bola se a Sony já criara em laboratórios o que levamos uma vida dento e foradas quatro linhas para conhecer?

Meio sem graça, saia de fininho pela porta carregando uma frustração esportiva acumulada, que nem um minuto foi por eles notada, reforçada pela minha total incapacidade de entender os fundamentos daquels manetes que dominavam como se fossem a extensão dos seus dedos, com botões que chutavam, o outro que dominava a bola e aquele maior que concluía em gol. De repente, uma luz no túnel acendeu naquele gramado digital quando foi iniciada a partida. “Está valendo!!”, gritou o narrador da partida. Parei diante da porta do quarto e retornei: seria mesmo a voz de Silvio Luis, um narrador esportivo da minha época? Foi aí que o chute da Argentina do Felipe acertou a trave da Alemanha do Eduardo e a telinha soltou a mais bela das sinfonias da bola: “No pau!!!” E repetiu: No pau!!!

Estava zero a zero e Silvio Luiz traduzia assim o placar: “Ninguém é de ninguém!!” Meus netos notaram então minha presença e, em silêncio, recorreram a ajuda de um Zé Tradutor por que o Google Tradutor não reconhecia esta gíria. De nada valeria. Era Cristiano Ronaldo plastificadoque preparava o chute, mas era “Espeta, meu filho” que ecoava conservando as nossas raízes. Quando acabou o jogo e o time do Edu perdeu, ele, cabisbaixo, perguntou: o que significava “a vaca ter ido pro brejo com badalo e tudo”!  Expliquei que era a tradução de uma derrota de mentirinha para uma narração de uma vitória de um jogo de verdade. Mal pode reclamar com o irmão por um gol em impedimento, porque a narração insistia em dizer que o Messi estava na banheira. Mas, o que seria estar um atacante na banheira?

Neste dia das crianças, colocaram dentro do meu presente todo o avanço digital do mundo, mas preservaram a voz que começou comigo num campo de terra batida. Deram um banho de loja virtual no futebol, mas deixaram-lhe o perfume da várzea. De lá para os estádios de futebol, foi traduzida uma linguagem única, peculiar que nem a Sony, ou o padrão FIFA, ousaram ocultar. Obrigado Silvio Luis, Waldir Amaral, Jorge Cury, Luciano do Valle, Januário de Oliveira, Mario Vianna, Osmar Santos e José Carlos Araújo, entre outros narradores brasileiros, por sua inimitável arte. E “Ripa na Chulipa”, “Pimba na Gorducinha”, que “Voltei!” para casa todo feliz “Nas águas da galera!”.