A CAMISA DO MEU PAI
por Sergio Pugliese
Sergio e o pai Raphael Pugliese, no portão onde era o gol
Certa vez jogava linha de passe com alguns amigos de Santa Teresa quando meu pai voltando do trabalho, de roupa social, parou no meio da Ladeira do Meireles, assoviou e, batendo no peito, pediu para cruzarem a Dente de Leite. “Dá na caixa, Gordo!”.
Devia ter 12 anos e foi a primeira vez que vi meu pai se relacionar com uma bola. Era boêmio e morreu poucos anos depois de cirrose hepática, efeito de uma mistura fatal: uísque, Haloperidol e Amplictil, remédios para amenizar seus sintomas de esquizofrenia. Falava pouco, mas era divertido, encantador. Conversava sobre futebol, mas nunca o vi chegando de uma pelada, controlando uma redonda, se recuperando de contusões ou desfilando com camisas de times, mesmo sendo tricolor de coração. Por isso senti uma ponta de constrangimento quando o Gordo olhou para mim como se pedisse autorização para lançar a bola. O que resultaria dali? Meus amigos já haviam presenciado meu pai mergulhado em delírios, por isso o estranhamento, a dúvida. Autorizei, claro! Havia aprendido com Ciça, minha mãe, que sua única diferença era viver em dois mundos, mas lembro dela me garantindo: “Ele é feliz em ambos!”.
E era a pura verdade. Meu pai, Raphael, ou Rapha, ou Velho, ou Raphinha ou Faelzinho, volta e meia saía de “nossa órbita” e se transportava para “outro mundo”. Lúcido, em tratamento, geralmente preferia os bares, os amigos, as noitadas. Claro que suas crises nos desgastavam. Tínhamos poucas e desencontradas informações e seu médico particular também morreu esquizofrênico. Eu e Bruno, meu irmão, crescemos assim. Minha mãe, rolo compressor, se desdobrava em três empregos. Mas em algum momento _ nunca entendemos o real motivo _ ela se desentendeu com a família de meu pai e houve um racha. Ainda garotos, nos afastamos de nossos tios e primos, e o tempo foi em frente.
Sergio e o irmão Bruno na Ladeira do Meireles, em Santa Teresa
Há um mês estava saindo de uma reunião, no Centro, quando fui checar os emails no celular e achei essa mensagem arrasa quarteirão: “Caro colunista, há algum tempo venho pensando em escrever-lhe, mas alguns motivos me detiveram. O primeiro a habitual falta de tempo e o segundo, e principal, a abordagem. Serei mais claro. Por força da minha formação, e profissão, sou muito direto e o caso merecia um pouco mais de sensibilidade. Como não nos vemos há muitos anos, muitos mesmo, entendo e aceito que não se lembre de mim. Entretanto, soube por um amigo que você não lembra de ter um tio chamado Amaury. Fiquei surpreso, mais que isso, triste. Triste porque apesar desses anos eu não esqueci do seu pai, de você, de cabeleira preta, e do seu irmão Bruno cantando `Tomara que chova 100 dias sem parar´. Mas, tudo certo, eu sou seu primo mais velho e consegui fixar melhor na memória. Dizem que o futebol une pessoas e povos. Espero que seja o nosso caso. Já que você fala e escreve sobre pelada queria lhe perguntar uma coisa. Você sabia que seu pai, quando jovem, era peladeiro e jogava num time chamado Forró Social Clube? Pois jogava, e bem. Por uma dessas obras do destino guardei uma camisa do time, que a essa altura já deve ter 60 anos, e gostaria de dar de presente para vocês dois, num almoço. É uma lembrança muito bacana de nossos pais, que foram grandes amigos até o fim de seus dias. Amaury.”
Quando terminei de ler não tive outra alternativa. Encostei numa banca de jornal e chorei. Foi uma emoção devastadora. Há 37 anos não tinha qualquer contato com meu primo Amaurizinho. Nessa coluna posso descrever um pouco do estranho e fascinante mundo dos peladeiros. Ela me diverte, emociona, ensina e agora resolveu vasculhar minha vida. Diariamente, recebo e-mails hilariantes, nostálgicos e carinhosos, e no meio deles surge essa bomba atômica. Vocês devem estar se perguntando como alguém pode esquecer de um tio. Claro, que isso foi um engano. Nunca esqueceria de meu tio Amaury ou de qualquer outra pessoa de minha família. Mas tudo foi esclarecido em nosso reencontro. E que reencontro!
