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VICTOR, PEÇA RARA

por André Mendonça

Já imaginou ter uma camisa usada e autografada por ninguém menos do que Pelé? E se pudesse ter também as camisas que Romário vestiu na estreia e na despedida da seleção brasileira, ou a de Zico, Neymar, Ronaldinho Gaúcho e Maradona? Pois é, essas são apenas algumas das muitas preciosidades que o colecionador Victor Raposo tem em seu acervo! Uma coleção de dar inveja até para quem não gosta de futebol.

Recentemente, o flamenguista teve a honra de expor sua coleção rubro-negra no salão nobre da Gávea, a convite do Patrimônio Histórico do clube. O colecionador, no entanto, não vê problemas em ter camisas de outros times, inclusive do Vasco. Filho de um vascaíno e fã de Romário, Victor revelou que possui atualmente mais de 200 camisas do atacante. Em um mercado que só cresce, onde alguns vendedores colocam as camisas a preços exorbitantes, Victor já chegou a investir quase R$ 2 mil em uma única camisa, dos anos 60. Dono do certificado de qualificação mais alto que uma pessoa pode receber do sindicato de colecionadores de camisas de futebol, o craque contou um pouco sobre sua coleção, situações divertidas por qual passou como sua tentativa frustrada de se tornar jogador de futebol.


No último fim de semana, a equipe do Museu do Pelada deu sua pequena contribuição para tornar a coleção ainda mais completa, quando levamos a camisa da seleção da Copa de 1962, para o craque Amarildo autografar.

Confira o papo com o colecionador:

Com quantos anos começou sua paixão por colecionar camisas?

R: Ganhei a primeira dos meus pais com um ano de idade, durante a Copa de 82, mas restou apenas uma foto com ela no berço. Mas a primeira que eu mesmo adquiri foi aos 10 anos, por incrível que pareça, numa troca. Dei uma bola e uns trocados numa camisa do Flamengo de 1985. A paixão começou por volta dos 12, 13 anos. Tinha um amigo de família chamado Zezinho, que jogou no Vasco e em Portugal. Sempre que voltava para passar as férias no Brasil me presenteava com camisas. A paixão cresceu no final de carreira do meu maior ídolo no futebol, o Romário. Em meados de 2005, quando ele se aproximava da aposentadoria, me peguei pensando na tristeza dele e minha. Aí pensei numa maneira de mostrar respeito, homenageá-lo, eternizar cada gol, cada lance marcante, cada título. Então, resolvi sair em busca das camisas que me lembrassem determinado gol, jogo ou conquista.

Todas as camisas são originais? Como faz para conseguir? Camisa autografada do Pelé, Romário, Zico, Rivellino etc. 

R: Todas originais e a maioria de jogo. Colecionar me deu a oportunidade de conhecer pessoas incríveis ao redor do país e até do planeta. Desde pessoas simples que passavam pela rua, até campeões mundiais. Já consegui camisas que jamais sonhei, com estranhos, amigos, parentes, jogadores, dirigentes, roupeiros, seguranças etc. Camisas usadas e até rasgadas durante a partida. Sobre os autógrafos, costumo pegar diretamente com os jogadores ou amigos em comum. Graças a essa paixão tive o privilégio também de fazer amizade com o Sergio Pugliese, um cara que respeito muito.


Amarildo assina a camisa de Victor Raposo

E essa camisa do Amarildo? Foi a que ele utilizou na Copa de 1962?

R: Essa camisa é original, da mesma fornecedora (Athleta), mesmo modelo, mesmo tecido e detalhes da camisa da Copa de 1962. Porém, ela foi relançada pela empresa em 2009, em edição limitada, homenageando todos os campeões mundiais daquele ano, também repassando porcentagem das vendas aos mesmos. Na verdade não lembro, mas tambem me interessei em adquiri-la na epoca por ser #20 do Amarildo…

Como funciona esse mercado dos colecionadores? Existe muita procura?

