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SONHO REALIZADO

por Sergio Pugliese

O dia 25 de outubro vai ficar marcado pela morte de Carlos Alberto Torres, o maior capitão da seleção brasileira. Vale destacar, no entanto, que hoje também é comemorado o Dia do Dentista! Por isso, resgatamos uma crônica muito bacana da coluna “A Pelada Como Ela É”.

É inegável que o Dr. Luiz Antônio Coelho Martins, o Lulinha, realizou o sonho de qualquer peladeiro. Afinal, quem nunca se imaginou atuando no Politheama ao lado do mestre Chico Buarque e de inúmeros outros nomes da MPB, ou fazendo parte do time de Zico, o Galinho de Quintino, Adilio, Julio Cesar Uri Geller e vários outros craques que fizeram história no melhor time de todos os tempos do Flamengo? Essa honra não é para qualquer um. Conheçam mais um pouco do lado peladeiro do Lulinha nas fotos e no vídeo abaixo!


Zico, Gaúcho, Jaime, Lulinha, Andrade, Delacir, Gaúcho Lima e Zé Carlos. Convidado, Adílio, Renato Carioca, Pita, Heleninho Boca de Açúcar, Gilmar Popoca, o Cai Cai, e Julinho Uri Geller.  


O Politheama com Vinícius França, Rodolfo Fernandes, Carlinhos Filé, Chico Buarque, Rodrigo Paiva, Lulinha, Carlinhos Vergueiro e Bibi.


Adílio, Lulinha, Julio Cesar e Guillermo Planel.

OBRIGADO, CAPITA!!!

por Sergio Pugliese


O futebol perdeu hoje um dos jogadores mais respeitados da história! O respeito era tanto, que lhe deram a missão de ser o líder daquele timaço que conquistou a Copa de 70! E a função foi tão bem exercida que ganhou o apelido de “Capita”, o “Capitão do Tri”, que beijou com carinho a Taça Jules Rimet! Vítima de um infarto fulminante, Carlos Alberto Torres morreu hoje, aos 72 anos, no Rio de Janeiro.

Com uma classe incomum para jogadores defensivos, o lateral-direito surgiu como uma grande promessa do Fluminense no início da década de 60 e, posteriormente passou a jogar como zagueiro. Atuou também por Santos, Botafogo, Flamengo e New York Cosmos, sempre caindo no gosto das torcidas sem precisar de muito esforço. Atualmente, trabalhava como comentarista do Canal SporTV.

Em homenagem a um dos maiores jogadores do futebol mundial, recordamos uma entrevista e um texto da coluna “A Pelada Como Ela É”, publicado em 14 de abril de 2012, que conta um pouco sobre a vida de boleiro do “Capita”, desde a infância:

O MENINO DA PENHA

Após mais uma vitória sobre o rival Independente, a rapaziada do Ipiranga seguiu para o Armazém do Seu Carlos, tradicional ponto de encontro “pós-massacres”. Seu Carlos além de excelente anfitrião também funcionava como patrocinador do time porque bancava sanduíches, refrigerantes e, claro, o uniforme: camisa branca de gola vermelha, calção azul e meião branco. Nesse dia, o jogo foi duríssimo e o lateral Carlos Alberto, líder do grupo, deitou-se na calçada da Vila da Penha de braços abertos, extasiado e principalmente aliviado por libertar os pés em carne viva das chuteiras, dois números menor.

– Minha família não tinha dinheiro para comprar e usava as que me emprestavam – recordou-se Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, rodeado pela orgulhosa comitiva do A Pelada Como Ela É formada pelo trio de atacantes Reyes de Sá Viana do Castelo, Daniel Planel e Fernanda Pizzotti. 

O problema dos pés esfacelados complicava no dia seguinte. Precisava cumprir as tarefas como mensageiro da corretora de imóveis, de Seu Geraldo Albernaes, e à noite marcar ponto no Educandário Santa Fátima. Mas se tivesse bola rolando esquecia tudo. Queria seguir os passos de Zé Luiz, o irmão mais velho que treinava no Fluminense e despontava como possível substituto do ídolo Pinheiro. Mas um acidente de carro jogou tudo ralo abaixo. Os pais Chico e Alaíde não davam a menor força para Carlos Alberto, mas um dia ele foi convidado para um treininho no Fluminense por Roberto Alvarenga, dono do Ipiranga e supervisor tricolor. Inventou para o patrão que precisava visitar uma tia doente, mas foi flagrado pelo Velho Chico nas Laranjeiras. 

