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LETRA E MÚSICA

por Cláudio Vieira

Talvez poucos percebam, principalmente com essa manhã nublada e chuvosa anunciada pelo Climatempo. Acima das nuvens, porém, o sol estará mais intenso. Mesmo predominando as pancadas previstas para a noite deste sábado, aproveite os intervalos e dê uma espiada neste misterioso céu de Escorpião: as estrelas desfilarão fulgurantes, metálicas, no doce compasso cadenciado do Samba.

Quis o Zodíaco, em seus mapas indecifráveis, que o dia de hoje fosse marcado por um curioso encontro entre cometas nascidos no mesmo dia, o 12 de novembro. Um, no Meier, em 1941; o outro, em Botafogo, no ano seguinte. São cometas escorpianos, criadores, inspiradores e torcedores de times diferentes, rivais até a alma. Um é rubro-negro; o outro, vascaíno. E hoje eles se cumprimentam cavalheirescamente, cruzando o céu do Rio de Janeiro.

Observe que conjugo os verbos no presente, pois cometas possuem vida eterna. Estão e estarão sempre milhões de anos-luz à nossa frente, traduzindo as coisas do povo em versos que embalam nossas almas. São transformadores e, como tais, nos ensinam a trocar decepções por poesia, frustrações por fantasia. 

São poetas que possuem inúmeros parceiros, embora jamais tenham feito um samba juntos. E, acredite!, faziam parte da mesma Ala de Compositores, a da Portela.

O cometa João Nogueira, um dia, resolveu partir para criar uma nova galáxia, como a velha Portela, ganhadora de títulos, imbatível no quadro de medalhas. Fundou a Tradição, cuja luminosidade, porém, vai esmaecendo ano a ano. Já o cometa Paulinho da Viola também ficou muitos anos fora da órbita de sua Escola, embora jamais tenha negado que ela foi o Rio que passou em sua vida – aliás, enredo que Paulo Barros desenvolve para 2017.

Se a cada 75 anos a passagem do cometa Halley é festejada em toda a Terra, o que devemos fazer para comemorar a passagem desses dois cometas cariocas que acontece todos os anos, nessa data? 

Hoje é dia de cantar, sorrir, acertar no milhar, arrebentar na mega-sena e acreditar que a vida vai melhorar. É dia de amar. E de dar um jeito para ser feliz.

Está no Evangelho, segundo João e Paulinho.

SALOMÉ

por Matheus Rocha


Foto: Samuel Bruno

Talvez quem não seja de Belo Horizonte não a conheça. Conheci Salomé quando ainda tinha meus 10 anos de idade e jogava futebol de salão – naquele tempo nem se dizia futsal – na escolinha do Cruzeiro no ginásio da sede social do Barro Preto. Ela ia lá no ginásio, cornetava todo mundo e depois ia embora. Mas respeito, Salomé é um patrimônio da torcida do Cruzeiro.

Depois de breve descrição, você ainda deve estar se perguntando: “afinal, quem é Salomé?”.

Salomé é uma torcedora que, no último 22 de outubro, fez 83 anos de idade. Ela está sempre nas imagens do clube, da torcida, acompanhando e torcendo. No passado, era ela e sua boneca na geral do Mineirão – agora ela já está acompanhada de uma raposinha e nas cadeiras do novo estádio reconstruído para a Copa de 2014. Algo da evolução do futebol…


Há cerca de 20 anos, ainda na década de 1990, o Cruzeiro contratou-a para trabalhar na sede do clube no Barro Preto. Reza a lenda que ela era pessoa responsável por limpar e lustrar as taças – que não são poucas.

Ela é uma celebridade em Minas, basta vê-la andando solitária subindo as rampas do Mineirão. Solitária? Claro que não… todo mundo quer ir lá cumprimentá-la, tirar uma selfie. A última vez que trombei com ela no Mineirão foi véspera do título brasileiro de 2014. A última contabilização dela foram 18 jogos sem ver o Cruzeiro no Mineirão, desde sua inauguração em 1965.


Fábio Júnior e Salomé (foto: Reprodução do Facebook oficial do Fábio Júnior)

Salomé é um ícone, uma torcedora quase mística, que ama o futebol e o Cruzeiro. Salomé é especial e o Cruzeiro pode estar bem ou mal, mas ela sempre estará lá haja o que houver.

