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SORTE DO VOTO, AZAR DA BOLA

por Zé Roberto Padilha


Sede do Entrerriense F.C.

São duas experiências vividas que desnudam o quanto o poder econômico pode desequilibrar, e tornar desigual, uma disputa dentro e fora das quatro linhas. Em 1988, candidato a prefeito em minha cidade, seguia com meus vereadores para o comício em um bairro na nossa Kombi com alto falantes cheios de ruídos. E a multidão seguia em direção oposta para assistir o showmício do Neguinho da Beija-Flor num Trio Elétrico em outra pracinha. No intervalo, o candidato que detinha a máquina, que sempre traz a reboque suas Odebrechts, mandava o seu recado. E na hora do voto vinha aquele eco na cabeça do eleitor: “Olha o oligarca da vez aí gente!”.


Zé Roberto foi ponta da Máquina Tricolor

Nos sinais, expunham meninas de shortinhos entregando panfletos, e eu subia o morro com minhas petistas de óculos que a população não enxergava qualquer beleza interior. Mesmo carregando bandeiras da cor que parava aquele sinal. Isto desestimulava seguidos idealistas a postular um cargo e punha o valor na etiqueta na disputa: para vereador, 100 mil, para prefeito, 1 milhão. Tão seguro deste desamparo, nossos políticos se deram ao luxo de nenhum candidato a governador nos visitar nas eleições passadas. Enviaram a Três Rios a grana e o marqueteiro que a todos os rincões bastava.

A outra foi no futebol. Treinador do Entrerriense FC no Campeonato Carioca de 1995, classificado entre os oito melhores do estadual, enfrentamos o Fluminense a uma rodada do fim. Era o ano do centenário do Flamengo e o Fla-Flu que decidia o título ia ser no domingo seguinte. Meus atletas recebiam salários mínimos e enfrentariam, entre outros, Renato Gaúcho, que sozinho ganhava mais que todo o grupo, a comissão técnica, o estádio e a sede social do clube carijó.


Pouco conseguimos treinar durante aquela semana. Diante de tamanho desnível financeiro, o temido homem da mala, de ambos os lados, rondou os meninos. Ao portador da mala para vencer, cedi até o vestiário e mandei buscar biscoitos e cafézinho. Qual o problema um estímulo a mais para buscar a vitória e diminuir a desigualdade salarial durante os 90 minutos?

Mas o da mala para perder, soube depois, conseguiu uma audiência do lado de fora. Como moradores de um bairro desassistido, sem água, luz ou coleta de lixo, ficaram expostos a uma compra de votos. Ela só ocorre quando a disparidade financeira, e a luta por condições melhores no trabalho e nos gramados, chegam ao seu limite. E os poderosos se acham no direito de bater em nossas portas a comprar a desesperança.

Hoje, na política, não pode mais ter o showmício e a grana está curta, e tabelada, como os shortinhos que desapareceram dos sinais. Assim como as placas de propaganda, os outdoors, os comitês eleitorais. Agora, os candidatos vão ter que colocar o Pezão na estrada se almejarem se aproximar do eleitor.


Campo do Entrerriense F.C.

Mas no esporte, o Entrerriense não joga mais. Está licenciado da FERJ por falta de apoio e patrocínio. Criaram arenas e expuseram os limitados, e afastaram os alambrados de Pau Grande onde surgiu um gênio ilimitado. Sumiu o Serrano e o gol do Anapolina. O América FC-TR e o Pião, que fez um gol que tirou o selo de invicto do título do Botafogo. De onde saíram os maiores jogadores do futebol brasileiro, como o Ferreira, Vinícius Righi, Denílson, permaneceram os “Gums” jogando e ganhando 200 mil.

Quanto aos meus jogadores, que resistiram à mala e lutaram até o fim naqueles 3×0 para o Fluminense, muitos abandonaram suas carreiras. Alguns se tornaram vendedores, outros voltaram a estudar. Sorte da política quando estimula políticos melhores rumarem a Brasília, azar do futebol quando fecham as estradas dos laboratórios de terra batida, das traves de bambu, bolas de pano, meninos de canelas finasque sempre conduziram a arte de seu improviso ao Maracanã. E nos tornaram cinco vezes os melhores do mundo.   

PAI DA BICICLETA

Leônidas da Silva completaria hoje 103 anos de idade! O atacante foi o inventor da bicicleta, um dos lances mais plásticos do futebol! Cria do São Cristóvão, o craque jogou em grandes clubes como Vasco, Flamengo e São Paulo, além de ter defendido a seleção na década de 30. Após penduras as chuteiras, se aventurou na carreira de treinador!  