R: Devido a todos esses anos envolvido na prática, consegui um grande lastro de amizade e confiança no meio do colecionadores. Seleciono as camisas repetidas para fazer trocas, ou até mesmo vendas, com o intuito de conseguir comprar outras. Nos últimos anos vêm surgindo muitos novos colecionadores, então procuro sempre ajudar, indicar e orientar no que for possível.

Como faz para evitar golpes de vendedores?

R: A experiência ajuda. Além de ter os contatos certos, com o tempo a gente passa a conhecer os detalhes de cada modelo, das temporadas, as características e detalhes de cada camisa. Quando surge algum vendedor desconhecido, a gente procura referências no meio. A velha guarda se conhece, se ajuda e se respeita.

Qual foi o valor mais alto que pagou por uma camisa?

R: Hoje em dia aparecem camisas sendo oferecidas na internet a preços exorbitantes, mas geralmente não costumo comprar de qualquer maneira. A mais cara acho que foi uma dos anos 60 e paguei quase R$ 2 mil. Camisas importantes desse período, além de serem cada vez mais raras, costumam ter um valor de mercado um pouco maior.

Com tantas camisas lindas, consegue escolher a que mais gosta? Aquela que você não venderia nem por muito dinheiro.

R: Difícil escolher uma. Geralmente costumo dizer que não vendo nenhuma por nada. Mas das que mais gosto posso eleger um top 5: duas camisas do Pelé (uma do Cosmos e uma do Santos), duas camisas do Romário (da estreia e da despedida dele na Seleção) e uma camisa do Flamengo de 1967.

Recentemente você foi convidado para expor seu acervo no salão nobre da Gávea. Como foi esse evento e como recebeu esse convite?

R: Foi uma honra muito grande. É sempre gratificante ter o reconhecimento ao esforço e dedicação em preservar a história do esporte que tanto amamos. Recebi o convite do Patrimônio Histórico do clube. Foi um evento muito especial, contou com a visita de crianças para aprender mais da história, e idosos a fim de relembrar conquistas importantes. Além da presença de ídolos, ex dirigentes etc.. Ao final, ainda fui presenteado com um diploma de agradecimento do clube.

Você recebeu o certificado de qualificação categoria azul do sindicato de colecionadores de camisas de futebol. Quais são os critérios?


R: Fui indicado para receber o certificado na Fundação do Sindicato em 2012. Foi uma necessidade identificada por alguns colecionadores para se organizarem melhor, a fim de dar um maior respaldo às negociações. A categoria azul é a mais alta, dada aos mais antigos, que atendem a critérios como anos de atuação e número de qualificações positivas dadas por outros membros.

Além do Facebook, você tem algum site ou algum lugar físico para expor essa bela coleção?

R: Por enquanto tenho um cômodo da casa dedicado exclusivamente ao acervo. Porém, sempre nutri o desejo de expor em um local físico para visitação. É um projeto futuro.

Como colecionador de camisa, ninguém discute que você é um craque! Mas como é o Victor em campo? Gosta de jogar peladas?

R: Como todo menino, também quis ser jogador. Cheguei a jogar nas divisões de base de clubes pequenos do Rio de janeiro, como Bonsucesso e Olaria. Me profissionalizei e atuei no Boavista, de Portugal, onde tive como companheiros de equipe o lateral direito Bosingwa, campeão da Liga dos Campeões pelo Chelsea, em 2011/12, e o zagueiro Ricardo Costa, que disputou três Copas do Mundo pela seleção de Portugal. Depois que parei com o futebol, não conseguia me ver longe do que tanto amo e me formei em Educação Física. Também guardei todas as camisas da época de futebol. Mas com as peladas não podemos parar nunca. Se fico muito tempo sem jogar aquele futebolzinho começa a dar coceira, mau humor e dor de cabeça.

Você teve a oportunidades de jogar contra o Master do Flamengo, na Gávea. Como foi essa pelada histórica?

