TRAUMAS DE UMA PAIXÃO
por Zé Roberto Padilha
Trabalhei nas divisões de base do Fluminense, em Xerém, na fase braba entre 1987 e 1990. Não tinha aqueles campos bonitos, nem hotel ou estrutura alguma, como refeitórios, departamento médico e alojamentos. Durante três anos, saía de Três Rios no ônibus das 6h30, chegava na entrada da cidade Pagodinho por volta das 8h e ficava aguardando no posto da Polícia Rodoviária o Tubarão, velho ônibus tricolor, chegar com os jogadores. Isto quando ele aparecia, vivia quebrado e, quando passava das 9h30 e sem notícias, pegava o Caxias-Centro para as Laranjeiras porque não havia comunicação pelo celular. Mesmo assim, o time era tão bom que ganhamos o estadual infantil em 87 e o juvenil 89.
Nossos atletas, nascidos em 1972, iriam fazer história no clube se um amigo não cruzasse comigo na rodoviária e perguntasse: “Está indo para Três Rios?”. Para responder, fui verificar o bilhete. Não mais sabia se estava indo ou voltando, estava mesmo na hora de parar. Ou infartar. Ninguém poderia dizer que não tentei vencer no meu time também como treinador de futebol. Detalhe: mesmo após os treinos, não poderia saltar na Rodoviária com o Tubarão, tinha que ir até o clube, fazer relatório, tentar um ticket de almoço que não tinha direito para, aí sim, pegar o longo caminho de volta para casa. Pouco via meus filhos e encontrava minha esposa poucas vezes acordada.
De volta à terrinha, organizei profissionalmente os clubes locais e ainda fui treinador de cada um deles. Com o América FC-TR, alcançamos a primeira divisão em 1991 e com o Entrerriense FC, vencemos a segunda divisão de 1994 e participamos do octogonal decisivo de 95. Mas foi um ano antes, 1993, que o Edinho nos ligou das Laranjeiras. Assumira o profissional e me queria no comando dos Juniores. Trabalhava, na ocasião, na distribuidora Brahma de Três Rios como supervisor de Marketing e estava muito bem, carteira assinada, sem depender de resultados para continuar empregado. Mas quando a bola quica à nossa frente, todos na família sabiam que iria arriscar. Entreguei o cargo pensando mais em mim do que nos meus, e tomei o rumo novamente da rodoviária, Catumbi-Laranjeiras, Pinheiro Machado, Fluminense FC.
Passei três meses trabalhando com o Edinho. E o Fluminense foi às finais com o Vasco e ele me puxara como seu auxiliar técnico. Recebera uma proposta de Portugal, iria trabalhar no Marítimo, e declarou para todos que eu seria seu substituto. Só não combinou com o Presidente Arnaldo Santiago, que permanecia em silêncio. Como quem cala consente, pedi a minha irmã, a Jane, que mora no Rio, seu Santana do ano emprestado, carro imponente da época, para chegar ao estacionamento do clube com ele. Depois do meu curso na ESPM, não daria a brecha desembarcando de ônibus com o Ézio e o Bobô chegando com seus carrões. O Jornal do Brasil fez uma matéria de capa comigo antes da final, onde perdemos para o Vasco, e Edinho se despediu dos jogadores no vestiário. Depois me abraçou e disse:
– Agora é contigo, parceiro!
Sem saber o que fazer, ninguém do clube confirmou ou desmentiu minha posse, voltei para o hotel nas Laranjeiras, que o supervisor Roberto Alvarenga arranjara para mim e ele disse:
– Se apresenta normalmente às 9h e vamos aguardar!
Voltei para o hotel e não dormi, claro. Tinha um Torneio Rio-São Paulo que começava no domingo, contra o Palmeiras, e tratei de armar meu time no papel. Lançaria minha maior descoberta, o meia Nilberto, irmão do Nélio e o Gilberto, entre as feras. Afinal, todos os treinadores anteriores dos juniores foram interinos, nem que fosse por uma derrota: Vanderlei Luxemburgo, Sérgio Cosme, Sebastião Rocha e Rubens Galaxe. Poderia até perder o cargo, mas estrear até contratarem um medalhão seria o normal. E cá entre nós, poucos fizeram tanto por merecer: oito anos como atleta e cinco títulos profissionais conquistados, quatro como treinador da base e dois títulos estaduais e torcedor do clube. Era uma questão de justiça, pensava.
