REIS DA ESPANHA
texto: Sergio Pugliese | foto e vídeo: Simone Marinho
edição de vídeo: Izabel Barreto
Os craques Octávio Bocão, Mauro Bandit e Felippe Orelha
Se a Espanha hoje é uma potência no futebol podemos apontar alguns “culpados”. Na verdade, muitos!!!! No campo, Evaristo de Macedo foi um dos pioneiros e conseguiu a façanha de ser ídolo dos rivais Barcelona e Real Madrid (veja a matéria de Evaristo de Macedo aqui). No futsal, então, a lista é interminável!!!!! O Museu da Pelada agendou um papo com três dessas lendas do futebol de quadra, na Associação Atlética Light, no Engenho Novo: Mauro Bandit, Bocão e Marabu. A bolsa de apostas apontava um “furo” de Marabu, “uma saída pela esquerda”, “um sambarilove”, uma ausência certa!
“Marcou com o Marabu? E ele garantiu que vinha?”
– Marcou com o Marabu? E ele garantiu que vinha? – perguntou Bocão, às gargalhadas.
Mauro Bandit dobrou a aposta e cravou:
– Ele não vem!!!!
Não é só porque eu já tentara esse encontro algumas outras vezes que iria desistir. Marabu é considerado celebridade no futsal da Espanha, um dos mais técnicos que passaram por lá. Nunca o vi jogar, mas não há um salonista que não o cite como referência.
– Marabu, cadê você? – perguntou Bocão, no celular.
“Marabu, cadê você? No Recreio? Na piscina! Ah, esqueceu? Meu Deus, depois combinamos, esquece.”
Após algumas risadas, afinal Marabu é uma figuraça, a resposta.
– No Recreio? Na piscina! Ah, esqueceu? Meu Deus, depois combinamos, esquece.
Esse é o Marabu! Mas não desistiremos!!!! Preocupado, Bocão quis saber se a matéria só renderia com três personagens, então olhou para a rapaziada jogando nos campos da Light e apontou para o aniversariante Felippe Orelha, de 44 anos.
– Também deixou sua marca na Espanha, serve?
A facilidade em achar craques do futsal que jogaram na Espanha só reforça a admiração daquele país por nosso estilo. Gostaram do “nosso”? Ao ser informado sobre a matéria, Felippe Orelha calçou as sandálias da humildade:
– Peraí, estão loucos, o Marabu é incomparável!!!!
Tudo certo, fomos para a quadra da Light. Não tinha bola, mas rapidamente o presidente Wagner Coe providenciou.
“Esses três merecem tratamento vip.”
– Esses três merecem tratamento vip – explicou.
O trio fazia questão de lembrar de Schumacher, Celsinho, Paulo Roberto e tantos outros que serviram de inspiração para a Espanha transformar-se numa potência. Octávio Bocão, 48 anos, na quinta temporada como comentarista da Liga Espanhola, no Esporte Interativo, estrela do Macer, jogou sete anos na Espanha, foi bicampeão da Copa do Rei e está com Mauro Bandit, e Schumacher na lista dos 10 melhores brasileiros de todos os tempos que atuaram na Espanha. No Brasil, Bocão foi três vezes artilheiro do campeonato paulista e acumula mais de 30 títulos. Bandit também arrasou por lá e até virou marca de chuteira. Nos nove anos atuou pelo Toledo’Port, uma filial do Atlético de Madrid, Interview e Blanes. Foi pentacampeão e é tratado como lenda.
– Fiz muitos amigos por lá e sou Atlético Madrid de coração – reforça Mauro Bandit, de 59 anos.
Felippe Orelha, embaixador do Ronald McDonald, ficou menos tempo e jogou pelo Galdar, de Las Palmas, mas os amigos levantaram tanto a sua bola que para o Museu ele também merece o tratamento de “rei”. De repente, o telefone toca. Era Marabu querendo saber se ainda dava tempo de ir. Todos riram e partiram para a cerveja. Marabu não apareceu.
SÓ O RELAXANTE MUSCULAR SALVA!!!!