O MENINO QUE JOGAVA SORRINDO

por Victor Kingma


Sorriso era um moleque daquela pequena vila, que tinha uma habilidade impressionante com a bola nos pés. Nas peladas no pequeno e irregular campinho de terra batida, não havia nenhum outro menino que conseguia escapar de seus dribles desconcertantes. 

Descoberto por um desses olheiros do futebol, foi levado para a escolinha de um grande clube. No primeiro treino, assim que recebeu a bola, a meteu no meio das pernas do grandalhão vitaminado que o marcava. Veio o segundo marcador e o serelepe de pernas finas jogou a bola por um lado e pegou do outro. E foi assim até o final, para desespero dos marcadores e delírio dos poucos torcedores que assistiam ao treinamento. 

Terminado o teste, eufórico, dirigiu-se sorridente até o técnico, um desses “professores” de futebol, na certeza que tinha abafado. Então veio a primeira decepção: 

– Você tem habilidade, mas precisa soltar mais a bola. Não pode driblar tanto assim. Futebol é jogo coletivo. Não é pra ficar brincando desse jeito. 

Nos treinos seguintes, sempre a mesma coisa. Toda vez que o menino se excedia nos dribles vinha a repreensão:

– Solta a bola! Joga sério! – “ensinava” o professor.

Num jogo da categoria, inconformado com a ousadia do moleque, que desobedecia as suas ordens e teimava em driblar em vez de passar a bola de primeira, o técnico, aos berros, não só o substituiu como proferiu a bronca que seria definitiva na carreira do garoto: 

– Já te falei várias vezes que isso aqui é futebol, não é circo pra ficar de brincadeira! Daqui pra frente, toda vez que não jogar SÉRIO vou te tirar do jogo. 

Foi a última partida do menino Sorriso. Ele, que aprendeu a driblar por intuição, que ganhou o apelido por jogar sempre sorrindo, talvez por sentir prazer em ver os adversários caídos e sem ação, nunca mais apareceu no clube. Resolveu voltar pra sua terra e, assim, poder se divertir de novo jogando bola nos campinhos de pelada. Não queria mais participar daquele jogo sem graça. 

Até porque, de todas as instruções que seu “professor” de futebol lhe dera, aquela ele definitivamente jamais poderia cumprir: jogar SÉRIO. 

GOL DE PLACA

Hoje é aniversário do craque Leonardo!! Com passagens por Flamengo, São Paulo, Milan e seleção, o ex-lateral marcou um dos gols mais bonitos da história quando atuava no futebol japonês!

Pintinho

O HOLANDÊS DO BOREL

texto: André Mendonça | entrevista: Sergio Pugliese fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Planel

 

“Comecei jogando bola no Beira-Rio”. A frase é de um dos grandes meias do futebol brasileiro, mas engana-se quem pensa ser algum craque do Internacional, de Porto Alegre. O “Beira-Rio” em questão era um campinho ao lado do Rio Maracanã, onde Carlos Alberto Pintinho, ídolo tricolor, jogou suas primeiras peladas. Morando há 35 anos em Sevilha, na Espanha, o ex-jogador curtiu as férias no Rio e reservou seu último dia na Cidade Maravilhosa para uma resenha carregada de emoção com a equipe do Museu da Pelada, no quiosque Quase 9, em Ipanema. Vestindo uma linda camisa tricolor número 2, emprestada por um fã, Pintinho se divertiu durante o encontro.

Criado no Morro do Borel, o craque desfilava seu bom futebol na Rua São Miguel, na Tijuca, entrada da favela. Como o movimento de carros era infinitamente menor do que hoje, colocava-se paralelepípedos para demarcar o gol e raramente o jogo era interrompido por causa do tráfego. Além do “Beira-Rio” e da Rua São Miguel, Pintinho também jogava bola na mansão do amigo Eduardo Bandeira de Mello, atual presidente do Flamengo, a quem chama carinhosamente de Duda.

Como se destacava nas peladas, o menino foi jogar no time de futebol de salão da fábrica de cigarros Souza Cruz, onde sua avó trabalhava. As boas exibições logo lhe renderam um convite para jogar no América, onde treinava com muitos jogadores do Fluminense.

– Eles conciliavam o salão no América com o futebol de campo no Fluminense. Um dia, me chamaram para fazer um teste no tricolor e ali começou minha história no clube, com 12 anos. Foi tudo muito rápido!

