O ESTRATEGISTA
por Sergio Pugliese
Se Felipão e Parreira tivessem dado um pulinho no campo do Riviera, na Barra da Tijuca, dez dias antes do fatídico jogo entre Brasil x Alemanha, o resultado certamente seria outro e a humilhação, evitada. Nessa noite, o técnico Daniel de Sá Viana do Castelo, o Coluninha, deu um show de improvisações, ousadia e, principalmente, atitude. Tudo para livrar o time do condomínio de uma derrota massacrante para o rival Parque das Rosas.
– O Coluninha é um estrategista nato e já conseguiu reverter placares aparentemente impossíveis. É o Joel Santana, do Riviera – elogiou o assessor de comunicação do Flamengo Reyes de Sá Viana do Castelo, num encontro com a equipe do Museu da Pelada para recordar o feito do primo.
A comparação com Joel Santana é por conta da histórica virada do Vasco em cima do Palmeiras, em 2000, na final da Copa Mercosul. O Verdão marcou três gols em nove minutos e no segundo tempo o Gigante da Colina ainda teve o zagueiro Junior Baiano expulso. Mas com três gols de Romário e um de Juninho Paulista, “o time da virada, o time do amor” venceu por 4 x 3. Milagre no Palestra Itália!!!! Brilhou a estrela de Joel Santana e a inseparável prancheta!! O rubro-negro Coluninha considera essa partida uma das mais emocionantes da história do futebol e de lá para cá tomou gosto por esquemas táticos e também vem surpreendendo os adversários.
– Felipão me decepcionou. Aceitou a pressão alemã, demorou a mexer e terminou humilhado – comentou ele, fã dos técnicos Telê Santana, Pep Guardiola e Klinsmann.
No embate contra o Parque das Rosas, Coluninha alterou o time logo aos cinco minutos, após o primo e goleiro Reyes de Sá Viana do Castelo, de quase dois metros de altura, ser encoberto no gol de Romã. “Sai, sai, vai para o ataque!!!”, determinou. Decisão bem mais polêmica do que a do técnico holandês Louis van Gaal, que momentos antes da disputa de pênaltis substituiu Cillessen por Krul.
– Ele deve ter se inspirado em mim, afinal fiz antes dele. E reconheço que trocar o Reyes, um gigante, pelo Márcio Gordinho foi um banho de ousadia – gabou-se Coluninha.
Mas em menos de oito minutos o Parque das Rosas marcou mais três, com Paulo Leonardo, Careca e Gugão. Humilhação, não, pensou Coluninha. Nesse momento, a atitude do grande treinador aflorou. Como a partida ainda estava no início, ele entrou em campo numa desesperada tentativa de frear o anunciado vexame: “Vamos mesclar, rapaziada, tá sem graça! Pelada desequilibrada não dá”. Os adversários, perplexos, tentaram contra argumentar, mas Coluninha prosseguia surdo: “Leva o Juvenil e me dá o Careca, manda o Talma e fica com o Edu”. Para não contrariar a fera, os coletes foram trocados e o jogo recomeçou.
– O Felipão tinha que ter feito isso. Ficou com cara de bobo ao invés de sugerir a troca do Fred pelo Muller e a do Hulk pelo Klose – comentou o “professor”.
As trocas surtiram efeito e o primo Reyes, expulso do gol, marcou dois golaços: 4 x 2. Da beira do campo, Coluninha invertia os craques de posição e corria como um bandeirinha para orientar o ponta Careca. Num desses ataques, Talma enganou os marcadores e fez o terceiro. Coluninha quase endoidou!!! Precisava manter a invencibilidade de 52 jogos. Pênalti!!! Seria o empate. Confiante, Reyes posicionou a bola e disparou. Para fora!!!! Irritado, Coluninha mandou Reyes assumir novamente o gol e colocou Márcio Gordinho de centroavante. “Tente se movimentar mais do que o cone Fred. O Walter também é cheinho e corre”, ironizou.
– Tem que mexer com o psicológico do jogador e o Gordinho precisava mostrar serviço – explicou.
E no primeiro lance, Márcio Gordinho acertou um tirambaço de fora da área e empatou o jogo! Coluninha pirou! Mas Gordinho correu tanto na comemoração que não aguentava dar mais um passo. Sentou-se, apoiado no alambrado, e nem o Carvalhão conseguiu içá-lo.
– Sem reservas, era a minha hora – lembrou Coluninha, apelido ganho por conta das insuportáveis dores na coluna.