Por Wesley Machado
Mesmo no feriadão teve pelada. Os Antigos Craques não abrem mão de bater uma bolinha. Grupo no WathsApp bombando!!! Provocações durante a semana. Um dizendo que ia dar caneta. Outro dizendo que ia dar lençol. E a pelada, considerada top pelo estreante Elias, teve tudo isso, caneta, lençol. E ainda drible da vaca, gol a la Romário e golaço de cabeça! Time encaixado e invencível, vencido apenas pelo cansaço. Água foi artigo de luxo. Com jogadores acima dos 30 anos e alguns que já passaram dos 40, o que salva depois da resenha é o santo relaxante muscular.
Colete Verde – Wandinho, Elias, Thiagão e Wesley; Rodrigo e Juninho. Colete Amarelo – Ralph, Wagner e Jean; Marquinhos, Gegê e Robinho.
A dor que para o profissional é departamento médico na certa, para o recreativo não significa muita coisa. O que vem com a idade, além do despreparo físico, é a constatação da assertiva do título do livro de Roberto Da Matta: “A bola corre mais do que os homens”. Daí a importância de pensar o jogo, controlar a querida bola e mantê-la mais nos pés. Enfim, gostar dela, como afirmou certa vez um goleiro, que disse que os jogadores desta posição são os que mais amam a pelota, afinal são os únicos que a abraçam, enquanto os outros só querem chutá-la.
Quando se está ganhando até jogar para trás vale. Vale catimba. Só não vale apelação. Quer coisa pior que apelação? Como pelada não tem juiz, vale o bom senso. Pediu a falta, tem que parar. Nem sempre dá para ser super sincero. Quem ganha passa a semana zoando. Ainda mais quando o time para o qual torce elimina o outro no campeonato. Imaginem se os flamenguistas estão sendo zoados…..
DE VOLTA
Por Cláudio Lovato Filho, de Santa Catarina
Ele estava fora havia sete anos, por força de uma transferência para o exterior determinada pela empresa de bebidas na qual ingressara como trainee. E exterior longínquo: primeiro o Vietnã, depois a Tailândia. Nas vindas ao Brasil, de férias, as viagens com a família e as visitas aos parentes sempre lhe tomavam todo o tempo. Era a primeira vez, em sete anos, que ele voltava ao campo das peladas de outrora para rever os camaradas de bola, seus companheiros de momentos pra lá de prazerosos e, com impressionante frequência, antologicamente hilários.
Ele chegou acompanhado de Gilson Anarquista, seu antigo vizinho de prédio e responsável por sua inserção no grupo. Chegou devagarinho, mãos no bolso da bermuda. Gilson, que caminhava, rindo, às costas dele, não havia avisado o pessoal. Era uma visita surpresa.
Dalvo Marreta foi o primeiro a avistá-lo. Soltou um “não acredito!” e, no mesmo instante, Beto Cegonha já estava trotando em direção ao recém-chegado para saudá-lo com sua proverbial efusividade.
Autor do texto, Cláudio Lovato mexe na máquina Olivetti Studio 46, presente do pai
Estavam todos lá: Toni Paraquedista, Jorge Marechal, Márcio Mandrake, Juarez Viking, Fernandão Ruim de Curva, Albertinho Cara de Bebê, Cleber Verminoso e todos os outros. Eles o receberam como se ele tivesse regressado de uma guerra longa e quase perdida. Relembraram, riram, riram mais, e até jogaram bola. Ele usou as chuteiras emprestadas por Tonho Ostra, que calçava seu número e que disse que não iria jogar porque a hérnia de disco estava “perigando começar a querer incomodar, uns ‘ameaço’”. Quando alguém disse, “Pô, e logo hoje não vai ter nenhuma carninha pra gente botar no fogo!”, Gilson saiu-se com esta: “E vocês acham que o Anarquista aqui ia deixar faltar carne numa noite assim?” Depois foi até o carro e voltou com o isopor a tiracolo.
Lá pelas tantas, depois de ter batido a bolinha (não conseguiu dar sequência às jogadas, errou gol feito, cansou, riu, foi motivo de riso) e antes do churrasquinho, ele pensou: “Como eu gosto disso aqui!”, e sentiu a saudade daquele velho e pequeno prazer – a pelada com os amigos – bater sem dó nem piedade no peito.
Foram embora quando já era quase meia-noite, depois de o velho Lopes, zelador do pequeno conjunto formado pelo campo e por duas quadras, dar o ultimato, bem ao seu estilo polido e diplomático: “Chega, seus malucos! Vamos meter o pé!”
