Luis Pereira
ZAGUEIRO ESPETÁCULO
texto e entrevista: Fernando Kallás | edição de vídeo: Daniel Perpetuo
Luís Pereira recebeu o Museu da Pelada na Cidade Esportiva de Cerro del Espino, o centro de treinamento do Atlético de Madrid, na cidade de Majadahonda, a pouco menos de meia hora de Madrid. Era uma típica manhã de outono no subúrbio da capital espanhola. Céu azul e o sol brilhando forte pra dar uma sensação agradável aos 15ºC que marcavam nos termômetros. Um daqueles dias que os madrilenhos dizem que “convidam a sair de casa” e passear, principalmente nas ruas arborizadas desse subúrbio de classe média alta ao noroeste da maior cidade da península ibérica.
Luís chega na hora marcada e com o sorriso de sempre. A voz de baixo profundo e a fala mansa dão ainda mais força a sua figura imponente, de zagueiro que já estabelecia respeito antes mesmo da bola rolar. Mas foi exatamente com ela nos pés que Luís Pereira fez história aqui no país onde ele jogou durante cinco temporadas na década de 70 e decidiu fixar residência há quinze anos.
Numa época em que os zagueiros na Espanha tinham uma função puramente defensiva, Luís Pereira levava as arquibancadas ao delírio com as arrancadas e o futebol fino, vistoso, que lhe deram o status de estrela do Atlético de Madrid quase de imediato. E lhe renderam apelidos como “El Mago” ou o “Zagueiro Espetáculo”.
– A imagem que tenho do Luís Pereira é a do estádio Vicente Calderón de pé todas as vezes que ele arrancava pro ataque ou resolvia driblar um atacante mesmo sendo o último homem. Aquela tensão inicial, seguida de um ‘Ohhhh’ em uníssono quando ele humilhava um atacante, marcou uma época no futebol espanhol. Nunca tínhamos visto isso antes – explica o jornalista Luis Nieto, vice-diretor do Diário As e responsável pelos relatos dos jogos do Real Madrid e seleção espanhola nas páginas do jornal esportivo do grupo do El País.
– Não vou dizer que dava certo todas as vezes. De vez em quando o atacante roubava a bola e marcava um gol, mas aí eu ia pra cima e resolvia do meio jeito -sorri Luís Pereira com um leve sotaque castelhano, se referindo à fama de goleador que também carrega até hoje no legado.
Com 35 gols marcados com a camisa do Palmeiras, ele é o maior zagueiro artilheiro da história do Verdão. Ao longo de sua carreira, o craque marcou mais de 100 gols.
– Eu fazia o que vinha na cabeça e o que eu acho é que o jogador tem que jogar desfrutando, com o espírito do futebol de várzea. Os jogadores de antes jogavam assim e o último que vi fazer isso foi o Ronaldinho Gaúcho, que jogava com um sorriso.
Num bate-papo descontraído durante mais de uma hora com o Museu da Pelada, Luisão lembrou como as arrancadas históricas, que até lhe renderam o apelido “Chevrolet”, levavam o Mestre Oswaldo Brandão à loucura.
– Ele me dizia: ‘Se você passar do meio de campo com a bola eu te tiro do jogo’. Daí eu dava um pique até a linha divisória e no último momento parava, olhava pro banco sorrindo e voltava! – conta Luís Pereira, que lembra com um grande sorriso o dia que o lendário treinador mandou ele entrar em campo com a camisa 9, dando ainda mais corda a brincadeira e provocação entre ambos.
Luís Pereira lembra também das broncas que recebia de outro técnico histórico, Luis Aragonés, quando este o flagrava fumando no vestiário durante o intervalo, da adaptação num futebol espanhol onde praticamente não havia negros e de como o racismo e a provocação nunca o atingiram.
– Um dia no Santiago Bernabéu jogaram uma lata de cerveja que caiu fechada ao meu lado. Eu encostei na trave, abri a lata e tomei, os caras ficaram loucos – lembra com um sorriso no rosto.