– Ele me chamou de vagabundo para baixo, mas num jantar com a família pedi uma chance e ele deu. Era um paizão! – contou, ao lado do filho Alexandre Torres. 


E Carlos Alberto não desperdiçou a chance. Aos 16 anos, barbarizou nos treinos, entrou para o juvenil e três anos depois substituiu Jair Marinho, que fraturara a perna, no time principal. Comemorou sua estreia no Maracanã dançando até se acabar numa das festas organizadas por Seu Barbosa, figura folclórica do bairro. Perdeu de 3 x 0 para o América, mas vibrou com os Golden Boys tocando na carroceria de um caminhão, na Estrada do Quitungo. Ele e os parceiros do Ipiranga, Noca, o ponta-direita Othon, o lateral-esquerdo Chicão e o goleiro Rui. O pai coruja empolgado com a performance do garotão, liberou o Chevrolet 40 preto para ele ir ao treinos. Um arraso! 

– Em 1963 fui convocado para o Panamericano e em 1964, comprei meu próprio Fusca! – vibrou. 

Também em 1964 foi convocado para a seleção brasileira e ganhou a vaga de Djalma Santos. Na estreia, vitória sobre a Inglaterra, no Maracanã, ao lado de Gilmar, Gerson, Vavá e Pelé. No ano seguinte, outra grata surpresa: o convite para integrar o dream team do Santos, com Gilmar, Mauro, Orlando Peçanha, Geraldino, Zito, Mengalvo, Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. 

– Ganhamos tudo e ficamos mundialmente famosos – orgulhou-se. 

A carreira de Carlos Alberto foi fulminante. Se aos 15 anos resgatava as bolas da vala negra que rasgava o campinho de terra batida do bairro, apenas 10 anos depois, no dia 21 de junho, o maior lateral-direito de todos os tempos, entrava no Estádio Azteca, na Cidade do México, para ser assistido por centenas de milhões de pessoas, na decisão da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália. E colocou-se naquela faixa de campo, no território onde pouquíssimos ousaram se engraçar. Um deles, Abel, ponta-esquerda do América, pai do jornalista Abel Neto. Esse, por muitas vezes, tirou o seu sono. Mas o tempo seguiu e faltava pouco para o mais jovem capitão da história das Copas do Mundo atingir o sonho maior: erguer a Jules Rimet. E Pelé resolveu ajudá-lo nessa missão rolando aquela bola macia que implorava “me chuta!”. Dessa vez a chuteira tinha o número certo e a pancada pegou na veia. O Brasil explodiu em emoção e no Armazém do Seu Carlos todos desabaram em lágrimas. O eterno patrocinador prometeu uma festa de arromba no Largo do Bicão para recepcionar o craque e, cinco dias depois, a promessa foi cumprida. Carlos Alberto Torres retornou ao armazém e os dois trocaram um longo e emocionado abraço. Depois foram para o jogo! O Ipiranga estava de volta! Após 90 minutos de racha sob sol escaldante, Torres, quebrado, descalço e rodeado de amigos, deitou-se na mesma calçada de sempre, abriu os braços e chorou olhando para o céu azul de Vila da Penha, onde tudo começou.

UM ESTRANHO NO NINHO

por Zé Roberto Padilha

Todo o universo da bola se preparou com esmero e carinho para fazer da abertura do Maracanã, o duelo entre Flamengo x Corinthians, um espetáculo grandioso. Reverenciar o futebol em um domingo de tarde, em seu templo sagrado, faz parte da nossa cultura, e é bonito, é bonito e é bonito. Da padaria aqui da nossa rua saiu um ônibus lotado e, ao comprar o pão, senti partir tal energia em ebulição apesar de ser tricolor. Mesmo porque, se havia algum frete para Curitiba, onde jogaríamos mais tarde, este seria de avião. O principado faz diferente, mas a nação consegue um jeito de empolgar diferente.


Quando defendi aquele manto depois de sete anos nas Laranjeiras, era um dos personagens em campo que definiriam se de lá voltariam alegres pela BR 040, ou trariam a tristeza como testemunha daqueles quilômetros que dobrariam até chegar Três Rios. E chegar cedo para quê? Ser sacaneado pelos vascaínos? Aturar o Álvaro nos portões de acesso ao Colégio Ruy Barbosa?