A ascensão meteórica não foi surpresa para nenhum dos amigos e familiares que viam o menino “fazer chover” nas peladas do Borel. O talento era tanto que Pintinho sempre jogava em uma categoria acima da sua e logo ganhou o apelido de “holandês do Borel” pela semelhança com o estilo de jogo dos craques daquele país. Mas sua inspiração eram Carlinhos Violino e Nei Conceição, e o ídolo maior PC Caju. O craque teve belo desempenho no Torneio Internacional de Cannes, na França, em 1972, quando a seleção brasileira sub-20 foi campeã vencendo a Argentina na decisão.

Cheio de moral após o título e a participação dos Jogos Olímpicos, também em 1972, Pintinho fez a sua estreia no time principal do Fluminense com apenas 17 anos. Na ocasião, a equipe das Laranjeiras enfrentou o Bonsucesso e o meia teve a missão de marcar Jair Pereira.

Vale destacar, no entanto, que fazer parte daquele time do Fluminense não era tarefa fácil. Com um grupo repleto de craques, a geração ganhou o famoso apelido de “Máquina Tricolor” e Pintinho fez questão de escalar o time da sua vida: Renato, Carlos Alberto, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto; Pintinho, PC Caju, Rivellino, Gil, Doval e Dirceu.

– Aquele time era enjoado! Lembro de um jogo contra o Goytacaz, que não tinha muita gente no estádio. Aplicamos uma goleada tão grande que perdemos a conta! Tive que perguntar o placar para um torcedor que estava na geral. Foi engraçado! A partida terminou 9 a 0.

Para se firmar no time titular, Pintinho teve que barrar ninguém menos do que Denílson, capitão e um dos jogadores mais respeitados pela torcida na época. Com um estilo mais refinado do que o concorrente, o holandês do Borel logo caiu nas graças da torcida e do técnico Duque.

– O jogador no meio-campo tem que saber fazer a ligação para o ataque! Não me conformo com chutão para frente!

Apesar da boa fase no Flu, já como titular incontestável, o ano de 1976 não foi bom para o craque. Além de ter perdido a semifinal do Campeonato Brasileiro para o Corinthians, no Maracanã, no jogo que ficou conhecido como “a invasão corintiana”, Pintinho perdeu o seu melhor amigo: Geraldo Assoviador.

– Éramos muito amigos! Sonhava em jogar ao lado dele, mas ou eu teria que sair do Flu ou ele do Fla. Só conseguimos jogar juntos nas peladas na Praia do Leblon. Era muito legal! Mas eu senti demais a morte dele! Foi duro! – disse, sem conter o choro.

A perda do melhor amigo o abalou de tal forma que, segundo ele, foi um dos principais motivos de sua ida para a Espanha. Influenciado também por PC Caju, seu mentor, Pintinho se transferiu para o Sevilha no início da década de 80, depois de uma rápida passagem pelo Vasco. A idolatria por PC Caju, aliás, chama a atenção.

– O PC é um irmão para mim e teve muita influência na minha carreira! Na equipe juvenil do Fluminense, cheguei a jogar de ponta-esquerda para imitá-lo. Eu era um dos mais novos da Máquina Tricolor e aprendi muito com ele! Somos grandes amigos até hoje!

A transferência para o futebol espanhol, sem dúvida, foi uma das decisões mais importantes de sua carreira. O craque se identificou tanto com a região, que não tem vontade nenhuma de voltar ao Brasil, pelo menos por enquanto. São 35 anos morando em Sevilha e 28 jogando pelada com os espanhóis.

– Recebo convites para jogar pelada todos os dias! A única coisa que impede a minha regularidade é uma artrose que está afetando meu fêmur. Mas sempre que posso, jogo, não tem como largar!

Hoje em dia, aos 62 anos, Pintinho fechou o bar que agitava as noites de Sevilha porque chegava em casa de madrugada, trabalha como comentarista e técnico. Garante que seu trabalho tem muita influência dos seus ex treinadores, sobretudo Didi, que comandou a Máquina na década de 70. O Fluminense, aliás, tem um lugar especial no seu coração.

– O Flu é tudo na minha vida! Vivi grandes momentos lá e foi o clube que me deu a oportunidade de vencer na vida! Sou muito agradecido ao Flu e sempre que estou no Rio vou visitá-lo.


Washington Araújo, André Mendonça, Daniel Planel, Sergio Pugliese, Carlos Roberto, Fábio Menezes, Pintinho e Marcelo Tabach

Quase no fim da resenha, Carlos Roberto, ex volante do Botafogo, apareceu no quiosque e fez questão de enaltecer o desempenho do craque e amigo.

– Ele foi um jogador extraordinário. Extremamente dedicado, tanto defendendo, quanto atacando! Um dos jogadores mais completos que já vi! Ele jogava de área a área, algo que é muito valorizado na Europa hoje em dia.