Luís Edmundo Pereira é baiano de Juazeiro e nasceu no dia 21 de junho de 1949, mesmo ano em que sua família chegou em São Caetano (SP), para morar em uma casinha simples na Vila Barcelos. Com 14 anos, começou a trabalhar como torneiro mecânico e a jogar futebol no time da empresa, onde atuava de centroavante, mesma posição do seu começo no Barcelona de São Caetano do Sul. Um amigo o levou ao São Bento de Sorocaba no início de 1966, onde encontrou seu espaço no elenco de profissionais jogando de zagueiro ou de volante, já que o titular da zaga central era ninguém menos que Marinho Peres. Ainda adolescente, encarou pela primeira vez o já bicampeão mundial Pelé, que anos depois o definiria como um dos melhores zagueiros que enfrentou na carreira.
Não demorou para que o fenômeno chamasse a atenção dos grandes clubes da capital. Esteve a um passo de jogar no Corinthians mas acabou indo pro Palmeiras com apenas 19 anos, na segunda metade de 1968, quando o clube passava por uma fase de reformulação. Jogadores como Djalma Santos, Tupãzinho, Zequinha, Ademar Pantera e Valdir de Moraes tinham acabado de sair – debandada esta que demarcou o fim da chamada “Primeira Academia”.
No começo aprendeu no banco de reservas atrás do grande Baldochi. Entre 1968 e 1969 foram menos de 20 partidas, mas dois títulos importantes: o Campeonato Brasileiro e o Ramón de Carranza de 1969. A oportunidade veio na Copa do Mundo de 1970, quando o veterano titular foi para o México com a seleção brasileira e rendeu a primeira grande chance ao zagueiro. Depois de 26 duelos consecutivos como titular, o defensor ganhou a posição entre os 11. Em 1971, Baldochi deixou o clube e abriu espaço definitivamente para Luís Pereira brilhar sob o comando do mestre Brandão num time que ficaria conhecido como a Segunda Academia: Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo Mostarda e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu Bala, Leivinha, César Maluco e Nei.
Ganharam o Brasileiro de 1972 e 1973, o Paulista de 1972 e 1974 e o Ramón de Carranza de 1974 e 1975, esse último que chamou a atenção do Atlético de Madrid, que não pensou duas vezes antes de trazê-lo à Espanha junto com o companheiro Leivinha.
Vestindo a camisa colchonera, conquistou em 1976 aquele que talvez seja o título de campeão da Liga Espanhola mais lembrado pelos torcedores do clube. Isso porque o troféu foi conquistado em pleno estádio Santiago Bernabéu, contra o maior rival, Real Madrid.
Hoje Luís Pereira é dirigente das divisões de base do clube da capital, onde é tratado como uma lenda viva e idolatrado por onde passa.
– Aqui os ex-jogadores são valorizados, a memória é preservada e passada para as seguintes gerações. Quando os pais vêem seus filhos entrando no ônibus para uma viagem com ídolo histórico do clube, dá uma tranquilidade que não tem preço! -conta Luís Pereira.
DOUGLAS, MEU HERÓI
por Marcelo Mendez
Sabe qual é? Douglas é o meu herói e foda-se o resto!
E tô pouco me fodendo se ele enche a cara, se sai com a mulherada, se quebra na noite, foda-se! Vomito em cima de moralistas hipócritas e não tenho nada a ver com a porra da vida de ninguém, não sou fiscal da cama de ninguém, trabalho muito e não tenho tempo pra futricagem. Nada disso me interessa!
Douglas é meu herói para muito além do tanto que ele joga de bola. É meu herói porque em tempos chatos, carolas, bicudos, cheio de “pofexô” burro e retranqueiro, ele é a resistência. É a insistência de que o futebol pode ser jogado com arte, com malandragem, com inteligência.
É no atalho que a mesmice cria, que Douglas deita e rola. É no vacilo do óbvio ululante que Douglas brilha.