Parabéns, Salomé! Que você veja o Cruzeiro ainda muitas vezes campeão!

BAIXINHO TINHOSO

por Victor Kingma


Mario Vianna apitando a final do Campeonato Pernambucano de 1954, entre Nautico e Sport.

Nos anos cinquenta, Mario Vianna, com dois “enes”, como sempre frisava, era um dos melhores e mais severos árbitros do Brasil.

Certa vez, escolhido a dedo para apitar uma problemática decisão no interior mineiro, levava o jogo com a costumeira autoridade. Entretanto, após marcar uma falta perigosa para os visitantes, foi cercado por vários jogadores locais que ameaçavam agredi-lo.  

Destemido, e forte como um touro, Mário Vianna encara todo mundo e, de peito estufado, esparrama o bolo de jogadores que se formava.

Todos acabam afinando perante à enérgica reação do truculento árbitro e vão se afastando do local da cobrança. Porém, Tampinha, o veloz ponta direita do time, de apenas 1,55 m de altura, o mais revoltado com a marcação, parte ferozmente em sua direção.

Mário Vianna, então, o recebe com uma tremenda peitada que o joga lá no alambrado do pequeno estádio.


Mario Vianna, Evaristo e Puskas antes da partida Flamengo x Honved da Hungria, em 1957.

Enquanto Tampinha, atordoado, era socorrido na lateral do campo, o experiente juiz ordena que a partida fosse reiniciada e a cobrança da falta realizada.

Cinco minutos depois, ao ver o jogador recuperado do knockdown, Mário Vianna se dirige à beira do campo e, como se fosse um juiz de boxe, faz sinal para ele voltar à luta, ou melhor, ao jogo.

– Não vai expulsa-lo seu Mário, tentou agredí-lo? – pergunta o bandeirinha.

–  Vou não! Este pontinha é dos meus. Provou que é valente. É baixinho, mas é tinhoso!

E conclui:

–  Além do mais, não fiz grande esforço para acalma-lo. Com certeza ele não vai me perturbar mais. Pode deixar ele voltar pro jogo.

JOGO DE DESPEDIDA

por Zé Roberto Padilha


Existem duas razões para que um ex-atleta realize seu jogo de despedida: a primeira parte da imprensa, dos clubes e das federações que querem homenagear uma lenda que encha o Maracanã e atraia patrocinadores. A outra é organizada pelo próprio atleta que precisa fazer um caixa, rever os amigos e ser lembrado diante do terrível ostracismo. Sendo um ex-atleta que preenchia a opção B, tratei eu mesmo de organizar a partida. Já que não fui uma lenda, traria a minha cidade as duas maiores com que joguei: Zico x Rivelino.

Após um ano negociando a data na agenda dos dois, em uma quarta-feira à noite do ano de 1996,  no Estádio Odair Gama, em Três Rios, me despedi oficialmente do futebol em uma inesquecível partida entre o Máster do Flamengo, com Zico, e meus amigos da casa mais o Rivelino com a camisa 10. Mas como quem organiza não se diverte, passei o dia fazendo contas com minha esposa: vendemos antecipadamente a metade da bilheteria, dois mil ingressos, e pagamos a passagem aérea e a hospedagem do Riva e do seu filho, a arbitragem, as camisas e o ônibus que trouxe a delegação do Flamengo. O cachê do elenco rubro-negro pagaria com os ingressos vendidos na hora. Só que o mundo resolveu desabar sobre minha cidade ao entardecer. Parecia que nenhuma gota de todas as chuvas queria estar ausente  ao duelo entre duas genialidades do nosso futebol.


Da esquerda para a direita, em pé: Félix, Toninho Baiano, Edinho, Silveira, Zé Mário e Marco Antonio. Agachados: Gil, Kleber, Manfrini, Rivellino e Zé Roberto

Certamente me despedi com uma discreta atuação ao correr todo o primeiro tempo de olho na bilheteria. A cada passe enxergava não um companheiro desmarcado, mas a minha esposa encharcada e preocupada do lado de fora em busca de torcedores que cancelaram suas vindas. De toda a região havia promessa de muitas excursões. Precisávamos de, aproximadamente, três mil reais (ou seria cruzeiros?) e só fora vendido quinhentos. Como pagaria os jogadores do Flamengo?