Ele foi embora sentindo-se leve como havia muito tempo não conseguia se sentir. Achou que, naquela noite, tinha rejuvenescido uns 15 anos. Abraçou um por um dos companheiros, prometeu nunca mais ficar tanto tempo sem aparecer e despareceu rua abaixo e noite adentro, ao lado de Gilson.
Foi o próprio Anarquista quem trouxe a notícia, um mês e meio depois daquela visita. Sim, o amigo estava voltando ao Brasil. Sim, sim, para a cidade deles. “Ele disse para o chefe que queria voltar”, relatou Gilson. E prosseguiu, com detalhes: “O chefe disse: ‘Rapaz, você sabe que, se voltar, vai ganhar menos. E também não posso lhe dizer que a carreira na empresa vai ser tão bonita quanto poderia ser’. E ele disse para o chefe: ‘Tudo bem’”. Anjo Gabriel, perplexo, quis a confirmação: “Ele disse ‘tudo bem’? Assim mesmo?” Tadeu Badulaque observou, com toda a autoridade que seus conhecimentos de geografia lhe conferiam: “Morar na Oceania não é fácil, não, rapaziada!” Moraizinho Sem Pescoço comentou: “A família não devia estar aguentando mais essa história de morar no Sudeste Asiático”, e aproveitou para dirigir a Tadeu um sorrisinho irônico.
Exatos 37 dias depois desse comunicado ao grupo, ele reapareceu para jogar. Estava de volta ao país, à cidade que amava, à pelada sagrada de todas as segundas-feiras. Quando um dos amigos lhe perguntou se realmente achava que tinha tomado decisão certa, ele respondeu: “Uma vez ouvi um cara dizer que felicidade é se sentir completamente vivo. Eu estou feliz, amigo”.
VENCEU QUEM CHUPOU GELO
Por Zé Roberto
A preleção do técnico e capitão Claudio Coutinho, durante sua passagem pelo Flamengo, era uma aula de logística, ouvida em absoluto silêncio. Tinha infiltrações peloponto futuro, overlaping, citações de Pablo Neruda e, claro, futebol. As de Jair da Rosa Pinto, no Fluminense, pedindo ao “Créber” que jogasse pelas “beiradas” contra o “Framengo” era um outra versão da Escolinha do Professor Raimundo, uma aula movida a gargalhadas. Mas às vésperas do jogo tinha também a pelada de dois toques em que até os massagistas jogavam. E quando a bola era dominada no peito pelo Jajá, com uma classe nunca vista, e era cruel com as caneladas do Coutinho, o silêncio respeitoso e o riso incontido trocavam de lado. Quem afinal seria o melhor treinador? O que se formou para o ofício ou quem fez do ofício profissão?
Ricardo Gomes durante uma partida da Seleção
Jorginho, Ricardo Gomes e Muricy foram grandes jogadores, e Levir Culpi um bom zagueiro. E estudaram futebol. Ao chegarem com seus times às semifinais do campeonato carioca, deixam claro que aquela expressão “chupou gelo com quem?”, direcionadas aos que se formaram fora das quatro linhas e não viveram a cumplicidade daquelas santas pedrinhas que entravam em campo no kit hidratação dos massagistas, se impôs por aqui. Se tornou mais producente ensinar quem jogou ser treinador do que ensinar uma vida de bola a quem se formou em Educação Física.
Mas se no futebol profissional o ex-jogador se sobrepôs, nas divisões de base andam perdendo espaço pelo país. Cada vez mais Xerém tem menos Rubens Galaxe, Gilson Gênio e Mário e mais emprego para os portadores da carteirinha do CREF. Existem CTs que vetam nas peneiras menores de 1,75m, mesmo com o melhor do mundo, o Messi, medindo 1,69m. Na base do nosso futebol, que tinha Pinheiro, Célio de Souza, Neca e Liminha à frente, é que o garoto mais precisa de uma referência. Da bola e do clube. Hoje, treinam muito, fazem musculação e chegam ao profissional com erros básicos de fundamentos. Mal sabem passar, dominar uma bola, mas correr…
Jorginho, atual treinador do Vasco da Gama
O futebol brasileiro deve muito aos seus profissionais da Educação Física. Carlos Alberto Parreira, Admildo Chirol, Claudio Coutinho, Sebastião Lazarone, Raul Carlesso, Ismael Kurtz, entre outros, realizaram com competência a transição do futebol arte de 70 para o futebol moderno praticado pela Holanda quatro anos depois, na Alemanha. Mas está provado, e a parceria Zagallo e Parreira foi seu maior exemplo, quando um cuida do cérebro e outro das pernas e dos pulmões dos jogadores, quem vence é o torcedor que vê surgir um novo craque. Não um implacável gladiador.