Na final, contra o Atlético-MG, mesmo cercado por três marcadores, conseguiu dar um passe magistral de calcanhar deixando o companheiro Éverton na cara do gol, mas o chute parou nas mãos do goleiro Victor!
É um cara que entra em campo para dar meia dúzia de tapa na bola e acelerar seu time como um bólido de duas mil Ferraris em fúria. É um cara que se diverte jogando bola com a 10 nas costas como tem que ser.
Agora quero só desabafar pela arte, saudá-lo e agradecê-lo porque é muito bom vê-lo jogar bola.
Obrigado, Douglas. Você joga por todos nós.
CRAQUES CELESTES
Junto com o Canal 100, a equipe do Museu da Pelada participou ontem à noite, no Minas Centro, da festa de comemoração dos 50 anos da conquista da Taça Brasil, atual Campeonato Brasileiro, em 66! Grande destaque da final, contra o Santos, de Pelé, Dirceu Lopes bateu um papo emocionante com Sergio Pugliese!
Tendo vestido a camisa do Cruzeiro por 14 anos, o craque elege o título de 66 como o mais importante da sua brilhante carreira! Além disso, Dirceu afirma que jogar na Raposa foi a maior alegria da sua vida.
– Eu não tenho nem palavras pra expressar a felicidade por vestir a camisa do Cruzeiro por esse tempo todo! Devo tudo a esse clube! Jogar no Mineirão com 100 mil torcedores gritando seu nome não tem preço!
Durante o papo, o ex-jogador revelou um episódio divertidíssimo. Enquanto estava concentrado em um hotel de São Paulo, recebeu a visita de Garrincha, que o elegeu como o maior jogador que viu jogar!
– Eu só não desmaiei porque eu estava deitado na cama quando ele chegou! – disse o craque do Cruzeiro.
A ausência na lista dos convocados para a Copa de 70, sem dúvidas, é a maior frustração de sua carreira. Dirceu, no entanto, afirma que suas glórias e conquistas anulam qualquer tipo de decepção.
– Ouvir do Pelé que eu sou o maior jogador da história do Cruzeiro é muito gratificante!
O VOO DO PERIQUITO
por Marcelo Vieira Dias
O Periquito ter ido embora num estranho domingo sem futebol não cabe no poema. Logo ele, jogador das divisões de base do Ferroviário e filho de Newton Ferreira, lendário centroavante maranhense na década de 1930, de quem herdou a posição e o amor pela bola. Mas, franzino, Periquito acabou desistindo cedo dos caminhos do futebol profissional – foi para o Rio de Janeiro e lá fez-se Ferreira Gullar, poeta, crítico, tradutor, ensaísta, jornalista, defensor das liberdades, vascaíno e apaixonado, como sempre, pelo futebol.
O poema “O gol” é o texto mais conhecido do Periquito sobre futebol, mas não foi o único. As referências ao esporte estão espalhadas por suas obras, colunas, versos e incontáveis entrevistas que ele concedeu ao longo da vida.
Canhoteiro é considerado um dos melhores pontas da história
Nos idos da década de 1940, Periquito formava, com Esmagado e Canhoteiro, a mais talentosa das linhas de ataque que se apresentavam nas peladas do Campo do Ourique, no Centro de São Luís. Na meia esquerda, Esmagado, que durante mais de uma década brilharia com as camisas do Ferroviário e do MAC, combinava raça e técnica. Anos depois, já técnico, ele fundaria uma das primeiras equipes de futebol feminino do Brasil, o Aurora.
Mais à frente, na ponta esquerda, Canhoteiro já entortava e desentortava zagueiros, exatamente como faria, alguns anos depois, no São Paulo e na Seleção Brasileira, o que o levou a ser chamado de “Garrincha do Morumbi”.
Um dia, muitos anos depois, Periquito contou a Armando Nogueira que tinha sido colega de pelada de Canhoteiro. Armando, imediatamente, pensou em preparar o encontro dos dois. Canhoteiro, ao saber da novidade, entre gozador e incrédulo, perguntou a Nogueira: “Não me diga, o Periquito virou poeta?!”.