Quando a bola rolou e a televisão nos concedeu a linda imagem de um painel rubro-negro a emoldurar aquele “Ninho do Urubu”, fiquei a imaginar quantos atores, torcedores, imprensa, seguranças e arbitragem se prepararam naquele teatro para nos oferecer o melhor dos espetáculos. Mas na primeira paralisação, Balbuena, zagueiro corinthiano, foi chamado pelo seu treinador na beira do campo. Foi quando percebi um ruído. Oswaldo de Oliveira falava e o zagueiro não escutava. Seus olhos, em uma leitura oftálmica, revelavam: será que este cara conhece o nosso time a ponto de nos passar instruções? Mudar de tática?


Não conhecia. Oswaldo era um estranho no ninho ante tantos sabidos. Chegara há pouco, dirigira apenas três partidas e precisou da ajuda do auxiliar para escalar e realizar substituições. Quem levou aquele elenco para o túnel do vento da pré-temporada, após perder vários titulares para China, foi o Tite. Depois dos testes nas pistas de Jerez de la Frontera, onde carro e pilotos são apresentados, quem estava no comando era o Tite. Mas as câmeras o encontraram na arquibancada já como treinador da seleção.

No lugar de fixar o seu auxiliar, que conhecia o elenco, sua forma de jogar e suas armas de substituição, trataram de experimentar vários pilotos que não conheciam o carro. E o ultimo, Oswaldo, errou nas curvas quando escalou Marlone sem velocidade. E deixou de ganhar o jogo porque demorou a lançar o Luka diante de uma zaga confusa e que resolveu se lançar sem proteção ao ataque.


Do outro lado, Zé Ricardo, o treinador rubro-negro, acompanhou a montagem daquele time desde o começo. Como técnico dos juniores conheceu Felipe Vizeu antes de todos. Nos coletivos contra os profissionais percebeu a virtude dos titulares, e quando assumiu tinha o elenco nas mãos. Se errou e empatou em casa, não foi por falta de conhecimento do grupo, foi por desconhecimento de causa. Então, nossos cartolas, no lugar de se preocupar em aprovar recursos tecnológicos para validar ou anular gols, que tal parar de entregar seu time montado no meio da competição nas mãos de quem o desconhece? Certo fez o Flamengo, com Zé Ricardo,  o Botafogo com Jair Ventura, testemunhas oculares de sua recente história. Errado fez o Corinthians, o São Paulo e quem mais contrata o Argel, que trouxeram para seu ninho um estranho a pilotar seus descaminhos.

ANIVERSÁRIO DO REI

por Sergio Pugliese


Hoje o mundo celebra os 76 anos do Rei Pelé e para homenagear o Atleta do Século a equipe do Museu da Pelada procurou fugir do óbvio. Ao invés de gols, exibiremos uma passagem de sua carreira musical. 

Edson Arantes do Nascimento sempre foi amante da boa música e graças a seu prestígio pôde conviver e gravar com seus ídolos. Simonal, por exemplo, foi um grande amigo e Jair Rodrigues outro ídolo e fã do Rei. O segundo compôs e gravou com Pelé a música “Abre a Porteira”, considerada sua maior obra. 

Santista declarado, Jair sempre foi um peladeiro inveterado, apaixonado por futebol. Portanto, certamente ele lembra-se com orgulho de quando serviu Pelé numa tabela musical, onde era o Rei Pelé quem devolvia quadrado para Jair ajeitar.

Abre a Porteira

Pelé e Jair Rodrigues

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…

Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

De manhãnzinha quando o galo canta
A gente se levanta e começa a trabalhar
Tira leite da vaquinha vendo o sol raiar
E vai cuidar da roça pra poder vingar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Olha a boiada na beira da estrada
Olha a vaqueijada e a poeira a levantar
Tudo isso dá saudade se começo a recordar
E a tristeza no meu peito só me faz chorar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Cidade grande me faz chorar
Abre a porteira que eu quero voltar…

ENCONTRO DE FERAS

por Claudio Lovato

Estamos no Centro Comunitário de Capoeiras, um dos bairros da parte continental de Florianópolis. É uma noite fria de setembro, 15 graus, e há um vento cortante. A bola rola no jogo entre dois times de veteranos. Todos com mais de 50 anos, com exceção de três em cada time, que podem ter, no mínimo, 45. As dimensões do campo chamam a atenção da equipe do Museu da Pelada, sobretudo a largura dele.

– Tem 100 por 70! – diz João Carlos da Silva, 64 anos, idealizador e organizador do torneio que reúne 10 times com jogadores acima dos 50 anos.

João Carlos da Silva já foi um dia o nome pelo qual era conhecido Balduíno, craque com passagens marcantes por Avaí, Joinville, Figueirense e Grêmio nos anos 70 e 80. 

