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A REFUNDAÇÃO DO FUTEBOL BRASILEIRO

por Cesar Oliveira


(Foto: Rodrigues Moura)

Nenhum jogo de futebol é mais ético e correto do que uma singela pelada de subúrbio. Nem as peladas entre as Irmãs Clarissas.

Uma pelada, por mais vagabunda que seja, com bola rota e dois times sem camisa, nenhum árbitro e lei alguma, havaianas marcando a trave, aceita determinadas práticas que vemos hoje em dia, em gramados perfeitos de primeiríssimo mundo.

Como aquelas que eu via, comendo goiaba do pé, sentado na temerária ribanceira da “avenida” em que meus avós maternos moravam, no Caminho do Matheus, uma transversal da Álvaro de Miranda, no bairro de Pilares, naquelas bocadas por onde hoje estão o Walmart e Norteshopping, subúrbio do Rio de Janeiro.

Era um descampado enorme, acho que dava um campo quase oficial, com gols de 7,32 por 2,44, camisas e árbitro. Hoje, cabem alguns edifícios de um condomínio residencial. Muitas vezes, menino ainda, depois de assistir aquelas peladas domingueiras, sonhava em casa que chegava bem na beira do barranco e… me jogava!

(Logo eu, um borra-botas pra alturas maiores do que um metro, temente a Santos Dumont e escadas de sete degraus)

Como o distinto leitor há de concordar, minhas aterrisagens sempre foram bem-sucedidas, mas eu quebro o encanto e conto o segredo. É que, desde cedo apavorado com a tendência suicida, eu ia dizendo a mim mesmo durante o telúrico e drônico voo: “Tudo bem, antes de me esborrachar, eu acordo”. Quase sempre todo suado ou mijado.

Enquanto meus tios, irmãos da minha mãe, soltavam pipa com dois carretéis grandes de linha dez, num trabalho solidário de empinar e passar cerol, para cruzar lá depois de onde Judas perdeu a rabiola, eu passava as tardes vendo peladas.

Sei que o couro comia aos sábados e domingos (que é quando íamos visitar vovó Hilda e vovô Nelson), e, se não enganam as veteranas sinapses, nunca vi uma porrada.

Os Jogos Olímpicos demonstram, por a + b, como o esporte é crucial na vida de qualquer um. O garoto que ninguém sabia quem era, vira celebridade instantânea. Quantas e quantas crianças não se animaram, nesses dias, a pedir um tênis, uma bola, uma raquete, um calção, aprender a remar, jogar isso ou aquilo?

Pra mim, cardiopata juramentado, com viagem de ida antecipada para quatro décadas depois do nascimento, o esporte significou estar vivo aos 64. Com a vantagem de ter podido remendar o coração leviano a tempo de curtir as netas gêmeas.

O esporte é uma bênção; a pelada, uma religião. E, como tal, deve ser respeitada. Não é isso que se faz numa pelada, em qualquer campinho, dos mais reles aos cheios de aditivos chiques?

Ai do incauto que corra o risco de vilipendiar o sacrossanto relvado, mesmo artificial, de uma pelada amiga!

Na pelada, pode calçar por trás? Empurrar? Entrar por cima? Botar a mão na bola? Trapacear? Se jogar simulando falta? Tentar enrolar o árbitro? Mostrar as traves da chuteira?

Ah, meu chapa! Não ouse! Não ouse!

Nunca vou esquecer meu ídolo, João Alves Jobim Saldanha, vaticinando “na latinha”, lá atrás, quando eu já era um jovem apaixonado pelo esporte que não sabia jogar:

— O dia em que acabarem os campos de várzea, o futebol brasileiro vai perder sua supremacia.

Não deu outra: grande e sábio João Sem Medo…

Por essa lenda das peladas, que permearam a vida dos meninos do Brasil, das cidades e das periferias, das bolas de meia e dos sonhados courinhos número cinco, é que fico fulo nas chuteiras quando vejo os jogos ditos “profissionais” de hoje, aqui no Brasil.