R: Nem me fale! Não tem preço levar uma caneta do Adílio ou um elástico do Júlio Cesar Uri Gueller! Olhava para um lado vinha o Nélio, para o outro Gilmar Popoca, daí vinha Marquinhos, Renato Carioca, Leandro Ávila, não sabia se corria atrás deles ou batia palmas. Mas só de ter o privilégio de pisar naquele local sagrado já foi uma sensação incrível. Sem falar em poder ajudar na estruturação do Departamento de Futebol Master do Clube com craques que nos deram tantas alegrias.

Por ser um flamenguista apaixonado, a camisa do Vasco vale menos para você, ou no universo dos colecionadores não tem essa?

R: Tem colecionadores que dizem ‘aqui não entra camisa de rival’. Não penso assim, tenho grande respeito e admiração pela história do Vasco da Gama. Meu pai é vascaíno, meu melhor amigo jogou no Vasco e o Romário, meu maior ídolo, me fez ter mais de 30 camisas do Vasco.

Como um bom colecionador, imagino que você tenha alguma história engraçada envolvendo procura de camisas… Alguma camisa que você queria muito, algum outro colecionador oferecendo…

R: Com o tempo, a minha primeira camisa do Flamengo de 1985 desfiou e acabei perdendo. Depois de 25 anos, consegui encontrar outra do mesmo modelo! Descobri que um amigão tinha essa camisa. Se tem uma coisa que aprendi durante todos esses anos é que aquela camisa que a gente sonha ter, um dia aparece.

COM JEITO VAI

por Sergio Pugliese

“A nossa pelada, como é que ela é
Não tem precatada, só joga Pelé,
E a rapaziada cadencia a jogada:
É chapéu, elástico e bola virada

Ronaldos e Rivellinos com a bola no pé
Jogam sério, enfeitam, sem dar olé
A defesa, sisuda e mal encarada
Só bate na bola, arrepia, sem pancada

É a reunião do espírito da grande jogada
Ao fim da pelada, tem a encarnação
E os derrotados de cabeça abaixada
Também bebem a cevada, merecem perdão”

A equipe do Museu da Pelada resgata hoje um texto SENSACIONAL da antiga coluna “A Pelada Como Ela É”, de Sergio Pugliese!!!! Para entender a razão de tanta euforia, será necessário ouvir o delicioso samba acima, de Vitor Português e Leandro Samurai, composto em homenagem à coluna! É honra demais para esses humildes peladeiros!

Estivemos no Bar X-10, em Botafogo, para conhecer os autores e a roda de bambas, formada por atletas aposentados do Com Jeito Vai, timaço que marcou época no campo de grama rala do Palmeirinha, no Alto da Boa Vista. Foi difícil voltar para casa! Música de alta qualidade, Ângela, Gal, Beth e Valéria formando um corinho afinadíssimo de pastoras e cerveja estupidamente gelada. Dez, nota 10!!!!! 

O Com Jeito Vai sempre foi um time 50% futebol e 50% música. Junto com ataduras e caneleiras, os jogadores sempre levavam banjos e violões. Foram 15 anos de pelada da melhor qualidade. Mas de repente o número ficou contadinho e alguns atletas, como Nero do Pandeiro, só apareciam para a resenha. Para dar quórum alguns iam se arrastando, brigavam com a família e se estressavam com as namoradas. Manter viva uma pelada é tarefa para poucos. O organizador e botafoguense Victor Sereno tentou de tudo, mas quando ele mesmo precisou substituir o meião por meias Vivarina para tratar suas varizes sentiu o fim próximo.

– É doloroso admitir o fim de uma pelada. O grupo sempre foi unido, mas não houve renovação e tiramos o time de campo. Na verdade, trocamos o campo do time – explicou Sereno.

