ESPECTADOR PRIVILEGIADO
por Mauro Ferreira
Fominha, Mauro Ferreira não desgruda da bola (Foto: Claudio Duarte
Lá na serra carioca de Santa Teresa, os campinhos de pelada eram muitos. Curvelo, Frei Orlando, Paula Mattos, Rua Áurea. Apesar deles, a bola também rolava nas ladeiras, como a da Eduardo Santos, mesma rua da Escola Santa Catarina. Lá, a baliza ficava na calçada. Delimitavam o gol, de um lado as paredes e muros das casas e vilas; do outro, os postes de iluminação. O “gramado” tinha três tipos de textura: cimento rala-coco, asfalto e paralelepípedo.
Rua bem inclinada, dominar o “courinho” era tarefa difícil. Menos para quem jogava morro acima, é verdade. A gravidade corrigia os lançamentos, os passes mais longos e os caneleiros com pouca intimidade. O time morro abaixo suava para controlar a pelota e frear a desabalada carreira. Kichutes e Bambas sofriam. Invariavelmente rasgavam e expunham os dedões – sempre eles – a contatos doloridos com o piso “irregular”.
Assim eram os fins de dia. A turma da escola da manhã se juntava com a da tarde. A bola esfolada, gomos descascando, esperava os dois par-ou-ímpar. O primeiro, para escolher os times; o segundo, para determinar quem jogava sentido arriba, quem sofria morro abaixo. As lamparinas dos postes de luz da Eduardo Santos eram os refletores do “estádio”.
Alguns dos moleques, cujos tênis eram calçados de dia inteiro, jogavam descalços. Sim, descalços. Sabe-se lá por que cargas, eram os melhores. Colô era um deles. Mário, o outro. Um, louro de olho azul, cabelo liso e comprido, sorriso farto, cuja principal característica era coçar a ponta do nariz com a ponta da língua. Morreu cedo, o Colô. Acidente mal contado, história incerta. Mário, mulato de cara emburrada, cabeça maior que o corpo, sempre disposto a sair na porrada. Mário, mais tarde, virou bandido. Apareceu de óculos rayban mequetrefe, muito tempo depois, exibindo um “trezoitão”. Não demorou muito, foi em cana e sumiu de vez.
Cria de Santa Teresa, Sergio Pugliese bateu um papo com Claudio Duarte e Mauro Ferreira
Os outros moleques eram os outros moleques. Coadjuvantes dos dois craques. Eles, que jamais jogavam no mesmo time, discutiam a valer, mas inseparáveis quando o jogo encerrava com os assobios e gritos de pais e mães, chamando os filhos para o banho e a janta. Mesmo descalços, quase nunca esfolavam os dedos, tamanha habilidade. Jogar contra ou a favor da gravidade, pouco influenciava no trato carinhoso da maltratada gorducha. E ela agradecia. De tão gasta e tantas vezes recosturada, já quase expunha a câmara de ar, mas reinava doce nos pés dos dois.
Até que surgiu o Campinho. Dos escombros de um cortiço ergueu-se um monumental terreno baldio, espaço adequado para que se cravasse duas traves com redes de barbante e um piso sem efeitos gravitacionais (nem tanto, mas bem menos) e de textura única: o bom e macio barro amarelo. É justo contar que havia algumas pedrinhas para uma adaptação mais rápida. O barranco da travessa Fluminense servia de arquibancada para os grandes eventos. E lá, nesse campo, Mário e Colô passaram a jogar juntos, no time da Eduardo Santos, vice-campeão do famoso torneio da Frei Orlando. Era um time quase imbatível com os dois. Quase. O goleiro era uma porcaria e dias antes da decisão, caiu da bicicleta, ralou joelhos e cotovelos e, mesmo assim, foi jogar a final. Se já era ruim, sem mobilidade foi um desastre total. Derrota anunciada.
O Campinho fez morrer as peladas da ladeira, das bicudas nos paralelepípedos e até ele próprio morreu, quando o Jornal O Dia comprou o terreno baldio e transformou o local em garagem e oficina da frota de fusquinhas. Até a garagem acabou morrendo. Hoje, nada lá funciona. Poderia voltar a ser o Campinho. Poderia. Morreria adiante também. O tempo apaga tudo. Mário e Colô, craques que eram, estão vivinhos da Silva na memória de um espectador privilegiado do futebol peladeiro de ambos: eu, o goleiro do time da Eduardo Santos.
OS HERÓIS DE 83
texto: José Dias | entrevista: Iata Anderson e Sérgio Lobo | vídeo: Rodrigo Cabral
A equipe do Museu da Pelada teve a honra de participar da comemoração dos 33 anos da conquista inédita do mundial sub-19. Em uma resenha muito divertida numa churrascaria do Rio de Janeiro, os “heróis nacionais” não escondiam a felicidade por reencontrar os companheiros com os quais fizeram história em 1983, no torneio disputado no México.
