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Uri Geller, o inferno de Nicanor

por João Carlos Pedroso
Jornalista, fã de carteirinha de Uri Geller e filho de zagueiro do Flamengo


Charge de Marcos Vinícius Cabral

Charge de Marcos Vinícius Cabral

Na segunda metade da década de 70, a Cidade Alta, em Cordovil, era limpa, pacífica, divertida e boa de bola. Era feliz, apesar de boa parte dos seus moradores viver ali uma espécie de exílio, banidos que foram do Leblon e adjacências (Praia do Pinto, Parque Proletário da Gávea etc) para um até então desconhecido subúrbio carioca.

E a Cidade Alta tinha Nicanor. Negro retinto, forte como um touro, bravo (e bota bravo nisso) lateral da Portuguesa da Ilha. Nicanor tinha tudo para ser um ídolo local e todo dia sair de casa a cada manhã sorrindo e com o peito mais estufado ainda do que o normal – ele tinha peito de pombo.

Mas Nicanor não sorria. Ao menos não em público. Ele devia rir até pegar na maçaneta, talvez. Mas ao abrir a porta, dava de cara com seu vizinho e algoz, seu inferno na terra, o escolhido dos deuses: Júlio César Uri Geller, um gênio da bola em flor.

Julinho, como era chamado na Alta, ainda estava longe de ser titular do Flamengo. Mas já jogava nas seleções de base, era adorado pela vizinhança e vivia sorrindo. Em especial na peladas disputadas no finais de semana livres…

Não havia gramado, nem mesmo um terrão. O campo era o ponto final do 334, que ligava (e liga, até hoje) o conjunto habitacional até a Praça Tiradentes. Asfalto cascudo, irregular, que arrancava a pele e tirava o sangue dos aspirantes a craques. E mesmo dos craques. No caso, de Uri Geller.

Nicanor nunca saiu da Portuguesa e nunca foi um primor dentro das quatro linhas. Resolvia praticamente tudo na base da ignorância, quando estava em campo. Mas ali, numa pelada de bairro, ele se destacava, como qualquer “federado”, quando cercado de amadores. Batia na bola diferente de todos, sabia marcar melhor que os outros, tinha mais visão de jogo que qualquer um. Seria fácil o craque da área. Seria, se não existisse um demônio chamado Julinho.

Era sempre um de cada lado. Jamais parceiros, sempre inimigos. Julinho já humilhava no visual: calção oficial da Seleção Olímpica (ele disputou os Jogos de Montreal, em 1976), pisante invocado… Mas eram apenas as preliminares. E sim, a imagem sexual faz todo o sentido, porque o que ele fazia com o Nicanor quando a bola rolava…

É verdade que Uri Geller narrava as próprias jogadas. “Lá vai Julinho pelo meio, dribla um, passa pelo segundo, caneta no terceiro! Mas o que que é isso, minha gente!”. Agora imagina o Nicanor ouvindo isso, vendo seu time armado com tanto carinho sendo desmontado, peça após peça, e só esperando pela sua vez… a angústia, a dor.

Julinho narrava e sorria, sorria e avançava. E ai chegava na frente do Nicanor. Não, ele não passava TODAS as vezes pelo colosso de ébano. Nicanor nunca teve aspirações de Nilton Santos e odiava o oponente com todas as forças. Assim sendo, não tinha o menor pudor de finalizar o futuro Uri Geller sempre que possível. “Tá lá o corpo estendido no chão”. Um chão duro e áspero que nem ralador de coco. Sangue, lógico. E Julinho sorria.

Em volta, casa cheia. E, acreditem, torcida dividida, já que muita gente achava que o pobre Nicanor era mais “raiz”. Tinha uns rádios portáteis daqueles grandões. Samba. Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione, cujo sucesso do ano, “O Surdo”, era principal fonte de inspiração para Nicanor: “Eu bato forte em você/ E aqui dentro do peito uma dor/ Me destrói”… Não existia funk, ainda. Julinho sorria. Nicanor, não. E tinha um adolescente de óculos que via aquilo tudo e jurava que iria fazer igual ao maior jogador que viu de tão perto. Bem que tentei…

O JOGO DO AMOR

por Marcelo Rodrigues


Participei de uma grande festa, sábado, no Tijuca Tênis Clube em benefício da Casa Ronald. A Casa Ronald hospeda e dá aparato à crianças e adolescentes diagnosticados com câncer.

