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OBRIGADO, ROBINHO

por Zé Roberto Padilha


O fim da noite de quarta feira era mais que Finados após um dia de saudades e homenagens. Estava sozinho na sala, estava frio, não havia mais a cumplicidade dos filhos casados, da esposa que não resiste, e se recolhe antes, ao horário imposto pela Rede Globo a empurrar o futebol mais para os olhos dos vigias e quem mais insiste permanecer em vigília. Mas você, Robinho, com sua inspiração e genialidade jogando pelo Atlético-MG contra o Internacional, pela Copa do Brasil, prestou a mais bonita das homenagens ao levar, nos inspirados contra ataques que puxava, buquês de flores nos pés dedicados a quem nos deixou como legado a arte adormecida do futebol brasileiro.

Você não jogou sozinho, aliás, nenhum monstro sagrado que partiu, e contribuiu com seu futebol a nos tornar melhores do mundo, realizou seus feitos sozinhos. Garrincha tinha Vavá para concluir suas obras e Carlos Alberto Torres precisou da movimentação do Jairzinho, da assistência de um Rei para imortalizar sua maior pintura. Naquela sinfonia que nos envolvia, e nos fazia torcer para que pela porta entrasse uma testemunha qualquer, um parente, um vigia solicitando um prato para dividir o prazer, Lucas Pratto era o seu Coutinho. Cada bola que lhe foi lançada foi transformada em um pincel que você saia rabiscando os melhores momentos de uma genialidade há muito sucumbida.

Com o ritmo alucinante que o mundo globalizado e competitivo nos impôs, não temos paciência de esperar, pelo menos no futebol brasileiro, uma atleta “madurar”. Atingir o auge da sua carreira. Quando o torneio é de Wimbledon, reverenciamos Djokovic na plenitude dos seus 29 anos. Quando a disputa vai para as pistas, Lewis Hamilton brilha na F1 no auge dos seus 31 anos, como piloto. Mas quando você entre em campo com seus 32 anos, somando experiência a um inquestionável talento, sobram questionamentos no lugar de lhe estender um tapete vermelho, apagar as luzes do Estádio Independência e lhe atirar um foco de luz a preceder a lucidez que você insiste em nos honrar.

Antes que o SporTV comece a pesquisa em seu site sobre o melhor jogador do Campeonato Brasileiro, eu lanço seu nome como candidato. Só este ano você já marcou 27 gols, a sua melhor temporada em todos os tempos. E atua em um time que dá prazer de ver jogar, com toques de primeira, busca incessante ao ataque e que merece, tanto quanto Flamengo, Palmeiras e Santos, chegar ao título. Em nome de todos os finados que em espírito assistiram e foram homenageados com sua exibição de gala, em meu nome que estava acordado e feliz, muito obrigado. Enquanto houver Robinho em campo, jogando daquele jeito, haverá esperanças na reencarnação da arte e do fascínio do futebol brasileiro.

CRAQUES ETERNIZADOS

por Mauro Ferreira

Lá tem Felix, o papel. Também tem Djalma Santos, Nilton Santos e outros tantos. Lá, lá em cima, tem uns 500 times, daqueles que congelam “ohs” e “ahs”. E não é só craque daqui da pátria de chuteiras. Tem os de além mar, também. Eusébio, Cruyff, Di Stefano… Todos finados, mas sempre afinados.

No Dia de Finados, o Museu da Pelada contou histórias de quem bateu bola no enterro do pai para espantar os males. Dias antes, o Museu também homenageou o Capita com vários encontros magníficos de letras e palavras.

Mas a pelada, a pelada como ela é, não permite chororô. A bola quando rola é pra fazer a dentição aparecer branquela de dentro da boca. E dos que se foram lá pra cima, nenhum foi mais peladeiro que Mané Garrincha. Do balé ao baile, campinho em Pau Grande, ou Maraca e suas cópias europeias, Garrincha azucrinou seus marcadores. Entre ganhar e perder, queria o drible… de preferência, os humilhantes, aqueles que arracam “ihs” prolongados e debochados da assistência e transformam os outros jogadores em meros joões.

