A NOVA CARA DO MENGÃO
por Sérgio Lobo
Nosso colaborador top de linha, Sérgio Lobo, o Lobinho, esteve no Bar do Adão (salve, Rominho!!!) para resenhar com José Ricardo Mannarino, de 44 anos, que se apresentou ao mundo do futebol, há uma semana, vencendo o Corinthians nos pênaltis, em pleno Pacaembu, na final da Copa São Paulo de Futebol Junior, e conquistando o terceiro título do Flamengo na competição. Zé Ricardo tentou ser jogador profissional, mas foi como treinador que seguiu no futebol. Primeiro, no futsal, onde sempre trabalhou com meninos e jovens promissores, e depois no campo, onde conseguiu com a conquista da Copinha, o principal título da carreira. Equipes organizadas, com passes precisos e valorizando sempre a posse da bola são características de times comandados por Zé Ricardo, que no papo com o Museu da Pelada fez questão de destacar os peladeiros espalhados por aí. Confira:
OS MIGUÉS NOSSOS DE CADA DIA
por Marcelo Vieira
Nos dias que antecedem e sucedem o carnaval – e outros feriadões parecidos – o brasileiro se dedica a uma arte verdadeiramente nacional: dar o migué. Materializam-se atestados que alegam doenças crônicas, infecções virulentas e outros males do corpo e da alma. Antepassados ressuscitam só para serem falecidos de novo nessas datas. Há notícias de quem tenha matado a mesma avó oito vezes em um intervalo de quatro anos.
A prática do migué, que não se restringe apenas a faltar ao trabalho – pode ser um corpo mole, pipocar na hora de rachar a conta, deixar marotamente aquela louça para outrem lavar e por aí vai -, ganhou esse nome a partir da contração da expressão “dar uma de Miguel”. Mas a pergunta é que Miguel é esse??? Provavelmente é Dom Miguel, irmão de Dom Pedro I, que se aproveitou da ausência do irmão mais velho, que estava curtindo uma de imperador no Brasil, para casar com a sobrinha e usurpar o trono português. Mas, país afora, há muita gente que jura ter conhecido o Miguel que deu origem ao termo – seria um músico, um pinguço ou um boleiro, dependendo da versão.
Como tudo que é preferência nacional, o migué encontra no futebol sua mais genuína expressão. Boleiros de norte a sul, da série A até a Z, valem-se dele para evitar cartões (sair de perto e fingir que o negócio não é contigo), reverter laterais (bate rapidinho e segue o jogo) e, claro, fazer cera. Porém, a mais pura expressão do migué futebolístico é fingir ou exagerar na gravidade de lesões. Tanto que esse ramo específico da malandragem ganhou um nome de DNA completamente futebolístico: chinelinho.
Temos então que aquele jogador, supostamente contundido, passa a frequentar o centro de treinamento calçando os indefectíveis chinelos de dedo em vez das chuteiras ou tênis. O chinelinho pegou geral e extrapolou as quatro linhas, os estádios e o universo esportivo. Hoje em dia, em muitas regiões do país, tirar férias, entrar de licença médica ou qualquer folga fora da rotina virou “calçar o chinelinho”. É a pátria de chinelos.
…………………
E o seu boleirês? Como anda? Clique aqui e contribua com o acervo de termos futebolísticos do Museu da Pelada!
CONSTELAÇÃO TRICOLOR
texto: Sergio Pugliese | foto: Guilherme Careca Meireles | vídeo: Rodrigo Cabral
No início do ano, o clube Costa Brava, em São Conrado, foi invadido por uma constelação tricolor. Mais uma obra da dupla Carlos Perez e Helso Teia, que adora reunir os amigos para relembrar os bons tempos!!! Foi o Terceiro Encontro de ex-Atletas do Fluminense e a casa ficou cheia!!! A equipe do Museu apareceu por lá e aproveitou para bater um papo com três de nossos ídolos, Arturzinho, Rubens Galaxe e Paulo Goulart. Matem a saudade!!!!
