É MUITO DIFÍCIL SER PELÉ
por Serginho5Bocas
Antes de Pelé surgir para o mundo do futebol, ninguém conhecia a realeza, ainda não havia nascido alguém capaz de encantar a todos e carregar o imenso fardo de ser o melhor sempre. Ninguém imaginava que alguém pudesse ser tão poderoso.
O mundo só foi conhecer o Messias na Copa de 1958, nos gramados da Suécia, em parcos quatro jogos, mas nós brasileiros, tivemos mais sorte, um pouco antes, em meados de 1956, sua majestade já encantava por aqui com dribles e gols.
Nelson Rodrigues foi o primeiro, apesar de míope, a enxergar todo o talento daquele moleque franzino, mas que já “gastava” a bola como gente grande. Em um jogo em que o Santos venceu o América por 5×3, Pelé encaçapou quatro bolas e aí o genial Nelson não se conteve e o chamou de Rei. Isso mesmo, aos 17 anos, antes de todos, ele vaticinou o que depois ficou óbvio para todos, que só tiveram o trabalho de homologar.
Então, por que não é fácil ser Pelé, até mesmo para o Edson?
Porque Pelé não foi um jogador de futebol como os outros, não tinha uma habilidade específica que o diferenciava. Ele era acima da média em quase todos os fundamentos e fora do campo cuidou da sua imagem como poucos. Nasceu para a realeza, essa era a diferença.
Pelé, aos 17 anos, debutando no cenário internacional, deu show na sua primeira Copa do Mundo na Suécia. Na ocasião, marcou seis vezes em quatro partidas, sendo que na final se eternizou com um gol em que dá um lençol no zagueiro e, sem deixar a bola cair, bate para o fundo das redes. Um golaço para a história pela beleza, pela dificuldade em executar o lance e pela precocidade.
Já aos 29, fez quatro gols em seis jogos da Copa do México. Marcou um gol de cabeça espetacular, inventou jogadas de futebol que assombraram o mundo. Pegou a Copa e botou no bolso, quando muitos diziam que ele estava acabado para o futebol. A fera jogou quatro Copas e ganhou três, fazendo gols em duas finais. Dois golaços, diga-se de passagem, inigualável.
A diferença dele para os outros é que ele parecia ser muito experiente quando tinha apenas 17 anos e lembrava um garoto na maturidade dos 30. Esse era o segredo do Rei: maduro ou jovem a qualquer tempo, só que ninguém mais conseguiu repetir este feito.
Fez mais de 1200 gols e ganhou todos os títulos que disputou muitas vezes. Ele não jogou em um time milionário que o fez aumentar de tamanho, ele fez o Santos ser o maior do mundo e mais temido. A equipe paulista, aliás, nunca foi tão grande antes, nem depois da passagem do Rei por lá.
Ser desse jeito custa caro e Pelé pagou o preço quando comemorou 50 anos. Jogou um amistoso festivo pela seleção brasileira frente a uma seleção de craques do resto do mundo e, por não ter feito gol e jogadas acrobáticas, teve gente desconfiando que aquele quase coroa foi essa “coca-cola” toda. Não posso deixar de falar que se Rinaldo (ponta da seleção naquele jogo) não fosse “fominha” e tivesse passado a bola para o Rei, em vez de tentar um chute sem ângulo, a historia seria outra.
Agora imagina ser comparado ao Pelé sem ser Pelé? Suicídio!
Vários craques chegaram perto, mas todos ficaram pelo caminho.
Di Stefano começou a jogar antes do Rei e fez historia na Europa, comandando o histórico Real Madrid, um time recheado de estrelas e supercampeão do continente. Em Copas do Mundo, no entanto, foi medíocre, uma passagem discreta pela Espanha na Copa de 1962. Não dá para comparar.
Eusébio, a pantera negra de Portugal, talvez, por ter comandado a eliminação do Brasil de Pelé em 1966, chegou a ser comparado ao Rei, mas a carreira não teve a continuidade e as comparações foram arrefecendo. Era rápido, forte, fazia muitos gols, ganhou títulos e premiações importantes, mas ficou longe demais.