Garrincha é o peladeiro mor do Museu da Pelada. Vai lá, “seu” Mané. Encanta aí em cima. Daqui de baixo a gente gruda os olhos no videotape.

“É PRA VOCÊ, MEU VELHO”

por Sergio Pugliese


Na estrada para Búzios, a notícia impiedosa, cruel, definitiva…o pai de Marcelo Grisalho morrera. O vazio foi imediato, o peito se esfacelou. Curvou-se na poltrona do ônibus e chorou amparado pelo filho Gabriel. Seu Isaltino estava doente há tempos, mas a família ainda acreditava numa recuperação milagrosa. Vascaíno roxo, prestigiava as peladas do filho e assistiu, no Grajaú Tênis Clube, alguns treinos do talentoso neto. 

– Força, pai! – incentivou o menino.

Na rodoviária, a mulher de Marcelo, os aguardava. Os três se abraçaram longamente e, juntos, voltaram ao Rio para regularizar a documentação e providenciar o enterro. No fim de tudo, Marcelo estava do avesso e resolveu acompanhar Jô até Macaé, onde ela venderia camisas esportivas. Lá tinha parentes e grandes amigos, e seria a chance de relaxar. À noite, saiu para caminhar. Estava mergulhado em lembranças do pai quando foi despertado pelo peladeiro Alex, na beira do campo.

– Marcelão, vai jogar? 

Totalmente desinformado da situação, Alex também enfrentava um problemão: completar a pelada. Marcelo foi pego de surpresa. Olhou para o campo e viu parceiros de muitos anos. Todos estavam próximos quando ele perdeu o emprego, o filho teve problemas na escola e o pai ficou doente. Foi correndo atrás da bola que exorcizou todos esses fantasmas. Os amigos da pelada, sempre eles! Marcelo estava confuso, o olhar ia longe e Marquinhos foi direto ao assunto.

– O que houve? Parece que viu um fantasma!

Marcelo balançou a cabeça como se fosse bobagem.

– Não foi nada. Vou pegar o material.

A mulher Jô, crítica ferrenha da pelada semanal, na verdade tri-semanal, não se surpreendeu com a decisão. Marcelo e Jô perderam a conta das brigas feias por conta da bola. Dessa vez, ela ficou em silêncio enquanto o maridão lentamente calçava a chuteira. Na porta, pela primeira vez o incentivou.

– Boa pelada, amor!

Ele saiu de casa com várias pulgas atrás da orelha. Seria pecado jogar pelada no dia do enterro do pai? Decidiu ir em frente!

Jogou chorando. Correu por todas as partes do campo, gritou com os companheiros, chutou de todas as distâncias, extravazou como pôde e no final ainda marcou um golaço. Comemorou ajoelhado, apontando para o céu.

– É para você, meu velho!

O filho invadiu o campo e os dois choraram abraçados. Só naquele momento os amigos souberam da morte de Seu Isaltino. E como não podia deixar de ser, o incentivaram. Da forma deles.

– Vamos pro jogo! Vamos pro jogo! – gritou Alex.

Marcelo foi, afinal, a pelada não pode parar!

EU E MEU PAI

por Marcos Eduardo Neves

Marcos Eduardo Neves é jornalista de primeiro time. Entre muitos feitos escreveu a biografia do craque Heleno, que será interpretado por Rodrigo Santoro no cinema, Roberto Medina, Renato Gaúcho e, mais recentemente, Alex. Ele foi uma das principais alavancas para o projeto A Pelada Como Ela É deslanchar. Nos reunimos várias vezes, consumimos alguns litros de chope e escrevemos várias crônicas. A ideia inicial era um livro. Mas ele foi chamado para ser editor de Esportes do JB, eu deixei a história de lado um pouco e o tempo passou. Meses depois acertei uma coluna semanal com o Globo. Marcos continua sendo um grande colaborador! Abaixo ele conta uma emocionante história envolvendo amor, pelada e morte.