Coluninha comemora a atuação brilhante (Foto: Reyes de Sá Viana do Castelo)
Mas nenhuma dor o impediria de entrar na vaga de Gordinho. Cracaço, no final dos anos 90 barbarizava no campinho de terra batida do Clube Marapendi, ao lado das feras Leo e Dudu, filhos de Bigode, criador do lendário Geração 2000. Entrou pedindo bola mas, ansioso, era facilmente desarmado. Sem jogar há quase um ano, buscava o fôlego mas não acompanhava o ritmo frenético da partida. Mas quem foi rei nunca perde a majestade e por um momento lembrou-se dos treinamentos no Cachoeirense, de Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, no Clube da Aeronáutica. Dava show observado por Seu Corrêa, saudoso técnico, que o orientava da forma mais pura possível: “Joga sincero!”. Quando faltavam dois minutos para o apito do árbitro, Coluninha recebeu a redonda e após uma gingada desconcertante, deixou três adversários no chão e marcou um golaço-aço-aço!!!! Herói da resenha, empunhou a caneca de chope zero grau para a foto e aos que perguntaram sobre o segredo do sucesso do estrategista, respondia “joga sincero!”.
NOCAUTE
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Em primeiro lugar gostaria de dizer que a morte de Muhammad Ali foi um direto no meu queixo. Era uma lenda, um líder que usou a sua notoriedade e o seu espaço na mídia para gritar contra o racismo. Entre as muitas histórias que ouvimos a seu respeito, uma me comove porque vivi algo semelhante, a de não ser atendido num restaurante por ser negro. Estava com o time do Botafogo, no Sul, e demos meia-volta. É uma dor profunda e ao mesmo tempo uma vontade de sacolejar o mundo e perguntar o que está havendo com a humanidade. Mas essa perseguição nos acompanha até hoje e não podemos nos calar.
As frases de Ali não saíam de minha cabeça e fiquei imaginando como seria o maior pugilista de todos os tempos assistindo à péssima estreia do Brasil, na Copa América. Tadinho. Primeiro teria que lhe explicar que aquele goleiro com pinta de galã, que tomou um frango espetacular, entrou pela janela na vaga de um negro, cortado da seleção sem maiores explicações. Não, Ali, não quero imaginar que tenha sido por causa de sua cor, apesar de nosso técnico….deixa para lá.
Também teria que contar para Ali a história de Barbosa, outro goleiro negro que comeu o pão que o diabo amassou. Como seria Ali assistindo a esse Brasil de hoje??? O cara esteve na despedida de Pelé, do Cosmos! Encontro de reis!!! Se temos algum rei hoje, Ali? Esquece, nem time temos. Nossos jogadores são de clubes, não de seleção, e alguns nem de clube são. Ali, não me pergunte o que esse goleiro, o do frango, está fazendo ali. Me parece que é para ser valorizado, que os clubes da Europa só contratam quem passou pela seleção. Mas deve ser mais uma das balelas que ouvimos por aí.
Ali, olha, olha aquilo!!! Deve ser uma homenagem para você!!! O lateral Filipe Luís foi nocauteado pelo próprio companheiro!!!! Surreal!!! É boxe, Ali, é boxe!!!! Dunga, numa boa, porque não aproveita esse clima de boxe e joga a toalha!
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 7 de junho de 2016
João Havelange
100 anos depois…
texto e entrevista: Sergio Pugliese | vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Rodrigo Cabral
Não foi o aniversário de 100 anos imaginado por João Havelange. Longe do prestígio, isolado e sem nenhuma comemoração por parte da FIFA, o dirigente que já foi uma das personalidades mais respeitadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), agora tenta provar sua inocência no suborno por parte da empresa ISL, que comercializava os direitos audiovisuais da Copa do Mundo. Poucos dias antes de ver o seu nome estampar as páginas policiais do jornais e o mundo desabar sobre sua cabeça, o mestre das relações públicas recebeu o Museu da Pelada e falou sobre seus tempos de zagueiro juvenil do Fluminense, da saída de João Saldanha do comando da seleção de 70, do faturamento das Copas e dos bastidores da escolha para o país sede da Copa de 2018: “a Rússia sempre me prestigiou. Os ingleses ficaram chateados com a escolha, mas eu quero que eles se fodam”. Sobre a tecnologia no futebol, como por exemplo o uso de chips em bolas, foi claro: “a força do futebol está no erro do árbitro”.
Guillermo Planel e João Havelange, no dia da entrevista.
