Escolha uma Página

POBRE MESSI

por Paulo Cezar Caju



A seleção de 82 ter perdido não foi bom para ninguém, foi ruim para o futebol como um todo e, principalmente, para a nossa arte.

A resenha é livre, eu sei, e justamente por isso volta e meia perco a paciência com o que ouço. Na semana passada, com Carlos Roberto e Moreira, no Bunda de Fora, boteco de Ipanema, ouvi a seguinte pérola de um rapaz próximo a nós: “Se o Messi não ganhar uma Copa do Mundo não valerá nada o que fez até hoje”. Meu Deus, muitos concordaram!!! Coitado do Cristiano Ronaldo, então, que terá menos chances ainda, pensei. Eusébio já passara por isso. Essa discussão é cruel, malvada, injusta. Isso vem de longe. Em 34, Leônidas não conquistou a Copa, Domingos da Guia não ganhou a de 38 e Zizinho, olha isso, Zizinho e Ademir Queixada não venceram a de 50!!! Eles não valem nada? Jair da Rosa Pinto!!! E o Cruyff? Platini?? E Zico e Falcão em 82? Muito jogador ganhou a Copa do Mundo e você sequer lembra. Tudo bem, estavam lá, tiveram estrela, saíram no pôster, mas peraí estou falando em contribuição, marca. Caramba, o Zico foi o Rei do Maracanã, campeão mundial pelo Flamengo e encantou multidões. Até hoje, no Jogo das Estrelas, tem o seu nome gritado. Isso é marca, isso é paixão, isso é futebol!!! A seleção de 82 ter perdido não foi bom para ninguém, foi ruim para o futebol como um todo e, principalmente, para a nossa arte. Depois, o Dunga ganhou. E daí??? Romário o carregou nas costas com o seu talento. Vencer é maravilhoso, mas deixar marcas, mesmo sem ter vencido uma Copa, é para poucos e bons. Carlos Roberto e Moreira, da Selefogo, continuavam mandando ver no chope. Craques!!!! Fico pensando, então, nos que sequer participaram de uma Copa do Mundo, como eles dois, Dirceu Lopes e muitos outros. Pedi a conta e passei pelo garotão que continuava firme em sua teoria. Ri e, no táxi, rezei para Deus livrar o pobre Messi do ostracismo.

– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 26 de abril de 2016

Adílio + Andrade + Torcedor

teste de fogo

texto: Sergio Pugliese | vídeo: Simone Marinho | fotos: Marcelo Tabach 

 

Sabe aquelas notícias malas que, além do susto, nos fazem pensar se os exames médicos estão em dia? A do camarada Fábio Varsano foi uma dessas. De cara, lembrei dele, moleque, na sala de escuta do Jornal do Brasil monitorando os movimentos da Polícia Militar, Civil, Bombeiros, cemitérios, Instituto Médico Legal, Defesa Civil e acompanhando os noticiários de rádio e tevê. Eu chefiava a reportagem e quando ele estava ali, enclausurado naquele cubículo, eu relaxava, pois dificilmente seria surpreendido pela concorrência. Caxias, ligado, esperto, competente, “levar furo” não fazia parte de seu dicionário. Depois, libertou-se da saleta, deslanchou e brilhou na redação!

– Parece que está no CTI!!! – ouvi alguém dizer, na outra ponta da mesa, num boteco, habitat natural dos jornalistas.

O problema é que jornalista tem o grave problema de aumentar, acrescentar o seu molhinho na história, e temi que quando chegasse na ponta onde eu estava já fosse tarde demais, missa de sétimo dia, essas coisas. A verdade é que todos tínhamos levado furo e o Fábio acabara de postar uma mensagem no Facebook tranquilizando sua legião de fãs e contando o passo a passo do drama vivido. 

– Ele está bem!!! Vamos brindar!!!! – sugeriu Moreira, seguido por Ahmed, Aquino, Octávio, velhos companheiros de guerra.


