EU E MÁRIO SÉRGIO…
por Marcelo Mendez
Teve uma noite em casa, em 1984, que chamei meu pai, como sempre fazia, para irmos ao Parque Antártica ver o Palmeiras em um jogo do Campeonato Paulista que se iniciava. O velho, que estava lendo um livro que eu lembro bem, era do Celso Furtado, parou e me falou:
– Filho, acho que já tá na hora de você começar a ir ao estádio sozinho. Já tá com 14 anos, é esperto, sabe andar bem em São Paulo e vai ser uma experiência muito boa para você!
– Sério??? E a Mãe?
– Bom, deixa que me viro com ela…
Não deu pra ir no jogo do domingo, mas na semana seguinte, após as argumentações de meu pai e do meu saudoso Tio Bida, minha mãe tomou uns calmantes e me deixou ir. O jogo seria no Pacaembu, Tio Bida me deu uma grana pro cachorro quente, pro guaraná, o Pai deu o do ingresso e da condução e lá fui eu assistir Palmeiras x América de Rio Preto pelo Paulistão.
E a única coisa que me lembro era do Mário Sérgio.
O classudo canhoto, dono da camisa 10 verde, jogava o fino da bola, dava soneto ao invés de apenas passes, encheu Luizinho Lemos de bola, o Palmeiras venceu, foi um espetáculo e dali pra frente meu maior divertimento de menino era ver o Mário com a 10 do Palmeiras.
Mas aí vieram os homens e estragaram a festa…
Mário Sérgio foi pego em um exame de doping, o julgamento deu 4 a 4 e mesmo assim o Palmeiras foi punido, perdemos os pontos, o campeonato e o camisa 10. Mário se foi e eu fui com ele.
Por onde o Vesgo andou eu o segui por profissão de fé. Eu era um mendigo do futebol, de pires na mão, clamando por um pouco de arte e o Mário sempre me deu aos montes. Em 1988, vi uma tal Copa Pelé de Masters, do Luciano do Valle, só pra vê-lo jogar, só pra eu poder me encantar um pouco e ele sempre me encantou.
Passou o tempo.
Mário Sérgio se tornou comentarista e eventualmente a gente se esbarrava por aí. Sempre muito gentil, muito sacana, bem humorado, cheio de causos e histórias. Tínhamos uma primeira conversa pra marcar uma entrevista para o Museu da Pelada e então, bem…
Um vôo para Antioquia na Colômbia botou um ponto final em tudo. De você, agora, meu camisa 10, só lembro do tempo que você me fez feliz. De quando você olhava para um lado e metia a bola para o outro. Um tempo que fui muito feliz, que eu era menino que imagina, “até ia sozinho para São Paulo!”
Ia para te ver jogar, 10.
Agora você vai jogar para outros lados, vai para outros lados aí. Vai na fé, craque. É duro te escrever com a lágrima que escorre a cara agora, mas eu sei que por onde você for, você estará bem.
Você foi grande na vida, Craque.
Vai em paz e muito obrigado, Mário Sérgio.
A QUEDA
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Morro de medo de avião. Trauma de infância. Aos 15 anos, já jogava futebol profissional na Colômbia, levado por meu pai, que treinava o União de Madalena de Santa Marta e, depois, Junior de Barraquilla. Volta e meia íamos para Medellín. O avião sempre tremia por ser uma região montanhosa e eu ria para disfarçar o medo. Ri algumas vezes, mas numa delas, em Manizales, o piloto mandou colocarmos o travesseiros entre as pernas e protegendo a cabeça. Rezei quando soube que o avião aterrissaria de barriga, mas ri quando deu tudo certo.
Tinha uma pureza que não me deixava enxergar o tamanho do perigo. Queria ver, agora, todos os jogadores da Chapecoense rindo do susto. Mas a maioria morreu e levou junto o sonho da conquista. Será que também serão considerados campeões? Os dirigentes da Sul Americana poderiam pensar nessa possibilidade.
Esse acidente me atingiu emocionalmente por alguns aspectos. Pela tragédia em si, óbvio, mas por já ter enfrentado vários riscos aéreos, como turbulências, pousos forçados e a aeronave arremetendo. Também por adorar Santa Catarina e, recentemente, ter trocado o Rio por Florianópolis: minha mulher Ana tem dois filhos que moram em Floripa, Felipe e Diogo.
Todos estávamos na torcida pela Chapecoense!!! E, claro, por Mário Sérgio. Tínhamos gênios parecidos e, apesar de amigos, também vivemos momentos de turbulência. Olha ela aí novamente! A primeira vez em que nos enfrentamos foi no salão, infantil, eu como ala direita do Flamengo e ele ala esquerda do Fluminense. Depois, nos aspirantes do Flamengo, foi campeão, com o meu irmão Fred. Joguei contra ele novamente, eu pelo Fla e ele no Vitória, no Maracanã, Brasileiro de 72, 1 x 0, gol meu de peixinho. O lateral direito do Vitória era o Valdir Espinosa. Depois jogamos juntos na primeira Máquina, em 75: Búfalo Gil, eu Rivellino, Manfrini e ele. Tá ruim?