Saí no intervalo substituindo-me por razões técnicas e financeiras e o Flamengo já vencia por 6×0. Rivelino, que nunca soube perder graças a Deus, não me poupava: “tudo bem se despedir com seus amigos, mas não diante de um meio campo formado por Andrade, Adílio, Júnior e Zico e com Claudio Adão e Júlio César mais à frente!”. A partida acabou 9×1. Com a cabeça quente e o bolso vazio, consegui da presidência do Entrerriense FC um empréstimo que nem sabia como, e quando, pagaria.



Bem, entrei após a partida nos vestiários para pagar o honrar o compromisso. E Zico disse perante todos eles que não era preciso. Era um presente. Havia cobrado um cachê maior no amistoso anterior para que todos ali pudessem homenagear um ex-companheiro. Mesmo tendo jogado ao lado do camisa 10 durante uma temporada na Gávea, passei a conhecer naquela noite o cidadão Arthur Antunes Coimbra. Só ele seria capaz de fazer algo parecido diante do cada um por si de uma difícil e competitiva profissão. Saí de lá tão feliz que, após devolver o empréstimo ao clube, comprei com a sobra uma TV Sony 29, o sonho de consumo da ocasião. Duas décadas depois, mesmo pesando uma tonelada diante das telas planas e magrinhas que enfeitam a casa, recorro a ela quando as notícias são ruins e desanimadoras. Suas imagens, carregadas dos valores éticos e morais que a trouxeram para casa, revelam mais que lembranças de uma partida, mas a certeza de que enquanto houver pessoas como ele, Zico, haverá esperança de vivermos em um mundo melhor e mais justo. Dentro e fora das quatro linhas.

A DERROTA ETERNA

por Cláudio Renato


Era difícil dormir com um silêncio daquele. E Zizinho passou muitas noites em claro. Ao fim do trágico crepúsculo de 16 de julho de 1950, não se lembrava como chegara em casa. Deve ter caminhado muito. Do Maracanã até a estação das barcas de Niterói, na Praça XV de Novembro, a distância é de pelo menos dez quilômetros. Estava embriagado de tristeza, mas não chorou. Recordava-se apenas do vazio pesado e melancólico da cidade, vez em quando cortado por um tapinha nas costas, uma ou outra voz solidária, que parecia emergir de um pesadelo e lhe aumentava ainda mais o desespero: “Pois é, Ziza, não deu.”


Àquela hora, pouco antes das 8 da noite, Zizinho deveria estar feliz da vida, surdo de tantos fogos, bêbado de champanhe, encarapitado em carro oficial com os companheiros, agarrado à Taça Jules Rimet, ovacionado por centena de milhares de pessoas nas ruas e reconhecido como o maior jogador de futebol do planeta. Um gol desenxabido, chute torto do uruguaio Alcides Eduardo Ghigghia, aos 34 minutos do segundo tempo, pôs tudo a perder: a glória e a fortuna dos jogadores; a honra e a autoestima do povo brasileiro. Pensava desordenadamente enquanto esperava sozinho a partida da barca, como um semideus castigado, destituído do poder e transformado, em poucos minutos, em pobre mortal.

Cinquenta anos passados, o fiscal aposentado Tomás Soares da Silva nos recebeu, na primeira semana de junho de 2000, no apartamento humilde no bairro do Fonseca, em Niterói, na região metropolitana do Rio. Sereno, Zizinho lembrava em detalhes cirúrgicos aquela tragédia, o placar adverso de 2 a 1, que marcou e angustiou toda uma geração. Tentava explicar a anatomia daquela derrota – termo cunhado pelo filósofo gaúcho Paulo Perdigão, autor da obra mais completa sobre o tema. Seu Tomás morreria dois anos depois, em 8 de fevereiro de 2002, sem conseguir explicação convincente, mas tinha opinião muito direta.

– Os uruguaios eram melhores! – dizia o mulato sábio e elegante, então com 78 anos, o mais completo jogador brasileiro até o surgimento de Pelé, segundo o próprio Dondinho, pai do rei.