Aconteceu em Santa Teresa! Fui o primeiro a chegar. Depois, Bruno, Amaurizinho e, em seguida, seu irmão Mauro China. Não dava para negar que todos eram da mesma família. O escracho foi geral. Em minutos todos já eram os melhores amigos da garçonete, abraçavam o chef, criticavam o cardápio, achavam os pratos caros e firulentos e riam de tudo. Não teve choro. Foi como se não nos víssemos há semanas. Ninguém questionou o motivo de uma ausência tão longa. Todos só queriam estar ali, gargalhando o tempo perdido. Quando estávamos quase pedindo a conta, não resisti.
– Mas, cadê a camisa do Forró Social Clube?
Na foto, da esquerda para a direita, Mauro China, Bruno e Amaury
Ela estava bem embrulhada num papel prateado, dentro de uma bolsa. Eu estava paralisado. China contou que durante todos esses anos a camisa foi protegida por um quadro de vidro. O pacote foi sendo aberto. Ela estava desbotada, mas linda! Parecia a descoberta de um tesouro perdido. Meu pai era peladeiro! Um boêmio como ele só poderia jogar no Forró Social Clube! Quando segurei aquela camisa guardada há 60 anos me senti realizado e ri sozinho lembrando da tensão desnecessária vivida por mim quando ele pediu a bola “na caixa” ao Gordo. Não fazia ideia de suas habilidades e quando o Gordo cruzou a bola acompanhei, sem piscar, todo o seu trajeto até ela pousar, mansa, em seu peito. Então, ele iniciou uma série de embaixadinhas enquanto subia a ladeira. Controlou a bola até se juntar a nós na linha de passe. O constrangimento virou orgulho! Aquilo era real! Foi a primeira vez que joguei com o meu pai! Foi um dia marcante, especial demais em minha vida. Nunca soube em qual mundo ele estava sintonizado naquele momento. Extasiado, foi para casa e quando cheguei já dormia como um anjo. Me deitei a seu lado e por toda a noite sonhei com aquele lance.
(publicada em novembro de 2010 na coluna A Pelada Como Ela É)
A bola da vez
:::: GALERA DO FUTEBOL 7, por Márcio Carrete
Os campeonatos, ultra organizados, atraem a atenção até de estrelas como Petkovic, segurando a taça de mais um título do Mengão.
Tenho o prazer de participar deste novo projeto do Sergio Pugliese, um grande peladeiro e jornalista (claro!), que me cedeu este espaço inaugural para contar a minha trajetória no desenvolvimento do Futebol 7.
Para contextualizar o que representa o Futebol 7 hoje, precisamos voltar ao final da década de 1970, quando se popularizou a prática do que ficou conhecido como futebol society, ainda na minha infância. As grandes proporções de um campo de futebol é a provável vilã deste nascimento. Muitos clubes, escolas, condomínios e praças não tinham como comportar a dimensão oficial, e teriam trabalho demais para manter um gramado. Mas o brasileiro não deixaria de ‘pedalar’ por conta disso.
Os campos, então, se tornaram apenas campos, espaço onde se joga bola, onde qualquer um pode mostrar sua habilidade, ou a falta dela. No decorrer de 20 anos, assim foi, até a tecnologia nos brindar com a, agora popular, grama sintética. E no fim da década de 1990, alguns campeonatos foram ficando mais encorpados, com times com uniformes exclusivos e até premiação em dinheiro. Niterói, minha cidade, viu nascer uma liga organizada, que chegou a ter três séries (Ouro, Prata e Bronze), e bastante engajamento.
