UM GOLAÇO DENTRO E FORA DE CAMPO
por Felipe Carvalho
Além da diversão, a pelada ajuda a arrecadar doações para os necessitados
Nada de dribles, canetas ou pedaladas. Em Queimados, na Baixada Fluminense, o que mais tem chamado a atenção dentro das quatros linhas é o espírito do solidariedade dos peladeiros de plantão, que se reúnem todos os sábados para baterem aquela sagrada bolinha no campo da Duloren, no bairro Parque Santiago. Todo mês, os atletas do grupo AFA (Amigos Futebol Amizade) arrecadam alimentos, que são convertidos para as famílias e instituições carentes do município e ainda doam sangue para o Hemorio, um verdadeiro gol de placa, para nenhum artilheiro que se preze colocar defeito. Não é verdade?
Entre as dez famílias que receberam cesta básica neste mês está a da dona de casa Maiza Costa de Santana, de 36 anos. Moradora do bairro da Porteira, atualmente desempregada e com doença renal crônica, ela vive da doação mensal de R$ 200 de uma ex-patroa, quando trabalhava numa casa de família.
– Uso esse dinheiro para comprar os medicamentos e na maioria das vezes ainda falta. Graça a Deus, sempre vem uma pessoa me ajudar, minha tia, meus irmãos. Quando a cesta chegou, meu armário estava vazio. Estou vivendo de doações – diz a moça que vive com a filha de dez anos e faz sessões de hemodiálise três vezes por semana numa clínica conveniada com a prefeitura.
Moradora recebe as doações em casa
Não falta criatividade para esta turma que já provou que bate um bolão dentro e também fora de campo. Eles criaram uma página numa rede social, onde são divulgadas as atividades do grupo. Tem direito também a entrevistas antes e depois de cada jogo com os treinadores das equipes, craque da rodada e, claro, não poderia faltar o pereba, o atleta que teve a pior atuação. Tudo uma brincadeira, cujo objetivo principal é estimular a interatividade com o público e, assim, identificar através dos seguidores mais pessoas que precisam de doações.
– Nosso sonho é construir uma sede própria do grupo, estamos atrás de ajuda para isso. Lá seria o ponto de arrecadação de alimentos e ainda de encontros da galera – projeta o presidente do grupo, Alan Ribeiro.
“Final será neste sábado”
Os peladeiros solidários posam para a foto
Apesar de todo o espírito de solidariedade, quando os times entram em campo, o clima da rivalidade se faz presente. Pelada? Jogo amistoso? Que nada!! O que não falta é competição. Durante o semestre, o grupo seleciona “treinadores” que montam seus times momentos antes da partida com os atletas presentes. Ao todo, são cerca de 50. Para garantir a vaga, os jogadores literalmente madrugam e chegam à beira do campo antes das 6h da manhã. Neste sábado (14), acontecerá a final da competição amadora e no próximo dia 4 de junho será a premiação com direito a uma festa de gala.
– Levamos tudo muito a sério. Para o próximo mês vamos começar uma campanha de agasalhos e roupas de cama por conta do inverno – adiantou o diretor Gilmar Melo.
Para se tornar um doador, é só levar um quilo de alimento não perecível nas manhãs de sábado ao campo da Duloren, no bairro Parque Santiago ou entrar em contato com a página do grupo no Facebook: A.F.A. Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail: afanaticos2011@gmail.com
SETENTÃO BOM DE BOLA
por Wesley Machado, de Campos dos Goytacazes-RJ
– Foi a melhor manhã que eu passei nos últimos anos. Foi muito bom. Gostei muito – disse Amaro Martins, de 72 anos, que depois de aproximadamente 30 anos voltou a jogar bola no domingo (1º), Dia do Trabalhador.
Ele era conhecido como Amaro “Furacão” na época em que jogava no Bangu, time amador da cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. Amaro era camisa 7, antigo ponta direita, e aterrorizava as defesas adversárias com sua velocidade e habilidade.
O Bangu disputou muitos campeonatos na chamada Baixada Campista na segunda metade da década de 70, quando o Futebol Campista era forte, com os clubes profissionais Americano e Goytacaz participando dos campeonatos nacionais da primeira divisão.