Compromissos e contusões torpedearam o Com Jeito Vai. O jornalista Aluizio Maranhão foi promovido e passou a “morar” na redação, Maurice, o Ferrolho Suíço, montou uma pousada em Ilhéus, na Bahia, Oscar Sznajder, o El Porteño, voltou para a Argentina e o querido Wilson Timóteo, o Tom, partiu dessa para melhor. Além disso, o cardiologista da turma, Dr. Wall, foi engolido pelos plantões, Alemão aprisionado pela namorada e Carlos Falcão, o Rato, levou uma caneta tão desconcertante de um velhinho, num jogo contra, que, humilhado, nunca mais deu as caras. A outra metade do time sofria com o famoso problema de junta. Junta tudo e joga fora! Mas nenhum deles admitia a hipótese de não se encontrar mais. Foi quando a resenha musical ganhou corpo, Victor Sereno revelou seu lado Chico Buarque, encarnou o caboclo Vitor Português e a pelada virou samba. E dos bons!!!!

– Na mesa do bar continuamos fazendo nossas tabelinhas e voltamos para a casa cansados do mesmo jeito – brincou Maranhão, enquanto dedilhava seu violão.

Aluizio tem razão. O Com Jeito Vai nunca se separou, nunca saiu de campo. Nossa equipe comprovou essa sintonia, no X-10. Ali, a turma saboreou as tirinhas de alcatra servidas pela garçonete Cremilda e iniciou a tarde musical com Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, e emendou com Tá Legal, de Paulinho da Viola. Lima de Amorim caprichou no banjo e Arnaldo, no tan tan. Veio Malandro, de Jorge Aragão, e Zé do Pandeiro bateu mais forte, mas a cuíca de PJ gemeu alto foi com Nação, de João Bosco e Aldir Blanc. Mas naquele dia, todas essas obras primas ficaram em segundo plano quando Leandro Samurai caprichou no vocal e puxou “A nossa pelada, como é que ela é….”. Os pandeiros de Altair e Fernando fizeram o boteco tremer! Caramba, quanta emoção!

Me despedi dos novos amigos e caminhando pelas ruas de Botafogo ainda ouvi a voz das pastorinhas entoando “Deixa a vida me levar, vida leva eu”. Obedeci e fui em frente contagiado pelo clima de alegria e união da rapaziada do Com Jeito Vai.


COM JEITO VAI FOOTBALL CLUB. escalação: de pé da esquerda para a direita: Maurice (Ferrôlho Suiço), Oscar (Porteño), Aquilles, Dr. Wall, Arnaldinho, e Moreninho. Agachados, da esquerda para a direita: Mangaba, Vitor Português, Carlos Falcão (Rato), O saudoso Wilson Timóteo (Tom), Aluízio Maranhão (Maraca) e Chumaqui (em homenagem ao grande goleiro Schümacker da Alemanhã na época).

ESPECTADOR PRIVILEGIADO

por Mauro Ferreira


Fominha, Mauro Ferreira não desgruda da bola (Foto: Claudio Duarte

Lá na serra carioca de Santa Teresa, os campinhos de pelada eram muitos. Curvelo, Frei Orlando, Paula Mattos, Rua Áurea. Apesar deles, a bola também rolava nas ladeiras, como a da Eduardo Santos, mesma rua da Escola Santa Catarina. Lá, a baliza ficava na calçada. Delimitavam o gol, de um lado as paredes e muros das casas e vilas; do outro, os postes de iluminação. O “gramado” tinha três tipos de textura: cimento rala-coco, asfalto e paralelepípedo.

Rua bem inclinada, dominar o “courinho” era tarefa difícil. Menos para quem jogava morro acima, é verdade. A gravidade corrigia os lançamentos, os passes mais longos e os caneleiros com pouca intimidade. O time morro abaixo suava para controlar a pelota e frear a desabalada carreira. Kichutes e Bambas sofriam. Invariavelmente rasgavam e expunham os dedões – sempre eles – a contatos doloridos com o piso “irregular”.