OS VINGADORES
por Zé Roberto Padilha
Felipe, meu neto, completou seis anos no sábado. Como ele ama o futebol em primeiro lugar, o Fluminense em segundo e o Atlético Mineiro em terceiro, tive que buscar inspiração para lhe comprar o presente, pois já ganhou todas as fitas do Playstation, tênis e chuteiras diversas, camisas até da Copa da UEFA, bolas diversas e figurinhas do álbum do Brasileirão. Encontrei uma bola diferente, de Rugby e mandei embrulhar. Ao recebê-la, abriu um sorriso de criança diante de algo diferente, agradeceu e saiu para bater pelada no campinho do sítio com os amigos. Pelada de bola redonda do futebol brasileiro. Do pai, ganhou de presente uma ida no domingo à Volta Redonda para ver o Fluminense jogar.
Quando partiu, parti junto com as minhas lembranças da primeira vez que fui ao Maracanã ver o nosso tricolor jogar: 18 de dezembro de 1960. Tinha oito anos e era decisão do Campeonato Carioca. Público pagante: 98.099. Placar: América 2×1, com gols de Nilo e Jorge, contra um de Pinheiro. Voltei de lá tão fascinado, e contrariado, que pedi uma chuteira para o meu pai e, como Van Damme e Bruce Willys, prometi um dia ser jogador de futebol do Fluminense para nos vingar daqueles vermelhos. Ela, a vingança, demorou 15 anos e estava na ponta esquerda quando Rivelino, diante de 96.047 pagantes, desferiu uma bomba como Hiroshima que dizimou não o Japão, mas um País. O goleiro do América. Para a vingança ser completa, faltaram ao estádio apenas 2.052 torcedores.
Chegando ao Raulino de Oliveira, Felipe encontrou na sua estreia apenas 2.860 pagantes. Não viu de perto o duelo de Castilho, Pinheiro e Altair versus Calazans, Quarentinha e Nilo. O nosso ataque era Maurinho, Valdo, Telê e Escurinho. Domingo, a disputa foi do Edson contra Fernandes, Gum marcando Ribamar. Em 1960, raros eram os passes errados, pois se a bola é que corria, não os jogadores, sua posse e uso era tratada com extremo carinho. Faltavam cinco minutos para terminar Fluminense x Botafogo e o “scout”da Globo já apontava 75 passes errados. Deve ter passado de um por minuto jogado. O próprio gol que decidiu a partida não saiu de uma jogada trabalhada. Saiu de um passe errado.
Quando acabou a transmissão, minhas memórias fizeram com o Felipe a viagem da volta. Fiquei a imaginar entrando no carro decepcionado, e no lugar de vir contando as obras de arte do Telê, o chute decisivo do Jorge, voltou calado perante a falta de inspiração do Salgueiro, que nem que se juntasse a Beija Flôr e a Mangueira, estaria a altura da camisa que foi do Gérson. E do Afonsinho. Fora Cícero e Scarpa, que poderiam vestir a 10 do Telê, se enfiando pelas pontas no lugar de centralizar suas jogadas, encostar no Fred, tabelar e procurar o gol. Que sempre será o grande momento do futebol.
Eram 20h30 quando chegou de Volta Redonda. Liguei para ele: “E aí? Gostou, Felipe?” Mais ou menos, respondeu. E devolveu: “ Vô, tem escolinha de futebol americano em Três Rios?”. Pelo visto, meu neto veio da estréia querendo se vingar também. Não do América ou do Botafogo. Mas do futebol brasileiro.
Obrigado, Rei!
por Lucio Branco
Já indo dormir, agora, saibo por uma postagem do Steve Berg que o MAIOR SER HUMANO vivo que habitava este planeta não está mais vivo. Ele já era imortal em vida, é verdade, mas sabê-lo ainda entre nós era um alento e tanto. Para mim, era um motivo de orgulho poder ser seu contemporâneo em parte da sua existência temporal. Nada de idolatria nessas palavras, apenas a constatação de um sentimento real que, por mais que eu sinta, ainda não o alcança.
Só hoje, pensei nele inúmeras vezes. Mais cedo, postei por aqui um flagrante de um encontro dele com outro monstro: Bo Diddley. Lembrei do encontro dele com o Pelé quando o camisa 10 se despediu do Cosmos e, logo depois, respondi a uma pergunta de uma entrevista sobre o Barba, Cabelo e Bigode nos seguintes termos: “Em suma: no caso dele (Pelé), pedir para o homem repetir o atleta é muito. E é exigir demais da Vida que uma mesma geração comporte dois Muhammad Alis”.
Tudo isso apenas hoje.
Semana passada assisti a mais um documentário sobre ele e cogitei como estaria a sua saúde. Agora é impossível conter o choro aqui.
Meu sono será pesado esta noite… Que o seu seja leve por toda a Eternidade, campeão. Você foi simplesmente o maior evento na História recente do Homem.
Adeus.