Vários craques abrilhantaram a festa, tais como: Cabreúva, Fininho, Guina, Mauro Bandit, Bartolo, Cazuza, Vander Carioca, Andrey, Baratinha, Aciolly (artilheiro do América, no futebol de campo), Ibson, ex-Mengão, e muitos outros. Maravilhoso participar da organização desse evento junto ao amigo Felippe Alexandre e ainda ter, no final da festa, uma resenha engraçadíssima com essas feras todas. As crianças merecem muito e o evento chegou para ficar. E ano que vem tem muito mais!!! Parabéns a todos os envolvidos!!!! O amor e a generosidade venceram mais uma vez!!!!

O MERCADO DA BOLA DIZ:

– Vander Carioca estará no Corinthians no ano que vem.
– Deives ficará no Timão. 
– Simi assinou com Sorocaba.
– Nenê fica no Corinthians.
– Guitta aceitou a redução de salário.
– Ferretti idem. 
– Valdin e Neto seguem sem clube. 
– Orlândia contrata jovens valores e mantém a base. Contratou também o Gian Volverini.
– Jaraguá define seus rumos semana que vem.

É isso, volto com mais notícias durante a semana.

É Futsal na veia!!!!

VAI ENCARAR?

texto: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Perpétuo


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Em nossas andanças pelos campos e resenhas da vida alguns nomes se repetem como um mantra. São jogadores que atingiram um teto e ganharam o status de lendas, craques lembrados por seus feitos anos e anos depois, ídolos que cravaram sua marca no paredão dos melhores de todos os tempos. Um desses mantras é “Pellicano e Canolongo formaram a zaga mais respeitada da praia”, “Pellicano e Canolongo formaram a zaga mais respeitada da praia”, “Pellicano e Canolongo formaram a zaga mais respeitada da praia”. Quem os enfrentou sabe bem, se não entrou pelo cano com um, certamente entrou pelo cano com o outro, sempre na sobra. Dois canos de precisão, que, em 1965, formaram a muralha do Copaleme e levaram o troféu de campeão carioca.

– Jogávamos na bola! – garantiu Pellicano.


Um brinde à Pelicano e Canolongo! | Foto: Marcelo Tabach

Um brinde à Pelicano e Canolongo! | Foto: Marcelo Tabach

– Minha canela não confirma isso – brincou Filé, adversário de peladas, que brilhou nos campeonatos do Aterro, pelo Ordem e Progresso, do Flamengo.

O Museu da Pelada reuniu velhos amigos, no Leme Tênis Clube, para homenagear os zagueiros camaradas, entre eles o chefe da torcida Caiuby, Luisinho, do Embalo do Catete, e Dr Paulo, ponta do Copaleme. Pedro Pellicano abriu o baú da saudade e exibiu, orgulhoso, faixa de campeão e uma antiga camisa, a tradicional amarela e azul. Fotos, aos montes!!! Uma delas mostrava o timaço Jomar, Vitor, Foguete, Camilo, Pará, Tide, Fernando Canolongo, Fernando Francês, Pellicano, Celinho e Pavão. Dava medo!!! 

– E ainda tinha João Santa Rita, o Tubarão, maior craque da praia!!!! – lembrou Leozinho, ex-presidente do Copaleme e excelente contador de histórias.