O reencontro de Seu Amaro com a bola, depois de 30 anos
Ex-bancário, Seu Amaro Martins atualmente trabalha como chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Campos e pré-candidato a prefeito da cidade. É o médico e vereador, por cinco mandatos, Edson Batista, com quem Seu Amaro Martins trabalha há exatos 20 anos.
O saudoso ex-jogador Sócrates afirmou certa vez que: “não é o jogador que larga o futebol, é o futebol que larga o jogador”. Mas a bola insistiu em não largar Amaro “Furacão” Martins.
Com uma camisa do Fluminense, o septuagenário chegou animado. Aqueceu, bateu bola e mostrou que tinha intimidade com ela.
Foi para a partida. Deu a saída e jogou por 10 minutos, para espanto dos demais, que ficaram impressionados ao saber sua idade.
Os comentários depois da pelada giravam em torno dele. Ninguém podia acreditar que uma pessoa com mais de 70 anos poderia jogar bola ainda.
Mas o bem cuidado Amaro Martins mostrou que idade não é problema. Com um bom físico, melhor do que muito marmanjo, correu, chutou, deu passe.
Precavido, preferiu não exagerar na dose. Já havia dado a honra àqueles rapazes de meia idade de atuar ao lado de um senhor de cabelos brancos.
Pediu para se retirar. E todos foram o cumprimentar.
Aquele dia já havia entrado para a história.
IMPEACHMENT PARA INGLÊS VER
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Foto: Nana Moraes.
Para onde vai o Brasil? Com impeachment ou sem impeachment, qual será esse caminho? Bem, nessa semana, eu troquei o meu querido Rio por Florianópolis. Cansei desse lero-lero de cidade olímpica, com ciclovia desabando, violência explodindo, hospitais abandonados, candidato a prefeito acusado de espancar mulheres, Dornelles ou Picciani podendo assumir o governo e a população esmagada nos ônibus e trens.
Sério, nem sei como será em Santa Catarina, mas tenho grandes amigos e precisava mudar de ares. Queria passar minha aposentadoria no Rio, com a minha mulher, mas não deu. Tchau, Paes!!! Continue aí na tevê, engomadinho, apresentando um Rio que não existe. A verdade verdadeira é que com impeachment ou sem impeachment nada vai mudar. Nós, os brasileiros, precisamos de um impeachment, nós precisamos nos reciclar, descobrir novos pensadores, investir em jovens políticos e numa mentalidade moderna, justa, diferente de tudo o que está aí. Esse impeachment não me engana, é para inglês ver.
Cunha, Temer, Aécio também não me representam. O PT desgastou-se e também precisa se repensar. É importante essa reflexão. Mais do que isso, necessária. Todo esse processo foi triste, melancólico para o Brasil. E quando olho a Marina penso: “de novo?”. É impressionante, mas Garotinho e Moreira ainda estão na área!!!!! Nada muda. Amigos, se liguem, nessa briga não tem certo ou errado. Ou mudamos nossa forma de agir e pensar ou vamos passar o resto de nossas vidas chutando lata, reclamando da vida, tratando da úlcera.
Vamos conversar com nossos filhos e, principalmente, com os nossos netos, incentivá-los a participar da política. Eles são a saída! Não vamos escondê-los em outro país, “exilá-los”, amedrontrá-los cantando musiquinhas “dorme se não o Cunha vem te pegar”.
Devemos encorajá-los a entrar nessa briga, não apenas indo às ruas quando o nosso calo aperta, nem ficar batendo panelinha na janela, mas pensando um novo modelo de política e partindo para a linha de frente. Resumidamente, fazer o que não fizemos.
Texto originalmente publicado no Jornal O Globo, em 12 de maio de 2016.
A RAPOSA ENGOLIU A ZEBRA
por Pedro Redig, de Londres
“Dilly ding, dilly dong”, opera, rap, elogios de políticos, pizza, batata frita, frio de menos 135 graus, chuva e calor. Foi assim que o Leicester chegou ao glorioso título de campeão inglês, botando os gigantes da Premier League no bolso.
O arrogante José Mourinho, despedido durante a temporada pelo Chelsea e queridinho da mídia esportiva inglesa, dá lugar ao irreverente Claudio Ranieri.
É um triunfo duplo e inédito nos 23 anos da divisão de elite. O italiano venceu o primeiro campeonato nacional depois de 29 anos e o Leicester faturou o primeiro título em 132 anos de existência.