Paulinho da Viola
FOI UMA BOLA QUE PASSOU EM MINHA VIDA
texto: Sergio Pugliese | foto: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Perpétuo
Quando ele abriu a porta “Tudo se transformou”!!! Impossível descrever a emoção de estar frente a frente com Paulinho da Viola. Talvez tenha sido a mesma vivida por ele ao abrir a porta do camarim do Teatro Clara Nunes, após um show, e dar de cara com Ademir Menezes, o Queixada, lendário centroavante do Vasco, dos anos 50. Olhos arregalados, boquiaberto, só conseguiu balbuciar: “você foi meu botão”. Tímido, não consegui “Jurar com lágrimas” que ainda tenho alguns vinis seus. E tenho mesmo, inclusive o meu preferido: “Foi um rio que passou em minha vida”. Embalou minha adolescência!!! Além da faixa título, ouvia repetidamente “Meu Pecado”. Cá entre nós, meu pecado foi não ter levado o disco para ser autografado. Mas “Para não contrariar você”, afinal “Não quero você assim”, vou parar com essa “Lamentação”, esse “Papo Furado” porque “Estou Marcado” é para falar sobre pelada, “Nada de novo”. Agora que já consegui a gracinha de citar todas as músicas desse discaço, verdadeira obra-prima, posso iniciar a coluna! Ah, faltou “Mesmo sem alegria”? Esquece!!! No Museu da Pelada não tem espaço para tristeza e, seguindo essa filosofia, o mestre Paulinho gargalhou ao lembrar-se do dia em que foi capturado pela polícia e ficou rodando na rádio-patrulha em busca da bola de borracha, uma preciosidade, que vivia quebrando as vidraças das casas da Pinheiro Guimarães, em Botafogo.
– Mas nesse dia a bola entrou na pensão da Dona Laura, que chamou a polícia. O filho dela, o Ivan, jogava conosco – recordou.
A regra entre os amiguinhos era claríssima, jamais revelar o esconderijo da redonda porque quando os “hômis” a capturavam metiam a faca, impiedosamente, e ainda alertavam que lugar de futebol era no Maracanã. Nesse dia, Paulinho rodou no banco de trás da patrulhinha por algumas ruas de Botafogo, tremendo constrangimento, mas não entregou os pontos, no caso a bola. Sem dúvida, sua primeira demonstração de fidelidade e amor à bola, uma relação que nunca estremeceu e até hoje mantém-se acesa. Mas se fosse necessário discutir a relação as resenhas estavam ali para curar qualquer mimimi. Aprendeu a receita com o paizão, o violonista Benedito César Ramos de Faria, o meio-campo Bené, do Amigos Praia Clube, timaço da Praia do Leme, que saía das partidas direto para a Cervejaria Alpino.
– As balizas, que naquela época não eram fixas, ficavam guardadas no subsolo do Alpino – contou.
Daquele tempo, menino, lembra-se do folclórico Baiano, que certa vez salvou uma pelada de forma inusitada. Nenhum jogador teve coragem de retirar do centro do campo um alguidá, pote de barro usado para guardar oferendas, e iniciaram a partida com ele ali mesmo. Mas Baiano chegou, pediu licença aos orixás, resgatou o pote com bebidas, rosa e farofa e aproveitou as ondas para presentear Iemanjá. Bons tempos!!! Sorriso manso, recordou-se de Álvaro, Alemão, Mineiro, o zagueiro que vangloriava-se por distribuir pancadas, Gui, Galinho, Lulu e Zezinho. Aos poucos, Paulinho conquistou uma vaguinha no meio-campo.
“Não era um Paulo Henrique Ganso, mas não fazia feio.”
– Não era um Paulo Henrique Ganso, mas não fazia feio – avaliou-se.
No Amigos Praia Clube ninguém ficava de fora e 20 jogadores para cada lado era habitual. Mesmo assim a divisão era sempre equilibrada. Mas ele lembra-se bem de passar partidas inteiras sem praticamente tocar na bola. Após a ressaca a areia sumia. Tinha um árbitro, mas o nome não veio. Era sempre sábado, às 16h. Ah, tinha os filhos de Gustavo, os gêmeos Arroz e Feijão. Nunca jogavam juntos! O goleiro Gavilan não saía bem nos cruzamentos e, certa vez, num treino, Paulinho aproveitou-se dessa limitação para guardar o seu, de cabeça. Prazer, Paulinho!!! Como numa sessão de regressão, olhos fechados, Paulinho tirou do baú as caminhadas com pai, pela areia, do Posto 6 ao Forte de Copacabana. Inesquecíveis, acolchoadas num cantinho do coração. Poeta, sensível, lembrou-se de Baiano, quase cego, acompanhando as partidas sentadinho na mureta.