Fico imaginando esses caras no 30 x 30, na Light ou no Albertão, no Polytheama ou nas peladas do Jaé, cometendo suas pequenas vilanias. Não sobrava pedra sobre pedra. Alguém ia receber um Almir Pernambuquinho de frente. E iam ter que correr mais do que árbitro ladrão em futebol de praia.


Afonsinho (Foto: Nana Moraes)

Mestre Afonsinho Celso Garcia Reis, craque e doutor de bola, exímio passista dos blocos de segunda a domingo, propôs refundar o futebol brasileiro, nas velhas e conhecidas bases, para tirar do fundo da goela o espinho do 7 a 1.

Mestre das artes do drible e da visão de jogo, condutor da bola rasteira no gramado, olhar horizontal e atento, leonor submissa ao seu amo e senhor, vislumbrando o bote, Afonsinho é daqueles craques que nunca roubaram. Nunca se jogou, nunca simulou, nunca deu de canela.

Juntei uma coisa e outra para propor, aproveitando o Museu da Pelada, que a gente não deixe esquecer o pedido do nosso prezado amigo: precisamos reconquistar nosso futebol. De craques, ídolos e multidões. De lendas, mitos e histórias. Ainda dá tempo.

É preciso que, assim como a pelada é, nosso futebol volte a ser como ele era.

DESCULPA, BARONINHO!

por Marcelo Mendez


Da minha mais tenra lembrança de torcedor Verde, consta o sofrimento no ano da graça de 1981, quando o time de todo mundo só tinha craque e o meu, pobre e velho Alviverde, que outrora havia sido imponente em um passado que naquela altura nem era tão longínquo assim, só tinha ele: Baroninho.

Em meio a todas as dragas de Darinta, Toni Gato, Benazzi, Sena, Deda da vida, Baroninho jogava muito com sua perna esquerda e sua impávida camisa 11. O quanto podia. No afã dos 11 anos, eu o xingava como se fosse do mesmo tacho dos caneleiros, naquele velho ímpeto de menino torcedor. O tempo passou…

Veio o Setembro de 2016, agora tenho 44 e cuido da saúde ora veja…

Correndo ali pelo Campo do Nacional, perto de minha casa, eu vi Baroninho treinando o sub-alguma coisa do Santo André no campo ao lado, do Nacional. Ele é o técnico da molecada e por ali, passava treinos de fundamento para seus atacantes imberbes. Então, lá pelas tantas, cansado de tanto ver coisa ruim, ele resolveu bater na bola.


Com a velha canhota, dos dez chutes que deu, guardou oito no ângulo, no trinco mesmo. Deu bronca no seu atacante, riu do seu goleiro e como que se soubesse de meu passado de seu difamador, me lançou um sorriso e um desafio ao me ver sozinho na arquibancada do campo do Nacional, onde acontecia o treino.

– Viu como faz, Barbudo? Gosta disso? Dá uns chutes aqui com a gente…

Desafiado como um milhão de amantes perdidos, lá fui eu. Junto dele, bati na bola. Dos cinco chutes que o músculo da minha coxa deixou dar, guardei quatro. No final ele comentou.

– Olha que para o tamanho da sua barba e da sua pança, até que você manja da coisa.


Sorri. Era o fim do treino. Ele pegou uma garrafinha de Gatorade e me ofereceu um gole. Aceitei. Saímos do campo conversando, caminhando juntos como se fossemos amigos que as coisas do ludopédio não nos deixou ter sido.

Ao me despedir, ele me deu a mão. Eu apertei e como que por impulso eu disse a ele

– Desculpa, Baroninho!

Sem entender nada, ele me desculpou…

SABEM O QUE MUDOU??? TUDO!!!!

por Eduardo Semblano


Tínhamos um técnico nojento, um cara arrogante, prepotente e burro! Foi inventado no cargo, tem rancor em tudo o que faz, nunca foi técnico, nunca foi gestor e muito menos estava pronto ou se quer apto para estar ali. Técnico esse que tinha necessidade de aparecer, que impunha, mas não convenceu, até porque não sabia o que queria, não sabia o que fazer, era ignorante porque não buscava informações, não sabia gerenciar e muito menos administrar crises! 