Cruyff era o jogador do campo todo, elegante e cerebral, lia o jogo, uma máquina de jogar e de fazer seu time jogar, mas não fazia gols como o Rei, não foi campeão do mundo, mas ainda assim, foi um dos que chegou mais perto em termos de qualidade e de respeito e temor dos adversários.
Beckembauer foi outro da lista. Elegante, excepcional com a bola, foi um zagueiro, líbero que comandava seu time e sua seleção como um líder nato. Saía de trás organizando o jogo, driblava bem, fazia gols e defendia como poucos, mas perto do Rei, ficava pequeno.
Em nosso quintal, Zico, apesar de não ter vencido uma Copa do Mundo, tinha o estilo de arco e flecha, aquele jogador que vem do meio armando jogadas e concluindo na área, cabeceava bem, batia fácil com as duas pernas, talvez tenha sido o maior batedor de faltas que o mundo viu, mas não foi tão monstruoso. Ser lembrado pelo próprio Rei já foi uma honra.
Maradona foi o jogador canhoto mais espetacular que o mundo já viu, mas não era o mesmo com a direita, não cabeceava como o Rei e, em termos de títulos e gols, ficou a léguas. O segundo lugar está de bom tamanho para quem jogou quatro Copas e ganhou uma espetacularmente.
Garrincha foi uma alegria literalmente, as pessoas iam ao estádio para vê-lo, torciam para a bola chegar aos seus pés na ponta direita, e não era apenas um “showman”. A alegria do povo também ganhou Copa do Mundo com e sem o Rei, mas não foi tão eficiente nem tão vitorioso, fica um pouco atrás.
Ronaldo foi espetacular muito jovem, ganhou duas Copas das quatro que esteve, foi artilheiro de uma e fez mais gols que o Rei em mundiais, mas talvez as contusões tenham reduzido suas chances de igualar ou ultrapassá-lo. Muito cedo sofreu lesões gravíssimas, uma pena. Era uma grande aposta para poder batê-lo, um dos poucos que também foi especial tão jovem, mas também não deu.
Messi era o candidato recente mais cotado. Craque especial e precoce como o Rei, venceu mundial de juniores, ganhou ouro em olimpíadas e no Barcelona venceu tudo que se possa imaginar. Na seleção da Argentina não foi tão efetivo, perdeu final de Copa do Mundo, finais de Copa América e definitivamente não há mais como chegar, uma pena.
Por tudo isso e mais um pouco é tão difícil ser Pelé…
Pelé foi mais do que um jogador, mais do que um atleta, foi uma marca, um selo. Quem nunca disse uma vez na vida: “aquele cara ali é o Pelé do basquete” ou utilizou essa expressão para dimensionar a grandeza de alguém em qualquer outro esporte ou atividade?
Por isso, volto a afirmar: É muito, mas é muito difícil ser Pelé, entende?
E você o que acha?
O AVESSO DA VIDA
Há exatos 13 anos, o jornalismo perdia um craque que fez história no Jornal O Dia. Durante quase quatro décadas, Léo Montenegro escreveu crônicas, diárias, sensacionais e divertidas, abordando o cotidiano do Rio de Janeiro, assinada “Avesso da Vida”. A habilidade em escrever era tanta, que Ziraldo chegou a compará-lo com ninguém menos do que Nelson Rodrigues.
Com uma linguagem simples, as histórias se passavam em botecos, trens e, claro, no Maracanã. O futebol era uma de suas paixões: “O craque”, “O goleiro enganado”, “O tal do espírito olímpico” e “O pênalti” foram algumas das muitas colunas hilárias abordando futebol que produziu.
Com o intuito de resgatar a história de Montenegro, considerado um dos quatro melhores cronistas do Rio, o sobrinho Marcelo Ramos, com a ajuda de Lidia Montenegro, viúva do saudoso jornalista, digitalizou grande parte do acervo para transformá-lo em livro. Vale destacar que a obra terá o prefácio escrito por Ziraldo e contará com textos inéditos de Montenegro. Já diagramado, o livro só depende de uma editora para ser publicado.
Recentemente, Marcelo selecionou algumas histórias para o Museu da Pelada. Léo Montenegro merece muito mais do que essa singela homenagem!
Valeu, Léo!!