Resolvi tomar a iniciativa de criar a Federação de Futebol 7 do Estado do Rio de Janeiro, com a finalidade de consolidar a modalidade mais praticada no país, dar padrão, e trazer as grandes camisas para este cenário. E foi em 2011 que consegui, junto com a equipe da FF7ERJ, fazer o primeiro Campeonato Carioca com os grandes clubes do Rio de Janeiro. Desde então, conseguimos montar arenas na praia de Copacabana, na Apoteose, no Engenhão, um exemplo do reconhecimento do trabalho e da modalidade.
Sem esquecer os clubes menores, muito pelo contrário. Estes vivem o Futebol 7, querem evoluir na modalidade e querem ajuda para achar um caminho dentro das atividades esportivas que o clube fomenta e ensina. E é claro que a garotada do país do futebol não quer saber de outra coisa. É bom lembrar que garotada também inclui as meninas, que hoje representam uma fatia importante do público praticante.
O Futebol 7 é a possibilidade do peladeiro colocar o coração na ponta da chuteira, se divertir e também jogar sério, relembrar do sonho de criança ou acalorar o sonho da criança, imaginar uma arquibancada lotada gritando seu nome, botar a criatividade em campo, suar a camisa, e levar uma vida mais saudável, por mais que role uma cerveja depois.
Essa é a motivação que me leva a traçar tantos planos para o cenário do esporte, que o Pugliese, mais um amigo que a pelada me deu, tanto ajuda a divulgar e disseminar. Já adianto que, em 2016, teremos novidades como o Rio-São Paulo e o Mundial de Clubes. É o rumo que o nosso esporte está apontando.
Desejo que o Museu da Pelada voe por ares cada vez mais altos, e que a Federação que represento possa colaborar tantas vezes quanto for preciso e possível, assim como eu também, Márcio Carrete.
MÁRCIO CARRETE é presidente da Federação de Futebol 7 e atualmente é o camisa 10 do DM (Departamento Médico).
A TRILHA SONORA AINDA É NOSSA
texto: José Roberto Padilha | foto: Marcelo Tabach
Nossa dinastia esportiva está pagando um preço alto diante da tecnologia. Como levar meu neto para jogar bola, e dar seguimento a saga iniciada pelo seu avô, se o Playstation conseguiu organizar uma partida de futebol, com todos os requintes e emoção, sem que saíssem do quarto com ar condicionado? Quando eles, Eduardo e Felipe, decidiram qual seriam os seus presentes do Dia das Crianças (tamanha as suas personalidades e sabedoria, definem logo suas prioridades, deixando de ficar à mercê de um par de meias da titia, aquela cueca titular da vovó) já tomei um susto: PES 2016, da Playstation, a ultima geração do futebol padrão FIFA. Minha primeira reação seria vender o carro, mas minha filha acalmou-me dizendo que era apenas uma fita do sonho de consumo deles, já adquirido ano passado em 12 meses sem juros. Na véspera do dia das crianças, fui até lá entregar o presente e assistir a partida inicial com eles. Quem sabe poderia ajudar com alguma intervenção esportiva?
Em dois minutos instalaram o jogo, escolheram campeonatos ao redor do mundo e, entre milhares de equipes, o clássico escolhido foi Argentina x Alemanha. São os dois primeiros do ranking da FIFA e como poderia sugerir um Fla x Flu? Tal era a nitidez da imagem, a semelhança dos jogadores e a perfeição com que subtraíram gestos, características individuais de cada um, que já estava pronto a jogar a toalha. O que poderia contribuir uma velha raposa da bola se a Sony já criara em laboratórios o que levamos uma vida dento e foradas quatro linhas para conhecer?
Meio sem graça, saia de fininho pela porta carregando uma frustração esportiva acumulada, que nem um minuto foi por eles notada, reforçada pela minha total incapacidade de entender os fundamentos daquels manetes que dominavam como se fossem a extensão dos seus dedos, com botões que chutavam, o outro que dominava a bola e aquele maior que concluía em gol. De repente, uma luz no túnel acendeu naquele gramado digital quando foi iniciada a partida. “Está valendo!!”, gritou o narrador da partida. Parei diante da porta do quarto e retornei: seria mesmo a voz de Silvio Luis, um narrador esportivo da minha época? Foi aí que o chute da Argentina do Felipe acertou a trave da Alemanha do Eduardo e a telinha soltou a mais bela das sinfonias da bola: “No pau!!!” E repetiu: No pau!!!