O supervisor José Dias, o técnico Jair Pereira, os preparadores Antônio Mello e Ismael Kurtz, o volante Demétrio, o lateral Jorginho e o ponta arisco Paulinho marcaram presença no encontro, que contou ainda com o grande jornalista Iata Anderson, responsável pela cobertura daquela competição. O título de 1983 encerrava um jejum de 13 anos sem conquistas mundiais. A última havia sido em 1970, quando a seleção principal encantou o mundo e Carlos Alberto Torres, o Capitão do Tri, levantou a taça.
Da esquerda para a direita: Jorginho, José Dias, Demétrio, Jair Pereira, Antônio Mello, Paulinho, Ismael Kurtz e Sergio Pugliese
Antes do mundial, no entanto, a equipe comandada por Jair Pereira já havia feito história na Bolívia, onde os craques brasileiros venceram o também inédito Campeonato Sul-Americano. O segredo dessa equipe, segundo José Dias, estava na organização e na preparação. Embora contasse com muito menos profissionais do que a de hoje em dia, aquela delegação organizou uma logística de dar inveja a qualquer seleção, o que foi fundamental para o êxito.
Confira o relato detalhado do supervisor José Dias sobre a preparação do grupo campeão:
“Puxa vida! Conseguimos!
Com um gol de Geovani, de pênalti, no dia 19 de junho de 1983, no Estádio Azteca, na Cidade do México, contra a seleção da Argentina, a delegação da seleção brasileira pôde, finalmente, bradar com todas as forças que lhe era permitida, as exclamações acima – era o coroamento de um trabalho que teve seu início em abril de 1981, com a participação da Seleção Juvenil, no XXX Torneio de Cannes, na França.
O Planejamento elaborado para a participação no III Campeonato Mundial Juvenil da FIFA – Taça Coca-Cola foi calcado na experiência adquirida em participações anteriores, que reportam ao ano de 1976, quando começamos os preparativos para o I Campeonato Mundial, que seria realizado na Tunísia, em 1977. É de se salientar que esta competição é realizada de dois em dois anos e precedida, sempre, de uma fase classificatória que é o Campeonato Sul americano “Juventude da América”.
DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO
Em 1981 – Junto com os preparativos da seleção de juniores para o Mundial na Austrália, iniciamos os trabalhos previstos no planejamento com a convocação de dezenove jogadores, visando à participação no XXX Torneio de Cannes, com a seleção juvenil. É de se salientar que dos convocados, apenas três conseguiram ir até o final do ciclo. Foram eles: Brigatti, goleiro da Ponte Preta; Aloisio, zagueiro do Internacional, e Geovani, meio campo da Desportiva.
Era um trabalho de pesquisa intensa e buscávamos o melhor.
O ponta-esquerda Paulinho entortando a defesa argentina
Prevíramos, também, que com a participação nos diversos torneios e jogos amistosos, faríamos com que obtivessem experiência internacional e que fosse criado o “espírito de seleção”. O sacrifício, a renúncia, a saudade, tão comum nesta faixa etária, com certeza fortaleceriam o caráter, somados aos aspectos que os tornariam atleticamente e socialmente aptos. A reunião destes valores daria a eles todas as condições para que obtivessem o êxito. O objetivo principal, nesta fase, era o de buscarmos os jogadores que melhor se enquadrassem no “Espírito de Seleção” e, os resultados não eram prioritários.
No período compreendido entre 15 e 29/11/81, a seleção excursionou ao norte do país, jogando no Acre, Rondônia, Roraima e Amapá, contra adversários adultos, embora amadores. Estes jogos foram programados para que pudéssemos avaliar o comportamento de novos jogadores, já que, em janeiro de 1982, participaríamos de um torneio em Moscou, de elevado índice técnico. Nesta etapa, dois jogadores se juntaram aos três primeiros que foram ao Mundial: Hugo, goleiro do Atlético Goianiense e Demétrio, meio-campo do Campo Grande, aumentando para cinco os escolhidos.
Artilheiro e melhor jogador do torneio, o craque Geovani exibe seus troféus
Em 1982 – Do dia 06 a 14/01/82, a seleção participou do Torneio Granatikan Memorial, em Moscou, a primeira experiência forte a que o grupo foi submetido. Muitas dificuldades foram encontradas, a começar pelo clima (inverno rigoroso, com a temperatura média em torno de 18 graus negativos).