Havia três anos, Zizinho começara a elaborar “As Lições do Mestre Ziza – Evolução Tática do Futebol Brasileiro”, em que pretendia en passant, explicar a derrota.

– A certeza da vitória era tanta que me fizeram assinar mais de 2 mil fotos montadas com os dizeres Brasil Campeão!


Antes da final, a seleção brasileira aplicara no Maracanã, construído especialmente para a Copa, duas goleadas históricas: 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha, adversários contra os quais o Uruguai penara para não perder. Os brasileiros, em casa, jogavam só pelo empate.

Brasil derrotado diante de 200 mil pessoas no Maracanã, torcedores e cronistas trataram logo de eleger os culpados: o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o meia-esquerda Bigode. Eles não acompanharam Ghiggia, o ponta-direita de 22 anos que chegou a dar sete passos com a bola antes de despachá-la fraca para o canto esquerdo do gol. Houve até a versão de um suposto tapa que Obdúlio teria desferido contra o rosto de Bigode, para extremar ainda mais a humilhação.

– Não vi tapa nenhum! – desconversava Zizinho.

Para Ziza, um consolo:

– Graças a Deus, nunca me crucificaram, mas culparam injustamente meus amigos!


Os “proscritos” viveram como Barrabás, carregando o peso de uma culpa imposta que nem o pentacampeonato mundial conseguiria aliviar. Moacir Barbosa morreu dois meses antes da nossa conversa com Zizinho. Ele passou a vida tentando explicar que não falhara no gol de Ghiggia. Bigode exilou-se em Minas. Juvenal, na Bahia. Augusto, capitão do time, não atendia ao telefone.

– Quem errou foi Ghiggia, que queria centrar a bola, chutou a grama e enganou o goleiro! – explicava Zizinho.

Apesar da derrota, Zizinho foi eleito o melhor jogador da Copa pelos correspondentes estrangeiros. A beleza plástica das jogadas foi comparada à das obras de Da Vinci. Ziza acreditava que o WM, sistema adotado por Flávio Costa, com a variação em diagonal, deixara o time vulnerável.

– O 4-3-3, criado em 1945 por Ondino Vieira, do Vasco, é a melhor disposição tática que o Brasil já teve. 


Maior ídolo da seleção na época, Zizinho só estreou no terceiro jogo da Copa de 50, contra a Iugoslávia, após o empate aziago de 2 a 2 com a Suíça no Pacaembu.

– Eu não tinha a menor condição de jogar; meu joelho estava inchado, deste tamanho!

Ziza, que tinha a perna direita mais fina desde 1946, por causa de uma distensão muscular, sofrera nova torção num treino contra o Flamengo.

– Entrei machucado, e o Brasil conseguiu vencer por 2 a 0! Jogava no sacrifício, mas nunca tomei injeção no joelho! – assegurava.

Ademir marcou os gols. Zizinho também fez um, erradamente anulado. 

Mestre Ziza, como era conhecido, gozava da confiança do técnico Flávio Costa, que o lançara no futebol profissional pelo Flamengo em 1939, após vê-lo participar de um treino no lugar do legendário Leônidas da Silva.

– Zizinho é o cérebro e o coração de qualquer time – dizia Costa.


O jogador não tinha dúvidas de que a política atrapalhara o escrete de 50.

– A concentração em São Januário vivia repleta de políticos, como Cristiano Machado, Adhemar de Barros e outros; no dia da final, tivemos que interromper o almoço várias vezes para ouvir promessas!

 O que mais irritara Zizinho foi o discurso do prefeito do Rio, general Ângelo Mendes de Moraes, que dizia ter construído o maior estádio do mundo e exigia, em troca, a conquista da taça.

– Fiquei com raiva; ele não era nosso dono, não tinha direito de fazer o que fez! – A estátua do prefeito que o próprio mandou erguer na frente do Maracanã foi derrubada por torcedores ao fim da partida.

Ziza lembrava que entrou tranquilo na final; não olhava o relógio, ouvia apenas o zunido do público. Ele considerava o esquema do Uruguai perfeito para a partida.

– Eles jogavam com um beque de espera e outro no avanço, estavam protegidos.