Em casa, ainda inspirado pelo excesso de geladas, pensei numa homenagem inusitada ao antigo parceiro de redação, após ler esse trecho de seu relato: “Eu sofrera uma parada cardíaca e tive que ser levado às pressas para outro andar, o da neurologia, onde usaram um desfibrilador para me reanimar. Colocaram tubos pela minha garganta e, sedado, fui para a cirurgia. Agora com quatro ‘stents’ ao lado do coração, sei que é preciso cuidar muito bem deles. Por isso, eles já foram batizados de Zico, Júnior, Andrade e Adílio, pois, afinal, só me deram alegrias”.  Que tal um encontro entre os homenageados e o rubro-negro “de coração”?

 – Só se for agora!!! – gritou, em coro, a equipe do Museu da Pelada.

  

A primeira medida seria combinar a visita-surpresa com Flávia Ribeiro, mulher de Varsano e jornalista top de linha. Autorizada!!! Em seguida, convencer os craques. Para isso, entramos em contato com o dentista-peladeiro Lulinha, queridíssimo das estrelas da Gávea. Marrento, pediu apenas alguns minutos. Adílio e Andrade toparam!!!! Zico, na Índia, e Junior, não localizado, quem sabe topem um futuro encontro?

– Já tinham batizado criança com o meu nome, cachorro, mas stent nunca imaginei – divertia-se Adílio, no táxi, a caminho de Laranjeiras.

Laranjeiras??? Mas Fábio não é rubro-negro? Sim, sim, mas por conta da comodidade até dá suas braçadas no Fluminense. E foi justamente nadando que sentiu o desconforto no peito, que mais tarde culminaria num infarto agudo. Os amigos mais próximos já sugeriram a transferência do título de sócio para a Gávea. Ele está avaliando. O interfone toca!!!! Estão achando que seria surpresa, né? Não, o jornalista farejou pegadinha quando a mulher disse que o Museu da Pelada gostaria de entrevistá-lo sobre o nome dos quatro stents. Muiiiitooo estranho, achou. Pressionada, soltou uma gargalhada e confessou. Mas qual fã não gostaria de receber a visita de dois ídolos de infância?

– Adílio, Andrade!!!! Podem entrar!!!

Quantas vezes aquela dupla fez o coração de Varsano explodir de alegria? Adílio marcando o gol do Mundial em Tóquio!!! Andrade emplacando o sexto gol na histórica vitória do Mengão de 6 a 0 no Botafogo!!! Adílio emocionou-se. É gratificante ser homenageado tantos anos após ter pendurado as chuteiras. Andrade também tremeu o queixo ao lembrar-se da bactéria que quase o matou após uma cirurgia no joelho. A videomaker sugeriu uma rodinha com os três trocando passes na sala. Claro!!! Apareceu uma bola!!! Flavinha afastou os copos da mesa. Toca daqui, toca dali até que Adílio fingiu passar a bola para Varsano, mas a trouxe de volta com o bico do tênis: “aí é sacanagem comigo”, reclamou o fã, que só presenciara essas molecagens das arquibancadas. Abraçaram-se para a foto histórica, vivos, realizados, corações rubro-negros pulsando fortes!  

 


 Fabio com o pai Claudio e o irmão Daniel


De pai para filho: Fabio com o filho Pedro, em campo, no Maracanã


De geração para geração: Claudio, Fabio, Pedro e Daniel Varsano

Tinga

TINGA, UM BRASILEIRO

texto: Jihan Kazzaz | fotos: Bruno Senna

 


“De uma coisa eu tenho certeza: Deus não faz nada por acaso. Se isso tinha que acontecer justamente comigo, deve haver uma forte razão.”

Os huancas são um povo nativo da selva amazônica que vive na região central do Peru. Fazem parte do grupo étnico Quechua, termo coletivo usado para denominar indígenas que vivem na região em torno do Vale do Mantaro, centro do país. Durante centenas de anos, os huancas sofreram com a dominação dos conquistadores, primeiro na formação do Império Inca, depois pelo espanhol Francisco Pizarro e, finalmente, com a guerra civil peruana, na segunda metade do século XX, tendo sido vítimas de constante perseguição étnica. Dentre os cerca de 400 mil habitantes da cidade de Huancayo, quarta maior do Peru, pelo menos a metade tem origem huanca. Os demais são, em geral, de sangue europeu ou asiático. 

