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DE CHAPECÓ PARA A ETERNIDADE

por Mateus Ribeiro


Não é nada bom escrever sobre uma tragédia. O coração fala mais alto, e os sentimentos de tristeza, angústia e dor confundem o raciocínio.

O triste acidente que vitimou membros da delegação da Chapecoense (além de membros da imprensa) marca um dos dias mais tristes da história do futebol mundial. Talvez o mais triste. Com certeza, o mais triste de nossa geração.

Não se foram apenas dezenas de vidas. Junto dessas vidas, milhares de sonhos, planos, e uma imensa vontade de alegrar os fãs de futebol se foram. Tudo de maneira rápida, e sem aviso algum. Já dizia alguém que a vida é uma caixinha de surpresas. Infelizmente, algumas são extremamente desagradáveis.

Todos conseguem mencionar o tamanho da dor de familiares, torcedores, companheiros de trabalho, amigos, e de quem simplesmente é apaixonado por futebol. Ninguém espera acordar com uma notícia ruim. Ontem, infelizmente, todos acordamos com essa verdadeira bordoada em nossos peitos e cabeças.

Sem muito alarde, de alguns anos pra cá a Chapecoense começou a dar as caras no cenário nacional. Subiu da última divisão do futebol nacional para a primeira quietinha, sem despertar a atenção da grande mídia.


Sorrateiramente, se caracterizou como um time difícil de ser batido, principalmente em seu estádio, uma fortaleza que vivia (e espero que continue vivendo) cheia de torcedores apaixonados, que enlouqueciam (novamente, espero que um dia continuem se enlouquecendo) com cada feito novo na historia do clube.

O ano de 2016 marcou o maior (e agora mais triste) ano da historia do clube verde de Chapecó. Após uma campanha repleta de momentos emocionantes, pela primeira vez, a Chapecoense disputaria a final da Copa Sul Americana, segundo maior torneio continental da América do Sul. Para chegar até a final, momentos emocionantes, como a disputa de pênaltis contra o Independiente (maior campeão da Copa Libertadores), quando o eterno Danilo se consagrou ao defender QUATRO cobranças de pênalti. O próximo passo foi conseguir superar os argentinos do San Lorenzo, em mais uma batalha épica.


A Historia estava se escrevendo mais uma vez. Comemoração que parecia não ter fim. Mas infelizmente, a comemoração teve fim com o triste acontecimento de ontem. O dia mais triste da historia do futebol brasileiro. Ou mundial. Tanto faz, tristeza não se mede, se sente. Luto não se mede, se respeita.

Não vou focar no que aconteceu. Não vou querer imaginar que existe um motivo para tudo, como alguns costumam dizer. Prefiro falar das lições que esses heróis nos deixaram.


Um clube pequeno. Um clube do interior de Santa Catarina. Um clube que ensinou que é possível sonhar.

Para todos que se foram, espero do fundo do coração que se existir alguma coisa do outro lado, que encontrem um lugar de descanso eterno.

Já para nós, meros mortais, fica uma lição: a vida é curta. Não guarde mágoa, rancor ou qualquer coisa ruim. Não sabemos o quão breve nossa vida pode ser.

Sobre o futebol em si, eu espero sinceramente que as federações tenham o mínimo de dignidade em respeitar o momento, e que tomem as atitudes mais sensatas possíveis.

Vale ressaltar a união de vários clubes do mundo que se solidarizaram com a Chapecoense, que já era o time mais simpático do Brasil. Agora, é o time mais querido, respeitado, e aquele que mais precisa do apoio e carinho dos outros clubes e torcedores.

O futebol vai continuar. Espero que a Chapecoense continue cada vez mais brilhante, nos ensinando a sonhar e, o mais importante, nunca desistir.

Obrigado, Chapecoense. Obrigado a todos os heróis que partiram para outros gramados. Sejam jogadores, profissionais do clube, profissionais da imprensa. Todos que estavam no avião, que consigam voar para a eternidade. Pois, em nossos corações, todos são eternos.

#ForçaChape


EU E MÁRIO SÉRGIO…

por Marcelo Mendez


Teve uma noite em casa, em 1984, que chamei meu pai, como sempre fazia, para irmos ao Parque Antártica ver o Palmeiras em um jogo do Campeonato Paulista que se iniciava. O velho, que estava lendo um livro que eu lembro bem, era do Celso Furtado, parou e me falou:

– Filho, acho que já tá na hora de você começar a ir ao estádio sozinho. Já tá com 14 anos, é esperto, sabe andar bem em São Paulo e vai ser uma experiência muito boa para você!

– Sério??? E a Mãe?

– Bom, deixa que me viro com ela…

Não deu pra ir no jogo do domingo, mas na semana seguinte, após as argumentações de meu pai e do meu saudoso Tio Bida, minha mãe tomou uns calmantes e me deixou ir. O jogo seria no Pacaembu, Tio Bida me deu uma grana pro cachorro quente, pro guaraná, o Pai deu o do ingresso e da condução e lá fui eu assistir Palmeiras x América de Rio Preto pelo Paulistão.

