O AVESSO DA VIDA
Há exatos 13 anos, o jornalismo perdia um craque que fez história no Jornal O Dia. Durante quase quatro décadas, Léo Montenegro escreveu crônicas, diárias, sensacionais e divertidas, abordando o cotidiano do Rio de Janeiro, assinada “Avesso da Vida”. A habilidade em escrever era tanta, que Ziraldo chegou a compará-lo com ninguém menos do que Nelson Rodrigues.
Com uma linguagem simples, as histórias se passavam em botecos, trens e, claro, no Maracanã. O futebol era uma de suas paixões: “O craque”, “O goleiro enganado”, “O tal do espírito olímpico” e “O pênalti” foram algumas das muitas colunas hilárias abordando futebol que produziu.
Com o intuito de resgatar a história de Montenegro, considerado um dos quatro melhores cronistas do Rio, o sobrinho Marcelo Ramos, com a ajuda de Lidia Montenegro, viúva do saudoso jornalista, digitalizou grande parte do acervo para transformá-lo em livro. Vale destacar que a obra terá o prefácio escrito por Ziraldo e contará com textos inéditos de Montenegro. Já diagramado, o livro só depende de uma editora para ser publicado.
Recentemente, Marcelo selecionou algumas histórias para o Museu da Pelada. Léo Montenegro merece muito mais do que essa singela homenagem!
Valeu, Léo!!
Confira uma das, aproximadamente, 12 mil crônicas que Montenegro escreveu:
IMPASSE ANTES DO FUTEBOL
Clenérgio inventou a pelada e foi logo sugerindo:
– Vai ser entre casados e solteiros! Portanto, 11 casados pra cá e 11 solteiros pra lá!
Apresentaram-se 10 casados e 12 solteiros, o que complicou a cabeça do Clenérgio:
– A conta não bate! Falta um casado!
– Que tal a gente convidar Seu Ramalhagem? Ele é viúvo! – um gordinho sugeriu.
Clenérgio não topou:
– Não dá, ele tá doente.
Um magricela solteiro:
– Deixem comigo! Eu jogo!
Clenérgio espanou geral:
– Não pode! Pra jogar no time dos casados, só com certidão!
O magricela argumentou:
– Eu trago quando me casar!
Um careca respondeu:
– Vai demorar! O jogo já vai atrasar porque eu, como divorciado, serei o juiz e pedirei um minuto de silêncio pela passagem do avô, há 20 anos!
Clenérgio concordou:
– Viu? Vai demorar muito.
Um baixinho casado:
– Os solteiros não arrumam mulher e atrasam o jogo!
O magricela insistiu:
– Mulher não é problema! Eu quero jogar no time de casados pra me sentir casado!
Clenérgio, impaciente:
– Ai, meus colarinhos!
O careca, com pena, sugeriu:
– Vamos deixar! Ele quer saber qual a sensação de ser casado!
A concessão foi dada, e o magricela bateu um bolão. Depois do jogo, foi ao Clenérgio:
– Adorei ser casado! Você pode emprestas sua senhora pra eu saber mesmo como é ser casado?
Levou uma piaba e foi parar no hospital, onde teve que dizer seu estado civil ao atendente:
– Fui casado durante 90 minutos. Agora, tô solteiro de novo!
COCADA, O CARA
por Sergio Pugliese
O entregador da farmácia, atrasado, deu uma freada na esquina da Constante Ramos com Domingos Ferreira, em Copacabana, e perguntou para um rapaz, na calçada, com um copo de cerveja na mão, se o cara sentado, de bermuda, resenhando com amigos, no Belo Bar, era o Zico.
– Ele mesmo!
– Peraí, é o Zico sentado ali, o Galinho de Quintino, e você fala “ele mesmo” como se fosse um parceiro normal de pelada?
– Sempre que o Cocada chama ele vem….
Após a pelada, Cocada (em destaque) se reuniu com os amigos, entre eles Zico, para a tradicional resenha no bar
– E quem é o Cocada?
– O do Chelsea!
– Chelsea!!!! Tem alguém do Chelsea aí no boteco? Cocada? É o apelido do William?
– Chelsea, futebol de praia. O Cocada é o cara da praia, já ganhou tudo e tem moral com a rapaziada.
– Caraca, qual deles é o Cocada, ali? – perguntou apontando com a cabeça para a resenha.
– Aquele, sem camisa ali, no meio da resenha.
– Moral mesmo, hein!
– Jogava muito?
Cocada (de laranja) posa para foto com Zico e o treinador Alexandre Gama
– Deitou e rolou, mas se quiser ver é só ir domingo, no Posto 4, às nove. Sempre joga e leva convidados. Dessa vez, chamou o Zico.
– Chamar todo mundo chama, o problema é ir.
– Mas, ali, na mesa também estão Magal, Júnior Negão, Neném, Chumbinho, só lenda da praia.
