MUSEU DA IGUALDADE
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Certa vez deixei de visitar o Louvre porque só havia um dia livre para passeio, compras em Paris, e estava passando Emmanuelle. Corria o ano de 1975, a Máquina Tricolor se apresentava por lá e o ineditismo de sacanagem explícita, com Sylvia Kristel no papel principal, estava há muito proibido pela censura por aqui. E nós, jogadores de futebol, tínhamos absoluta certeza de que o mundo da bola nos aguardava no Galeão não para saber considerações sobre o sorriso da Mona Lisa, mas sobre o montinho artilheiro, que mudaria o rumo do sexo na história do cinema. E toda a delegação se mandou para assistir uma obra tão prima que dispensava legendas em inglês, áudio em francês, para ser compreendida em português.
E quando você para de jogar, dá uma olhada no retrovisor da sua carreira e coloca suas opções na balança, o filme ainda se encontra à disposição nas locadoras por 10 pratas. Mas para caminhar até o Louvre e conferir o quadro imortalizado por Leonardo da Vinci não tem preço. O modismo passa e com ele a oportunidade de ganhar uma passagem aérea Rio-Paris-Rio com tudo pago, diárias no Sheraton e com três peladas de luxo marcadas contra o Porto, Paris-Saint Germain e Ajax num tapete verdinho conhecido como Parc des Princes.
Jogador de futebol, ô raça! Tenho muito orgulho da profissão que exerci. Mas como a Sylvia, que tem a minha idade e fez seu ultimo filme como uma velha dona de bordel, para não perder o mote que lhe tornou famosa, um dia saímos de cena. E a única fita que passa com cenas da gente é exibida no Show do Intervalo dentro do Baú do Esporte. E em todas elas, à exceção do Maurício, cujo gol tirou o Botafogo de duas décadas sem títulos, do Basílio, que também marcou um histórico gol que terminou com o jejum da Fiel, das figurinhas carimbadas de sempre, nós, coadjuvantes das grandes conquistas ou aparecemos antes das tomadas, roubando uma bola ou realizando a assistência, ou depois, correndo para abraçar o herói da conquista. Mesmo assim não alcançamos a tomada para apontar para nossa família: “Olha o papai ali, filho!” Quem mandou não ser o Nunes? Ou não se tornar arroz de festa tricolor como o Romerito?
Mas um dia uma alma caridosa com a nossa carreira, o jornalista Sergio Pugliese, entre a genialidade de um pincel e a câmera libidinosa de um diretor de cinema, mas com a sensibilidade artística de ambos, resolveu construir um museu da igualdade. Não do futebol que este já existe e tem a genialidade no papel principal. Como Pelé, Zico e Roberto Rivelino. Mas de pelada onde reencontraríamos o Mendonça, o Denílson, o Rei Zulu, e notícias sobre os rumos tomados por Carlos Alberto Pintinho. Um local democrático onde se faria, ainda que tarde do que nunca, justiça a bela carreira de Luis Pereira. E quem mais se lembraria da classe e humildade de Nei Conceição a desfilar pelo meio campo do Botafogo?
Em nome de todos nós que passamos uma vida dentro de um esporte coletivo que vive a exaltar feitos individuais como se um time fosse formado por Usain Bolt ou Cesar Cielo, que enfrentam o tempo, não onze adversários, obrigado Museu da Pelada. Desde sua fundação nós, ex-jogadores de futebol, coadjuvantes de tantas conquistas, ganhamos mais que o direito de posar em um quadro na galeria do futebol brasileiro. Mas um lugar onde a sacanagem com a história do ostracismo da gente deixará de ser exposta. E quem sabe com seu exemplo, ser respeitada para sempre.