Num jogo contra o Madureira, ele comeu a bola e o presidente Francisco Horta foi ao vestiário cumprimentá-lo. Esticou a mão com ele no banho. Mas Mário Sérgio era rebelde e puxou Horta, de terno e tudo, para baixo do chuveiro. Kkkkk!!!
Em 78, formamos o ataque do Botafogo: Búfalo Gil, eu, Nilson Dias, Dé e ele. Tá ruim? Em 83, fomos campeões mundiais pelo Grêmio e Valdir Espinosa, agora técnico, na fase de preparativos, foi esperto e nos colocou no mesmo quarto durante 12 dias. Ficamos próximos, apesar das diferenças e formas de pensar. Era um craque, rebelde, barbudo, cabeludo, irreverente. E quem não era naquela época? A rapaziada contestava mais, tinha atitude, opinião, e era normal um bater de frente com o outro.
Também vi Caio Júnior começar e se firmar como técnico. Era um meia-direita muito criativo e fez sucesso no Grêmio. Agora tinha chance de ser campeão na Chape, um time bem organizado administrativamente e com muitas ambições.
Dos times de Santa Catarina o Joinville é o time com mais dinheiro e caiu para a Série C. Ou seja, dinheiro não é tudo. A Chape, com menos, vinha avançando e conquistando o país. Torcemos para que continue avançando porque a vida não pode ser feita só de turbulências.
ADEUS, MEU CRAQUE
por Zé Roberto Padilha
É um sentimento de resistência natural às adversidades do ser humano: torcer para os mais fracos. Cansei de sair do cinema entristecido porque o bandido morria no fim. Ninguém é bandido por acaso, mas na telinha era representado um ator menor, que ganhava menos do que o mocinho e era menos bonito para ter direito a beijar a rainha de Hollywood. Às vezes dava certo, como Robin Hood, mas a orientação do autor, o grito do diretor, é sempre matá-los no fim.
Domingo todos nós, que não somos palmeirenses, torcemos pela Chapecoense. E eu, particularmente, por Cléber Santana. E falava já há algumas rodadas para meus filhos: poucos meio campistas atingiram o patamar que ele alcançou. Às vezes só notamos isto quando eles jogam contra o time da gente. Na virada da Chapecoense contra o Fluminense, que nos tirou a invencibilidade dentro do Estádio do América, por 2×1, ele não errou um só passe. Tão impressionado fiquei que conferi até no vídeo tape. Daí passei a acompanhá-lo em todos os jogos. E a Chapecoense cresceu sob a sua batuta.
A profissão de jogador de futebol é como outra qualquer. Você nasce com um dom, aprimora seus fundamentos e vai praticando. Se você não se machucar, e se cuidar, a cada dia vai conhecendo mais os atalhos percorridos pela bola. É ela que passa a correr. Não mais você. E a lentidão que o torcedor, o narrador lá de cima, imagina em craques que alcançam tal nível, nada mais é do que o exercício do saber, da inteligência, de posicionamento. Com o tempo, vem o raciocínio de que um passe perdido será um contra ataque que precisaremos correr em dobro. E ele, Cléber Santana, como Robinho, Diego e Zé Roberto, atingiu o auge quando encontrou o equilíbrio e a maturidade para praticar o melhor do futebol.
Estava devendo-lhe uma homenagem porque excetuando o Moisés, do Palmeiras, ninguém foi melhor do que ele no Brasileirão a desfilar talento por aquela faixa de raciocínio onde poucos raciocinam. E ainda batia faltas com precisão e categoria. Enfim, hoje foi uma manhã muito triste para todos nós, que amamos o futebol. Foi como perder uma família que estaríamos amanhã, na final da Copa Sul Americana, torcendo ao seu lado por atingir um feito poucas vezes alcançado por equipes de menor poder aquisitivo.
Vi Náufrago, o avião caiu e Tom Hanks voltou daquela ilha muito tempo depois. Assisti O vôo e Denzel Washington conseguiu virar a aeronave e salvar muitas vidas. Neste momento, gostaria que um diretor consagrado escrevesse um roteiro que trouxesse aqueles heróis chapecoenses de volta de uma ilha qualquer da América do Sul. Pode ser até Lost. Porque o Oscar de melhor ator deste Brasileiro eu queria ter a honra de assistir ser entregue, ao vivo, em vida, por uma questão de justiça, a quem nos proporcionou as melhores cenas em campo deste semestre: Cléber Santana. Descanse em paz, meu craque. E seus companheiros também.
