Denílson
o rei zulu
texto: André Mendonça | entrevista: Itiro Tanabe | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Planel
Muitos desconhecem, mas foi no início da década de 60 que surgiu o primeiro autêntico cabeça-de-área e um dos maiores marcadores da história do futebol brasileiro. Com muita disposição e um porte físico invejável, Denílson Custódio Machado logo foi apelidado pelo cronista Nelson Rodrigues de “Rei Zulu”, por conta da semelhança com os grandes líderes africanos. Na última semana, a equipe do Museu da Pelada foi até à Associação dos Servidores da Polícia Federal, mais conhecido como Serrinha, na Ilha do Governador, bater um papo com o ídolo tricolor, que, aos 73 anos de idade, ainda bate um bolão nas peladas.
Nascido em Campos dos Goytacazes, Denílson, ainda criança, se destacava nas peladas com bola de meia e pés descalços. Além de correr atrás dos adversários, ele precisava se desvencilhar das topadas e da patrulha que fazia ronda pelo local. A brincadeira começou a ficar mais séria quando o jovem começou a treinar no Madureira, na equipe juvenil. Sem empresário ou qualquerresponsável pelo seu passe, pegava o trem sozinho para treinar. Embora a rotina fosse pesada, ele confiava no potencial e não desistia. Depois de alguns treinos, se federou pelo Madureira, em 1963, e começou a disputar o campeonato. Um jogo contra o Fluminense, no entanto, mudaria sua vida. Com um poder de marcação incrível, Denílson anulou o sistema ofensivo do time das Laranjeiras e os dirigentes não tiveram dúvida: após o apito final, conversaram com a diretoria do Madureira e levaram o craque para treinar no Fluminense.
Tricolor de coração, o volante realizava o sonho de jogar no Flusão. Apesar disso, o início não foi dos mais animadores. Vindo de um clube considerado pequeno, nos primeiros treinos Denílson sentia-se isolado. Contudo, uma coincidência fez o jovem ganhar o respeito dos outros meninos.
“Quando descobriram que eu era de Campos passei a fazer parte da “máfia”. A maioria da rapaziada era campista!”
– Quando descobriram que eu era de Campos passei a fazer parte da “máfia”. A maioria da rapaziada era campista! – lembrou Denílson.
Entrosado com os companheiros, o volante passou a ser uma verdadeira pedra no sapato dos habilidosos atacantes adversários. Desempenhando uma marcação incansável, encantou o treinador Elba de Pádua Lima, o Tim, responsável por sua ascensão aos profissionais, e travou grandes duelos com gênios da bola.
“Naquela época só tinha craques (…) Mas o 10 (Pelé) só dava pra marcar com o olho! Além de ser muito forte, enganava todos os marcadores com seus dribles.”
– Naquela época só tinha craques! Cada um com uma característica diferente: Pelé, Garrincha, PC Caju, Jairzinho, Afonsinho, Nei Conceição, eram muitos! Mas o 10 (Pelé) só dava pra marcar com o olho! Além de ser muito forte, enganava todos os marcadores com seus dribles. O Tim sempre me colocava para marcar esses craques.
O saudoso treinador, aliás, conta com a grande admiração de Denílson. Além de ter sido o responsável pela ascensão do jovem aos profissionais, Tim depositava grande confiança no seu homem de marcação. A boa relação entre os dois rendeu o título carioca de 1964 ao Fluminense, logo no primeiro ano do Rei Zulu entre os profissionais.
– Eu fui o primeiro cabeça-de-área graças ao Tim. Ele era sensacional, muito estrategista! Ganhava jogo na mesa de botão! Pegava o quadrozinho dele, mexia nos botões e não tinha erro. Era um futebol simples, mas muito eficiente.
O sucesso de Denílson no Fluminense lhe rendeu a convocação para a Copa de 1966, na Inglaterra. Após ter conquistado as duas edições anteriores, a seleção brasileira chegava como grande favorita. Apesar disso, o desempenho da equipe naquele ano foi bem abaixo do esperado e, mesmo com Pelé, Garrincha e Jairzinho, conseguiu-se apenas uma vitória em três jogos, sendo eliminada de forma precoce. De acordo com Denílson, além de o Brasil ter enfrentado adversários fortes, a preparação da seleção deixou muito a desejar. Vale lembrar que, na ocasião, mais de 40 jogadores foram convocados para fazer parte da preparação e, só depois, os 23 escolhidos foram divulgados.