Às 9h30, para disfarçar a ansiedade, entrei pelo portão da Rua Álvaro Chaves, 41, mais nervoso e inseguro do que naquela manhã de 1968, aos dezesseis anos, quando cheguei para fazer testes nos juvenis. Naquela ocasião, dependia apenas do meu futebol, nesta não havia bolas ou chuteiras à disposição para defender o lugar que cobiçava. Fui entrando e uma leva de jornalistas passou por mim vindo do Departamento de Futebol. E timidamente me acenaram no lugar de cercar-me com papel e caneta. Não havia ninguém a me esperar para saber a escalação do time para domingo. Totalmente sem graça, desviei-me da sala de futebol e dirigi-me aos vestiários. Lá, perguntei ao roupeiro Ximbica:
– Quem é o novo treinador?
Ele respondeu:
Nelsinho Rosa
– É o Nelsinho Rosa. Ele é muito amigo do Arnaldo!
Talvez tivesse passado algo parecido quando fiz meu primeiro vestibular pela Cesgranrio e não encontrei meu nome entre os aprovados no Jornal dos Sports. Decepção somada à frustração que vira angústia com doses cavalares de desespero felizmente contidos. Talvez a tristeza tenha sido próxima daquela vez que abri a Revista Placar e constatei, após liderar as últimas seis semanas como melhor ponta esquerda do Campeonato Brasileiro de 1975, que acabara de perder a Bola de Prata na ultima semana para o Ziza, do Guarani, “por não ter completado o mínimo de quatorze partidas exigidas pelo regulamento”. Jogara exatamente treze, a última nas semifinais contra o Internacional, onde perdemos por 3 a 1. Mas naquela manhã doía diferente. Não estavam me negando uma vaga na universidade ou um cobiçado troféu esportivo, estavam tirando uma oportunidade de assumir um cargo que, tinha absoluta certeza. Ninguém tinha mais conhecimento do grupo e tesão tricolores para abraçá-lo naquele momento. Poderia até perdê-lo no domingo seguinte, mas pro resultado, que é o que define nossa permanência no cargo, jamais por desconhecimento de causa.
Zé Roberto fez parte da Máquina Tricolor
Retornei ao hotel, fiz minhas malas e alcancei a Rodoviária Novo Rio guiado pelo meu anjo da guarda. Só ele poderia ter feito aquilo, desviado-me do Departamento de Futebol pois tinha algo pior para acontecer e ele concedeu-me duas horas de viagem pela aprazível Serra das Araras para respirar, admirar a paisagem de Itaipava, lembrar que estava vivo, sadio, e que tinha uma família maravilhosa para me proteger e amparar. Como técnico da equipe de juniores, imaginava, ainda poderia um dia ter uma nova chance no clube.
Ao chegar em casa, o telefone tocou. Paulo Alvarenga, irmão do Roberto e supervisor dos juniores, ligou para anunciar o tiro de misericórdia: o novo treinador exigira uma comissão técnica inteirinha sua e indicou seu filho como novo treinador dos juniores. Não havia perdido apenas a chance de chegar à equipe profissional, estava demitido também do clube. Olhei para uma latinha da Brahma sem mais trabalhar na Brahma e devo ter pensado alguns goles de besteira. Apenas isto, graças a Deus. Porém, tal foi a extensão do trauma que mesmo passados décadas da minha demissão, toda vez que o time que mais demite treinadores no mundo dispensa um Levir Culpi, eu fico com medo do telefone tocar das Laranjeiras. Não pela boa notícia que certamente não me darão, mais que outros sonhos minha eterna paixão verde, vermelha e branca poderá ainda sufocar do outro lado da linha.
FOGÃO CAMPEÃO
Na noite da última quarta-feira, o Botafogo venceu o Vasco por 5 a 3 e conquistou o Campeonato Carioca 2016 de Fut 7! Mesmo tendo vencido o primeiro jogo da decisão por 4 a 1, o Fogão não tomou conhecimento do adversário e aplicou mais uma goleada na Arena Akxe, na Barra da Tijuca.
O Botafogo chegou à decisão após ser campeão do primeiro turno da competição. Na ocasião, o adversário também foi o Vasco e, depois de um empate sem gols, o jogo foi decidido no shoot out!