FORÇA, CHAPE
Fundada em 10 de maio de 1973, com o intuito de restaurar o futebol na cidade de Chapecó, a Associação Chapecoense de Futebol ganhou projeção nacional em 2013, quando conseguiu o acesso inédito para a Série A do Campeonato Brasileiro justamente no aniversário de 40 anos do clube. Apesar de muitos acharem que o rebaixamento seria questão de tempo, o time de Santa Catarina provou o contrário e, neste ano, além de ter feito uma campanha segura no Brasileirão, chegou à final da Copa Sul-Americana depois de eliminar, de forma heroica, grandes times. A empolgação era nítida e a Chape virou o Brasil na segunda competição mais importante da América do Sul.
No caminho para a Colômbia, palco da primeira decisão contra o Atlético Nacional, o avião que levava os guerreiros da Chapecoense e grandes nomes do jornalismo caiu, num dos mais graves acidentes do futebol mundial! Segundo autoridades locais, 76 pessoas morreram e, dentre os jogadores, apenas os goleiros Danilo e Follmann e o lateral Alan Ruschel sobreviveram ao impacto. Além dos três atletas, um jornalista e uma aeromoça foram resgatados com vida.
Por causa do acidente, a Conmebol suspendeu a final da Copa Sul-Americana e a CBF adiou a decisão da Copa do Brasil por tempo indeterminado.
Como diz o hino da Chape “nas alegrias e nas horas mais difíceis, meu furacão tu és sempre um vencedor”!
O ORÁCULO DO MÉ
por Serginho5Bocas
Naquele ano, se tivesse Copa do Mundo, o Zico seria o artilheiro. O homem estava com à capeta, só no Mengão foram 81 gols em 70 partidas, sem contar os gols pela seleção.
Naquela tarde, seu Zé, o pai do “digaré”, entrou no bar e gritou “mengô,,,, mengô,”, quase levou um pau do seu tião, o dono do estabelecimento. Sebastião, ou apenas Tião, era um senhor sem muita instrução, meio ignorante, mas com um enorme coração. Só tinha um probleminha, era botafoguense doente, e não suportava a ideia de alguém entrar no seu bar e falar bem do Zico ou do Flamengo.
Seu Zé, já muito “chapado”, queria só se divertir, e aí “botava pilha” no seu Tião com provocações. Mas naquele dia abusou, disse que estava com vontade de ganhar um dinheirinho fácil do pessoal do arco-íris, e então lançou o desafio:
– Sou Flamengo, dou quatro gols de vantagem e só vale gol do Zico!
Caramba, aquilo soou como uma bomba no ouvido do seu Tião, que imediatamente retrucou:
– Boto uma caixa de cerveja, seu “prego”! Ficou maluco? Aposta que eu quero ver agora!
Seu Zé, sem perder a pose, aceitou na mesma hora. Não sei se conscientemente ou somente para não dar o braço a torcer:
– Fechado! Concordou com um aperto de mão bem apertado.
Estava feito, agora era esperar o jogo e saber quem seria o vencedor da aposta.
Chegada a hora do jogo, não me lembro se foi contra o Serrano ou ADN (Zico fez o mesmo número de gols nos dois times), o Flamengo enfiou um sonoro 6 a 0, e Zico fez simplesmente todos os gols da partida, com direito a gol que o Rei Pelé tentou na Copa de 1970 sem sucesso, driblando o goleiro sem tocar na bola. Dá pra imaginar a cara do seu Tião quando recebeu a notícia?
Pois bem, logo pela manhã eu, Manel e outros colegas fizemos ponto no bar, só para ver como o Zé iria cobrar o seu Tião. Demorou um pouco, mas depois do almoço, chegou o seu Zé. Vinha com um ar de ironia, uma certa soberania no olhar, acho que por dentro explodia em gargalhadas, gargalhadas sonoras e contidas pra não humilhar.
Então pede no balcão:
– Tião! Bota uma gelada pra mim!
Seu Tião sem falar uma palavra, traz a cerveja e coloca no balcão, junto com um copo.
Zé bebe uma, duas, três e finalmente na quarta, após um longo e angustiante silêncio, quando nós já não aguentávamos mais, solta a pérola:
– Tião, traz agora uma com gosto de pato…
Não deu nem tempo de completar a frase, voou um abridor de garrafa que passou tinindo pela cabeça do Zé, e uma tremenda confusão se formou. Depois de muito deixa disso, a situação se normalizou e nós rimos muito com as piadas do Zé.
Acho que aquela caixa de cerveja foi a mais saborosa que o Zé já tomou, e também a mais dolorosa que o seu Tião já pagou. Naquele dia o Galo fez um oráculo do MÉ se dar bem, e um botafoguense tomar mais bronca dele ainda.