Depois de disputar dois dos três jogos no mundial, o Rei Zulu retornou ao Fluminense cheio de moral, titular e capitão de uma equipe recheada de craques. Aprimorou-se e melhorava cada vez mais a capacidade de dar passes e lançamentos longos, graças aos conselhos do mestre Telê Santana. O treinador queria enterrar de vez a incômoda cobrança da torcida “de tomar a bola aqui para entregar ao adversário logo adiante”.
“Eu era um jogador de contenção. Ficava mais preocupado em marcar, enquanto o treinador liberava os outros meias, como o Gérson, para dar mais apoio ao ataque.”
– Eu era um jogador de contenção. Ficava mais preocupado em marcar, enquanto o treinador liberava os outros meias, como o Gérson, para dar mais apoio ao ataque. Hoje acabou esse negócio de cabeça-de-área. O jogador que só sabe marcar está morto! Nenhum time joga mais dessa maneira.
O jogador evoluiu e estava pronto para disputar a Copa de 1970, mas seu nome não apareceu entre “as feras de Saldanha”. O duro golpe entristeceu Denílson que, se considerava no auge da carreira. O volante, no entanto, tem motivos de sobra para celebrar sua história, principalmente quando era jogador do Fluminense.
– O futebol tem dessas coisas! Você tem decepções, mas também tem muitas alegrias. A minha alegria é ter jogado e ter sido respeitado no Fluminense por quase 12 anos. É um clube que eu respeito muito e está dentro de mim faz tempo.
Após 433 jogos pelo tricolor carioca e muitos títulos conquistados, Denílson, o sétimo jogador que mais vestiu a camisa do clube, começou a perceber que estava perdendo espaço para os mais jovens. Para não ficar no banco de reservas, decidiu se transferir para o modesto Rio Negro, de Manaus, em 1973.
– Eu ia dar mole? Depois desses anos todos como capitão da equipe, cheio de moral, vou esquentar banco para a garotada? É melhor ser titular em outro time! – comentou às gargalhadas.
No ano seguinte, teve a oportunidade de ser comandado novamente por Tim. Dessa vez, no Vitória, da Bahia, onde encerrou a carreira de jogador. Após pendurar as chuteiras, foi convidado por Tim para ser seu auxiliar técnico no clube. Na ocasião, segundo o volante, aprendeu muito com o técnico. Posteriormente, fez um curso na Escola de Educação Física do Exército para ser treinador e foi convidado para dirigir um time da Nigéria. Após muita reflexão, Denílson aceitou o convite e, mesmo com todas as diferenças culturais do país, o craque diz que foram três anos maravilhosos, sem nenhum arrependimento.
Mesmo após uma vida inteira de dedicação ao esporte, o Rei Zulu ainda continua ligado ao futebol. Se não está batendo sua bolinha no campo da Polícia Federal, o craque está vendo algum jogo na televisão. As partidas do Barcelona, por exemplo, são imperdíveis para o ex-jogador.
– Aquele time jogando é brincadeira! É uma lição de como se joga! Os caras dão mais de 20 passes certos a todo momento e sempre com a finalização ao gol. Isso é inteligência, habilidade e treinamento. Eles não têm pressa de fazer o gol.
Por fim, Denílson, com vasta experiência na área, demonstrou otimismo em relação à presença de Tite no comando da seleção brasileira. De acordo com o ex-jogador, o novo técnico tem tudo para trazer de volta o bom futebol brasileiro.
– Acredito no Tite como eu acreditava no mestre Tim. Acho que a tendência é melhorar. O Tite é um excelente treinador! – completou.
“Acredito no Tite como eu acreditava no mestre Tim. Acho que a tendência é melhorar. O Tite é um excelente treinador!”
HOMEM PERUCA DO VASCO
Após duas derrotas seguidas, o Vasco da Gama voltou a vencer em São Januário para a alegria de Carlos Vilela Dos Santos, o “Homem Peruca”! Presente em todos os jogos no Rio, ele é um dos torcedores mais tradicionais do clube nos últimos anos. Confira a resenha do vascaíno com a equipe do Museu da Pelada e saiba mais sobre ele!
quem foi melhor?