Dando continuidade ao planejado, a seleção passou a participar de um ou dois jogos por mês, até o início de novembro. Estas partidas foram realizadas em Recife, Petrópolis, São Paulo, Londrina, Curitiba, Vitória, Cuiabá, Goiânia e Campinas, contra seleções de jovens dos estados, equipes profissionais e Seleção de Juniores do Paraguai.
Depois desses amistosos, mais nove jogadores passaram a integrar o grupo que seria campeão mundial no México: Boni, zagueiro do São Paulo; Adalberto, lateral do Flamengo; Dunga, meio-campo do Internacional; Guto, zagueiro do XV de Jaú; Mauricinho, ponta-direita do Comercial/SP; Marinho “Rã”, atacante da Portuguesa Paulista; Regis, meio-campo da Ponte-Preta; Bebeto, meio-campo do Vitória/BA e Heitor, lateral da Ponte-Preta.
De 29/11 a 03/12/82, a seleção participou da Copa Atlântico Sul, no Paraguai. Para este torneio, foi convocado o jogador Paulinho, ponta-esquerda do Fluminense, aumentando para quinze o número dos efetivos no Mundial.
Em 1983 – O primeiro estágio foi cumprido com a participação no X Campeonato Juventude da América, realizado na Bolívia, no período de 22/01 a 13/02/83, quando a seleção se classificou, sendo campeã do torneio sul-americano – título inédito. Na equipe, foram incluídos: Jorginho, lateral direito do América/RJ e Gilmar, meio-campo do Flamengo. Já eram dezessete.
Grupo campeão sul-americano sub-20 de 1983, na Bolívia
O segundo estágio teve seu início em 17 de março de 1983, quando começou a série de sete amistosos no Brasil e no México, antes do início da participação no Mundial, iniciado em 4 de junho daquele mesmo ano, na cidade de Guadalajara, no México.
Para fechar a lista dos 18 jogadores, foi convocado Sidney, ponta-direita do São Paulo, que se juntou aos dezessete, aos membros da Comissão Técnica e Dirigentes, para que no dia 19 de junho de 1983, no Estádio Azteca, na cidade do México, pudéssemos exclamar:
“PUXA VIDA! CONSEGUIMOS!”
DIFICULDADES – Ao passar os olhos pelo histórico transcrito até agora, muitos podem imaginar ter sido fácil o caminho percorrido, do primeiro ao último dia desta jornada. Muitos países foram visitados, com seus usos e costumes diferenciados; estados e cidades de nosso país; povos e civilizações, que ao mesmo tempo causavam espanto, curiosidade e admiração; a saudade que sentiam os ainda jovens que nunca haviam saído de suas casas; a ansiedade num futuro que não sabiam se seria promissor ou que lhes traria decepções (verificamos este sentimento várias vezes); a dúvida em saber se deveriam ou não continuar na seleção, tendo em vista o aliciamento ostensivo de figuras que desejavam tirar partido da potencialidade de cada um (comportamento combatido de forma intensiva); as diferenças existentes entre os jovens jogadores – “uns sérios, outros nem tanto” – alguns mais ou menos educados, não invalidaram, no entanto, a técnica inata de cada um.
Alguns deram algum trabalho, porém, com a filosofia imposta de “liberdade com responsabilidade”, não tivemos nenhum problema mais sério que merecesse registro.
Acreditamos que prevaleceu o “Espírito de Seleção” e um dos fatores que certamente contribuiu para que o trabalho fosse coroado com a conquista foi a composição da Comissão Técnica que, praticamente, acompanhou todo o trabalho, desde seu início: treinador Jair Pereira, preparadores físicos Antônio Mello e Ismael Kurtz, Doutor José Fernandes, massagista Paulinho e o já falecido roupeiro Antônio Loureiro, que deixou muitas saudades.
Todos altamente qualificados, cada um em sua função. Não basta ser um excelente profissional tecnicamente. É necessário que as qualidades morais sejam impecáveis para que sejam considerados excelentes profissionais. Os relacionados acima sempre foram!
CONCLUSÃO – Planejamento criteriosamente elaborado. Jogou-se no nível do mar e a 3.600 metros de altitude. Não se buscou resultados nas fases de preparação e sim o aprimoramento moral-físico-técnico-tático, que definem o verdadeiro atleta e a verdadeira equipe.
Acreditamos que todos os objetivos foram alcançados.”
ANTIGAMENTE ERA ASSIM. E HOJE, COMO QUE É?
por José Dias
Marinho Chagas ao lado de Falcão, Givanildo, Roberto Dinamite, Marco Antônio e Zico, durante treino da seleção
Nos meus últimos 44 anos, acompanhei futebol como nunca, e não sei o que se passa nos clubes quando estão em treinamento. Antigamente, no início do jogo, a bola tinha que ser tocada para a frente e, daí, para trás uma, duas até chegar no zagueiro. O defensor efetuava um passe ou um lançamento através de um “chutão” para que seu centroavante se virasse com os marcadores. O objetivo era fazer com que a equipe adversária viesse atrás da bola, se desguarnecendo. Mas 99% dessas bolas acabavam ficando com a defesa.