O MARACA É DO POVO
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Brasil x Paraguai em 1985, com mais de 140 mil torcedores – Arquivo O Globo / Anibal Philot/
Na minha estreia no Maracanã fiz três gols no América. No Maracanã, joguei por Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo. No Maracanã já fui idolatrado e vaiado pela galera da Geral. No Maracanã, já dei balãozinho e acenei para a namorada da vez, na Tribuna. No Maracanã, assisti uma exibição do time de vôlei, de Bernard & Cia. No Maracanã, delirei com Frank Sinatra e Paul Mc Cartney. No Maracanã, chorei e sorri. No Maracanã, pela Máquina Tricolor, venci o poderoso Bayern de Munique. No Maracanã, Neymar comandou nosso primeiro título olímpico.
Todos craques sonham em pisar no Maracanã, sejam jogadores ou cantores. O Maracanã não é de Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo. O Maracanã é do povo! E o povo quer diversão e arte, futebol, música e o que mais vier. O Maracanã está em bocas de Matilde, empresas e clubes brigando por sua administração.
A Odebrecht mexe seus pauzinhos e faz suas indicações. A Odebrecht ainda tem moral para alguma coisa? A francesa Lagardere conheço dos tempos em que joguei no Olympique. O dono, falecido, era casado com uma brasileira, Beth Lagardere, e chegou a montar um time, o Racing de Paris, para fazer frente ao Paris Saint Germain. Não durou muito. A ideia era ótima, ter uma segunda força. A Lagardere administra estádios no mundo todo. Borússia Dortmund e Olympic Lyonnais são dois bons exemplos. No Brasil, cuida da Arena Castelão. Nem sei quais são seus concorrentes nessa disputa longa, interminável, e nem me interessa, mas duvido que a Lagardere não deixe Flamengo e Fluminense jogarem no Maracanã, pois seria uma grande sandice.
O povão quer um Maracanã que ele possa frequentar, com preços acessíveis, restaurantes, museus, atrações e futebol, muito futebol. Se não dá para melhorar a qualidade do futebol que pelo menos o Maracanã volte a ser um ponto turístico. O Maracanã não é dos clubes, é do povão, é do mundo, é do Rio de Janeiro.
A extinta Geral do velho Maracanã
RESENHA TRICOLOR
entrevista: Sergio Pugliese e Itiro Tanabe | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Perpetuo
Fim do ano é a época mais tradicional para os encontros entre os amigos e nas Laranjeiras não é diferente! Recentemente, a equipe do Museu da Pelada foi convidada para o 4º encontro dos ex-atletas do Fluminense, na sede do clube. Organizada por Helso Teia, a festa contou com a presença de craques de várias gerações do Tricolor e foi regada à muita cerveja e churrasco. Búfalo Gil, Carlos Roberto, Pintinho, Taílton Menezes, Alexandre Torres e os goleiros Paulo Goulart, Nielsen, Jorge Vitório e Ricardo Cruz foram alguns dos grandes jogadores que participaram do encontro.
Entrevistados pelo parceiro Itiro Tanabe, tricolor fanático, os craques não escondiam a alegria por participarem da festa ao lado de grandes amigos. Morando atualmente em Sevilha, Carlos Alberto Pintinho, um dos grandes jogadores da Máquina Tricolor, exaltou o evento:
– Esse encontro é maravilhoso! Devemos muito ao Helso, que conseguiu reunir toda a rapaziada! É muito importante para a família tricolor!
Pintinho, Sergio Pugliese e Alexandre Torres
Quem também marcou presença foi o ex-zagueiro Alexandre Torres, que atuou pelo Flu no fim da década de 80 e início de 90. Apesar de ser mais novo que muitos dos convidados, o ex-jogador revelou que convive com esse grupo desde a infância, pois seu pai, o saudoso Carlos Alberto Torres, o levava para a concentração e para alguns jogos da Máquina Tricolor.
– Tive o prazer de ver essas feras de perto! Tenho certeza que meu pai está observando a gente lá de cima e batendo palma para esse encontro!