Estava zero a zero e Silvio Luiz traduzia assim o placar: “Ninguém é de ninguém!!” Meus netos notaram então minha presença e, em silêncio, recorreram a ajuda de um Zé Tradutor por que o Google Tradutor não reconhecia esta gíria. De nada valeria. Era Cristiano Ronaldo plastificadoque preparava o chute, mas era “Espeta, meu filho” que ecoava conservando as nossas raízes. Quando acabou o jogo e o time do Edu perdeu, ele, cabisbaixo, perguntou: o que significava “a vaca ter ido pro brejo com badalo e tudo”! Expliquei que era a tradução de uma derrota de mentirinha para uma narração de uma vitória de um jogo de verdade. Mal pode reclamar com o irmão por um gol em impedimento, porque a narração insistia em dizer que o Messi estava na banheira. Mas, o que seria estar um atacante na banheira?
Neste dia das crianças, colocaram dentro do meu presente todo o avanço digital do mundo, mas preservaram a voz que começou comigo num campo de terra batida. Deram um banho de loja virtual no futebol, mas deixaram-lhe o perfume da várzea. De lá para os estádios de futebol, foi traduzida uma linguagem única, peculiar que nem a Sony, ou o padrão FIFA, ousaram ocultar. Obrigado Silvio Luis, Waldir Amaral, Jorge Cury, Luciano do Valle, Januário de Oliveira, Mario Vianna, Osmar Santos e José Carlos Araújo, entre outros narradores brasileiros, por sua inimitável arte. E “Ripa na Chulipa”, “Pimba na Gorducinha”, que “Voltei!” para casa todo feliz “Nas águas da galera!”.
A BOLA PESADA E SEUS GÊNIOS
por Marcelo Rodrigues
Jogando na escolinha de Newton Zarani
É com muita honra que aceitei fazer parte dessa família do site Museu da Pelada.
Escreverei aqui basicamente sobre as minhas paixões: futsal, futebol e música. Muito mais sobre futsal, seus personagens, jogos, competições, gols, polêmicas etc.
Tenho como pauta, em meu trabalho, o respeito ao ser humano acima de tudo, e foi seguindo essa linha que passei a amar essas três culturas acima citadas.
E tudo começou quando fui levado por meu pai (Pedrinho Rodrigues, cantor top da época – daí minha paixão pela música) à escolinha do Clube Municipal, aos 5 anos de idade. De cara vi que era aquilo o que desejava para mim.
Tive a sorte de ter como professores os craques Newton Zarani, Aécio e Tamba (os três primeiros gênios da história da minha vida).
Ouvia histórias dos três sobre um outro gênio chamado Serginho, que diziam ser o Pelé da bola pesada. E fiquei deslumbrado ao vê-lo, já veterano, jogando. Um monstro.
O tempo passou um pouquinho e vi o Clube Municipal sendo campeão carioca no adulto, em 1978: 1×0 gol do Hugo contra o Cassino Bangu, no Maracanãzinho. E meu amor pelo jogo só aumentava.
No ano seguinte, a decisão foi entre Monte Sinai e Vasco, e o jogo foi no Municipal. Pelo Vasco tinha um baixinho que pegava a bola e ia para um lado, ia para o outro, voltava, driblava, e ninguém o achava. Mauro Bandit!!! Logo depois foi pra Espanha. Por oito vezes foi o melhor de lá e tive a sorte de, já adulto, e ele voltando da Espanha, ser campeão pela Casa de Spaña, a seu lado. E ainda fui o artilheiro da competição!!!
Saí um pouco da cronologia para falar do meu irmão Mauro, gênio, SuperMauro. Mas voltemos ao ano de 1979…
O Monte Sinai foi o campeão e, por ser perto da minha casa, resolvi tentar a sorte no infantil de lá. Paulinho Shaolin era o treinador do infantil, e ainda era um dos craques daquela constelação no adulto. Fiquei até o infanto. Passei pelo Social e pelo Montanha Clube, no juvenil, Petrópolis /Magnólia no adulto primeiro ano, Casa d Spaña e América, como jogador.