A história sangrenta de um povo que conhece a dor de ser dominado e subjugado por invasores não impediu que, séculos depois, alguns dos seus representantes protagonizassem uma das mais tristes e desrespeitosas manifestações de racismo em um estádio de futebol. A estreia do Cruzeiro na Copa Libertadores de 2014, contra o Real Garcilaso, no dia 12 de fevereiro, em Huancayo, no Peru, não será lembrada pelo resultado final do jogo, e sim pelas ofensas preconceituosas ao volante Paulo César Tinga. 

O jogo poderia ter sido em Cuzco, mas o estádio do adversário na partida de abertura do grupo 5 da Libertadores estava em reformas e havia sido interditado. Poderia também ter acontecido em Espinar, porém a pequena cidade da província de Cuzco não possuía base aérea a 150 km de distância, como exige o regulamento da Conmebol. Assim, o duelo foi marcado para Huancayo, a 3.259 metros acima do nível do mar e a 700 km da “casa” do Real Garcilaso, onde as duas equipes tiveram que se digladiar em território desconhecido, mas continuariam tendo pela frente os efeitos da altitude como principal arma dos peruanos contra o time celeste. 

Aos 20 minutos, com o placar desfavorável ao Cruzeiro, o volante Tinga, carreira internacional na Europa e Japão, duas Libertadores conquistadas, 36 anos, entrou em campo para tentar mudar a história da partida. A Raposa perdia por dois a um, resultado que se manteria até o final. O técnico peruano Freddy García fechara o time inteiro, com sete atletas na defesa, cinco zagueiros e dois volantes. Pelo lado do Cruzeiro, Marcelo Oliveira apostava na experiência, excelente passe e capacidade de infiltração de Tinga mesmo nas defesas mais impenetráveis. Assim, colocou o jogador no lugar de Ricardo Goulart.

Mas Tinga não imaginava que mudaria a história da partida sem mexer no placar. Logo percebeu que, a cada toque que dava na bola, a torcida huancaya grunhia, fazia guinchos, sons e gestos que tentavam intimidar o jogador, trazendo à partida um desfecho inesperado e sombrio. Pouco importava o resultado final. Todos sabiam que o futebol havia sido derrotado. 

A Revista do Cruzeiro conversou com Tinga, em uma tarde quente de fevereiro nos jardins da Toca da Raposa II. Da história vencedora no futebol à discrição na exposição de suas atitudes, o volante celeste mostrou sua conhecida personalidade e muita firmeza nas opiniões e posições. A mesma seriedade demonstrada ao final do jogo contra o Real Garcilaso, quando fez uma declaração tão forte quanto verdadeira: “Se [eu] pudesse não ganhar nada e ganhar esse título contra o preconceito, trocaria todos os meus títulos pela igualdade em todos os lugares, todas as áreas e todas as classes”. 


Se [eu] pudesse não ganhar nada e ganhar esse título contra o preconceito, trocaria todos os meus títulos pela igualdade em todos os lugares, todas as áreas e todas as classes.

O que se passou com Tinga poderia ter ocorrido com qualquer jogador negro, brasileiro ou não. Craques internacionais como o camaronês Samuel Eto’o, do Chelsea, e o italiano Mario Balotelli, do Milan, já deixaram o gramado revoltados e até chorando após serem insultados por torcidas europeias. O que chama a atenção no episódio foi ter acontecido na América Latina, em um país onde há forte miscigenação racial e poucos registros de preconceito tão escancarados como o visto em Huancayo.

Tinga não esconde que ficou muito incomodado e surpreso com a atitude da torcida peruana. “Tenho muita fé em Deus e sei que não foi por acaso o que aconteceu”, garante. “Estou preparado para responder a todos sobre isso, pois sempre tive opinião formada sobre todos os assuntos”, explica o experiente jogador, ciente de que se as ofensas tivessem sido dirigidas a um garoto iniciante no futebol, o resultado poderia ter sido devastador. 