– Ia lá para ouvir a pelada, queria estar junto.
Também jogou no Walmap, time do Banco Nacional, e no Xulé, com Nei Murce, o ex-botafoguense Neivaldo, João Araújo, na época presidente da Som Livre, e Dininho, baixista que até hoje o acompanha nos shows. Os jogos eram no campo da Cedae, em São Cristóvão. Era sempre convocado pelo produtor musical Armando Pittigliani para atuar pelo time dos cantores e, certa vez, jogou no Maracanã contra os artistas. Sérgio Chapelin no gol adversário. “Divisão desigual”, alegou: 11 x 1 para eles. Mas orgulha-se de, jogando pela Portela, ter arrancado um empate com a Mangueira, no campo inimigo. Mas tinha Waltelino, Marcílio, Walmir, Anísio, Vandeco, Luiz da Bolinha, Vandeco, Nani e Janmbelê, filho da Vicentina. Lamenta a escassez de campos de pelada e citou alguns de seus preferidos, todos no subúrbio: Rio-São Paulo, Sete de Setembro, Brasil Novo, Nova América, Diana, Monte Castelo, Corações Unidos e Atlético.
“Por que o fotógrafo está tão inquieto?”
– Por que o fotógrafo está tão inquieto? – perguntou Paulinho.
Era Marcelo Tabach circulando pelo jardim da casa do cantor, no Itanhangá. Viajava, imaginava “a” foto quando deparou-se com uma cadeira de balanço na varanda. Pensou em homenagear Walter Firmo, que clicou Pixinginha estirado numa cadeira igual, com seu saxofone dourado. Pixinguinha tocou muito com o pai de Paulinho, tudo a ver!!! Negociação daqui, argumentação dali, Paulinho topou. Sem relógio, chinelos, abraçado com a bola, Paulinho mergulhou no túnel do tempo e na ideia de Tabach. Tabelinha perfeita! De repente, Paulinho lembrou-se de seu time de botão feito por ele mesmo, com casca de coco. Só restara um craque, Eli do Amparo, do Vasco de 50. “Vou pegá-lo!”, disse, enquanto levantava-se da cadeira, saía de cena e corria para o quarto em busca do brinquedo preferido.
Hugo Aloy
heróis do capri
texto: Sergio Pugliese | foto: Marcelo Tabach | vídeo: Guillermo Planel
O ditado policial ensina que o criminoso sempre volta ao local do crime. Nos campos do Aterro do Flamengo, o matador Hugo Aloy liquidou vários adversários, traumatizou alguns, humilhou outros, mas, no apito final, o juiz, hipnotizado por sua arte, sempre o absolvia, o livrava de qualquer pena e, em muitos casos, as próprias vítimas transformavam-se em testemunhas de defesa. “O Hugo era mágico!”, atestou Luisinho, do Embalo do Catete, tradicional rival do Capri, de Santa Teresa, o primeiro campeão do Torneio de Peladas do Aterro, promovido pelo Jornal dos Sports, em 1966. Convidado pelo fotógrafo Marcelo Tabach, do Museu da Pelada, para reviver os dias de glória, em seu templo sagrado, o camisa 10 do Capri engoliu a emoção e topou. Uniformizado! E concluímos que no caso de Hugo, ídolo incontestável, lendário boleiro, mocinho da história, o provérbio mais adequado para aquele singelo momento seria “o bom filho a casa torna”.
– Foto em grama de plástico não tem graça – descartou Hugo.