Vi Sorage, Jackson e Douglas, vi Vevé, vi Fininho, Manoel, Lenísio, vi Cacá, Leonel, Gera, Belfort, e vi, vejo e verei Falcão.
Fui vendo tanta gente de qualidade e passei a imaginar a minha vida além das quadras. Desde bem novo idealizava ser o que sou hoje. Passei então a estudar e me formei em Psicologia e Educação Física. Me tornei preparador físico e técnico de futsal e futebol, fui para Alemanha estudar futebol a fundo, fiz pós graduação em futebol, também na UFRJ, estudei na pós de treinamento desportivo, na Gama Filho, e ainda encontrava tempo pra treinar. Mas penso ter feito a escolha correta.
Com tantos gênios e com o início do profissionalismo, passei a trabalhar no e para o jogo e preferi vislumbrar o futuro. O futsal era magia, mas nenhum reconhecimento profissional.
Em 88, fui contratado pelo Flu, em 91, preparador físico da seleção carioca adulta, em 93 estive no Grajaú Country e voltei ao Flu, em 95.
Ainda joguei em 1994 no América, por amor. Em 1995, fui para o Japão trabalhar no futebol de campo, como treinador da base e acabei na TDK, equipe profissional, e joguei futebol de campo. Acabei artilheiro também. Mas foi só uma temporada. Fomos campeões. Lá, recebi a proposta para ter um programa na tevê, como apresentador, e também para escrever no jornal local. Atingi todas as áreas da população, e engrandeci meus conhecimentos, estudei jornalismo técnico dentro dos veículos e também me apaixonei. Meu trabalho desenvolvido na região, graças a Deus, até hoje é exaltado e seguido. Falo bem o idioma, assim como inglês, espanhol e um pouco de alemão. Tudo com perseverança, estudo e preparo.
Consegui trabalhar e formar jogadores, treinar a parte técnica do futsal ao extremo, no futebol, assim como adaptei conceitos de ordem tática também tanto na parte ofensiva quanto na defensiva, mostrei o “brincar”, o “divertir-se”, o jogar para o entretenimento sem perder a responsabilidade. Tudo isso, fundamentalmente, pelo que vi desses gênios.
Formei atletas, mudei conceitos. E ainda estudei jornalismo de verdade. E o melhor: além de formar, vencemos tudo.
Voltei ao Brasil no fim de 98. Portanto 95, 96, 97 e 98 lá no Japão e com muitos dos atletas indo para os principais times do país. Fora a TDK que foi campeã.
Fui contratado então pelo Sportv, uma semana após o meu retorno. De lá pra cá estou nessa jornada.
Sou professor do município concursado, com núcleo de futsal, escrevo projetos, tenho programa, dou aulas, canto e ainda comento futsal.
Aí volta a minha história com outros gênios de outras gerações do futsal…
Eu que vinha trabalhando no futebol, fui convidado a comentar futsal. E até hoje o faço.
Comento todos os esportes da bola, mas nesse, algo magnetizante me envolve.
Só uma coisa me deixa muito chateado: é o implacável tempo não permitir que esses caras geniais, que fizeram a minha história, criaram a minha educação, visão, muitos ajudaram no meu caráter, na minha visão artística, não poderem me dar essa alegria de vê-los juntos, todos, no auge de suas brilhantes carreiras, dentro de quadra.
Eu já sonhei isso. No sonho eu treinava esse time. Todos com salários altíssimos, rindo o tempo todo das jogadas de seus companheiros, os companheiros rindo das suas canetas, lambretas, fintas, patadas pro gol, e cada quarteto entrava e saía com todos reclamando por que queriam aquela diversão. Argentinos, uruguaios e paraguaios tontos, caindo a cada lance. Espanhóis de pé, com seus lenços brancos exaltando nossos gladiadores, árabes enlouquecidos jorrando petrodólares nos cofres dos monstros etc.
Eu, nesse sonho, nunca dormia, porque não queria perder nenhum detalhe de cada um daqueles deuses da bola pesada.
Por isso, nesse primeiro artigo, gostaria de homenagear os caras que fizeram e fazem a minha alegria de ter, lá atrás, estudado bastante, ter me preparado, para a magia de poder representá-los até hoje na tevê.