Impactante também foi a repercussão do episódio. Tinga diz que ficou impressionado com a quantidade de manifestações de apoio que recebeu, de vários jogadores, como Ronaldo Fenômeno e Neymar, e de personalidades como Joseph Blatter e Dilma Rousseff. Até o presidente peruano Ollanta Humala condenou a atitude da torcida: “Um país tão diverso como o nosso e que fortalece sua identidade, com todas suas culturas, não deve admitir reações racistas de nenhum tipo”, declarou o presidente, pelo Twitter. Também pelas redes sociais, cruzeirenses e torcedores de outros times demonstraram apoio ao volante. A hashtag #FechadoComOTinga chegou a ser a líder dos termos mais discutidos no Twitter.

Exemplo para a família

Mas a emoção toma conta de verdade quando Tinga se lembra da família, em especial de um dos filhos, Davids, de 11 anos, que chegou a faltar à escola no dia seguinte ao jogo e perguntou ao pai porque ele havia sido comparado a um macaco. “Este foi o momento mais difícil, em que achei importante explicar para ele que o preconceito pode ser aplicado a vários tipos de situação, contra gordos e deficientes, por exemplo, e que ele nunca fizesse isso contra alguém, pois a pessoa se sentiria como eu me senti”. 


Este foi o momento mais difícil, em que achei importante explicar para ele que o preconceito pode ser aplicado a vários tipos de situação, contra gordos e deficientes, por exemplo, e que ele nunca fizesse isso contra alguém, pois a pessoa se sentiria como eu me senti.

Orgulhoso da inteligência do filho, que estudou na Alemanha e tem esse nome em homenagem ao ex-meio-campista holandês Edgar Davids, Tinga é casado com a gaúcha Milene Nascimento, loira, de origem italiana, e lembra que sempre sofreu com o preconceito, inclusive no Brasil. “Muitos acham que um negro só pode ser casado com uma loira por ser jogador de futebol e não sabem que estamos juntos há 19 anos, antes de me tornar atleta profissional”. 

Se o futebol trouxe tristezas para Tinga, as alegrias foram muito maiores. “Não tive a oportunidade de continuar estudando, terminei só o primeiro grau. Fui educado, alfabetizado, me tornei homem e cidadão através do futebol, pois aproveitei as oportunidades que a carreira me deu”. Aos 21 anos, Tinga saiu do país pela primeira vez, para o Japão, quando não sabia falar nenhuma língua estrangeira. Jogou também na Alemanha, pelo Borussia Dortmund, e em Portugal, pelo Sporting. “Aprendi muito como cidadão. O futebol me levou a conhecer pessoas, lugares, culturas e hoje consigo conversar sobre qualquer assunto”. 


Aprendi muito como cidadão. O futebol me levou a conhecer pessoas, lugares, culturas e hoje consigo conversar sobre qualquer assunto.

Tinga lembra a infância difícil, principalmente após a separação dos pais, quando tinha somente sete anos. “Vi minha mãe tomando conta de um banheiro de um clube, vivendo com dificuldades, enquanto meu pai tinha uma vida mais confortável com outra família”. O maior exemplo, lembra Tinga, foi dado pela própria mãe, 20 anos depois de ter sido deixada pelo pai, que acolheu o antigo companheiro, com sérios problemas psicológicos, em sua casa, para que Tinga pudesse continuar jogando futebol, quando já atuava no Grêmio. “Essa foi uma lição muito importante para a minha vida e fez com que eu tentasse sempre ensinar aos meus filhos sobre o que é o amor e o perdão”, ensina o craque da vida, Paulo César Tinga. 


Essa foi uma lição muito importante para a minha vida e fez com que eu tentasse sempre ensinar aos meus filhos sobre o que é o amor e o perdão.

 

texto originalmente publicado na
Revista Oficial do Cruzeiro Ed. 123, março de 2014

 

Lateral direito da seleção ilustrada

texto: Sergio Pugliese | charge: Claudio Duarte


Leandro, por Claudio Duarte

É rapaziada, a disputa foi a mais acirrada dos últimos tempos e poderíamos até considerar empate técnico, mas Leandro (veja a matéria com Leandro aqui) venceu Carlos Alberto Torres por quatro, eu disse, quatro votos: 264 a 260!!!!! Ou seja, na lateral direita eles reinam absolutos!!! O terceiro lugar foi Nelinho com 72 votos. Muitos outros foram lembrados: Luiz Carlos Winck, Paulo Roberto, Josimar, Perivaldo, Rosemiro e Léo Moura. Parabéns, Peixe Frito!!!! Agora precisamos escolher a dupla de zagueiros, mas vamos começar votando em apenas um deles. Meu voto é Mauro Galvão!