A premiação dos melhores jogadores da competição será na próxima terça-feira, às 20h, na Universidade Veiga de Almeida, na Tijuca. Com o fim do torneio, os jogadores só se reapresentam no ano que vem para o início da pré-temporada!
REI DA PURRINHA
Quinta-feira é dia de recordar! Por isso, postamos um vídeo gravado pela equipe da “A Pelada Como Ela É”, de 2012, sobre Edmundo! Vocês sabiam que, além de craque dentro de campo, o ex-atacante é também um grande jogador de purrinha?
Comentarista da Band, na época, o jogador, que trabalhava em São Paulo, se desdobrava para jogar a Sagrada Pelada de Sexta, no Rio de Janeiro, comandada pelos irmãos Deio e Beto Lucena. De acordo com Edmundo, o futebol era de alto nível e apenas cinco dos quarenta inscritos não eram craques!
– No par ou ímpar pode fechar os olhos e escolher, só tem fera – garantiu Edmundo.
em pé da esquerda para a direita: Chafir, Bê Muniz, Popó, Palmer, Rodrega, Pedro Lord, Zanelli, Studart, Scott, Manga, Fera, Paulão, Robertinho (goleiro do futebol de praia), Davi, Tabajara, Andre João, Octavio e Felipe Testa. Sentados da esquerda para a direita: Fernando Velho, Edmundo, Deio e o filho João Felipe.
Além do ex-atacante da seleção brasileira, participam da pelada o músico Rogê, Robertinho, goleiro do futebol de praia, Ernane, ídolo de Vasco e Ponte Preta, entre outros.
Em relação ao jogo de purrinha, tradicional em diversas resenhas após as peladas, o craque confessou que já jogou até por telefone, quando atuava na Itália.
– O adversário não sabe, mas eu menti o número de moedinhas que tinha na minha mão!
ABEL E CAIM
por Zé Roberto Padilha
Abel Braga vocês conhecem. Trata-se de um bom zagueiro central revelado pelo Fluminense e que, ao defender o Vasco e preparar o terreno para se tornar treinador de futebol, teve uma ideia brilhante, digna do melhor jeitinho brasileiro: convidou seu Diretor de Futebol, Eurico Miranda, para ser seu padrinho de casamento. E o Vasco, através do seu eterno mandatário, lhe abriu não uma, mas várias portas até que seus gritos à beira do campo, potencializados pela altura e visibilidade das cordas sonoras e suas bases de sustentação, alcançassem o país. E ele atingiu seus objetivos, já aí com méritos, diga-se de passagem, e sem precisar de doações da Odebrecht: foi campeão estadual, brasileiro e mundial.
Mas no livro Gênesis do futebol, corroído de traições e ciúmes, Abel tinha um irmão mais velho, Caim, que se tornou cartola tricolor. Caso o Fluminense o contratasse, cairia sempre com ele. E assim aconteceu no Brasileirão de 2013, Caim (Rodrigo Caetano) e Abel Braga apresentaram diferentes ofertas ao todo poderoso local (Peter Siemsen). O filho mais velho queria resultados imediatos e o mais novo um trabalho de renovação com as ovelhinhas ordenhadas em Xerém. Mas ao perder para o Grêmio por 2×0, completar cinco derrotas consecutivas e deixar o time na zona do rebaixamento (17º lugar), Caim, com o aval do comandante do Éden, demitiu Abel.
Abel Braga conversa com Rodrigo Caetano nas Laranjeiras
Se na Bíblia “o tempo é o senhor da razão”, nos Jardins das Laranjeiras ele, tempo, não passa de um adolescente em pura emoção. Porque a nova versão de Caim e seu criador eleito, apoiados por Peter, traz de volta, menos de três safras depois, Abel para dirigir suas ovelhas. O que leva, então, um treinador demitido há pouco retornar como solução? Mudou o Abel, que vai buscar resultados imediatos, Caim, que vai permitir que o gramado das Laranjeiras receba os meninos e aposente as velhas raposas, como Magno Alves, ou foi o paraíso que de vez se perdeu?