Antes dos “Foxes”, como são apelidadas as “raposas”, o último time a vencer pela primeira vez foi o Nothingam Forest em 1978. O triunfo do Leicester já rendeu amistosos contra os poderosos e milionários PSG e Barcelona e o clube agora pode agora surpreender na Liga dos Campeões.
O milagre do romano Ranieri, comparado ao imperador César e ao poderoso chefão, começou na verdade no fim da temporada passada. Depois de passar 140 dias na lanterna, o time então comandado por Nigel Pearson arrancou sete vitórias nos últimos nove jogos para escapar de fininho do rebaixamento.
Por conta disso, o Leicester era cotado a 5000 por 1 libra para ser campeão este ano. Quem apostou 100 libras, teve direito a meio milhão, ou seja R$ 2,5 milhões de reais. O sucesso no campo virou um tremendo prejuízo para as casas de jogos.
Da noite para o dia, o clube passou a 12º mais rico da Inglaterra e ficou em 24º lugar do ranking mundial. O Leicester gastou um total de £52,8 milhões de libras para montar o time campeão – menos do que o Manchester United pagou apenas para ter o atacante frances Anthony Martial. O título vai render ao clube um mínimo de £150 milhões de lbras, cerca de £750 milhões de reais.
“Dilly ding, dilly dong” foi o jeito que o impagável Ranieri encontrou para manter os jogadores na ponta dos cascos nos treinamentos. Quem tivesse meio distraído, ouvia este som de campainha berrado pelo treinador de 64 anos que também levantou a moral do time bancando pizza para todos os jogadores.
– Eu sou um cara que pensa e não um maluco – desabafou Ranieri depois de conquistar o título com duas rodadas de antecedencia. “Dilly ding, dilly dong, nós estamos na Champions League,” emendou o italiano todo feliz.
O Leicester não gastou quase nada mas comprou muito bem em relacão ao rivais que desembolsaram centenas de milhões sem conseguir superaro modesto clube da regiao central da Inglaterra conhecida como Midlands.
O artilheiro Vardy e o meio-campo Mahrez custaram juntos £1,5 milhão. O atacante foi pescado de uma liga semi-amadora em 2012 e o argelino veio do Le Havre da segunda divisão francesa. Mahrez começou a ganhar fama atuando em peladas num estacionamento em Paris e está agora na mira do Real Madrid.
Outra peça-chave foi o frances Kanté, festejado como o melhor volante da Premier League. Isso sem falar no goleirão Kasper Schmeichel, herdeiro da categoria do pai Peter, considerado por muitos como um do melhores goleiros de todos os tempos. O capitão Morgan também foi destaque num time em que a maxima era “um por todos, todos por um.”
A façanha do Leicester mereceu elogios do novo presidente da FIFA Gianni Infantino e do primeiro ministro inglês David Cameron com palmas no Parlamento e um deputado de cachecol azul e branco – as cores do novo campeão.
O jornal ‘The Guardian’ publicou na primeira página um poema como se o rei Ricardo III tivesse fazendo uma elegia ao Leicester. Os mais supersticiosos acreditam que o restos mortais do monarca inglês enterrados na cidade há pouco mais de um ano foram o talismã que faltava para o Leicester.
Cantores de rap locais encheram a bola de todos os jogadores, um coro festejou a glória do time em ritmo de gospel e o tenor Andrea Bocelli abriu a festa da entregada taça com uma interpretação emocionada de “Nessun Dorma”, vestido com a camisa do Leicester.
Depois de 139 dias na liderança, o Leicester recebeu o troféu ao final de uma goleada de 4 a 1 sobre o Everton na penúltima rodada. A festa teve batata frita de graça para a galera debaixo das cadeiras. Foi o presente de um patrocinadorno estádio onde o Brasil jogou e ganhou da Jamaica por 1 a 0, gol de Roberto Carlos, em 2003, numa seleção que ainda tinha Ronaldo no comando de ataque.
O ‘enorme’ chefe da torcida e tocador de bumbo fez um strip tease para mostrar um baita escudo do clube tatuado nas costas. O torcedor do clube e veterano artilheiro Gary Lineker não cumpriu a promessa de aparecer de cueca no programa “Match of the Day” que apresenta, mas a imagem dele quase peladocirculou nas redes sociais. A direção do programa da BBC esclarece que Lineker prometeu aparecer no ar de cueca na primeira rodada da próxima temporada em agosto.