“Entre as principais lembranças que guardo na memória de meu pai estão algumas manhãs de domingo em que, no Moneró, Ilha do Governador, assistia a suas defesas e frangos como goleiro da pelada que rolava solta entre seus amigos. Deve ter começado aí minha propensão a usar a camisa 1 ao longo da minha carreira de atleta frustrado, mas insistente.

Em janeiro de 2000, num sábado, lembro de ter acordado com um inesperado telefonema. Era o velho perguntando se eu podia vê-lo no domingo, pois estávamos há uns três meses sem nos encontrar. Concordei, claro! “Pai, amanhã nos vemos”. Ele agradeceu com um “te amo muito, tá, filho?”. Vai entender esse sentimentalismo, essa saudade…o homem nunca foi disso! Deixei quieto, mas fiquei contente.

Eis que, no domingo, outro telefonema me despertou por volta das 6h. Pensei logo, papai encontrou algum compromisso inadiável – mulher, na certa, pois era um amante incorrigível. Mas era minha irmã, que morava com ele. Aos prantos, ela disse “papai morreu”.

Morreu nada. Foi assassinado. Na sombria madrugada, uma facada pelas costas na jugular, depois de discussão num pé sujo. Bate boca por causa de paixão. Não mulher, mas futebol. Um Botafogo x Santos, pelo Torneio Rio-São Paulo e uma indiscutível vitória de seu alvinegro por 3 a 0.

Então, como ele tinha pedido encarecidamente, fui vê-lo no domingo. Vê-lo e velá-lo. Vê-lo pela última vez. E na segunda-feira, consternado, sem chão, voltei à Ilha para enterrá-lo. 

Do cemitério retornei morto por dentro. Ao menos, meus principais amigos reuniram-se para ir à minha casa me ver, na tentativa de me injetar ânimo, me fortalecer. 

Foi uma surpresa bacana. Dois deles, porém, fizeram uma visita rápida. Era dia de pelada. Ninguém me perguntou se eu queria jogar bola, mas eu quis saber para onde iriam. Não mentiram. Educados, perguntaram se eu queria ir. Para quê? Em fração de segundos, meus olhos brilharam. Decidi honrar papai. Fui para a AABB, na Lagoa, disposto a fechar o gol. Uma defesa milagrosa, numa cabeçada à queima-roupa, dediquei, em silêncio, a ele. Nenhum dos demais peladeiros sabia meu drama pessoal. E eu não queria compaixão. Queria papai presente, a partir de então, me vendo em cada pelada, ajudando a me posicionar, me impulsionando a catar aquela pelota, perdoando minhas falhas mas me incentivando a dar a volta por cima. 

E assim foi. Não lembro se naquela noite ganhamos ou perdemos. Não o meu time. Mas, sim, eu e meu pai.”

Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 30 de outubro de 2010

CAPITA POR LEANDRO

Todos nós sabemos que resenha de boleiro não tem fim, e as comparações entre grandes craques ajudam ainda mais à prolongá-las. Quando Carlos Alberto Torres nos deixou, na semana passada, uma das maiores discussões do futebol veio à tona: seria ele o melhor lateral do futebol brasileiro? O craque só não é unanimidade porque a posição também foi exercida com louvor por Leandro, um gênio da bola.


Recentemente a equipe do Museu da Pelada foi até Cabo Frio para uma resenha muito bacana com o “Peixe-Frito”. Sem esconder a tristeza pela morte do amigo, ex-lateral do Flamengo rasgou elogios ao “Capita”:

– Só de ser comparado a ele já é um privilégio enorme! Ele tinha uma leitura de jogo impressionante e uma liderança nata! Foi referência em todos os clubes que passou!

Vale destacar que Leandro foi treinado por Carlos Alberto Torres em 1983, no Flamengo, e, na ocasião, conquistaram o Campeonato Brasileiro! Que dupla!!