O craque Taílton Menezes, que recentemente lançou o livro “Minha História de Amor Com o Flu”, era um dos mais alegres. Bicampeão carioca nas divisões de base do clube, o ex-jogador teve a carreira interrompida por problemas de diabete e, hoje em dia, faz sucesso na Rádio Cultura, de Itaboraí, onde se transforma na “Valquira Fashion” e diverte os ouvintes com a personagem.
Um dos momentos mais bacanas do evento foi a resenha entre os goleiros de várias gerações que vestiram a camisa tricolor. Jorge Vitório, muralha dos anos 60, Nielsen, camisa 1 da Máquina Tricolor, Paulo Goulart, campeão brasileiro pelo Flu em 84 e Ricardo Cruz, goleiro do fim dos anos 80, se deliciavam com o encontro e a admiração era unanimidade na resenha.
– O Fluminense sempre fez grandes goleiros! Eu sou prata da casa, vim do futebol de salão e tenho muito orgulho de ter jogado nesse clube! – afirmou Nielsen.
Paulo Goulart acrescentou em seguida:
– Aprendi muito com o Nielsen e tenho certeza que o Ricardo Cruz aprendeu alguma coisa comigo, pois ele veio logo depois! Essa é a alegria do nosso encontro!
– Cheguei a treinar junto com o Paulo Goulart, que sempre foi um ídolo pra mim, e fui muito ao Maracanã com meu pai assistir ao Nielsen! – lembrou Ricardo.
Veterano na resenha, Jorge Vitório, sem dúvidas, foi a grande inspiração dos goleiros que sucederam o ídolo tricolor. Tendo vestido a camisa do Fluminense de 1965 à 1973, Vitório participou das conquistas de três Campeonatos Cariocas, três Taças Guanabaras e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 70.
– Participei de um grupo muito bom! Além de serem grandes jogadores, eram grandes companheiros! Fico muito feliz de ter participado daquele time!
A equipe do Museu da Pelada partiu para outro compromisso, mas a festa dos ídolos do Fluminense varou a noite!
FAMÍLIA XAVIER
texto: Sergio Pugliese | foto: Reyes de Sá Viana do Castelo
O campinho da Igreja Maronitas agora é estacionamento e os cinemas Olinda, Metro, Carioca, América e Tijuquinha fecharam as portas. Tonico, Norberto e Jacaré também não moram mais ali. O tempo passa e transforma. Os bairros se desenvolvem, os meninos viram homens e grandes amizades se perdem no caminho. Mas mesas de bar não entram em extinção e uma sempre estará reservada para nossas lembranças. A pedido da equipe do Museu da Pelada, os três amigões retornaram a Praça Xavier de Brito, na Tijuca, onde foram criados, aprontaram miséria e aprenderam valores semeados até hoje. Esse laço forte, praticamente um nó de marinheiro, foi a base para montar o Xavier, um dos gigantes na extensa lista de times de pelada da cidade, duas vezes campeão na categoria adulto (71 e 83) e uma no infantil (74), no duríssimo Campeonato do Aterro. O Xavier fez história e essas belas histórias foram passadas adiante pelo saudoso jornalista e técnico Sergio Leitão no livro “Família Xavier”, lançado há alguns anos, no Country Club Tijuca. Torcedor fanático e arquivo ambulante, ele passou anos anotando tudo sobre seu time de coração, reuniu causos, fotos e o que poderia ser apenas um relato sobre peladeiros fanáticos na verdade é uma belíssima história de amor.
– Olha nossa pracinha! Jogamos muita pelada aí! – comentou Jacaré, ao lado dos antigos parceiros de time.