E a única coisa que me lembro era do Mário Sérgio.


O classudo canhoto, dono da camisa 10 verde, jogava o fino da bola, dava soneto ao invés de apenas passes, encheu Luizinho Lemos de bola, o Palmeiras venceu, foi um espetáculo e dali pra frente meu maior divertimento de menino era ver o Mário com a 10 do Palmeiras.

Mas aí vieram os homens e estragaram a festa…

Mário Sérgio foi pego em um exame de doping, o julgamento deu 4 a 4 e mesmo assim o Palmeiras foi punido, perdemos os pontos, o campeonato e o camisa 10. Mário se foi e eu fui com ele.

Por onde o Vesgo andou eu o segui por profissão de fé. Eu era um mendigo do futebol, de pires na mão, clamando por um pouco de arte e o Mário sempre me deu aos montes. Em 1988, vi uma tal Copa Pelé de Masters, do Luciano do Valle, só pra vê-lo jogar, só pra eu poder me encantar um pouco e ele sempre me encantou.

Passou o tempo.

Mário Sérgio se tornou comentarista e eventualmente a gente se esbarrava por aí. Sempre muito gentil, muito sacana, bem humorado, cheio de causos e histórias. Tínhamos uma primeira conversa pra marcar uma entrevista para o Museu da Pelada e então, bem…


Um vôo para Antioquia na Colômbia botou um ponto final em tudo. De você, agora, meu camisa 10, só lembro do tempo que você me fez feliz. De quando você olhava para um lado e metia a bola para o outro. Um tempo que fui muito feliz, que eu era menino que imagina, “até ia sozinho para São Paulo!”

Ia para te ver jogar, 10.

Agora você vai jogar para outros lados, vai para outros lados aí. Vai na fé, craque. É duro te escrever com a lágrima que escorre a cara agora, mas eu sei que por onde você for, você estará bem.

Você foi grande na vida, Craque.

Vai em paz e muito obrigado, Mário Sérgio.

A QUEDA

:::: por Paulo Cezar Caju ::::


Morro de medo de avião. Trauma de infância. Aos 15 anos, já jogava futebol profissional na Colômbia, levado por meu pai, que treinava o União de Madalena de Santa Marta e, depois, Junior de Barraquilla. Volta e meia íamos para Medellín. O avião sempre tremia por ser uma região montanhosa e eu ria para disfarçar o medo. Ri algumas vezes, mas numa delas, em Manizales, o piloto mandou colocarmos o travesseiros entre as pernas e protegendo a cabeça. Rezei quando soube que o avião aterrissaria de barriga, mas ri quando deu tudo certo.

Tinha uma pureza que não me deixava enxergar o tamanho do perigo. Queria ver, agora, todos os jogadores da Chapecoense rindo do susto. Mas a maioria morreu e levou junto o sonho da conquista. Será que também serão considerados campeões? Os dirigentes da Sul Americana poderiam pensar nessa possibilidade.

Esse acidente me atingiu emocionalmente por alguns aspectos. Pela tragédia em si, óbvio, mas por já ter enfrentado vários riscos aéreos, como turbulências, pousos forçados e a aeronave arremetendo. Também por adorar Santa Catarina e, recentemente, ter trocado o Rio por Florianópolis: minha mulher Ana tem dois filhos que moram em Floripa, Felipe e Diogo.


Todos estávamos na torcida pela Chapecoense!!! E, claro, por Mário Sérgio. Tínhamos gênios parecidos e, apesar de amigos, também vivemos momentos de turbulência. Olha ela aí novamente! A primeira vez em que nos enfrentamos foi no salão, infantil, eu como ala direita do Flamengo e ele ala esquerda do Fluminense. Depois, nos aspirantes do Flamengo, foi campeão, com o meu irmão Fred. Joguei contra ele novamente, eu pelo Fla e ele no Vitória, no Maracanã, Brasileiro de 72, 1 x 0, gol meu de peixinho. O lateral direito do Vitória era o Valdir Espinosa. Depois jogamos juntos na primeira Máquina, em 75: Búfalo Gil, eu Rivellino, Manfrini e ele. Tá ruim?

Num jogo contra o Madureira, ele comeu a bola e o presidente Francisco Horta foi ao vestiário cumprimentá-lo. Esticou a mão com ele no banho. Mas Mário Sérgio era rebelde e puxou Horta, de terno e tudo, para baixo do chuveiro. Kkkkk!!!

Em 78, formamos o ataque do Botafogo: Búfalo Gil, eu, Nilson Dias, Dé e ele. Tá ruim? Em 83, fomos campeões mundiais pelo Grêmio e Valdir Espinosa, agora técnico, na fase de preparativos, foi esperto e nos colocou no mesmo quarto durante 12 dias. Ficamos próximos, apesar das diferenças e formas de pensar. Era um craque, rebelde, barbudo, cabeludo, irreverente. E quem não era naquela época? A rapaziada contestava mais, tinha atitude, opinião, e era normal um bater de frente com o outro.