Assim eram os fins de dia. A turma da escola da manhã se juntava com a da tarde. A bola esfolada, gomos descascando, esperava os dois par-ou-ímpar. O primeiro, para escolher os times; o segundo, para determinar quem jogava sentido arriba, quem sofria morro abaixo. As lamparinas dos postes de luz da Eduardo Santos eram os refletores do “estádio”.

Alguns dos moleques, cujos tênis eram calçados de dia inteiro, jogavam descalços. Sim, descalços. Sabe-se lá por que cargas, eram os melhores. Colô era um deles. Mário, o outro. Um, louro de olho azul, cabelo liso e comprido, sorriso farto, cuja principal característica era coçar a ponta do nariz com a ponta da língua. Morreu cedo, o Colô. Acidente mal contado, história incerta. Mário, mulato de cara emburrada, cabeça maior que o corpo, sempre disposto a sair na porrada. Mário, mais tarde, virou bandido. Apareceu de óculos rayban mequetrefe, muito tempo depois, exibindo um “trezoitão”. Não demorou muito, foi em cana e sumiu de vez.


Cria de Santa Teresa, Sergio Pugliese bateu um papo com Claudio Duarte e Mauro Ferreira

Os outros moleques eram os outros moleques. Coadjuvantes dos dois craques. Eles, que jamais jogavam no mesmo time, discutiam a valer, mas inseparáveis quando o jogo encerrava com os assobios e gritos de pais e mães, chamando os filhos para o banho e a janta. Mesmo descalços, quase nunca esfolavam os dedos, tamanha habilidade. Jogar contra ou a favor da gravidade, pouco influenciava no trato carinhoso da maltratada gorducha. E ela agradecia. De tão gasta e tantas vezes recosturada, já quase expunha a câmara de ar, mas reinava doce nos pés dos dois.

Até que surgiu o Campinho. Dos escombros de um cortiço ergueu-se um monumental terreno baldio, espaço adequado para que se cravasse duas traves com redes de barbante e um piso sem efeitos gravitacionais (nem tanto, mas bem menos) e de textura única: o bom e macio barro amarelo. É justo contar que havia algumas pedrinhas para uma adaptação mais rápida. O barranco da travessa Fluminense servia de arquibancada para os grandes eventos. E lá, nesse campo, Mário e Colô passaram a jogar juntos, no time da Eduardo Santos, vice-campeão do famoso torneio da Frei Orlando. Era um time quase imbatível com os dois. Quase. O goleiro era uma porcaria e dias antes da decisão, caiu da bicicleta, ralou joelhos e cotovelos e, mesmo assim, foi jogar a final. Se já era ruim, sem mobilidade foi um desastre total. Derrota anunciada.

O Campinho fez morrer as peladas da ladeira, das bicudas nos paralelepípedos e até ele próprio morreu, quando o Jornal O Dia comprou o terreno baldio e transformou o local em garagem e oficina da frota de fusquinhas. Até a garagem acabou morrendo. Hoje, nada lá funciona. Poderia voltar a ser o Campinho. Poderia. Morreria adiante também. O tempo apaga tudo. Mário e Colô, craques que eram, estão vivinhos da Silva na memória de um espectador privilegiado do futebol peladeiro de ambos: eu, o goleiro do time da Eduardo Santos.

OS HERÓIS DE 83

texto: José Dias | entrevista: Iata Anderson e Sérgio Lobo | vídeo: Rodrigo Cabral

A equipe do Museu da Pelada teve a honra de participar da comemoração dos 33 anos da conquista inédita do mundial sub-19. Em uma resenha muito divertida numa churrascaria do Rio de Janeiro, os “heróis nacionais” não escondiam a felicidade por reencontrar os companheiros com os quais fizeram história em 1983, no torneio disputado no México.