Alô, amigos! O Museu da Pelada inicia hoje um novo desafio! Agora, aos sábados, vocês terão a dura missão de escolher apenas um craque para o seu time! Para quem você entrega o colete, Renato Gaúcho ou Edmundo?
REVOLTA DOS PINDORAMAS
por Flávio Carneiro
Na última crônica, falei da inesquecível peleja entre o Pindorama (seleção brasileira de escritores) e os coleguinhas alemães, durante a Feira do Livro de Frankfurt, em 2013. Sem técnico, sem treino, e jogando contra um time com estrutura de profissional, não tivemos a menor chance: 9 x 1.
O projeto previa não apenas a publicação de nossos textos sobre futebol, em edição bilíngue, as leituras em público e o jogo em Frankfurt. Haveria tudo isso em dose dupla no ano seguinte, em São Paulo.
Pouco depois do massacre de Frankfurt, convocamos uma reunião com Stefanie Kastner, do Instituto Goethe, idealizadora e coordenadora do projeto. Estávamos à beira de um motim. A reunião foi para comunicar que não faríamos a segunda parte se não atendessem às nossas reivindicações
Queríamos mudança já! Primeiro, reforços! Segundo, um técnico. E pelo menos um jogo-treino por mês, até o dia da partida.
Stefanie ouviu tudo, segurando o riso. Depois disse, quase séria:
– Mas gente, o importante são os textos. E esse encontro entre escritores dos dois países. Criamos até um blog pra vocês. O jogo é detalhe.
– Ah, é? Vocês combinaram com os alemães que o jogo é detalhe? – falei, com apoio dos companheiros escritores em luta!
Stefanie atendeu a todas as nossas solicitações, na reunião que entrou para a História como “A revolta dos pindoramas.”
O jogo aconteceu pouco antes da Copa. Traçamos uma estratégia de guerra, que começava com o grupo carioca levando os alemães para tomarem todas e mais algumas pelos bares do Rio, alguns dias antes da partida. Por pouco não acabam com o estoque de cerveja, caipirinha e feijoada da cidade.
Na véspera, já em São Paulo, foi a vez de o grupo paulista entrar em cena. O problema é que alemães bebem muito e não ficam com barriga. Não sei se é um fenômeno que contempla apenas os escritores, o que sei é que eles beberam, comeram e fumaram demais (um cigarro atrás do outro), até de madrugada. O técnico deles foi encontrado no elevador do hotel, dormindo sentado, na manhã do jogo. Adiantou alguma coisa? Nada, os desgraçados parece que tinham passado a noite à base de chá e biscoito de água e sal. Fininhos, cara boa, cheios de disposição. Odiáveis.
No vestiário, alguém do time deles veio perguntar se já poderiam entrar em campo. Sim, entraríamos em seguida. Eram dez da manhã e fazia um sol de rachar. Pois ficamos uma hora no vestiário, jogando conversa fora. E eles lá, batendo bola, impacientes. A todo momento vinham nos perguntar: e então? Já estamos indo, alguém respondia.
Começa o jogo. O Marcelo Moutinho anulava o artilheiro deles. O cartunista Junião (abrimos o leque, quadrinho e letra de música foram considerados literatura, claro), o jornalista Vladir Lemos e o poeta e craque nas horas vagas Bith dominavam o meio-campo. Otávio Jr. (escritor e livreiro do morro do Alemão, olha a ironia) infernizava a defesa adversária. O time todo estava jogando o fino. Final do primeiro tempo: 0 x 0.
Voltamos para o segundo e continuamos dominando. O problema é que o gol não saía, nem por decreto.
Até que, no último lance do jogo, recebi uma bola açucarada do Edvaldo Santana, perto da área deles. Dali mesmo chutei, rasteiro. A bola, sabemos, também tem os seus caprichos. Aquela bateu na trave, passou por trás do goleiro e caiu nos pés do José Luiz Tahan. Era tocar e correr para o abraço. O Tahan não foi muito feliz na conclusão e a gorduchinha foi parar na arquibancada.
Jogo encerrado, 0 x 0. Ainda em campo, o goleiro deles me abraçou e disse, com um risinho cínico: “Sorry, my friend, God is German.”
Desculpe, meu amigo, Deus é alemão. Putz.
Publicado em O Popular. Goiânia, 04/06/2016.