BEM-VINDO ROBERTO ASSAF!!!!
O Museu da Pelada tem o orgulho de comunicar a chegada de seu mais novo colaborador, que semanalmente nos brindará com alguma história exclusiva!!!! Roberto Assaf é um jornalista e pesquisador preocupado em preservar a memória do futebol, autor de 15 livros e do site www.robertoassaf.com.br
A pelada é anterior ao futebol
por Roberto Assaf
Não seria exagero afirmar, parafraseando Nélson Rodrigues no “Fla-Flu”, que a pelada começou 40 minutos antes da invenção do próprio futebol. O jogo criado pelos britânicos na segunda metade do século 19 já chegou carregado de regras, dentro e fora do gramado, e de posturas táticas que amarravam a imaginação, pessoal e coletiva. A pelada, nem tanto. Afinal, a popularidade de que goza hoje o velho esporte bretão em todo o planeta é fruto da improvisação que o bate-bola dos campinhos improvisados ofereceu. Pois é.
Num dia iluminado, o ser humano descobriu que uma esfera, dois pedaços de pau de qualquer tamanho, e um pequeno terreno livre, não importa o piso, bastavam para a festa rolar. Detalhe: sem equipamentos luxuosos e inacessíveis, e o mais importante, sem que fosse necessário gastar um mísero tostão para a sua prática.
Foi só então que os habitantes do Reino Unido resolveram sofisticá-lo, organizando a bagunça a partir do surgimento dos clubes que representavam bairros e cidades, colônias estrangeiras, escolas, fábricas e sindicatos, e até grupos políticos e religiosos, emprestando-lhe ainda o seu eterno caráter de pátria de chuteiras, principalmente nos países subdesenvolvidos, que costumam transformá-lo, quando vitorioso, em orgulho nacional.
Outro presente que a pelada deu ao futebol foi a sua conservadora imprevisibilidade, raríssima mesmo, quase invisível em outros esportes. Reza a lenda que um time formado por meninos descalços, sem muita técnica, derrotou em algum lugar perdido no tempo e no espaço, uma rapaziada de maior experiência e habilidade, naquele que foi o primeiro racha da história. Ninguém sabe o placar. Tanto faz. Do peladeiro de agora surge o craque de amanhã.
Hoje e todos os dias, ao redor do mundo, e quiçá em outros planetas, milhões de pessoas são mordidas pela chamada mosquinha do futebol. Ninguém consegue enxergá-la, pois ela chega sorrateira, faz o serviço e desaparece sem ser notada. O efeito é imediato. Ato contínuo, a vítima invariavelmente se entrega a essa loucura saudável e carregada de emoções, cujo fascínio ninguém conseguiu esclarecer com perfeição nos últimos 150 anos.
Há quem diga até que o futebol é capaz de estimular paixões ainda mais arrebatadoras que o amor, na sua essência, entre seres humanos. Absurdo? Vá a um estádio sem compromisso e observe com cuidado e neutralidade o comportamento insano das criaturas a seu lado. No entanto, saiba também que o futebol – na várzea ou longe dela – não alimenta apenas fanáticos desprovidos de reflexão ou bom senso, mas igualmente milhões de seres racionais, dotados de juízo e razão, que preferem apreciá-lo como se faz diante de qualquer manifestação de arte.
Alguns ignorantes dizem que é o ópio do povo. Exagero. Pois, na prática, o jogo ainda se presta como agente social, afastando milhões dos caminhos tortuosos que a vida às vezes quer impor, e mais, é capaz de aproximar a convivência entre gente de todas as raças, credos, ideologias e atividades.
Concluindo, e seguindo o raciocínio abordado no começo destas bem traçadas linhas, chamar uma partida de pelada é sobretudo um saudável elogio. Afinal, como se vê, essa sagrada atividade do cotidiano é que deu efetivamente vida ao futebol. E assim continuará sendo, até que a morte, nesse caso absolutamente improvável, os separe. Amém.