Mas ele tem razão. “O Tubarão fazia chover!”, “O Tubarão fazia chover!” é um desses mantras ouvidos exaustivamente em nossas resenhas. E fazia mesmo! Fez tanto sucesso, que foi para Santos e, depois, África. O Copaleme era respeitadíssimo! A zaga, nem se fala! Em 66, Pellicano e Canolongo foram convocados para defenderem o time da Caixa Econômica Federal (RJ) contra a agência de Niterói, na preliminar de Brasil x Tchecoslováquia, no Maracanã, em amistoso preparatório para a Copa de 1966. Do Copaleme ainda foram o goleiro Gerson, que jogou na lateral e Osório, único funcionário da CEF. Ganharam de 1 x 0, gol de Tuca, do Tatuís, adversário das areias. O Brasil venceu de 1 x 0, gol de Pelé, que num jogo, em Santos, vestiu a camisa do Copaleme ao lado do saudoso Vitinho. 

– Tá vendo, não fizeram gol neles nem no Maracanã – brincou Luisinho, do Embalo.

Realmente passar pela dupla não era tarefa das mais fáceis. Mas, humildes, elegeram alguns atacantes que davam canseira: Lauro, canhotinho do Columbia e, depois, Velho Pescador, Gugu, do Lagoa, Jorginho, Ivan e César, ponta esquerda, todos do Lá Vai Bola. Na torcida, sempre alguém de peso, como Chico Anysio, Miéle, Milton Gonçalves e os jornalistas José Trajano e Fernando Calazans, que ia ver seu primo Calazans, no aspirante.

– Abre logo essa champa!!! – pediu Filé.

Pellicano e Canolongo estavam posando com cara de mau para Marcelo Tabach, fotógrafo do Museu da Pelada. Filé pediu licença e entregou as taças aos dois que, sorrindo, brindaram aos bons tempos e a alegria de estarem ali, entre amigos, celebrando a vida.    

DIÁLOGO DE GÊNIOS

por Sergio Pugliese


Em 1968, o mestre Armando Nogueira, trabalhando no Jornal do Brasil, desafiou em uma de suas crônicas sua colega de redação Clarice Lispector a escrever uma crônica sobre futebol. Certamente para surpresa de muitos, a introspectiva e enigmática Clarice não desconhecia o assunto, ao contrário, acompanhava jogos, quando possível. Clarice Lispector sempre compensou seu recato com imensa sensibilidade e a resposta em grandíssimo estilo você lê abaixo.

Armando Nogueira, futebol e eu, coitada

por Clarice Lispector

E o título sairia muito maior, só que não caberia numa única linha. 

Não leio todos os dias Armando Nogueira – embora todos os dias dê pelo menos uma espiada rápida – porque “meu futebol” não dá pra entender tudo. Se bem que Armando escreve tão bonito (não digo apenas “bem”), que às vezes, atrapalhada com a parte técnica de sua crônica, leio só pelo bonito. E deve ser numa das crônicas que me escaparam que saiu uma frase citada pelo Correio da Manhã, entre frases de Robert Kennedy, Fernandel, Arthur Schlesinger, Geraldine Chaplin, Tristão de Athayde e vários outros, e que me leram, por telefone. Armando dizia: “De bom grado eu trocaria a vitória de meu time num grande jogo por uma crônica…” e aí vem o surpreendente: continua dizendo que trocaria tudo isso por uma crônica minha sobre futebol. 

Meu primeiro impulso foi o de uma vingança carinhosa: dizer aqui que trocaria muita coisa que me vale muito por uma crônica de Armando Nogueira sobre digamos a vida. Aliás, meu primeiro impulso, já sem vingança, continua: desafio você, Armando Nogueira, a perder o pudor e escrever sobre a vida e você mesmo, não posso perdoar que você trocasse, o que significaria a mesma coisa. 

Mas, se seu time é Botafogo, não posso perdoar que você trocasse, mesmo por brincadeira, uma vitória dele nem por um meu romance inteiro sobre futebol. 