O supervisor José Dias, o técnico Jair Pereira, os preparadores Antônio Mello e Ismael Kurtz, o volante Demétrio, o lateral Jorginho e o ponta arisco Paulinho marcaram presença no encontro, que contou ainda com o grande jornalista Iata Anderson, responsável pela cobertura daquela competição. O título de 1983 encerrava um jejum de 13 anos sem conquistas mundiais. A última havia sido em 1970, quando a seleção principal encantou o mundo e Carlos Alberto Torres, o Capitão do Tri, levantou a taça.


Da esquerda para a direita: Jorginho, José Dias, Demétrio, Jair Pereira, Antônio Mello, Paulinho, Ismael Kurtz e Sergio Pugliese

Antes do mundial, no entanto, a equipe comandada por Jair Pereira já havia feito história na Bolívia, onde os craques brasileiros venceram o também inédito Campeonato Sul-Americano. O segredo dessa equipe, segundo José Dias, estava na organização e na preparação. Embora contasse com muito menos profissionais do que a de hoje em dia, aquela delegação organizou uma logística de dar inveja a qualquer seleção, o que foi fundamental para o êxito.

Confira o relato detalhado do supervisor José Dias sobre a preparação do grupo campeão:

“Puxa vida! Conseguimos!

Com um gol de Geovani, de pênalti, no dia 19 de junho de 1983, no Estádio Azteca, na Cidade do México, contra a seleção da Argentina, a delegação da seleção brasileira pôde, finalmente, bradar com todas as forças que lhe era permitida, as exclamações acima – era o coroamento de um trabalho que teve seu início em abril de 1981, com a participação da Seleção Juvenil, no XXX Torneio de Cannes, na França.

O Planejamento elaborado para a participação no III Campeonato Mundial Juvenil da FIFA – Taça Coca-Cola foi calcado na experiência adquirida em participações anteriores, que reportam ao ano de 1976, quando começamos os preparativos para o I Campeonato Mundial, que seria realizado na Tunísia, em 1977. É de se salientar que esta competição é realizada de dois em dois anos e precedida, sempre, de uma fase classificatória que é o Campeonato Sul americano “Juventude da América”.

DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO

Em 1981 – Junto com os preparativos da seleção de juniores para o Mundial na Austrália, iniciamos os trabalhos previstos no planejamento com a convocação de dezenove jogadores, visando à participação no XXX Torneio de Cannes, com a seleção juvenil. É de se salientar que dos convocados, apenas três conseguiram ir até o final do ciclo. Foram eles: Brigatti, goleiro da Ponte Preta; Aloisio, zagueiro do Internacional, e Geovani, meio campo da Desportiva.

Era um trabalho de pesquisa intensa e buscávamos o melhor.


O ponta-esquerda Paulinho entortando a defesa argentina

Prevíramos, também, que com a participação nos diversos torneios e jogos amistosos, faríamos com que obtivessem experiência internacional e que fosse criado o “espírito de seleção”. O sacrifício, a renúncia, a saudade, tão comum nesta faixa etária, com certeza fortaleceriam o caráter, somados aos aspectos que os tornariam atleticamente e socialmente aptos. A reunião destes valores daria a eles todas as condições para que obtivessem o êxito. O objetivo principal, nesta fase, era o de buscarmos os jogadores que melhor se enquadrassem no “Espírito de Seleção” e, os resultados não eram prioritários.

No período compreendido entre 15 e 29/11/81, a seleção excursionou ao norte do país, jogando no Acre, Rondônia, Roraima e Amapá, contra adversários adultos, embora amadores. Estes jogos foram programados para que pudéssemos avaliar o comportamento de novos jogadores, já que, em janeiro de 1982, participaríamos de um torneio em Moscou, de elevado índice técnico. Nesta etapa, dois jogadores se juntaram aos três primeiros que foram ao Mundial: Hugo, goleiro do Atlético Goianiense e Demétrio, meio-campo do Campo Grande, aumentando para cinco os escolhidos.