Confira uma das, aproximadamente, 12 mil crônicas que Montenegro escreveu:
IMPASSE ANTES DO FUTEBOL
Clenérgio inventou a pelada e foi logo sugerindo:
– Vai ser entre casados e solteiros! Portanto, 11 casados pra cá e 11 solteiros pra lá!
Apresentaram-se 10 casados e 12 solteiros, o que complicou a cabeça do Clenérgio:
– A conta não bate! Falta um casado!
– Que tal a gente convidar Seu Ramalhagem? Ele é viúvo! – um gordinho sugeriu.
Clenérgio não topou:
– Não dá, ele tá doente.
Um magricela solteiro:
– Deixem comigo! Eu jogo!
Clenérgio espanou geral:
– Não pode! Pra jogar no time dos casados, só com certidão!
O magricela argumentou:
– Eu trago quando me casar!
Um careca respondeu:
– Vai demorar! O jogo já vai atrasar porque eu, como divorciado, serei o juiz e pedirei um minuto de silêncio pela passagem do avô, há 20 anos!
Clenérgio concordou:
– Viu? Vai demorar muito.
Um baixinho casado:
– Os solteiros não arrumam mulher e atrasam o jogo!
O magricela insistiu:
– Mulher não é problema! Eu quero jogar no time de casados pra me sentir casado!
Clenérgio, impaciente:
– Ai, meus colarinhos!
O careca, com pena, sugeriu:
– Vamos deixar! Ele quer saber qual a sensação de ser casado!
A concessão foi dada, e o magricela bateu um bolão. Depois do jogo, foi ao Clenérgio:
– Adorei ser casado! Você pode emprestas sua senhora pra eu saber mesmo como é ser casado?
Levou uma piaba e foi parar no hospital, onde teve que dizer seu estado civil ao atendente:
– Fui casado durante 90 minutos. Agora, tô solteiro de novo!
COCADA, O CARA
por Sergio Pugliese
O entregador da farmácia, atrasado, deu uma freada na esquina da Constante Ramos com Domingos Ferreira, em Copacabana, e perguntou para um rapaz, na calçada, com um copo de cerveja na mão, se o cara sentado, de bermuda, resenhando com amigos, no Belo Bar, era o Zico.
– Ele mesmo!
– Peraí, é o Zico sentado ali, o Galinho de Quintino, e você fala “ele mesmo” como se fosse um parceiro normal de pelada?
– Sempre que o Cocada chama ele vem….
Após a pelada, Cocada (em destaque) se reuniu com os amigos, entre eles Zico, para a tradicional resenha no bar
– E quem é o Cocada?
– O do Chelsea!
– Chelsea!!!! Tem alguém do Chelsea aí no boteco? Cocada? É o apelido do William?
– Chelsea, futebol de praia. O Cocada é o cara da praia, já ganhou tudo e tem moral com a rapaziada.
– Caraca, qual deles é o Cocada, ali? – perguntou apontando com a cabeça para a resenha.
– Aquele, sem camisa ali, no meio da resenha.
– Moral mesmo, hein!
– Jogava muito?
Cocada (de laranja) posa para foto com Zico e o treinador Alexandre Gama
– Deitou e rolou, mas se quiser ver é só ir domingo, no Posto 4, às nove. Sempre joga e leva convidados. Dessa vez, chamou o Zico.
– Chamar todo mundo chama, o problema é ir.
– Mas, ali, na mesa também estão Magal, Júnior Negão, Neném, Chumbinho, só lenda da praia.
– Peraí, parceiro, lenda é o Zico! Cara, esse cara foi campeão do mundo pelo Flamengo, jogou na seleção de 82, a mais foda de todas, e tá sentadinho num boteco de Copacabana. Só no Rio! Mas o Galo jogou na praia?
– O time dele ganhou de 8 a 6 e ele meteu seis!
– Tá de sacanagem? Cocada jogou com ele?
– Cocada, Pato, Dime, Renatinho, Júnior Negão, Tom, Gama e Magal, seleção!
– E outro era bom?
– Neymar….
– Sério que o Neymar veio????????
– Não!!!! Kkkkk!!!! É apelido! Neymar, Enzo, Neivaldo, Betinho, Luciano, Chumbinho, Alberto Neném e Gilmar Popoca.