Deixe eu lhe contar minhas relações com futebol, que justificam o coitada do título. Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo. É o seguinte: não me é fácil tomar partido em futebol – mas como poderia eu me isentar a tal ponto da vida do Brasil? – porque tenho um filho Botafogo e outro Flamengo. E sinto que estou traindo o filho Flamengo. Embora a culpa não seja toda minha, e aí vem uma queixa contra meu filho: ele também era Botafogo, e sem mais nem menos, talvez só para agradar o pai, resolveu um dia passar para o Flamengo. Já então era tarde demais para eu resolver, mesmo com esforço, não ser de nenhum partido: eu tinha me dado toda ao Botafogo, inclusive dado a ele minha ignorância apaixonada por futebol. Digo “ignorância apaixonada” porque sinto que eu poderia vir um dia apaixonadamente a entender de futebol. 

E agora vou contar o pior: fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada. 

O jogo qual era? Sei que era Botafogo, mas não me lembro contra quem. Quem estava comigo não despregava os olhos do campo, como eu, mas entendia tudo. E eu de vez em quando, mesmo sentindo que estava incomodando, não me continha e fazia perguntas. As quais eram respondidas com a maior pressa e resumo para eu não continuar a interromper. 

Não, não imagine que vou dizer que futebol é um verdadeiro balé. Lembrou-me foi uma luta entre vida e morte, como de gladiadores. E eu – provavelmente coitada de novo – tinha a impressão de que a luta só não saía das regras do jogo e se tornava sangrenta porque um juiz vigiava, não deixava, e mandaria para fora de campo quem como eu faria, se jogasse (!). Bem, por mais amor que eu tivesse por futebol, jamais me ocorreria jogar… Ia preferir balé mesmo. Mas futebol parecer-se com balé? O futebol tem uma beleza própria de movimentos que não precisa de comparações. 

Quanto a assistir por televisão, meu filho botafoguense assiste comigo. E quando faço perguntas, provavelmente bem rolas como leiga que sou, ele responde com uma mistura de impaciência piedosa que se transforma depois em paciência quase mal controlada, e alguma ternura pela mãe que, se sabe outras coisas, é obrigada a valer-se do filho para essas lições. Também ele responde bem rápido, para não perder os lances do jogo. E se continuo de vez em quando a perguntar, termina dizendo embora sem cólera: ah, mamãe, você não entende mesmo disso, não adianta. 
O que me humilha. Então, na minha avidez por participar de tudo, logo de futebol que é Brasil, eu não vou entender jamais? E quando penso em tudo no que não participo, Brasil ou não, fico desanimada com minha pequenez. Sou muito ambiciosa e voraz para admitir com tranqüilidade uma não participação do que representa vida. Mas sinto que não desisti. Quando a futebol, um dia entenderei mais. Nem que seja, se eu viver até lá, quando eu for velhinha e já andando devagar. Ou você acha que não vale a pena ser uma velhinha dessas modernas que tantas vezes, por puro preconceito imperdoável nosso, chega à beira do ridículo por se interessar pelo que já devia ser um passado? É que, e não só em futebol, porém em muitas coisas mais, eu não queria só ter um passado: queria sempre estar tendo um presente, e alguma partezinha de futuro. 

E agora repito meu desafio amigável: escreva sobre a vida, o que significaria você na vida. (Se não fosse cronista de futebol, você de qualquer modo seria escritor). Não importa que, nessa coluna que peço, você inicie pela porta do futebol: facilitaria você quebrar o puder de falar diretamente. E mais, para facilitar: deixo você escrever uma crônica inteira sobre o que futebol significa para você, pessoalmente, e não só como esporte, o que terminaria revelando o que você sente em relação à vida. O tema é geral demais, para quem está habituado a uma especialização? Mas é que me parece que você não conhece suas próprias possibilidades: seu modo de escrever me garante que você poderia escrever sobre inúmeras coisas. Avise-me quando você resolver responder a meu desafio, pois, como lhe disse, não é todos os dias que leio você, apesar de ter um verdadeiro gosto em ser sua colega no mesmo jornal. Estou esperando. 

Crônica de 30 março 1968. In: A descoberta do mundo, p. 89-91.

(texto publicado em novembro de 2010, no O Globo, coluna A Pelada Como Ela É)