– Quem sabe jogar prefere campo mais largo, porque dá para inverter a jogada, recomeçar…

– É uma fazenda! – comenta o repórter do Museu.

– Tem que voltar de táxi! – diz, rindo, Renato Luís de Sá Filho, o Renato Sá, 61 anos, quebrador de recordes (dolorosas recordações para torcedores do Botafogo e do Flamengo), ponta-esquerda habilidoso e de fôlego interminável que brilhou no Avaí, Grêmio, Botafogo, Vasco da Gama, Atlético Mineiro e Atlético Paranaense.

Paulo Cézar Caju também está presente, novo morador da Ilha de Santa Catarina que é, aos 67 anos.

PC, Balduíno e Renato Sá jogaram juntos no Grêmio. Renato havia chegado em 1978; PC, alguns meses depois, naquele mesmo ano; e Balduíno em 1980.

– Fotografa aqui a meiuca do Grêmio – diria PC ao fotógrafo, no encerramento da entrevista para o Museu.

PC sempre foi fã do futebol de Balduíno, meia-armador de alta habilidade e baixa estatura: 1,60m.

– Em alguns lugares, hoje em dia, se o garoto não tiver pelo menos 1,75m, é barrado na base – lamenta Balduíno.

E PC começa a recitar um poema:

– Eduzinho Coimbra, Zé Carlos, Joãozinho, Afonsinho… Maradona!

Os baixinhos.

Balduíno não se contém:

– Zico!

– Jurandir, lembra dele? – PC pergunta ao repórter do Museu.

– Claro! – responde o repórter, gremista.

– Em 1979, num Gre-Nal no Beira-Rio, dissemos ao Fantoni que o Jurandir tinha que marcar o Falcão…

O repórter, hoje cinquentão,  estava lá  na arquibanaca, naquele 13 de maio de 1979. Decisão do ponto extra do Gauchão. Aquele Gre-Nal ficou famoso por ter sido o jogo em que o pequenino Jurandir, ponta-esquerda que recuava para ajudar na marcação, não deixou Falcão tocar na bola. Falcão mal conseguiu respirar. PC não jogou, porque estava lesionado. No final, zero a zero, Grêmio com o ponto extra e o título de 1979 encaminhado.

– Eu era folgado! – diz Balduíno, recordista de participações no clássico Figueirense x Avaí: 75 jogos (39 pelo Avaí e 36 pelo Figueirense).

– Uma vez, pelo Campeonato Brasileiro, num jogo aquí em Florianópolis, o Figueroa tentou me dar uma cotovelada. Só não acertou porque eu sou baixinho. Pegou de raspão, na testa. Eu deixei passar um tempo e dei um soco na barriga dele. Ele correu atrás de mim, mas eu consegui fugir!

Boas lembranças.

– O Fantoni só me chamava de ‘Roberto Sá – conta Renato. 

Renato Sá, que sabia jogar, e muito, olha para o campo e relembra de uma dessas bolas longas, bem invertidas, que fazem Balduíno gostar de gramados grandes.

– Tem que ter força no chute. Como o Paulo Roberto…

Renato está falando sobre o lance que resultou no gol do Grêmio contra o São Paulo, no Morumbi, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1981. O lateral-direito Paulo Roberto recebeu lá na linha divisória, olhou para a grande área do São Paulo e mandou a bola para a Renato Sá. Ela veio alta e forte.

– Num lance assim, o mais difícil é achar o tempo certo para saltar! – diz Renato.

– Não pode pular antes nem depois.

Renato saltou no tempo certo. De sua cabeça saiu o passe para Baltazar, o Artilheiro de Deus, que matou a bola no peito e, antes que ela tocasse no gramado, emendou um chute maravilhoso, bola no ângulo esquerdo de Valdir Perez. Grêmio campeão brasileiro pela primeira vez.

– Naquele jogo, entrei no lugar do China, centromédio. O Ênio [o grande técnico Ênio Andrade] me disse: ‘Vamos fazer uma correria ali no meio, é a nossa única chance”.

Lembranças especiais, coisa que não tem preço.

– Monsieur Paulô Cezár! – alguém grita do alambrado, bem atrás de onde está PC.

– Chevalier! – PC responde. 

E nós vamos para o local, pertinho do gramado, onde o fotógrafo e o cinegrafista do Museu da Pelada montaram o set para a gravação da entrevista. Histórias engraçadas? Tem. Lembranças bonitas? Tem também. Mas também tem muita reflexão séria e algumas críticas, porque essas feras têm muito o que dizer. E disseram.