Não joguei um centésimo do que cada um desses gênios jogou, mas tenho a honra de poder contar um pouco da história da vida desses caras há 18 anos.
Nisso, sou eu o privilegiado.
Parabéns demais a todos e o meu muito obrigado.
Saibam da minha admiração e agradecimento eterno.
Balança a Roseira!
texto: Sergio Pugliese | foto: Guilherme Careca Meireles
O rei das resenhas Léo do Peixe e Sandrinho com a famosa cordinha no Caldeirão do Albertão.
Léo do Peixe é daquelas figuras obrigatórias em qualquer resenha. Camisa 10 do Caldeirão do Albertão, outro dia contou uma história digna de roteiro de cinema. Envolvia o churrasqueiro Sandrinho e Pai Juca, uma das tantas figuras que brotam naquela pelada, sempre às 10h, de domingo, no Grajaú. Igreja Universal em alta e os padres católicos cantores atraindo multidões, ele vivia uma crise de clientes. Na pindaíba, resolveu apelar para a publicidade e publicou um anúncio no jornal prometendo “reativar pessoas falecidas”. O cenário seria o próprio campo, vizinho da Floresta da Tijuca. Mas seria preciso um parceiro para ativar o plano celestial. E aí entrou em cena Sandrinho, pinguço dos bons.
– Pior que o anúncio deu resultado – contou Léo, durante divertida resenha no Albertão.
Os interessados em “conversar” com entes queridos do andar de cima começaram a aparecer. O primeiro foi o advogado Aderbal, curioso em saber se o primo Lucas estava realizado no paraíso. A consulta custava R$ 60 e era simples. Uma conversa rápida no bar para um passe-descarrego e o ápice, a esperada viagem ao além, no campo, cercado de mata. A essa altura, o coadjuvante Sandrinho já estava escondido entre os arbustos com uma cordinha amarrada a alguns galhos. Quando ouvisse Pai Juca cantar “balança a roseira!” ele deveria puxar a cordinha freneticamente, sinal claríssimo de que o falecido dera sinal de vida.
– Eles ganharam um bom dinheiro, chegou a formar fila – garantiu Léo.
– Mas o Betão permitia isso? – quis saber o bisbilhoteiro Guilherme Careca Meireles.
Verdade, Beto Ahmed, dono do campo, desconhecia o fato. As sessões eram em dias de semana, à tarde, enquanto ele trabalhava. E Sandrinho, além de churrasqueiro também é o caseiro, o que facilitou a operação.
– Mas um dia quase deu problema – recordou Léo do Peixe.
Foi quando o militar Hamílcar marcou uma consulta para saber notícias do amigo Tom, morto num assalto. Acostumado a treinar em selva fechada e enxergar inimigos com roupas camufladas em esconderijos improváveis, o sargento suspendeu a sessão quando as plantas começaram a se mexer. Quase pulou o alambrado para ir atrás de um vulto, que jurou ter visto, mas foi contido pela reza e a lábia de Pai Juca. Ele argumentou serem comuns esses delírios e deu cortesia ao desconfiado milico. Nesse dia, Pai Juca quase demitiu Sandrinho do cargo de balançador de roseiras.
– E por onde anda o Pai Juca? – perguntou Betinho Cantor, que também costuma ter alucinações, após suas visitas ao estacionamento do Albertão.
A última “aparição” de Pai Juca foi há dois meses. Chegou atrasado ao campo e mandou Sandrinho correr para a mata porque o casal Sheila e Afrânio estava chegando. Na pressa, não percebeu o estado etílico do parceiro. Enquanto Pai Juca limpava a mesa do bar, Sandrinho, trôpego, foi guiado pelos deuses até sua área de atuação. Antes de desmaiar, enroscado na cordinha, ainda ouviu vozes ao fundo. Só não captou Pai Juca cantar “balança a roseira!”. Na terceira tentativa, Pai Juca afugentou o casal ao esgoelar-se “balança a porra dessa roseira, caceta!!!!”. Claro, a sociedade foi desfeita, Betão perdoou Sandrinho e Pai Juca está cantando em outro terreiro.