São muitos os segredos para uma conquista tão especial e uma das armas do Leicester foi um compartimento que é uma espécie de sauna ultra gelada capaz de produzir um frio de até 135 graus negativos. O choque térmico serve para recuperar os músculos e a energia dos atletas no intervalo entre os jogos.
Com a coroa do troféu na cabeça, Ranieri confessou que começou a acreditar que o sonho era possível quando perdeu de 2 a 1 com 10 jogadores mas deu um calor no Arsenal – o único time que venceu o Leicester duas vezes no campeonato.
– Jogamos com o coração, nao quero acordar e sim continuar sonhando – confessou Ranieri.
Para ele, os favoritos de sempre falharam porque não mostraram a mesma consistência do Leicester. Desde a fundação em 1992, aPremier League só teve cinco campeões: Manchester United, Chelsea, Arsenal, Manchester City e Blackburn Rovers.
O Leicester agora pode fazer história na Europa. Assim como o Atlético de Madri, usa a tática dos boxeadores que absorvem os golpes, mas são capazes de ‘matar’ o adversário com um simples contra-ataque. O time inglês derruba o mito de que domínio ganha jogo.
Com menos posse de bola, chutes a gol, sofrendo mais e marcando menos gols por jogo do que a maioria dos outros campeões da Premier League, a raposa que engoliu a zebra vai em busca de novas presas.
Na base do bom humor, brincadeiras e muita solidariedade, Ranieri conquistou os jogadores e fez o mundo do futebol acreditar, espantado, que o impossível às vezes acontece. Parabéns aos novos campeões.
O Futebol é cimento, o do chão e o da alma
por Paulo Junior, do ABC Paulista
Cimento. Deve ter um ano, eu li numa entrevista de um jornal português com o escritor brasileiro Sérgio Rodrigues. Cimento. O repórter perguntava se o futebol era bom ou ruim para as relações familiares. E o Sérgio respondeu que era o cimento principal das primeiras alianças entre pais e filhos (cada vez mais mães e filhas também, ele ressalta) pequenos. Cimento. Nunca havia pensado numa expressão melhor.
Cimento porque está lá, estável, velho, desgastado, com aspecto duvidoso, mas estável, cimentado, oras, da forma que passou pelos últimos anos todos e suportará tantos vários outros domingos em que a família se reconhece na saudade do camisa 10 que não existe mais, na raiva uníssona direcionada ao goleiro frangueiro que passa pela chaleira do café, rebate no encosto do sofá e reverbera na tela da televisão, no rádio que vai sendo abafado pelo calor do banho.
E aí vem um cineasta na faixa dos 40-50, duas décadas sem ver o pai na mão e uma nostalgia de Pacaembu na cabeça, com uma ideia dessas, que pega lá no cimento: radicado na Espanha, Sergio Oksman convida o pai para assistirem a Copa do Mundo juntos, perambulando por São Paulo, e gravando um documentário deste mês de reencontro.
O Futebol, filme que acaba de vencer o Festival É Tudo Verdade e está em cartaz em circuito comercial (Caixa Belas Artes, em São Paulo), tem uma sensibilidade rara. Simão, o pai, é um senhor que ainda trabalha duro, bom de papo, rabugento na medida certa, nostálgico de escalar o Palmeiras da primeira vez com o filho no estádio ou de desafiar, de boteco em boteco, alguém que tenha mais memória futebolística que ele: quem foi o árbitro da final do Paulista do Quarto Centenário?, quero só o árbitro do jogo, quem?
Sérgio, diretor e filho, conduz tudo com paciência e carinho, sugere sem invadir, documenta bancando uma narrativa imprevista, que faz chover no reencontro no Estádio Municipal, que traz a doença em plena chegada do fatídico 7 a 1, que tem como cimento segundo – do primeiro já falamos – o do cinema, o da vontade do idealizador em fazer cinema, independente de questões outras.
Sem heróis nem romantismo, O Futebol é a vida como ela é, um almoço de domingo lembrando derrotas do Palmeiras. Umas mais doídas, mais surpreendentes que outras, principalmente quando remetem à primeira sola do pé, ainda pequeno, no chão frio do quintal.