Você também já pode ir escalando seu time completo aqui!

Evandro Mesquita + PC Caju

BLITZ NO BAÚ

texto: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Simone Marinho | edição do vídeo: Izabel Barreto

 

A estreia no Maracanã colore a memória até hoje. Artistas x Cantores, preliminar de Flamengo e Amigos de Raul Plassmann, despedida do goleiro, em dezembro de 1983. No vestiário, 50 disputando 11 vagas. Camisa 8 garantida, avançou no corredor em direção ao campo, subiu as escadas e surgiu no gramado acenando para as arquibancadas, ainda vazias. Imaginou a galera gritando o seu nome: “Evandro! Evandro!”. Virou criança! Comparou sua altura à das balizas, alisou a grama, sentiu a textura das redes e benzeu-se em reverência ao maior estádio do mundo. Que sonho! Convidou Charles Negrita, do Novos Baianos, para a foto e guardou o registro sagrado no baú de preciosidades. No estúdio de Evandro Mesquita, Paulo Cezar Caju ouvia e gargalhava, ouvia e gargalhava, ouvia e gargalhava. E assim foi durante toda a manhã, no reencontro promovido pelo Museu da Pelada, entre os amigos tricolores que não se viam há seis anos.


O Caju me deu muitas alegrias dentro e fora de campo!

– O Caju me deu muitas alegrias dentro e fora de campo! – vibrou Evandro.

Para evitar comparações, Caju, elegante, preferiu não lembrar a sua estreia no Maracanã quando, aos 17 anos, estreou pelo Botafogo contra o América e marcou três gols. Simples, assim. Mas nem precisava, Evandro contava tudo sobre PC. Recordou suas atuações pela Máquina Tricolor, em especial a partida Flu 1 x 0 Bayern, gol contra de Muller, que marcou o retorno de Caju ao Brasil vindo do Olympique de Marselha, mas também não deixou de fora as peladas no Caxinguelê, tradicional campo no Jardim Botânico, fechado recentemente.  

– No Caxinguelê, passamos bons momentos de nossas vidas!!! – confirmou Caju.


No Caxinguelê, passamos bons momentos de nossas vidas!!!

Mas o tricampeão do mundo só não imaginava a surpresa preparada por Evandro, que aumentou o som e apresentou a canção “Nunca Joguei com Pelé”, uma das faixas de seu próximo cd, que será lançado no próximo semestre, liberada com exclusividade para o Museu da Pelada. Caju e Caxinguelê são citados!!!! Olha um trechinho aí: “Aí, vou dizer: Caxingelê, meu campo favorito. Lá deito, rolo, grito, corro, chuto e xingo… Cada drible tinha um nome Kleber, Pintinho e Samarone. Paulo Cezar Lima, o P.C., jogando uma beleza, apresentava o churrasco e batia a sobremesa”. Bem, essa história de “bater a sobremesa” arrancou novas gargalhadas de PC, mas, esqueçam, o craque está em outra, purinho, purinho, geração saúde!

– Continua jogando uma bolinha, parceiro? – perguntou Caju ao final da música.

Aí, Evandro franziu a testa, acusou o golpe. Há tempos os joelhos do craque vinham pedindo arrego e, para tristeza geral da nação peladeira, o vocalista da Blitz anunciou sua aposentadoria do futebol.

– Maldito rato! – resmungou ele.

– Que rato é esse? – quis saber, PC.

Na verdade, um camundongo invadiu a casa de Evandro e provocou uma perseguição de cinema. Após pisar em falso num degrau, os joelhos rangeram, o roedor fugiu e as chuteiras foram penduradas. E dá-lhe gargalhada do PC!!!

– Precisava fechar a carreira com chave de ouro, então resgatei fotos, crônicas e vídeos sobre peladas e usei tudo em meus dois últimos DVDs – revelou.