Hoje temos um técnico que pra começar a conversa é técnico, não foi inventado, buscou seu espaço, tem sentimentos, prazer em estar ali, soube aprender com o tempo, evoluiu em todos os aspectos, sabe o que quer, sabe o que fazer, faz naturalmente, convence, é querido e se faz querer, estudou, buscou aprender, não se acha superior, pensa como gestor, motiva, pois acredita no que faz, sabe vencer e perder, sabe trabalhar e mais do que isso, é respeitado, não cobra respeito! 


Jogadores ricos, muito ricos, não precisam da seleção pra nada, estão ali porque querem, sofrem uma pressão que não precisam sofrer! Como motivar uma geração dessa que fica rica aos 20 anos??? Sendo querido, sendo admirado, sendo respeitado, fazendo parte e não se colocando à parte, passando informação e recebendo de volta, gerindo pessoas, formando um grupo e respeitando os melhores! 

Nossa geração não é das melhores, isso não mudou, nossos jogadores de futebol no Brasil tem nível cultural baixo em sua grande maioria, não são educados de berço, isso dificulta, isso atrapalha! 

Você pra ser técnico da seleção precisa ter alguns predicados, Dunga conseguia não ter nenhum deles, Tite acredito eu, tem todos! 

Tite mudou a cara do país em 10 dias, o Brasil jogou bola, acertou e errou, mas se viu algo, se viu organizado, motivado e feliz, você pode discordar de um nome ou outro mas ele vai te fazer entender o porque escolheu fulano e se errou, vai mudar, te pedir desculpas e começar novamente! 

A geração pode ser péssima, pode ser abaixo da crítica, mas o time não, não podemos ter uma geração mais fraca e ainda não ter trabalho, e acreditem, fizemos isso ao longo de anos! Éramos prepotentes, com uma geração abaixo e ainda não tínhamos um grupo, resultado disso? Fracasso, desespero e ódio da população com a amarelinha! 


Devemos ter uma Eliminatória tranquila, termo esse não usado há anos no Brasil: tranquilidade. Termo esse que Tite faz questão de ter como seu aliado, tranquilidade e paz! 

De verdade, não sou contra os arrogantes, até gosto em determinada medida, mas para isso você precisa ser foda, precisa notoriamente ser acima da média, e quando não é acima e ainda se acha demais, saiba que você é um babaca, adjetivo esse que define o Dunga!

Técnico ganha jogos, técnico ganha campeonatos, a prova está escancarada nesses dois jogos da seleção! 

Dai a César o que é de César, dê a Tite o que é de Tite!!!

Fui CLEAR ????

AZIZ, BOM DE PARADA

por Sergio Pugliese


Celso Bueno, Aziz Ahmed e Alberto Ahmed

Quem conhece Aziz Ahmed sabe a figura que ele é! Lenda do jornalismo e goleiro aposentado do Caldeirão do Albertão, no Grajaú, onde permaneceu invicto por várias temporadas, há 10 anos ele desfila na Parada de Sete de Setembro, acompanhado do grupo de ex alunos do CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), e há 10 anos ele sai do evento direto para o campo. Claro que sua chegada sempre é uma farra e todos querem uma foto ao lado do segundo tenente da reserva.

– Mas em campo sempre fui titular! – garante.

E várias testemunhas podem confirmar, entre elas o jornalista Ricardo Boechat, presa fácil do goleiraço, e os adversários Celso Bueno e Alberto Ahmed, seu irmão e dono do campo.

– Quando ele estava no dia dele realmente não passava nada! – atesta Celsinho.

O que importa é que Aziz Ahmed pendurou as chuteiras, mas continua comandando a resenha e disposto a retomar a presidência, cargo ocupado hoje, desastrosamente, pelo esforçado ponta Viquinho.

– Na minha época era mais organizado, tinha café da manhã recheado de frutas, cerveja gelada e mensalidade mais barata. Acho que preciso voltar – anunciou.

Caso se confirme, a galera, assim como o parceirão Viquinho, prestará continência ao fundador e nome mais respeitado do Caldeirão!

SORTE DO VOTO, AZAR DA BOLA

por Zé Roberto Padilha


Sede do Entrerriense F.C.