– Esse Gilmar Popoca não foi 10 no Fla?
– Ele mesmo!
– Porra, esse Cocada é foda, hein! – disse, antes de partir, atrasadíssimo, para mais uma entrega.
Zico prestigiou a pelada do Chelsea
PARABÉNS, ADO!!
Goleiro reserva na conquista da Copa de 70, Eduardo Roberto Stinghen, o Ado, completa 72 anos hoje! Com a camisa do Corinthians foram mais de 200 jogos! Lembram do paredão?
NÃO CHORE POR MIM, ARGENTINA!
por Zé Roberto Padilha
A reportagem de O Globo, de sábado, sobre o futebol argentino, vai além da nossa compreensão. Um paradoxo só compreendido por se tratar de um esporte regido pela emoção, não pela razão: “Jejum de 23 anos sem títulos na seleção principal leva caos ao futebol olímpico!”. Duas linhas à frente, a reportagem conclui “a Argentina deve assumir a liderança do próximo ranking da FIFA.” Como pode haver crise em um futebol que alcança o posto de melhor do mundo, à frente de Alemanha e Espanha, apenas por que não ganhou a final da ultima Copa do Mundo e da Copa América? Será que o conjunto da recente obra invicta, os ingredientes que confeccionaram o bolo são menos importantes do que a cereja colocada sobre a conquista chilena, alcançada após a prorrogação e a disputa de penalidades máximas?
Ronaldão, nosso bravo e limitado ex-zagueiro do São Paulo foi campeão mundial. Nós, torcedores, lembramos dele como o “Rei dos Carrinhos”. Um recurso geralmente praticado por zagueiros que, sem o tempo da bola para antecipar os atacantes, como o Edinho, o Juan e o Ricardo Gomes, se atiram para interceptar a jogada. Na metade dos carrinhos, Ronaldão achava a bola, nas outras tentativas levavajunto o tornozelo, além de cometer pênaltis infantis e receber cartões em todos os jogos. Zico, Falcão, Leandro, Júnior, Cerezzo e Sócrates, com repertórios variados de jogadas de pura arte e sem violência, jamais ganharam uma Copa do Mundo. Mas quando o IBOPE sai às ruas para saber do torcedor brasileiro qual a melhor seleção de todos os tempos, a de 1982 empata com a de 1970. A do tetracampeonato, vencida com a ajuda dos carrinhos do Ronaldão, de Mauro Silva, César Sampaio, Branco e Zinho só é lembrada pelo desempenho do Romário. Se não fossem os gols do baixinho, quem lembraria outro símbolo daquela conquista se não a bola isolada por Roberto Baggio por cima do gol de Taffarel? Se um italiano, Paulo Rossi, tirou-nos a Copa merecida, outro nos deu de presente a imerecida. Os italianos sempre foram elegantes, educados e gentis. Afinal, o latim ainda é a língua oficial da Cidade do Vaticano.
Acostumamos, no futebol, a dar um peso maior a cereja do bolo, o licor que coroa um lauto banquete, no lugar de quem matou a nossa fome de bola. Para latinos-americanos ainda com resquícios de subdesenvolvidos, vice-campeão não é o segundo melhor colocado. É o primeiro dos perdedores. Enquanto isso, a Islândia, racional e resolvida, deixa a Eurocopa ovacionada por alcançar o quarto lugar. Seus jogadores estão sendo aguardados no aeroporto de Reykjavic e desfilarão por suas avenidas como heróis nacionais. Já Messi, o melhor do mundo da melhor seleção do mundo, soluça: “Não chore por mim, Argentina!”.
Preferimos, no futebol sul-americano, exaltar o fechar com “chave de ouro”, mesmo que a porta seja de lata e guarde lá dentro trajetórias esquecíveis. Como os carrinhos do Ronaldão, a enceradeira encostada em um canto, do Zinho. Em nossa memória, do lado de fora, circularão pelas salas, pelas mesas no encontro das famílias, perpetuada por seguidas gerações, a magia da equipe dirigida por Telê Santana A inesquecível falta cobrada pelo Messi contra os Estados Unidos. A última impressão não é a mediocridade da conquista, é a beleza de uma partida que, mesmo perdida, ainda é a que fica.