Também vi Caio Júnior começar e se firmar como técnico. Era um meia-direita muito criativo e fez sucesso no Grêmio. Agora tinha chance de ser campeão na Chape, um time bem organizado administrativamente e com muitas ambições.

Dos times de Santa Catarina o Joinville é o time com mais dinheiro e caiu para a Série C. Ou seja, dinheiro não é tudo. A Chape, com menos, vinha avançando e conquistando o país. Torcemos para que continue avançando porque a vida não pode ser feita só de turbulências.       

ADEUS, MEU CRAQUE

por Zé Roberto Padilha


É um sentimento de resistência natural às adversidades do ser humano: torcer para os mais fracos. Cansei de sair do cinema entristecido porque o bandido morria no fim. Ninguém é bandido por acaso, mas na telinha era representado um ator menor, que ganhava menos do que o mocinho e era menos bonito para ter direito a beijar a rainha de Hollywood. Às vezes dava certo, como Robin Hood, mas a orientação do autor, o grito do diretor, é sempre matá-los no fim.

Domingo todos nós, que não somos palmeirenses, torcemos pela Chapecoense. E eu, particularmente, por Cléber Santana. E falava já há algumas rodadas para meus filhos: poucos meio campistas atingiram o patamar que ele alcançou. Às vezes só notamos isto quando eles jogam contra o time da gente. Na virada da Chapecoense contra o Fluminense, que nos tirou a invencibilidade dentro do Estádio do América, por 2×1, ele não errou um só passe. Tão impressionado fiquei que conferi até no vídeo tape. Daí passei a acompanhá-lo em todos os jogos. E a Chapecoense cresceu sob a sua batuta.

A profissão de jogador de futebol é como outra qualquer. Você nasce com um dom, aprimora seus fundamentos e vai praticando. Se você não se machucar, e se cuidar, a cada dia vai conhecendo mais os atalhos percorridos pela bola. É ela que passa a correr. Não mais você. E a lentidão que o torcedor, o narrador lá de cima, imagina em craques que alcançam tal nível, nada mais é do que o exercício do saber, da inteligência, de posicionamento. Com o tempo, vem o raciocínio de que um passe perdido será um contra ataque que precisaremos correr em dobro. E ele, Cléber Santana, como Robinho, Diego e Zé Roberto, atingiu o auge quando encontrou o equilíbrio e a maturidade para praticar o melhor do futebol.

Estava devendo-lhe uma homenagem porque excetuando o Moisés, do Palmeiras, ninguém foi melhor do que ele no Brasileirão a desfilar talento por aquela faixa de raciocínio onde poucos raciocinam. E ainda batia faltas com precisão e categoria. Enfim, hoje foi uma manhã muito triste para todos nós, que amamos o futebol. Foi como perder uma família que estaríamos amanhã, na final da Copa Sul Americana, torcendo ao seu lado por atingir um feito poucas vezes alcançado por equipes de menor poder aquisitivo.

Vi Náufrago, o avião caiu e Tom Hanks voltou daquela ilha muito tempo depois. Assisti O vôo e Denzel Washington conseguiu virar a aeronave e salvar muitas vidas. Neste momento, gostaria que um diretor consagrado escrevesse um roteiro que trouxesse aqueles heróis chapecoenses de volta de uma ilha qualquer da América do Sul. Pode ser até Lost. Porque o Oscar de melhor ator deste Brasileiro eu queria ter a honra de assistir ser entregue, ao vivo, em vida, por uma questão de justiça, a quem nos proporcionou as melhores cenas em campo deste semestre: Cléber Santana. Descanse em paz, meu craque. E seus companheiros também.

FORÇA, CHAPE

Fundada em 10 de maio de 1973, com o intuito de restaurar o futebol na cidade de Chapecó, a Associação Chapecoense de Futebol ganhou projeção nacional em 2013, quando conseguiu o acesso inédito para a Série A do Campeonato Brasileiro justamente no aniversário de 40 anos do clube. Apesar de muitos acharem que o rebaixamento seria questão de tempo, o time de Santa Catarina provou o contrário e, neste ano, além de ter feito uma campanha segura no Brasileirão, chegou à final da Copa Sul-Americana depois de eliminar, de forma heroica, grandes times. A empolgação era nítida e a Chape virou o Brasil na segunda competição mais importante da América do Sul.

No caminho para a Colômbia, palco da primeira decisão contra o Atlético Nacional, o avião que levava os guerreiros da Chapecoense e grandes nomes do jornalismo caiu, num dos mais graves acidentes do futebol mundial! Segundo autoridades locais, 76 pessoas morreram e, dentre os jogadores, apenas os goleiros Danilo e Follmann e o lateral Alan Ruschel sobreviveram ao impacto. Além dos três atletas, um jornalista e uma aeromoça foram resgatados com vida.

Por causa do acidente, a Conmebol suspendeu a final da Copa Sul-Americana e a CBF adiou a decisão da Copa do Brasil por tempo indeterminado.

Como diz o hino da Chape “nas alegrias e nas horas mais difíceis, meu furacão tu és sempre um vencedor”!