Artilheiro e melhor jogador do torneio, o craque Geovani exibe seus troféus

Em 1982 – Do dia 06 a 14/01/82, a seleção participou do Torneio Granatikan Memorial, em Moscou, a primeira experiência forte a que o grupo foi submetido. Muitas dificuldades foram encontradas, a começar pelo clima (inverno rigoroso, com a temperatura média em torno de 18 graus negativos).

Dando continuidade ao planejado, a seleção passou a participar de um ou dois jogos por mês, até o início de novembro. Estas partidas foram realizadas em Recife, Petrópolis, São Paulo, Londrina, Curitiba, Vitória, Cuiabá, Goiânia e Campinas, contra seleções de jovens dos estados, equipes profissionais e Seleção de Juniores do Paraguai.

Depois desses amistosos, mais nove jogadores passaram a integrar o grupo que seria campeão mundial no México: Boni, zagueiro do São Paulo; Adalberto, lateral do Flamengo; Dunga, meio-campo do Internacional; Guto, zagueiro do XV de Jaú; Mauricinho, ponta-direita do Comercial/SP; Marinho “Rã”, atacante da Portuguesa Paulista; Regis, meio-campo da Ponte-Preta; Bebeto, meio-campo do Vitória/BA e Heitor, lateral da Ponte-Preta.

De 29/11 a 03/12/82, a seleção participou da Copa Atlântico Sul, no Paraguai. Para este torneio, foi convocado o jogador Paulinho, ponta-esquerda do Fluminense, aumentando para quinze o número dos efetivos no Mundial.

Em 1983 – O primeiro estágio foi cumprido com a participação no X Campeonato Juventude da América, realizado na Bolívia, no período de 22/01 a 13/02/83, quando a seleção se classificou, sendo campeã do torneio sul-americano – título inédito. Na equipe, foram incluídos: Jorginho, lateral direito do América/RJ e Gilmar, meio-campo do Flamengo. Já eram dezessete.


Grupo campeão sul-americano sub-20 de 1983, na Bolívia  

O segundo estágio teve seu início em 17 de março de 1983, quando começou a série de sete amistosos no Brasil e no México, antes do início da participação no Mundial, iniciado em 4 de junho daquele mesmo ano, na cidade de Guadalajara, no México.

Para fechar a lista dos 18 jogadores, foi convocado Sidney, ponta-direita do São Paulo, que se juntou aos dezessete, aos membros da Comissão Técnica e Dirigentes, para que no dia 19 de junho de 1983, no Estádio Azteca, na cidade do México, pudéssemos exclamar:

“PUXA VIDA! CONSEGUIMOS!”

DIFICULDADES – Ao passar os olhos pelo histórico transcrito até agora, muitos podem imaginar ter sido fácil o caminho percorrido, do primeiro ao último dia desta jornada. Muitos países foram visitados, com seus usos e costumes diferenciados; estados e cidades de nosso país; povos e civilizações, que ao mesmo tempo causavam espanto, curiosidade e admiração; a saudade que sentiam os ainda jovens que nunca haviam saído de suas casas; a ansiedade num futuro que não sabiam se seria promissor ou que lhes traria decepções (verificamos este sentimento várias vezes); a dúvida em saber se deveriam ou não continuar na seleção, tendo em vista o aliciamento ostensivo de figuras que desejavam tirar partido da potencialidade de cada um (comportamento combatido de forma intensiva); as diferenças existentes entre os jovens jogadores – “uns sérios, outros nem tanto” – alguns mais ou menos educados, não invalidaram, no entanto, a técnica inata de cada um.

Alguns deram algum trabalho, porém, com a filosofia imposta de “liberdade com responsabilidade”, não tivemos nenhum problema mais sério que merecesse registro.