 Zizinho observou que a final da Copa de 50 solidificou a amizade entre os jogadores das duas seleções e rasgou elogios a Obdúlio, um jogador extraordinário e um homem como poucos, segundo ele!

 Os adversários passaram a se encontrar com frequência no Rio e em Montevidéo.

– Quase nunca falávamos daquele jogo, o Obdúlio detestava lembrar a data conosco; sabia o quanto o Brasil sofreu – ele jurava que mantinha conversas telepáticas com Obdúlio Varella.

De 1953 a 1957, com a saída de Domingos da Guia, Ziza tornou-se capitão da seleção brasileira, pela qual jogou 53 partidas oficiais e marcou 31 gols. Armador técnico, condenava os jogadores violentos que ocupam a posição, alegando que o guardião não pode fazer falta perto da área. Além disso, Zizinho se dizia furioso com o que considerava inverdades sobre a Copa de 50.


– A história de que Barbosa queimou as balizas do gol de Ghiggia num churrasco em Ramos é ridícula! Como poderia ter levado a baliza para casa? Para que queimaria as traves? – indagava Zizinho, que toda semana acendia uma vela em memória do goleiro. Outra história que desmentia é a de que os brasileiros almoçaram sanduíche de queijo no dia da decisão.

A concentração em São Januário era tão tumultuada, segundo Zizinho, que “a gente não tinha concentração nem para fazer balão.” Ziza, Nílton Santos e Alfredo eram os baloeiros.

– Se saísse da concentração, ninguém ligava; não fosse o empate com os suíços, eu não jogaria.

A algazarra da multidão era até um alento.

– Ficava mais tenso contra time pequeno; em estádio vazio, ouvem-se os insultos e palavrões. 

Ziza sustentava que o Brasil começara a perder a Copa quando Friaça fez 1 a 0, em um minuto e meio do segundo tempo. Segundo ele, deu um gelo na equipe, que imaginava ter cumprido o dever. O problema, argumentava, era que o Brasil nunca enfrentara uma seleção sul-americana numa final como aquela, o que torna difícil a compreensão da derrota. Além disso, Ziza rebatia a acusação de que faltaram, em campo, os berros de um Obdúlio a favor do Brasil.

– Grito não ganha jogo!

Indignado, Zizinho não entendia por que a imprensa deixara de cobrar as falhas do Brasil na derrota contra a França, na Copa de 98.


– O Zagallo diz que estava dormindo, quando o Ronaldo passou mal; o Lídio Toledo falou que, se cortasse o menino da partida, seria morto; o Roberto Carlos declarou que teve que meter o dedo na garganta do Ronaldo. Por que nada é questionado e só falam da derrota de 50? O Brasil já perdeu oito Copas depois daquela e a imprensa é cruel conosco; o Bigode só tem três amigos; o Barbosa, maior goleiro da história do Brasil, foi barrado por um molequinho (o goleiro Taffarel) nos preparativos da seleção e morreu só; por que tanta humilhação?

Para Ziza, a acusação contra Barbosa, Bigode e Juvenal teria sido “uma baixeza”. Mas ele não acreditava em racismo. Considerava “outra indignidade” o argumento de que as vitórias nas Copas de 58, 62 e 70 foram frutos da derrota de 50. O Brasil era injusto com todo mundo, na opinião de Zizinho. Ele dizia que na Europa os jogadores eram protegidos e citava o exemplo de Beckenbauer, eleito o melhor beque central de todos os tempos, apesar de ter jogado no meio-campo.

Não se falava bem de Diego Maradona com Ziza.

– Ele não foi nem o melhor jogador argentino a jogar na Itália, porque este foi Sívori, que ganhou três títulos pelo Juventus.

O melhor argentino de todos, para Ziza, fora Pedernera, que atuou na década de 40. Em compensação, falar mal de Pelé era arranjar um inimigo. Para ele, Pelé, Leônidas da Silva, Domingos da Guia e Nílton Santos eram os maiores craques brasileiros da história. Também não poupava elogios a Garrincha, mas tinha reservas em relação a Ronaldo Fenômeno.

– Atacante não pode ser o melhor se não cabeceia bem!

 O goleiro mais difícil que enfrentara fora mesmo Barbosa.

– Era frio demais; eu não tinha coragem de colocar a bola quando ele estava no gol.