Precisava fechar a carreira com chave de ouro, então resgatei fotos, crônicas e vídeos sobre peladas e usei tudo em meus dois últimos DVDs.

Afastar-se da bola não é fácil. Ela o acompanha desde os tempos do colégio estadual André Maurois. O moleque sempre foi o craque da turma e matou muita aula para correr atrás da redonda. E cresceu aprontando. Certa vez, no final da década de 70, já em pleno sucesso com a peça “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, deixou as parceiras de palco, Regina Casé e Patrícia Travassos, com os nervos a flor da pele quando resolveu trocar o ensaio por uma pelada. Mas, convenhamos, o convite era irrecusável. Os três saíam da praia e deram de cara com ele, sempre ele, PC Caju, estrela da seleção brasileira, que o convidou para um racha com Bob Marley no campo de Chico Buarque. Quem negaria?

– Regina e Patrícia falaram que se eu fosse iria ferrar tudo – recordou o centroavante habilidoso.

Não teve jeito e mais uma vez ele chutou o balde pela bola e, tempos depois, escreveu uma divertidíssima crônica: “… Bob tava com a bola… Pedi… Ele rolou para mim, eu levantei fiz uma firula e devolvi para ele, que gritou Yeah, man! e me abraçou sorrindo com todos os dentes de Marley pra fora!”. O futebol sempre inspirou Evandro. “Nunca Joguei Com Pelé”, um resumão da carreira futebolística, foi escrita há tempos, mas só agora resolveu lançá-la: “Joguei com malandro e otário, com Renato, Ronaldo e Romário, Toninho, Nelinho e Búfalo Gil, Dadi, Du, Dé, Marreca, Rato e Jacaré, mas nunca joguei com Pelé!”.

– Agora estou feliz porque achei no meu baú, guardada há anos, uma fita cassete com uma gravação, que o Rei Pelé me deu para avaliar – comentou.


A fita enviada por Pelé


Agora estou feliz porque achei no meu baú, guardada há anos, uma fita cassete com uma gravação, que o Rei Pelé me deu para avaliar.

Evandro não jogou com Pelé, mas protagonizou lances geniais. E lamenta não ter registros para comprovar. Mas há testemunhas. Guaraci Valente, o Gaúcho, do Planet Globe, guarda na memória duas obras primas do parceiro, a primeira, no Maracanã, despedida de Raul Plassmann. Após belíssimo lançamento de Silvio Cesar, Evandro deu uma caneta humilhante em Eliezer “Cala Boca, Batista” Motta e disparou um petardo no ângulo do goleiro Félix, o Papel. A segunda, um golaço de bicicleta, pelo Light Futebol Show.

– Nem no Museu do Louvre vi algo tão lindo – resumiu Gaúcho.

Foram incontáveis dias de glória! Na última atuação, em partida beneficente, em Angra, Ricardo Rocha engraxou sua chuteira após mais um golaço. No Caxinguelê, palco preferido, perdeu a conta dos gols e pelo Fumeta, ao lado de Yet, Maurício Camelo, Marco Madalena, Ruban, Vinicíus Cantuária, Marcelo Costa Santos, Rodolfo e Brown, ganhou os dois primeiros campeonatos, nos concorridos torneios no campo de Chico Buarque, contra os times de Afonsinho, João Nogueira e Nelson Rodrigues Filho.

– Amigo, preciso ir. Se pudesse ficaria aqui o dia inteiro – lamentou PC.

Evandro fez cara de menino triste. Ao levantar-se, a estalada básica, a cara feia e a reclamação de sempre: “esse joelho é foda”.


Nunca Joguei Com Pelé

Aí, vou dizer: Caxingelê,
meu campo favorito
Lá deito, rolo, grito,
corro, chuto e xingo,
de segunda à domingo
Já joguei com Junior, Zico
Bebeto, Beline e Brito
Ney Conceição e Afonsinho
sempre deram moral
Geraldo, o Assobiador e Geraldo Mãozinha
Nunca joguei com Gerson, o Canhotinha
Cada drible tinha um nome
Kleber, Pintinho e Samarone,
Troquei altas tabelas com Beto Bial
passes, música e letras com Chacal,
Dionísio, Pedro, Peninha e ainda tinha
o jogo do bicho pra fazer fézinha
Neném, Batata, Adriano, Magal
e ainda por cima, no Caxinguelê
Paulo Cezar Lima, o P.C.
jogando uma beleza
apresentava o churrasco
e batia a sobremesa
Humberto do Botafogo
e Serginho da Portuguesa
Outro craque? Por que não dizê-lo?
Mauricio Camelo, jogava de fraque
Jorge Ben, Chico, Tide, Babá e Didito,