Acreditamos que prevaleceu o “Espírito de Seleção” e um dos fatores que certamente contribuiu para que o trabalho fosse coroado com a conquista foi a composição da Comissão Técnica que, praticamente, acompanhou todo o trabalho, desde seu início: treinador Jair Pereira, preparadores físicos Antônio Mello e Ismael Kurtz, Doutor José Fernandes, massagista Paulinho e o já falecido roupeiro Antônio Loureiro, que deixou muitas saudades.

Todos altamente qualificados, cada um em sua função. Não basta ser um excelente profissional tecnicamente. É necessário que as qualidades morais sejam impecáveis para que sejam considerados excelentes profissionais. Os relacionados acima sempre foram!

CONCLUSÃO – Planejamento criteriosamente elaborado. Jogou-se no nível do mar e a 3.600 metros de altitude. Não se buscou resultados nas fases de preparação e sim o aprimoramento moral-físico-técnico-tático, que definem o verdadeiro atleta e a verdadeira equipe.

Acreditamos que todos os objetivos foram alcançados.”


ANTIGAMENTE ERA ASSIM. E HOJE, COMO QUE É?

por José Dias


Marinho Chagas ao lado de Falcão, Givanildo, Roberto Dinamite, Marco Antônio e Zico, durante treino da seleção

Nos meus últimos 44 anos, acompanhei futebol como nunca, e não sei o que se passa nos clubes quando estão em treinamento. Antigamente, no início do jogo, a bola tinha que ser tocada para a frente e, daí, para trás uma, duas até chegar no zagueiro. O defensor efetuava um passe ou um lançamento através de um “chutão” para que seu centroavante se virasse com os marcadores. O objetivo era fazer com que a equipe adversária viesse atrás da bola, se desguarnecendo. Mas 99% dessas bolas acabavam ficando com a defesa.

O “corner” – antigamente era chamado assim -, eu lembro, era efetuado procurando aproveitar o que era treinado durante a semana, nos treinos “coletivo apronto”. Hoje em dia…

O “lateral”, entre outras possibilidades, era feito por um dos laterais, arremessando a bola até o centro da grande área, jogada também ensaiada quando existia um jogador com essa característica. Djalma Santos, por exemplo, executava o fundamento com perfeição. Hoje, “barbaridade”, o cobrador remete a bola de fora para fora da linha lateral. É inacreditável!

E outros fundamentos, combinações e jogadas eram ensaiadas exaustivamente nos treinamentos.

Eu lembro bem, em 1991, jogavam Sport x Flamengo, na Ilha do Retiro, quando o excepcional Júnior, de costas para seu gol, marcado por um ou dois adversários, próximo à linha lateral, sem olhar, girou e, por cobertura, fez um lindo gol, mas contra o próprio “patrimônio”. Atrasou a bola para o goleiro Gilmar, que saíra de sua área para receber a bola do companheiro.

A razão pela qual estou relembrando uma ação que não deu certo?


Rogério Micale orienta os jogadores da seleção olímpica

Fico preocupado quando tomo conhecimento que o treinador da seleção olímpica, com menos de 20 dias de “ajuntamento”, pretende mudar um conceito (bom para o europeu que treina isso faz muito tempo), fazendo o goleiro exercer o papel de líbero, jogando em sua intermediária, sem o menor cacoete em sair jogando com os pés. Os goleiros não têm, absolutamente, culpa nenhuma, afinal nunca foram preparados para isso.

Fico preocupado também com o relacionamento entre os jogadores. Alguns moram no mesmo condomínio e, mal se cumprimentam quando se encontram. Outros moram em condomínios afastados um dos outros, como vão manter relação amigável, dentro campo, se mal se conhecem?


 Zico, Leandro e Tita treinando no Castelão. 

“A REPETIÇÃO APRIMORA O GESTO”, já dizia a Madre Superiora.

Como leigo no assunto, não seria o caso de voltar à prática dos coletivos aprontos, buscando o tal do entrosamento, tentando fazer com que jogadores se conheçam e, quem sabe, se cumprimentem antes, durante e depois das partidas?