Acabo de abrir os jornais em busca de respostas. E acabaram de delatar todo o Éden. Do presidente e seus comparsas, sem exceção, todos levaram um trocado para manter erguida uma farsa chamada Brasil. Perante tal inferno dantesco seria muito exigir lisura, ética, correção em um mero clube de futebol. Então que venha esta nova versão da gênesis da bola. Pois se Caim matar de novo Abel na primeira rodada da Taça Guanabara e não voltarmos às ruas para retirar estes canalhas do poder, vai ficar provado que por lá habitava não um povo. Mas uma horda de cidadãos e torcedores tão frouxos e passivos como aqueles que empossaram para julgar seu juízo final.
A VÁRZEA QUE CONTRARIA NELSON RODRIGUES
por Marcelo Mendez
Tomado por toda poesia que o futebol é capaz de nos submeter, mestre Nelson Rodrigues escreveu certava vez que “O sublime não se repete, é bissexto, acontece uma vez na vida, outra na morte.”
E com toda a genialidade que tinha o Mestre das Crônicas jamais ele havia de imaginar que nos terrões e arrabaldes das cidades, o futebol de várzea viria para contrariar sua máxima tão bela.
Amigo leitor que aqui me acompanha, vos digo que semana após semana o futebol da bola marrom por puro capricho repete todo sublime possível que está por detrás da chuteira colorida que bate na bola marrom.
São homens de uma decência ímpar, de uma dignidade comovente a correr por um réquiem de grandeza mínima que as coisas do futebol lhes reservam em suas duras vidas de trabalhadores da bola. E tudo isso é multiplicado vezes um milhão de sonhos quando tratamos de uma final de campeonato na várzea.
Vejamos então nesse fim de semana, onde os times do Hélida de Mauá e do Gaivotas de Rio Grande da Serra definiriam a sorte da Copa Lourencini, um tradicional campeonato da cidade de Mauá, no campo do Itapeva na mesma cidade. Rumamos para pauta, Avenida Barão de Mauá afora.
Pelo caminho vimos a cara de interior que o ABCD tem mudando lindamente. De repente, os comércios fechados foram sendo trocados por bares, conversas e um cheiro espetacular de frango assado, típico do domingo para marcar esse dia de várzea.
De imediato, ouvimos os instrumentos de samba a tocar em fúria e os sons da torcida a vociferar seus pagodes, foi o que nos guiou para encontrarmos um campo. Chegamos.
A equipe de ABCD Maior é recebida com sorrisos, pedidos de foto e agradecimentos por simplesmente estar ali. É o momento em que as pessoas da várzea deixam de ser invisíveis para ter um protagonismo que jamais poderia ser negado a esses. As páginas de jornal terão então as presenças dos torcedores dos times, de suas camisas multicoloridas, sua alegria honesta e suas paixões sem comedimento.
Em campo, a coisa seguiu 1×1 até os 39 minutos do segundo tempo, no momento que o técnico Finha, do time do Hélida, ousou tirar o seu camisa 10 do jogo. O menino olhou para o banco incrédulo:
– EU?!
– É, você mesmo. Vem… – respondeu o técnico Finha
O camisa 10 saiu irritado quando viu que em seu lugar entrou o menino Vitinho, 16 anos e craque de bola. Ainda resmungava com Finha, quando a bola chegou aos pés de Vitinho pela primeira vez no jogo.
Como que por encanto, o momento mágico escolheu Vitinho para empurrar a bola com classe para o fundo das redes com o gol que deu o título para o Hélida. E, na beira de campo, o camisa 10 contrariado não reclamou mais.
Abraçou efusivamente o técnico Finha e ambos comemoravam o feito de Vitinho.
Nesse momento, qualquer dúvida em mim se dissipou quanto à escolha do meu personagem da semana, a quem a crônica deveria homenagear. Ora, ela vai para o jogo.
Sim, caro leitor, hoje a crônica da semana vai homenagear o jogo do último domingo num todo. Porque só um jogo de final de campeonato de várzea é capaz de reunir todos esses encantos e essas poesias. E tenho certeza que nem mestre Nelson Rodrigues ficaria triste com a provocação feita por esse pobre e velho cronista ludopédico acerca de sua máxima que então deixa de ser perene.
A várzea, Mestre Nelson, nos contraria por puro charme. Eu ia dizer “que pena que o senhor não conheceu”, mas que nada. Tenho certeza que os senhor está sempre por aí a vê-la.
Tenho certeza…