E que poeta, Canhoteiro….
O GOL
A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a pára
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.
ÁRBITRO SHOW
por André Mendonça
“Sempre fui ruim de bola e o último a ser escolhido! Entre jogar e apitar, preferia ser o juiz nas peladas”. A frase é de Clésio Moreira dos Santos, um dos árbitros mais famosos do Brasil. Aposentado dos jogos profissionais desde 2004, o “Margarida” ganhou fama nacional, principalmente, pelo seu jeito espalhafatoso de apitar as partidas. Em entrevista ao Museu da Pelada, Clésio contou um pouco da sua trajetória na carreira.
Se dentro de campo o Margarida controlava as partidas sempre com bom-humor, alegrando jogadores e torcedores, fora dele nem tudo foram flores. A arbitragem deixou de ser uma brincadeira e passou a ser uma necessidade quando seu pai abandonou a família e Clésio teve que arrumar uma maneira de ajudar em casa. Antes de fazer o curso de arbitragem, apitou alguns jogos para ganhar uma pequena quantia de dinheiro.
Muitos não sabem, mas o início do Margarida nas partidas profissionais foi como bandeirinha e, só em 1994, a lenda do futebol brasileiro começou a desfilar, literalmente, no meio dos gramados.
– Apitei profissionalmente durante 16 anos, sempre com muita irreverência. Por causa desse meu jeito, muitos times exigiam a minha escalação nas partidas para atrair a torcida! Era uma atração à parte! – lembra o árbitro.
Por conta do jeito inusitado de apitar as partidas, as comparações com o árbitro Jorge José Emiliano dos Santos, o primeiro “Margarida” do futebol brasileiro, foram inevitáveis. Embora o estilo fosse bem parecido, Clésio garante que não copiou o saudoso árbitro.
– Eu já tinha visto alguns árbitros apitando de maneira extravagante, mas comecei a colocar gestos próprios em prática. Tive o prazer de estar com o Jorge Emiliano uma vez, quando fui seu árbitro reserva em uma partida em Florianópolis.
Nas muitas entrevistas que deu ao longo da carreira, Clésio sempre afirmou que “foi o percussor de usar uma cor tão feminina (rosa) num esporte tão machista, que é o futebol”. De acordo com ele, a escolha pelo rosa aconteceu por que o uniforme preto deixava os árbitros parecidos com manequins de funerária.
Apesar de ser casado com Marlussi e pai de três filhos, Mariana, Guilherme e Pedro, o árbitro que vestia cor de rosa conviveu com muitas piadas de mau gosto durante a sua carreira. Clésio afirma, no entanto, que sempre soube controlar as partidas e nunca deixou isso atrapalhar.
– No início cheguei a ouvir algumas piadinhas dos jogadores, mas nada que me deixasse irritado. Eu sempre tirava aqueles momentos com muita criatividade e os jogadores ficavam sem reação!
Em 1995, no seu segundo ano como árbitro principal, deu um grande passo na carreira e começou a trabalhar na CBF. No quadro nacional, sua estreia ocorreu na partida entre Internacional e Flamengo, no Beira-Rio. A partida, aliás, é considerada por Magarida como a mais marcante de sua vida.
Embora recebesse constantes ligações de Ivens Mendes, na época presidente da Comissão Nacional de Arbitragem de Futebol, alertando para não fazer gracinhas dentro de campo, Clésio revelou que aquela sua performance era inevitável.
– Confesso que ao entrar em campo, no meio de 22 jogadores, com aquele cheirinho de cânfora, eu não aguentava e começava a soltar a franga!
Hoje em dia, aos 57 anos de idade, Margarida continua dando “show” em partidas beneficentes, sempre com muita irreverência, e garante que a agenda fica cheia do início ao fim do ano, não só no Brasil.
– Apito partidas beneficentes, amistosas e, se precisar, valendo os três pontos! Tenho viagens por todo o Brasil e já passei por mais de 40 países. Já tenho uma turnê agendada para 2017 na Inglaterra, Espanha e França.