Conhecida como praça dos cavalinhos, a Xavier de Brito foi berço de grandes craques, um deles o artilheiro Jacaré, que até hoje, aos 65 anos, mantém uma forma impecável. Único a atuar nos dois títulos, em 71 e 83, ele foi ídolo nesses campeonatos do Aterro e, assim como Vovô, do Roxo, da Ilha do Governador, tinha até fã-clube. Os torneios, promovidos pelo Jornal dos Sports, de 1966 a 1985, eram a Copa do Mundo dos peladeiros. Milhares de times se inscreviam nas categorias infantil, infanto-juvenil, juvenil e veterano. A mais concorrida era a de adultos, com até 1.200 inscritos. Para ser campeão só vencendo todos os jogos. Se empatasse, pênaltis! Nove meses de confrontos de altíssimo nível. Um exemplo disso? A preliminar da final de adultos, em 71, entre Xavier e Milionários, de Copacabana, foi Surpresa e Sampaio. Estavam escalados para essa decisão de veteranos craques como Dida, Evaristo, Jouber e Barbosa. Sergio, Tonico, Norberto e Jacaré viram todos brilharem no Maracanã.
– Como imaginá-los um dia em nossa preliminar! Quanta honra! Deu Surpresa na cabeça, 4×0, com shows de Dida e Evaristo! – lembrou, Tonico.
Mas, nessa época, quem enchia os olhos da torcida eram os astros do Xavier: Zé Augusto, Tatá, Carlinhos Stern, Rob, Eduardinho, Tonico, Jacaré, Paulo Noce, Luiz Gordo, Pires, Érico, Raul, Norberto, Casanova, Frichilim e George Wilson, comandados pelo técnico Pastor na primeira conquista. Doze anos depois veio o time de Sergio Leitão: Ned, Dois, Durval, Dingue, Mauricinho Pacheco, Felipe, Bola, Marcelo Pinto, Neco, Ainho, Dida, Tatá, Marquinho Couto e Julio Cezar Presunto. Os torcedores entupiam os oitos campos do parque. Se acotovelavam para ver de perto a arte de Álvaro, do Milionários, Armando, do Chelsea, Hugo e Roni, do Capri, Alfredinho, do Doca, Marcelo, Joaquim e Cícero, do Clube Naval, Barriga, do Roxo, Filé e Cacá, do Ordem e Progresso, e Macieira e Néo, do Ark. Tempos geniais! Nas decisões por pênaltis, a galera invadia o campo e formava um anel. O genial Tonico, camisa 10 do Xavier, participou de 27 séries de três pênaltis e desperdiçou apenas uma das 81 penalidades. Naquela época, não havia revezamento entre os batedores.
– A pressão era grande. Sentia um calafrio do fio do cabelo ao bico do tênis – recordou.
Tonico, Norberto e Jacaré, os três amigos inseparáveis, comemorar a vitória do Xavier
O Jornal dos Sports dava cobertura completa e comentaristas famosos prestigiavam os rachas. A semifinal contra o Roxo foi antológica. Eduardo empatou, de falta, no último minuto, 4×4. Mais uma vitória nos pênaltis e no dia seguinte a manchete: “Norberto parou Vovô”. No Bar Pavão, os três amigos degustaram lembranças, massagearam o passado. Nos olhares, a admiração mútua. Naquela decisão, Xavier 2, Milionários 1, Jacaré, Norberto e Tonico só não fizeram chover. Paulo Noce fez um golaço e o goleiro Zé Augusto definiu o destino da partida defendendo um pênalti do fora de série Zé Brito. Paulo Renato, torcedor que passou pelo bar por acaso, emocionou-se e diante de seus ídolos chutou o balde: “Esses caras jogavam pra caralho!!!”. Jacaré conferiu o relógio e levantou-se. Tonico também precisava ir. Os três se abraçaram. Jacaré ia para o Engenho da Rainha, Tonico e Norberto, Barra. Destinos opostos, marcaram novo encontro para o mês seguinte. Caminhando em direção ao carro, Tonico deu uma última conferida na praça. Viu alguns meninos correndo atrás de uma bola, os observou por alguns segundos, riu em silêncio e partiu.
Entortou muito lateral na época da Máquina Tricolor, depois formou-se em Jornalismo e, agora, nos brinda em outro campo, o literário. É o autor de “Arquibaldo, o saudosista” e “Crônica de um fracasso anunciado”.