São duas experiências vividas que desnudam o quanto o poder econômico pode desequilibrar, e tornar desigual, uma disputa dentro e fora das quatro linhas. Em 1988, candidato a prefeito em minha cidade, seguia com meus vereadores para o comício em um bairro na nossa Kombi com alto falantes cheios de ruídos. E a multidão seguia em direção oposta para assistir o showmício do Neguinho da Beija-Flor num Trio Elétrico em outra pracinha. No intervalo, o candidato que detinha a máquina, que sempre traz a reboque suas Odebrechts, mandava o seu recado. E na hora do voto vinha aquele eco na cabeça do eleitor: “Olha o oligarca da vez aí gente!”.


Zé Roberto foi ponta da Máquina Tricolor

Nos sinais, expunham meninas de shortinhos entregando panfletos, e eu subia o morro com minhas petistas de óculos que a população não enxergava qualquer beleza interior. Mesmo carregando bandeiras da cor que parava aquele sinal. Isto desestimulava seguidos idealistas a postular um cargo e punha o valor na etiqueta na disputa: para vereador, 100 mil, para prefeito, 1 milhão. Tão seguro deste desamparo, nossos políticos se deram ao luxo de nenhum candidato a governador nos visitar nas eleições passadas. Enviaram a Três Rios a grana e o marqueteiro que a todos os rincões bastava.

A outra foi no futebol. Treinador do Entrerriense FC no Campeonato Carioca de 1995, classificado entre os oito melhores do estadual, enfrentamos o Fluminense a uma rodada do fim. Era o ano do centenário do Flamengo e o Fla-Flu que decidia o título ia ser no domingo seguinte. Meus atletas recebiam salários mínimos e enfrentariam, entre outros, Renato Gaúcho, que sozinho ganhava mais que todo o grupo, a comissão técnica, o estádio e a sede social do clube carijó.


Pouco conseguimos treinar durante aquela semana. Diante de tamanho desnível financeiro, o temido homem da mala, de ambos os lados, rondou os meninos. Ao portador da mala para vencer, cedi até o vestiário e mandei buscar biscoitos e cafézinho. Qual o problema um estímulo a mais para buscar a vitória e diminuir a desigualdade salarial durante os 90 minutos?

Mas o da mala para perder, soube depois, conseguiu uma audiência do lado de fora. Como moradores de um bairro desassistido, sem água, luz ou coleta de lixo, ficaram expostos a uma compra de votos. Ela só ocorre quando a disparidade financeira, e a luta por condições melhores no trabalho e nos gramados, chegam ao seu limite. E os poderosos se acham no direito de bater em nossas portas a comprar a desesperança.

Hoje, na política, não pode mais ter o showmício e a grana está curta, e tabelada, como os shortinhos que desapareceram dos sinais. Assim como as placas de propaganda, os outdoors, os comitês eleitorais. Agora, os candidatos vão ter que colocar o Pezão na estrada se almejarem se aproximar do eleitor.


Campo do Entrerriense F.C.

Mas no esporte, o Entrerriense não joga mais. Está licenciado da FERJ por falta de apoio e patrocínio. Criaram arenas e expuseram os limitados, e afastaram os alambrados de Pau Grande onde surgiu um gênio ilimitado. Sumiu o Serrano e o gol do Anapolina. O América FC-TR e o Pião, que fez um gol que tirou o selo de invicto do título do Botafogo. De onde saíram os maiores jogadores do futebol brasileiro, como o Ferreira, Vinícius Righi, Denílson, permaneceram os “Gums” jogando e ganhando 200 mil.

Quanto aos meus jogadores, que resistiram à mala e lutaram até o fim naqueles 3×0 para o Fluminense, muitos abandonaram suas carreiras. Alguns se tornaram vendedores, outros voltaram a estudar. Sorte da política quando estimula políticos melhores rumarem a Brasília, azar do futebol quando fecham as estradas dos laboratórios de terra batida, das traves de bambu, bolas de pano, meninos de canelas finasque sempre conduziram a arte de seu improviso ao Maracanã. E nos tornaram cinco vezes os melhores do mundo.