O “corner” – antigamente era chamado assim -, eu lembro, era efetuado procurando aproveitar o que era treinado durante a semana, nos treinos “coletivo apronto”. Hoje em dia…
O “lateral”, entre outras possibilidades, era feito por um dos laterais, arremessando a bola até o centro da grande área, jogada também ensaiada quando existia um jogador com essa característica. Djalma Santos, por exemplo, executava o fundamento com perfeição. Hoje, “barbaridade”, o cobrador remete a bola de fora para fora da linha lateral. É inacreditável!
E outros fundamentos, combinações e jogadas eram ensaiadas exaustivamente nos treinamentos.
Eu lembro bem, em 1991, jogavam Sport x Flamengo, na Ilha do Retiro, quando o excepcional Júnior, de costas para seu gol, marcado por um ou dois adversários, próximo à linha lateral, sem olhar, girou e, por cobertura, fez um lindo gol, mas contra o próprio “patrimônio”. Atrasou a bola para o goleiro Gilmar, que saíra de sua área para receber a bola do companheiro.
A razão pela qual estou relembrando uma ação que não deu certo?
Rogério Micale orienta os jogadores da seleção olímpica
Fico preocupado quando tomo conhecimento que o treinador da seleção olímpica, com menos de 20 dias de “ajuntamento”, pretende mudar um conceito (bom para o europeu que treina isso faz muito tempo), fazendo o goleiro exercer o papel de líbero, jogando em sua intermediária, sem o menor cacoete em sair jogando com os pés. Os goleiros não têm, absolutamente, culpa nenhuma, afinal nunca foram preparados para isso.
Fico preocupado também com o relacionamento entre os jogadores. Alguns moram no mesmo condomínio e, mal se cumprimentam quando se encontram. Outros moram em condomínios afastados um dos outros, como vão manter relação amigável, dentro campo, se mal se conhecem?
Zico, Leandro e Tita treinando no Castelão.
“A REPETIÇÃO APRIMORA O GESTO”, já dizia a Madre Superiora.
Como leigo no assunto, não seria o caso de voltar à prática dos coletivos aprontos, buscando o tal do entrosamento, tentando fazer com que jogadores se conheçam e, quem sabe, se cumprimentem antes, durante e depois das partidas?
RONALDINHO SUPERA ZIDANE
A briga foi boa, com belos comentários, mas Ronaldinho Gaúcho superou Zidane e foi eleito o craque da semana! A genialidade do brasileiro prevaleceu nessa disputa. Impossível esquecer esse lance genial daquele que encantou o mundo quando vestiu a camisa do Barcelona!
Essa semana a disputa é entre Taffarel e Marcos.
PAINEIRAS, ENFIM!
O ex-jogador Edinho marcou presença na apresentação do hotel para os jornalistas
Hotel das Paineiras: Pelé e Didi jogam damas ao lado de Belini e Gilmar (sentados). Em pé (esq. p/ dir.), Zequinha, Mauro, Paulo Amaral e Zito. 07/05/1962 / Agência O Globo
Palco de inúmeras concentrações da seleção brasileira e de vários times cariocas, o Hotel das Paineiras, próximo ao Corcovado, vai ser reinagurado oficialmente neste sábado, no Rio de Janeiro. Construído em 9 de outubro de 1884 para ser a casa de verão de D. Pedro II, o grande estabelecimento foi arrendado pela Associação Educacional Veiga de Almeida em 31 de outubro de 1984. A apresentação do hotel reformado ocorreu ontem para os jornalistas e contou também com a presença de ex-jogadores, como o craque Edinho, atualmente comentarista do SporTV.
Ex-ponta da Máquina Tricolor, Zé Roberto Padilha deixou um depoimento bem bacana, lembrando seus tempos de jogador, quando se concentrava no sofisticado hotel:
“O Fluminense concentrava ali entre 1971 e 1975, quando mudamos para o Hotel Nacional. Em frente ao hotel, toda terça tinha largada comandada pelo Parreira para a corrida de 5 km, uma enorme subida em que eu, Edinho, Rubens Galaxe, Toninho, Pintinho e Cafuringa disputávamos o ouro olímpico. Certa vez encontrei o Abel Braga, nosso zagueiro, liderando no km 3. Pegou uma carona em uma kombi e surgiu por um atalho. Mas era zagueiro, perdoamos. Se existisse delação premiada, quem sabe? Valendo uma vaga naquele time….”