Fernandinho, Marcelo, Dadica e Joninha

Dia de pelada todo mundo vinha
Boleiro, bolão, a bola bolava bonito

Gonzaguinha e Vina da perninha fina

E a alegria de ser um eterno aprendiz
Marcelo, Braga, Pernil, Pepeu e Ruban
A resenha rendia até de manhã
Todo mundo sabia o caminho
Madalena, Luizinho, Leão, Japa e China
Ernani e o falecido Rubinho
Gente boa, gente fina
vapor do Santo Cristo
Tinha estilo, levava jeito
Morreu matando uma bala no peito
Quarenta e cinco do segundo tempo
última volta do ponteiro
não teve pelada, nublou
neguinho chorou o dia inteiro
Nuvem Cigana e o perfume do vento
Novos Baianos e Paulo Suprimento
trazendo alegria pra rapaziada
Baseado nos papos da arquibancada
Música, filosofia e gargalhadas.
Cerveja espumando champanhe
Sempre tinha um beque sem mãe
estilo argentino entrando de sola
o menino, chutava cabeça, pau e bola
Mas artilheiro guerreiro manca sorrindo
e depois do luxo da ducha, tá tudo lindo
até debaixo d´água alguns moicanos
pingavam pra manter a fé
joguei com Jair, Djair, Altair e Orlando Lelé
mas nunca joguei com Pelé
e acredite, Jair da Rosa Pinto e Dinamite

Washinton, Assis, Eder e Reinaldo
Uri Geller, Silas, Silva e Clodoaldo
Rildo, Roger, Regis, Nunes, Andrade e Adílio,
com Ademir não. Nem com o pai, nem com o filho.
Delei, Denílson, Edu e Adão
Nunca joguei com Tostão
Tenho marcas no coração
das viradas históricas
jogadas antológicas

algumas mágicas, outras trágicas.

Não tinha pra ninguém

“Fumeta” e o “Passa A Bola, Meu Bem”
a bola rola desde menino
com Carlos Alberto, sim
mas nunca com Rivelino
Com dezoito, vinte, vinte e poucos
todo mundo é louco e atleta
Já fiz gol de falta
de cabeça e bicicleta
Areia, grama ou tábua corrida.
Caxinguelê era de terra batida
tinha o bar do Canário no fim
a vaca da grana do seu Joaquim
no meio do ar puro do horto
Só dava vaga quem saía morto
Lá perdi unhas e um joelho
Nunca joguei com Julinho Botelho
Joguei com Beto, Neto, Moreno

Branco e Preto
Torci pé, quebrei pulso e dedão
fui expulso por todo juiz ladrão
Saí com o nariz vermelho
numa dividida com Casé
Joguei com malandro e otário
comRenato, Ronaldo e Romário
Toninho, Nélinho e Búfalo Gil
Dadi, Du, Dé, Marreca, Rato e Jacaré
Mas nunca joguei com Pelé
No morro, no subúrbio, na praia
Lug, Ludovico, Necrose e Samambaia
Charles Negrita apresentava um
pra lua que nascia bonita
Jogávamos por música, por poesia
pela arte, pela bola, periferia.
Plena harmonia, zona sul, zona norte
dividíamos a conta, a ponta e a simpatia.
É a tal história… tá tudo na memória
Saudade é bom, mas as vezes dói
como bola na barreira que arde, incha.
Já joguei com muito Mané
mas nunca joguei com Garrincha
Nunca joguei com Pelé
ele era uma pantera de outro planeta
metia lençol, na gaveta, de placa, de letra
eu queria… Só pra falar:
“– Vai, Pelé! tô contigo, Pelé!
se quiser toca, Pelé.
golaço, Pelééé!”