É verdade, muita coisa mudou de 1966 para cá. A terra batida minguou e no Aterro do Flamengo a grama sintética reina, soberana. Mas um campinho, nos fundos do parque, descoberto por Tabach, ainda mantém o empoeirado charme. Ali, Hugo Aloy, 77 anos, recordou o título histórico. Nasci em Santa Teresa, três anos antes dessa conquista. Aos 33 anos, mudei de ares mas volta e meia dou um pulo lá para matar a saudade do Bar do Arnaudo e dos amigos figuraças Guará e Wilsinho, companheiros do Vamos Nessa, nosso inesquecível time. Era uma seleção! Tinha Marco Antônio, Lilo, Robalo, Siri, Tutuca, meu irmão Bruno e os saudosos Vitinho e Adãozinho. Isso eu vivi e posso afirmar, mas cresci ouvindo histórias sobre os heróis do Capri. Adolescente, participei desse torneio e entendi que vencer ali não era para qualquer um: quase 2 mil times inscritos, sistema mata-mata, empates decididos nos pênaltis, milhares de torcedores e só timaço, muitos reforçados por ex-jogadores profissionais.
– O Capri era 100% amador!! – recordou, orgulhoso, Hugo Aloy, craque ainda em atividade.
Hugo Aloy é um grande amigo e tenho o prazer de assisti-lo, aos sábados, 15h, no campo do INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), em Laranjeiras. Há 34 anos, sua perna direita não dobra por conta de uma violenta artrose. Na época, os médicos recomendaram trocar o futebol pelo ping-pong. Saiu da consulta, enterrou os remédios na areia da Praia do Arpoador, falou para a mulher que estava ótimo e foi jogar bola.
– Conta sobre a conquista – sugeriu Tabach.
Hugo era o maestro do time, mas Arthur, o camisa 10, emplacou três na estreia contra o Help, da Praça da Bandeira, na goleada de 8 a 0. Foi o artilheiro, com 14. No segundo jogo, Capri 4 a 1 no Silveira Martins e Arthur guardou mais dois.
– Ele tinha cheiro de gol – elogiou.
Mas o centroavante Xanduca, 73 anos, também foi peça decisiva no título e marcou dois gols no Gemini VIII, de Copacabana, terceira partida.
E o quarto jogo? Flávio emplacou três contra o Pombinhos, de Laranjeiras. Que saudade do Flávio! Pena ter ido para o vestiário mais cedo, assim como Gabriel e o incontestável líder Salvador. O oportunista Xanduca deixou mais três na quinta vitória, essa de 4 a 0, no Instituto de Pesquisas da Marinha. O time jogava por música e aos poucos foi despertando a atenção e conquistando mais torcedores. No sexto embate, final da chave, no campo 4, Hugo chegou atrasado porque precisou levar mulher e filhos na casa dos sogros. Furioso, entrou no lugar de Nilo quando estava 0 a 0 e marcou três nos 6 a 0 contra o Cobras do Leblon. Alguém precisava pagar o pato! No jogo seguinte, mais unzinho nos 3 a 2 em cima do Unidos do Aterro. Hora da semifinal contra a Associação Cultural e Recreativa do Amazonas! O Capri perdia por 2 a 1 e faltando cinco minutos a torcida se retirou, arrasada. Mas no último minuto, o inesperado. Hugo bateu o escanteio na cabeça de Rabelo. Golaço!!! Nos pênaltis, Arthur converteu os três e a muralha Augusto defendeu um.
– Santa Teresa desabou quando soube que estávamos na final!!! – lembrou ele.
E que final! O Alvarinho, de Botafogo, era um timaço! Mas a rapaziada do Capri estava mais unida do que nunca! O adversário fez 2 a 0. Reverter o placar era uma missão praticamente impossível, mas não para eles. Numa bola cruzada, Xanduca subiu entre os zagueiros e cabeceou para descontar. Jaú, o zagueirão, segurava a pressão, Hugo, Tony e Reynaldo jogaram demais e o presidente do Capri, Leopoldo Rodrigues, tremia sem parar. A torcida empurrava o time e numa confusão na área a bola bateu, por acaso, no calcanhar de Xanduca e entrou. Explosão geral! Nos pênaltis, Arthur fez todos nas duas séries de três e o time de Santa Teresa sagrou-se o primeiro campeão do Aterro. Teve desfile em carro aberto, foguetório e cervejada no Armazém do Seu Gegório até anoitecer.
– Fica perto da baliza – pediu Tabach.
No fim da sessão de fotos, Hugo, emocionado, cruzou o parque e, olhos fechados, ainda ouvia os gritos de “é campeão”.