– Peraí, parceiro, lenda é o Zico! Cara, esse cara foi campeão do mundo pelo Flamengo, jogou na seleção de 82, a mais foda de todas, e tá sentadinho num boteco de Copacabana. Só no Rio! Mas o Galo jogou na praia?
– O time dele ganhou de 8 a 6 e ele meteu seis!
– Tá de sacanagem? Cocada jogou com ele?
– Cocada, Pato, Dime, Renatinho, Júnior Negão, Tom, Gama e Magal, seleção!
– E outro era bom?
– Neymar….
– Sério que o Neymar veio????????
– Não!!!! Kkkkk!!!! É apelido! Neymar, Enzo, Neivaldo, Betinho, Luciano, Chumbinho, Alberto Neném e Gilmar Popoca.
– Esse Gilmar Popoca não foi 10 no Fla?
– Ele mesmo!
– Porra, esse Cocada é foda, hein! – disse, antes de partir, atrasadíssimo, para mais uma entrega.
Zico prestigiou a pelada do Chelsea
PARABÉNS, ADO!!
Goleiro reserva na conquista da Copa de 70, Eduardo Roberto Stinghen, o Ado, completa 72 anos hoje! Com a camisa do Corinthians foram mais de 200 jogos! Lembram do paredão?
NÃO CHORE POR MIM, ARGENTINA!
por Zé Roberto Padilha
A reportagem de O Globo, de sábado, sobre o futebol argentino, vai além da nossa compreensão. Um paradoxo só compreendido por se tratar de um esporte regido pela emoção, não pela razão: “Jejum de 23 anos sem títulos na seleção principal leva caos ao futebol olímpico!”. Duas linhas à frente, a reportagem conclui “a Argentina deve assumir a liderança do próximo ranking da FIFA.” Como pode haver crise em um futebol que alcança o posto de melhor do mundo, à frente de Alemanha e Espanha, apenas por que não ganhou a final da ultima Copa do Mundo e da Copa América? Será que o conjunto da recente obra invicta, os ingredientes que confeccionaram o bolo são menos importantes do que a cereja colocada sobre a conquista chilena, alcançada após a prorrogação e a disputa de penalidades máximas?
Ronaldão, nosso bravo e limitado ex-zagueiro do São Paulo foi campeão mundial. Nós, torcedores, lembramos dele como o “Rei dos Carrinhos”. Um recurso geralmente praticado por zagueiros que, sem o tempo da bola para antecipar os atacantes, como o Edinho, o Juan e o Ricardo Gomes, se atiram para interceptar a jogada. Na metade dos carrinhos, Ronaldão achava a bola, nas outras tentativas levavajunto o tornozelo, além de cometer pênaltis infantis e receber cartões em todos os jogos. Zico, Falcão, Leandro, Júnior, Cerezzo e Sócrates, com repertórios variados de jogadas de pura arte e sem violência, jamais ganharam uma Copa do Mundo. Mas quando o IBOPE sai às ruas para saber do torcedor brasileiro qual a melhor seleção de todos os tempos, a de 1982 empata com a de 1970. A do tetracampeonato, vencida com a ajuda dos carrinhos do Ronaldão, de Mauro Silva, César Sampaio, Branco e Zinho só é lembrada pelo desempenho do Romário. Se não fossem os gols do baixinho, quem lembraria outro símbolo daquela conquista se não a bola isolada por Roberto Baggio por cima do gol de Taffarel? Se um italiano, Paulo Rossi, tirou-nos a Copa merecida, outro nos deu de presente a imerecida. Os italianos sempre foram elegantes, educados e gentis. Afinal, o latim ainda é a língua oficial da Cidade do Vaticano.
Acostumamos, no futebol, a dar um peso maior a cereja do bolo, o licor que coroa um lauto banquete, no lugar de quem matou a nossa fome de bola. Para latinos-americanos ainda com resquícios de subdesenvolvidos, vice-campeão não é o segundo melhor colocado. É o primeiro dos perdedores. Enquanto isso, a Islândia, racional e resolvida, deixa a Eurocopa ovacionada por alcançar o quarto lugar. Seus jogadores estão sendo aguardados no aeroporto de Reykjavic e desfilarão por suas avenidas como heróis nacionais. Já Messi, o melhor do mundo da melhor seleção do mundo, soluça: “Não chore por mim, Argentina!”.
Preferimos, no futebol sul-americano, exaltar o fechar com “chave de ouro”, mesmo que a porta seja de lata e guarde lá dentro trajetórias esquecíveis. Como os carrinhos do Ronaldão, a enceradeira encostada em um canto, do Zinho. Em nossa memória, do lado de fora, circularão pelas salas, pelas mesas no encontro das famílias, perpetuada por seguidas gerações, a magia da equipe dirigida por Telê Santana A inesquecível falta cobrada pelo Messi contra os Estados Unidos. A última impressão não é a mediocridade da conquista, é a beleza de uma partida que, mesmo perdida, ainda é a que fica.