Barbosa


Ziza contava que deixara de assistir a jogos no Maracanã havia mais de dez anos, com medo de passar a humilhação de ser barrado. De vez em quando, convidado pela diretoria do São Paulo, comparecia ao Morumbi. Afirmava que torcia pelo Flamengo, o Bangu e o São Paulo – todos os times em que jogou. Na infância, torcera pelo América do Rio, onde fora preterido por insuficiência física. Franzino, 1,68 metro de altura, Zizinha tinha paixão por basquete. Adorava boxe e se dizia admirado com o panamenho Roberto “Manos de Piedra” Durán. 

Zizinho nasceu em 14 de setembro de 1921, dentro de um clube de futebol.

– A tática que o Uruguai usou para nos vencer já conhecia desde os seis anos! – brincava. Filho de Tomaz Silva e dona Eurídes, Ziza morava numa casa em São Gonçalo, sede do Carioca Football Club, que disputava uma vaga na Liga Niteroiense de Futebol. Em 1937, mudou-se para Niterói e transferiu-se para o Byron, Em 1939, treinou no Flamengo e assinou contrato. Foi lançado em 1940. Conquistou o tricampeonato carioca de 1942/43/44. Em 1949, foi campeão sul-americano pela seleção brasileira.

Na Copa de 50, Zizinho fez o gol que considerava o mais bonito da carreira, contra a Espanha; um sem-pulo, depois de um balão em Gonzáles. Ziza acabara de se transferir para o Bangu, onde jogou até 1957. Foi chamado nesse ano pelo técnico húngaro Bella Gutman para o São Paulo, levando, aos 36 anos, o clube a ser campeão paulista. Em 1958, recusou-se a embarcar para a Suécia e perdeu a oportunidade de ser campeão do mundo.

– Fui convocado quatro dias antes do embarque; não sou moleque e achei que aquilo seria uma injustiça com o Moacir, do Flamengo, que seria cortado. É questão de atitude! – Ziza jurava que não se arrependera. 

Na temporada 1961/62, ainda jogou no Audax Italiano, no Chile. Defensor do passe livre, Zizinho teve proposta milionária do Milan, mas não pôde jogar lá.

– Quando houve greve de jogadores na Argentina, nos anos 40, fui lá apanhar o estatuto; queria reunir as cabeças daqui, mas ninguém participava.

Ziza adorava passarinhos e alimentava um bando na varanda do apartamento. Era desquitado, tinha duas filhas, torcedoras fanáticas do Fluminense, e dois netos. Gostava de caminhar pelo horto de Niterói e passear no sítio em Marambaia, Itaboraí. Às vezes, andava armado para se prevenir dos assaltos. Adorava os sambas de Walter Alfaiate, João Nogueira, Baianinho e Nélson Sargento. Frequentava a casa de samba e chorinho Candongueiros, em Niterói.

Ex-técnico do Vasco, América, Bangu e Remo, campeão pan-americano com a seleção brasileira no México (1975), Ziza defendia a criatividade. Concordava com o nome de Vanderlei Luxemburgo para a seleção, mas considerava absurdas as convocações de jogadores que atuavam na Europa para amistosos do Brasil contra times sem expressão.

– Se jogasse lá fora, não viria! – afirmava ele, na época entusiasmado com Ronaldinho Gaúcho, França e Alex, que ainda estavam por aqui.

No fim da Copa de 50, Zizinho ganhou 15 dias de folga do Bangu. Não aguentou ficar longe do Maracanã. Voltou a treinar quatro dias depois. Na reestreia, o time goleou o Flamengo por 6 a 0. Ziza tentava muito se convencer de que a final contra os urguaios fora apenas mais um jogo de futebol. Daquela Copa, só guardara uma medalhinha de vice-campeão (que mais parecia uma moedinha de cobre azinhavrado de cinco centavos), recortes de jornais e revistas e um punhado de amigos.

– Tive muita insônia, mas, com o tempo, consegui dormir!


E sempre que dormia, até o fim da vida, Ziza sonhava com aquele jogo.

– Sonho que Brasil contra o Uruguai é uma partida eterna, sem fim, um jogo que nunca acabou e só acabaria quando conseguisse alcançar aquela bola no último minuto e fizesse o gol de empate!